Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 10
Parte II - Capítulo um


Notas iniciais do capítulo

Não é dessa vez que o universo me derruba.

Boa leitura! E perdão pela demora cabulosa, mas quando a trava vem, ela vem com tudo!



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Nada no mundo justificava aquela loucura. - Quando Aro fez a oferta e eu a aceitei, não houve tempo para raciocínio, muito menos um pequeno intervalo para que a minha decisão fosse analisada e revista. Ele simplesmente se agigantou sobre mim, e em menos de meio segundo depois ele cravava os dentes em meus pulsos.

Nada era capaz de me preparar para a dor. - As chamas atravessavam as minhas veias, subindo pelos meus braços, envolvendo a minha garganta e lambendo o meu rosto. Eu gritei, tanto de medo quanto de agonia. Tentei usar as minhas unhas para abrir a minha pele e obrigar as chamas a saírem à força. Acima do sofrimento que me consumia, eu podia sentir o sangue escorrendo pelas feridas abertas, mas que logo eram seladas pelo veneno.

Não valia a pena. Eu preferia morrer do que continuar com aquilo. E eu gritei, desesperada para que ele me matasse, minha voz retorcida. Berrei com todas as minhas forças, o quanto os meus pulmões e a minha garganta em brasas permitiam. Quando o fogo chegou em meu coração, a dor se multiplicou por dez, e depois por cem, enquanto aquele órgão tolo bombeava o sangue maculado para o restante do corpo que ainda não tinha sido afetado. Eu me debati como louca no chão. Só percebi que Aro fazia algo quando outros gritos que não eram os meus passaram a me acompanhar. Em algum lugar da minha mente em desespero, registrei que aquele gritos deveriam ser de Natalie. Mas eu não conseguia pensar nela, apenas na minha tortura e no quão maluca eu tinha sido por ceder.

Não valia a pena! - Eu sentia as lágrimas caindo como uma torneira que vazava, a pele rasgando  sob as minhas unhas; mas a dor auto infligida era nada. Era como as carícias de uma pluma deslizando sobre o meu rosto, meu pescoço, sobre os meus braços. Cada pancada do meu corpo descontrolado sobre o chão de pedra era nada. Era como ir de contra a um colchão macio e suave.

Refém de um corpo em chamas, a minha noção de tempo tinha se perdido. Tudo que eu entendia era a agonia e os gritos desesperados. - Como se o tempo tivesse parado e a única coisa que restava era a tortura impiedosa do fogo. O próprio inferno na terra. O preço de se estar morrendo.

Só notei que algo havia mudado de fato quando as luzes das velas se apagaram e a minha pele não se abria; estava cicatrizada e oferecendo resistência. Um vislumbre de consciência me atingiu e parte da dor (1 de 100) se tornou secundária. Ela ainda estava ali, plenamente viva e atuante, as chamas não tendo aumentado nem diminuído um único grau, porém, pude conter a minha voz, transformando os sons tortuosos em grunhidos. Tentei manter o corpo parado, mas não tinha controle o suficiente para isso. Olhei ao redor. Uma leve penumbra cobria tudo, dando-lhe silhuetas demasiadamente disformes para conseguir identificar algo.

À medida que a minha mente clareava, a passos lentos, mais minha visão e meus ouvidos se apuraram. Encontrei o som do meu coração novamente, descompassado, lutando para expulsar o veneno de dentro dele. Era tudo em vão, como nossas súplicas, implorando por um pingo de misericórdia de alguém - qualquer um!

Tentei contar as batidas rápidas. Tentei vencer o tormento. Sem sucesso. Olhei ao redor mais uma vez, lembrando de Natalie e que ela passava pela mesma tortura. Vi sua mão retorcida para fora do colchão. Seus pés haviam balançado tanto que tinham caído os sapatos. Ela estava branca, quase tão pálida quanto um fantasma. A pele parecia mais dura e lisa. Tinha abandonado o lindo tom bronzeado e macio. Eu não podia ver o seu rosto, apenas ouvir a sua voz. E uma leve batida tão desnorteada como a que saia de dentro de mim.

Mais batidas. O tempo passava. Ou estaria o universo paralisado em sua eternidade? 

Algo se mexeu na entrada. Uma sombra encapuzada. Uma mulher? Deveria ser. Ela usava vestido negro e saltos scarpin de solas vermelhas. O conjunto lhe dava um ar sofisticado e formal. Um contrate estranho com os seus cabelos castanhos, quase negros, e cacheados, tão volumosos que parecia pertencer a uma selvagem. Uma selvagem muito sensual.

Ela se aproximou de nós, entrando na cela. Tentei lembrar se tinha a visto no torreão.  Sem sucesso. Olhou primeiro para Natalie, analisando-a minuciosamente. Ela tocou nos cabelos de Natie, sentindo a textura, estudando a pessoa diante de si, como se pudesse ver além do corpo que queimava. A estranha sorriu, aparentemente satisfeita. Ela veio até mim e se abaixou, fazendo o mesmo comigo e meus cabelos. Eu não sentia o seu toque tão leve. Seu semblante retorceu de frustração. Tentei comparar sua expressão a de Aro de quando ele tentou ler meus pensamentos - minha mente aos poucos ganhava espaço, permitindo novas percepções e recordar coisas mais recentes. - , mas as lembranças estavam turvas demais para ter uma precisão, como se eu tivesse tentando enxergar através de uma neblina fria e com pouca visibilidade. Podia ver apenas alguns metros à frente, com dificuldade. Desisti.

A estranha me olhou nos olhos. O brilho vermelho e vivo cintilava no escuro, como grandes diamantes carmins. Estonteante e medonho. Não deveria ter mais do que trinta anos quando foi transformada, dado os seus traços um pouco mais maduros. Era claramente latina, como Natalie. As características óbvias estavam ali, por baixo da palidez e da pouca melanina que restava. Seu rosto era arredondado, as bochechas cheias como as de uma criança. A boca era estreita e bem cheia, como a de uma boneca antiga, o nariz afilado e longo. Desproporcional, mas ainda muito belo.

Ela sorriu, um sorriso largo e amigável. Murmurou algo muito parecido com espanhol ou francês, mas que soava mais como música do que uma fala. - Cogitei por meio milésimo de segundo de que talvez ela realmente estivesse cantando para mim, mas descartei a ideia logo em seguida. Ela nem me conhecia. Não haveria um porquê. - Sua voz era clara e cristalina, dois tons mais graves do que o comum; ou pelo menos assim que eu julguei ser. Quando a minha mente tentou lembrar e comparar a voz de outras vampiras que eu havia conhecido, era como tentar ouvir através de um rádio com muitos ruídos de transmissão. A imprecisão me irritava.

A estranha ainda me olhava e falava quando outra sombra apareceu na porta da cela. Ela era imensa, tanto para cima como para os lados. - O homem estava vestido totalmente de negro, e por baixo do terno de linho, uma camiseta com capuz que cobria sua cabeça. Seu rosto era angelical: lábios pequenos, olhos estreitos e profundos, um pouco feminino; um contraste bizarro com o seu corpo incomumente enorme. Os músculos massivos se sobressaíram por baixo da roupa. Assemelhava-se a um grande muro de pedras pesadas. Sua barba espessa era ruiva, e os poucos fios de cabelo que escapavam da cobertura eram loiros acinzentados, com um ou dois fios brancos aqui e ali. Ele parecia mais velho ainda e sorria doce e discretamente, mas de uma maneira ainda mais encantadora do que a mulher. Em sua mão esquerda, uma aliança dourada e grossa, cuja as pontas eram retas, como se tivesse sido cortada de um cilindro e sem acabamento. Ela combinava com as suas mãos grandes, apesar dos dedos ligeiramente curtos e um pouco gordinhos.

Ele deu alguns passos à frente, sentando-se no beliche desocupado. A madeira rangeu por conta de seu peso. A mulher saiu de perto de mim, saltando na direção dele, com um sorriso de prazer no rosto. Surpreendi-me quando, em vez de um vulto, pude ver em detalhes os seus movimentos inumanos. Seu pequeno salto no espaço apertado era como o de um felino, um habilidoso gato, muito diferente do homem, que se movia vagarosamente e parecia um intimidador cão de caça. O homem abriu os braços para ela e a mulher se aninhou, repousando sua cabeça em seus ombros, o rosto virado para o pescoço. Ela se encolheu e o abraçou. Começaram a conversar baixo e imóveis. Pelos meus pacatos conhecimentos em espanhol, pude entender uma coisa ou outra do que diziam, mas eram palavras desconexas demais para formular algo concreto.

Tentei me concentrar em outra coisa, algo que pudesse distrair minha mente cada vez mais agitada e clara à medida que queimava. Foquei em meu coração, alto e forte, porém rápido demais. Escutá-lo fazia o tempo andar mais devagar. Os sons que vinham de Natalie eram igualmente inúteis. Apenas as respirações daqueles seres estonteantes, lentas e espaçadas, ofereciam uma maior passagem dos minutos e das horas. Fechei os olhos e contei. Podia sentir os olhos dos dois sobre mim, mas me controlei para não encará-los.

Doze mil, duzentas e dezessete respirações depois, eles se mexeram. Neste exato momento, um som sutil chamou a minha atenção, fazendo-me abrir os olhos. Deve ter sido o que chamou atenção deles também. Eram passos leves, como carícias em veludo. Logo atrás desses passos, pés ritmados, como os de um bailarino. Pude ouvir a voz de Aro (sedutora como uma víbora), comentando com o seu acompanhante o quão empolgado se encontrava. A pessoa comentou suavemente, usando poucas palavras. A voz era rouca, mas não menos feminina. Ouvi o farfalhar de suas roupas, a agitação no ar parado dos corredores. Ainda estavam longe, mas se aproximavam rapidamente, virando esquinas e descendo degraus de escada, cada vez mais fundo.

A mulher foi a primeira a se erguer. Ajustou a capa e saiu, não sem antes beijar a bochecha de seu companheiro. Ela correu, o som de sua corrida desaparecendo em poucos segundos, não sem antes virar três esquinas ou duas, se infiltrando mais ainda no que parecia ser uma labirinto gigantesco. O homem do terno de linho se levantou, ainda lento e despreocupado, ajeitou suas vestes, checando se havia amassado e voltou ao seu posto do lado de fora. Aro e sua companhia chegaram trinta segundos depois, alegres como se tivessem sido convidados para uma festa. O homem de cabelos negros cumprimentou o guarda, chamando-o de “Abner”. O sujeito grandalhão fez um pequeno acesso de cabeça, limitando-se apenas a dizer “Mestre”.

Quando Aro entrou no meu campo de visão, vi que usava o seu manto negro novamente e o cabelo estava soltou. Atrás dele, uma mulher de cabelos cacheados escuros e curtos, além de uma sobrancelha fina, quase apagada, espiava-me. Ela me olhou, curiosa, e fez uma pergunta a Aro no que creio que tenha sido italiano, porém, com um sotaque muito puxado.

Ele riu.

— Muito próximo. - confirmou ele, seja lá qual fosse o questionamento da mulher. - Ela receberá treinamento adequado e então poderá fazer companhia à vocês duas. Sabe como são os jovens; disciplina é o que os fará sobreviver neste mundo.

A mulher assentiu. Olhando para Natalie, fez outra pergunta, um pouco mais curta do que a anterior.

Os olhos de Aro se estreitaram.

— Ela ficará com Heidi. - Ele fez uma careta. - Heidi não ficará nem um pouco satisfeita com este arranjo, mas não há alternativas melhores.

— Demitri? - Questionou a mulher, sendo esta a única frase que entendi vindo dela.

Aro gesticulou negativamente.

— Demitri a torturou. - justificou. - Ainda que a transformação torne as lembranças dela turvas, trata-se de um evento próximo. Haverá certo ressentimento por parte de Natalie. Heidi poderá mantê-la sob controle e direcionar o seu dom para algo útil à guarda. - Uma genuína expressão de preocupação atravessou o seu semblante. - Em mundo que evolui a passos largos e quase imprevisíveis, todo reforço é válido e necessário.

A mulher que o acompanhava se aproximou mais dele, colocando a mão pequena e de aspecto frágil sobre o seu ombro. Ela sussurrou, igualmente aflita. Outra pergunta.

Aro a encarou com ternura e solenidade. Uma demonstração de afeto que em nada combinava com sua evidente soberba, mas que era tão sincera quanto seu desejo por mais poder.

— Creio que sejam apenas paranoias da cabeça de Caius. - murmurou. - Chequei cada mente neste castelo. Duas vezes. Nenhuma sombra de traição eminente. Ele insiste em continuar procurando. E depois da invasão daqueles estranhos aos esgotos e masmorras… a insistência dele está pior. Até Marcos está perdendo a paciência com o nosso irmão.

Outra pergunta. Apesar de ter sido feita em um tom muito sério, as palavras da mulher fizeram Aro rir.

— Se algo assim aconteceu, então esta seria a prova de que todos estavam errados e que vampiros podem, sim, envelhecer em algum nível. - Aro riu, uma risada incrédula e debochada. - Não, não. Tenho absoluta confiança que foi apenas uma coincidência. Afinal, a Srta. Isabella não é uma humana qualquer. Eu tinha confiança absoluta de que o antigo companheiro imortal dela a tinha abandonado definitivamente, porém, ficou claro que ele a vinha monitorando de perto todo esse tempo. São poucos os vampiros neste mundo capazes de se apegar alguém neste nível a um mortal. Requer abdicar de boa parte da natureza predatória. Uma filosofia de vida que precisa ser cultivada por muitas décadas, talvez séculos.

Minha mente entrou em choque com a esta nova informação. Eles falavam de mim e meu antigo companheiro... estranhos invadindo o castelo... sendo monitorada... Ele não poderia estar falando sério!!!

Pelo visto, a dor do veneno não era a única coisa capaz de me deixar atordoada naquele momento. Aro estava insinuando que Edward tinha vindo atrás de mim. Que estava me vigiando. Que pretendia me salvar. Aro estava brincando, certo? Fazendo uma piadinha de mal gosto, como quando ele jogou na me cara o fracasso do meu relacionamento. Ele queria me dar esperanças, me fazer enlouquecer e depois de quebrar. Só poderia ser isso. Não tinha outra explicação. Sadismo. Puro sadismo.

Mais uma pergunta da mulher, intrigada.

Aro arqueou uma das sobrancelhas, um ar presunçoso tomando conta de suas feições.

— Apenas um pequeno chute. - ronronou. - Claro, para todos os casos, ainda é um tiro no escuro. Mas tenho alguns nomes em mente, sim… Pedi a Georgiana que escrevesse algumas cartas e procurasse por alguns endereços. Tenho certeza que…

Antes que Aro pudesse concluir seu raciocínio, um som alto e saltado o interrompeu. Ele vinha de Natalie. Seus batimentos cardíacos, antes constantes, de repente se aceleraram, tirando o pouco do autocontrole que havia conseguido com o passar do tempo e com a aceitação melhor do veneno.

Os olhos do vampiro ancião se iluminaram.

— Está quase completo agora. Abner?

— Senhor? - O loiro grandalhão apareceu na porta, o semblante apático.

— Chame Colin, Jane, Alec e Félix. Vamos precisar de vocês cinco aqui embaixo agora.

— Sim, mestre. - E desapareceu.

No mesmo instante em que ouvi Abner se distanciar, fui surpreendida pelo o meu próprio coração. O órgão tolo, em uma última tentativa vã de permanecer mortal, passou a bombear o sangue com mais intensidade. Era doloroso e parecia que iria explodir no meu peito. Ao mesmo tempo, o calor do fogo passou a recuar das extremidades do meu corpo, abandonado as mãos, os pés, minha cabeça e meu pescoço. No lugar das brasas, minha garganta continuou ardendo, desta vez de sede. O fogo continuou o seu caminho, retirando suas tropas de onde o estrago já havia sido concluído, concentrando-se onde ainda havia resistência. Se antes a dor de queimar era insuportável, o fogo concentrado em meu coração era trezentas vezes pior. Como isso poderia ser possível?? Assim como Natie, eu gritei e contorci. Com a mente expandida, sendo capaz de vivenciar cada aspecto dentro e fora de mim sem nunca perder um único detalhe, tinha consciência de que implorar novamente era inútil.

Ouvi Aro regozijar e murmurar algo que não era em italiano (latim, talvez?), mas não queria entender. A felicidade dele com o nosso sofrimento me irritava.

Vai… pro… inferno! — consegui falar aos berros.

A esta altura, apenas o meu peito estava em chamas. Meu coração continuou sua luta perdida, gastando o agora pacato combustível que lhe restava. Em poucos segundos desacelerou e o fogo diminuiu, tornando-se uma pequena chama de vela. O último batimento, baixinho e diminuto, soou e então parou. A pequena cela caiu em total silêncio. Sem batimentos cardíacos, sem agitação de corpos em agonia, sem respirações, muito menos a de Aro. Sem dor.

Levei um milésimo de segundo para entender: acabou.

Abri os olhos, fitando o teto de pedra novamente, como tinha feito durante todo o meu tormento.



*EDWARD*

 

Eu podia ouvi-los, suas vozes sussurradas e seus pensamentos discretos. Até Rosalie estava com pena de mim. E sua compaixão fazia eu me sentir mais patético.

O pequeno sótão estava abarrotado com mobília antiga. Esme as guardava para uma possível reforma ou reaproveitamento futuro. A maioria dos objetos ali tinham sido projetados por ela, assim como cada uma das casas em que moramos ao longo do último século.

O sótão era o meu novo casulo. As minhas lembranças, o meu martírio. Muito melhor do que os olhares de lamento dos meus irmãos e de meus pais. Alice estava chorosa a maior parte do tempo, tendo vislumbres de visões disformes e indecisas. Sempre que algo claro surgia, ela via Bella novamente, em seus olhos carmesins mas gélidos, e suas roupas cinzentas. Vê-la assim, com toda sua beleza e o seu brilho destruídos, era pior do que a ideia do que estar diante de seu corpo sem vida. Bella estava condenada a uma vida monstruosa.

Eu ainda podia ouvir a voz dela, gritando desesperadamente. O seu rosto, tão maduro e adulto, visto pelos olhos do ancião, e a total ausência de medo. Exceto quando ele a chantageou. Nos chantageou. Ela temeu por mim, um monstro. E agora ela era um, também (Alice viu que ela já havia despertado). Será que ter sua humanidade arrancada de si, tão bruscamente, a tornaria tão implacável quanto um dia eu fui? Quis perguntar a respeito para Alice, saber o quão longe ela iria, mas tanto ela quanto eu estávamos em nosso limite.

Assim como eu, Alice desejava dormir, a fim de ter um momento de paz consigo, alheia ao sobrenatural. Ela praticamente obrigou Jasper a seda-la sempre que sentisse que seu humor estava ficando fora de controle. Era um torpor inebriante. Sua mente esvaziava e seu corpo, paralisado pelo terror de suas visões (terror que me amedrontava igualmente), relaxava. Jazz estava preocupado, pois queria que Alice lidasse de frente com os seus problemas sem se esconder atrás de suas habilidades convenientes, mas os fatos eram tão recentes que ele decidiu permitir um tempo para que ela descansasse. - Ele perguntou a mim, do outro lado da porta do sótão (quando me recusei a abrir) se eu não queria um pouco daquilo também. Eu quis rir. Parecia um traficante oferecendo drogas a um cara transtornado, como se seu material fosse a chave para resolver todos os meus dilemas. Tive que recusar. Eu não merecia sua caridade, muito menos o alívio.

Os dias passaram e eu não me mexi por quase dois meses, aproximadamente. Bloqueei a maior parte do fluxo de pensamentos dos de mais presentes na casa. Rosalie, que antes demonstrava se importar no início, naquela altura já estava perdendo a paciência comigo e Alice. Seus pensamentos eram constantes insultos dirigidos a nós dois e, por mais que Alice não pudesse ouvi-la, Rose sabia que eu o poderia fazer. Emmett ainda estava com raiva de mim, ressentido por eu não ter atendido logo a porcaria do telefone quando eles ligaram nas primeiras vezes, quando a possibilidade de Bella ainda permanecer mortal ainda existia. Jasper focava cada vez menos em Alice, dando-lhe abertura para voltar ao mundo real aos poucos. Alice estava lidando melhor com suas visões, permitindo olhar mais a frente, mas tentando desviar do futuro de Bella, pelo bem de seu emocional e do meu também. Esme andava de um lado para o outro da casa, passando pelo menos três vezes por dia no corredor que dava para as escadas do sótão, lançando-me palavras de consolo e carinho, dizendo que não era a minha culpa que as coisa tivessem saído do controle. Carlisle tentava a todo custo omitir sua verdadeira opinião, tanto verbalmente quanto mentalmente, restringindo-se apenas a me consolar também, e me lembrar de que eu precisava caçar. Exceto um dia, por meio segundo, ele deixou escapar os seus reais pensamentos. - Ele estava voltando para casa em seu carro e não notou que a distância em que estava já permitia que eu ouvisse o que se passava por sua cabeça. Otimista; ele estava bem otimista. Em algum lugar de seu íntimo, ele contava com a possibilidade de que Bella viesse até nós, pedindo para fazer parte da família outra vez, mas agora do jeito certo. Obviamente ele não a recusaria, e nem os outros. Talvez Rosalie ficasse desgostosa, mas uma hora ela iria ter que engolir sua decisão. E eu, por mais transtornado que pudesse ficar, uma hora iria ceder aos meus próprios sentimentos e aceitar o que o destino tinha imposto para que ficássemos juntos finalmente, e do  jeito certo.

Do jeito certo”. Se houve algum momento nesta existência em que eu quis dar um soco em Carlisle, com certeza este foi o pior de todos. Ele considerava que a minha felicidade era mais importante do que a vida humana e tranquila de Bella.

Este foi o único dia em que falei com ele desde que retornei para casa:

 - Quando a Bella quase morreu daquela vez, com James,  - perguntei, ainda de porta fechada, mas ciente de que ele podia me ouvir do outro lado da casa, em seu escritório. - se ela estivesse à beira da morte e sem chances de sobreviver, você teria a deixado se transformar. Teria, Carlisle?

O silêncio que caiu sobre a casa foi sufocante enquanto eu esperava a sua resposta.

Eu o ouvi largar o livro pesado que lia sobre a mesa  antes de responder:

— Talvez, se fosse a sua vontade.

— Não seria a minha vontade. - respondi, com amargura.

Mais silêncio.

— Tem certeza? Você deixaria ela partir desta maneira, sem ao menos dar a vocês uma chance… - verdadeira?

— Eu não sei. - Soou mais como uma pergunta do que uma resposta.

Acho que você sabe., concluiu, voltando a se concentrar em seu livro.

Mais uma semana se passou. A monotonia continuou. Até que Alice entrou em casa aos berros, chamando por Carlisle.

Seu tom de voz me assustou e seus pensamentos fizeram o meu corpo morto gelar por inteiro. Antes que eu pudesse raciocinar, já tinha me levantado do meu cantinho e disparado até o andar de baixo. Eu a segurei pelos braços, interceptando-a a poucos passos da  porta da frente. Antes que eu pudesse abrir a boca para lhe perguntar o que era aquilo, ela repassou a visão que tinha tido enquanto caçava, nos mínimos detalhes.

Carlisle chegou logo em seguida. Ele estava vestido para ir para o plantão noturno. Jasper apareceu dois segundos depois, em total alerta, procurando qualquer perigo iminente durante o trajeto de volta. Ele era tão ignorante quanto Carlisle; Alice não lhe deu explicações. Apenas disparou pela floresta, murmurando que precisava ser rápida.

— ALICE! - Jasper a arrancou de minhas mãos, prendendo-a em uma abraço de leão que teria facilmente esmagado e partido um carro ao meio. Ele lançou sobre ela a nuvem calmaria, e sobre mim também, mas eu rosnei para que ele parasse. Não era hora de remédio paliativos.

— Qual é o problema? - Carlisle estava alarmado com o nosso comportamento brusco. Em sua mente, mil e uma possibilidades e tragédias se formaram. - Você viu alguma coisa? - perguntou, tentando aproximar e olhar fundos nos olhos de Alice, mas ela escondeu o rosto na camisa de Jasper, recusando-se a responder.

Não tive alternativas. Ele precisava saber.

— Eles nos acharam, Carlisle. - Minha voz estava entrecortada e fraca. - Sabem que estamos aqui.


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Notas finais do capítulo

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