Um bom momento também era belo em sua simplicidade.

E houve um que marcou demais o coração da família Inuzuka-Aburame e se tornou uma memória valiosa, envolvendo doses gigantescas de acalento e bom humor. Que machucava demais pela pureza do gesto envolvido e se tornou uma faca de dois gumes...

O fato em questão aconteceu numa noite de domingo, quando Naruto chamou os amigos para uma comemoração: Sasuke concluiu o mestrado e conquistou mais um título acadêmico. Isso fez Naruto lotar a casa para um jantar animado com os grandes amigos. Sakura, Ino, Gaara, Shikamaru... Vários de longa data.

Mas conforme a noite avançava, todos iam se despedindo até que ficaram apenas os mais íntimos, aqueles que Naruto considerava família. E eram família de Sasuke por tabela.

— Mais um pouco de sake, Tsume-kaasa? — Naruto ofereceu.

— Não, obrigada. Hoje eu estou dirigindo. — Ela queria que a filha se divertisse mais, porque a Beta só pensava em trabalho. — Leve essa bebida para Hana.

Shino e Sasuke conversavam em um dos cantos da sala, Shibi juntou-se a eles partilhando o pratinho com petiscos que o Ômega segurava.

Kiba estava sentado no sofá, com Hikaru no colo, a pequenina em vias de fazer quatro anos e uma esperteza só. Kaoru sentava-se ao lado deles, louco para pegar a irmãzinha também. A menina era muito dada a carinhos, conquistava qualquer um. Junto a ela, uma pelúcia de cachorrinho branco que lembrava Akamaru. Hikaru nunca conheceu o mascote amado, mas se apegou ao brinquedo.

Masako veio da cozinha com algumas frutas picadas para a caçula. Assim que compreendeu que seria alimentada, Hikaru sorriu.

— É uma Inuzuka mesmo!! — Naruto sentou-se no outro sofá, só esperando sua vez de pegar aquela criança fofinha e feliz por comida.

— Diz isso pelo sorriso? — Kiba estufou.

— Não! Pela gulodice!! — E riu escandaloso.

— Hum, hum... — Tsume limpou a garganta, fazendo a face de Naruto exibir uma expressão de “Alguém me salve!!” que divertiu quem assistia a cena.

— Bem feito! — Kiba ficou bicudo. Onde já se viu, chamar sua filhotinha de gulosa? Só porque Hikaru tinha um apetite firme e confiável? Hunf.

— Eu amo as covinhas dela! — Kaoru esticou o braço e cutucou uma das covinhas com a ponta do dedo indicador. Hikaru tentou morder-lhe e os adultos riram.

— Que gulosa! — O Ômega se rendeu. — Isso não é comestível, menina. Vai ter uma diarreia.

— Ei! Kiba-tousan!! — Kaoru voltou a provocar a irmãzinha.

A atenção de Hikaru logo se voltou para Masako, que sentou do outro lado de Kiba e encheu a colherinha com frutas, e levou até a boquinha que já estava aberta ignorando o dedo que espetava sua covinha. E só cessou depois que Kiba acertou um tapa.

— Mas eu queria saber de onde diabos saíram essas covinhas. — Naruto falou alto, angariando a atenção dos demais. Em seguida ficou pensativo observando lentamente Kiba, Hana e Tsume. Nenhum dos três tinha covinhas.

Sem a menor dúvida, Masako e Kaoru nasceram com o sorriso dos Inukuza. Masako trazia muito dos genes Aburame, fisicamente herdou tudo de Shino, exceto pelo sorriso. Quando a jovem sorria, era todinha Inuzuka com aqueles caninos salientes esbanjando espontaneidade. Kaoru, por sua vez, era um Kiba em miniatura. Da ponta dos fios de cabelo bagunçado à extremidade do dedão, era um Inuzuka. E o sorrisão constante e arteiro, agressivo com caninos afiados pontuando a terceira geração Inuzuka.

Alias, pai e filho eram parecidos não apenas fisicamente. Naquela noite, sem que fosse combinado, vestiam camisetas em tom similar de vermelho, bermudas escuras e chinelos. Uma combinação inusitada que fez Sasuke torcer o nariz e comentar azedo algo sobre moda brega.

— Eita, porra!! — Kiba exclamou. — Hikaru herdou do Shino.

A frase dita com convicção teve o dom de atrair todos os olhares. O silêncio que nasceu com a reflexão de Naruto tingiu-se de surpresa.

— Herdou do Shino?! — O Alpha de cabelos loiros devolveu a revelação. — Esse cara nunca ri!

— Você que pensa! — Kiba gabou-se. — Tem noite que o sorrisão ali quase rasga a cara no meio...

E então o foco da atenção de todos era Shino, que apenas puxou a gola alta como se tivesse dificuldade em respirar. Logo entendeu que os adultos ali tentavam adivinhar o que acontecia a noite pra deixa-lo tão feliz a ponto de exibir um “sorriso rasga cara”. Pela expressão de Kiba, a conclusão era óbvia.

— Caralho, Kiba! — Naruto moveu a mão como se acertasse um tapa imaginário da cabeça do Ômega. — Respeita a gente, seu puto!

— Tsc! — Sasuke resmungou e foi buscar mais petiscos.

— Olha essa boca, Naruto! — A bronca veio de Tsume.

Mas quem roubou a cena foi Kaoru:

— Shino-tou nunca sorriu pra mim! — Ele soou indignado.

O clima descontraído sumiu como um passe de mágica. O ar ficou um tanto pesado, e Kiba captou através do vínculo que Shino se sentiu culpado. Seu lado Ômega reagiu no mesmo instante ele se ouviu dizendo:

— Nem para a Masako ou para Shibi-san. Nem pro Naruto... O Shino não é como a gente e os sorrisos dele não são o jeito que ele expressa alegria. Mas pra compensar temos a Hikaru, olha. — Ele olhou a filhote em seu colo, que enchia a barriguinha com frutas, sem nunca parar de sorrir e mostrar as covinhas. — Ela vai sorrir tudo o que o Shino não consegue.

Por vários segundos reinou o silêncio incrédulo pelas palavras que ainda ecoavam no ar. A sensação de culpa que tramitava pelo vínculo foi substituída por alívio, carinho e orgulho; em medidas similares. Shino ficou grato por ser resgatado de uma situação difícil.

— Caralho, Kiba! De onde saiu tanta sabedoria??! Nem parece você — Naruto debochou e caiu na gargalhada.

— Saiu do papel higiênico que eu limpo o cu! — O Ômega respondeu de mau humor.

— KIBA! — Tsume rosnou perdendo toda a paciência. — Olha essa boca! Você tem dois filhos adolescentes e uma criança aprendendo a falar! Cadê o respeito que eu te ensinei a ter? Quer que eu volte a modelar esse seu orelhão, moleque?!!

Sasuke, que estava voltando naquele instante, deu as costas e regressou para a cozinha. Naruto levantou-se do sofá e foi até Shino e Shibi, agindo como se estivessem conversando algo muito importante. Masako voltou a cuidar da irmã e Kaoru disfarçou tentando a técnica ninja de “eu nem estava lá”.

Hana chegou a erguer a mão, querendo interceder em favor do irmão, mas mudou de ideia. Preferiu tomar o sake ao menos naquela vez. Eram anos defendendo o irmãozinho sempre que Kiba cometia algum deslize. Parecia até mesmo uma tradição.

E o Ômega causador da comoção temeu que a mãe realmente cumprisse o prometido e viesse lhe castigar! Encolheu-se um pouquinho, meio que se escondendo atrás de Hikaru.

Quando Tsume começava com seus sermões inflamados, a coisa ia longe! Ele terminou a noite com a orelha doendo, não por levar um puxão, mas de tanto ouvir as broncas da mãe tigre! A única que não se abalou foi Hikaru, novinha demais pra entender o contexto ou outra coisa que, naquele instante, não fossem as frutas docinhas que comia.

Continuou exibindo o sorriso de covinhas que, agora todos sabiam, eram herdadas de Aburame Shino e dava uma pista de como seria caso o Alpha conseguisse sorrir livremente.