No meu último dia de vida, tomei café como em todos os outros.

Lembro-me de ter me levantado mais cedo naquela manhã, de modo que eu tivera que preparar minha própria refeição matinal. Havia mais alguém em casa? Eu não sabia. Só sei que oito horas depois estava estirada no gramado do condomínio, com os membros retorcidos de forma inumana, enquanto minhas vistas escureciam. Minha última visão foi uma cortina azul que esvoaçava para fora de uma janela escancarada no quinto andar, exatamente onde ficava meu quarto.

Depois... Bem, eu não sei o que veio depois. Convivo com essa incerteza enquanto vago entre os vivos, observando como eles agem e como desperdiçam seu ínfimo tempo nesse mundo. De vez em quando, um ou outro ainda nota minha presença, um cachorro late ou uma criança no mercado me espia longamente. Mas, a maior parte do tempo, a anonimidade da morte se estende sobre mim de forma fria e solitária. Quem seria eu se eu não estivesse morta? Não lembro meu nome ou de onde eu vim, se meus pais estão mortos ou se continuam vivos e sentem minha falta diariamente. Não sei se tive animais ou posses materiais. Esqueci de quem sou e não sei se o tempo ainda passa. Tudo parece meio estático e obtuso, mas as coisas e pessoas ainda parecem mudar constantemente.

Eu não sabia e o não saber me atormentava. Então a maior parte do tempo eu vagava, ciente dessa profunda dor que era o desconhecimento de mim, e tentava entender como as pessoas viviam para tentar entender o que significava estar morta.

Durante muito tempo, eu apenas existi.

Mas então, em um dia estranho, Daniel surgiu diante de mim.