Caríssimo diretor, demito-me. Escrevo estas linhas imbuída num espírito lânguido que me lança tremores febris pelo corpo ardente, mas esta minha decisão ponderada de abandonar os quadros da empresa que Vossa Excelência dirige com mão firme e uma inteligência rara não irá conhecer a irreversibilidade que talvez desejaria. Sinto-me compelida a deixar a maravilhosa equipa que dirige por não me sentir mais à vontade com as posições triviais que Vossa Excelência adota na mesa de reuniões do seu gabinete, naqueles dias em que é absolutamente imperioso trabalhar até mais tarde para responder ao tal cliente chinês que determina a sobrevivência da empresa e o escritório, numa meia-luz de bordel barato, convida a explorações pecaminosas dos sentidos. Nem sempre partilhámos opiniões e o debate anelante que se seguia à explanação suspirada de cada um dos argumentos principais foi sempre impulsivo, escaldante e muito elucidativo para a minha cútis arrepiada. Os gemidos entre gritos compunham sempre o seu domínio como inquestionável e eu rendia-me, sabe-lo bastante bem, sem insistir na infantilidade da minha proposta descabida. Chegava a escutar-me, por vezes, e foi muito gratificante ter essa importância para alguém como o senhor diretor, que sempre exalou uma paixão almiscarada e irresistível, à mistura com o perfume caro que comprava online numa loja exclusiva em Londres. Os detalhes sempre foram importantes, mas eu considero que nesta altura da minha vida preciso de menos pormenores e de mais horizonte, apesar dos protestos do meu corpo carecente. O teto e os espelhos do seu gabinete já passaram, lamentavelmente, de moda, mesmo que os incensos sejam divinamente atuais.

Despeço-me sensualmente com um beijo demorado, que repuxa a pele sensível dos meus lábios pintados com o mais tentador dos vermelhos, desejando, a si e a toda a sua equipa, muitos sucessos vindouros.