Silhueta escrita por Joker Joji


Capítulo 1
Unique




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Pôr-do-sol, um céu banhado em laranja vivo. Que tarde! Via rostos antigos nas nuvens amareladas, aquelas mechas rosadas tinham formato de felicidade. Viagens, piadas, todos os bons momentos iam e vinham na minha mente, como as folhas dos coqueiros à beira da praia.

 

Maresia. As ondas assassinavam o silêncio inocentemente. Havia um pouco de medo espalhado pela areia, invisível quase. Não que mais alguém percebesse, apenas eu, solitária nas pedras grosseiras e perdidas no encontro dos dois mares. Estavam todos em suas casas, nossa seleção dava adeus à Copa, e essa era uma boa desculpa para não se fazer nada pelo resto do dia. Eu cabulava os estudos, e revivia uma parcela apagada de mim mesma na borda da água salgada.

 

Rejuvenescia.

 

E das areias nasceram silhuetas, eclipses contornados pelo laranja holandês do céu. Silhuetas as mais diversas, irreconhecíveis por mim, máscaras de escuridão. Andavam. Debatiam. Preferi ficar quieta em meu canto, esperar que alguma viesse a meu encontro, ou apenas permanecer observando-as. Até que ponto suas vidas brotadas da areia poderiam levá-las?

 

As sombras se comunicavam com mar e céu ao mesmo tempo. Por um lado, assustavam-me; por outro, compreendia-as. No momento em que ninguém estava atento, elas surgiam, desesperadas por alguma vida, expressão. No fundo, gostariam que alguém as visse. Eu as analisava, extasiada. Eram perfeitas.

 

Uma delas virou-se para mim. Será que podia me ver? Eu a encarava onde seriam seus olhos. A silhueta desenhava um garoto, um em especial, tinha certeza. Veio caminhando até mim, lento, na mesma velocidade que as ondas celestes. Percebi que suas companhias pararam, interessadas no desenrolar de nossa história. Parei também de mexer meus pés. Estava atenta somente a ele.

 

No que chegou, manteve-se calado. Seus joelhos dobraram, ele afundou um pouco mais na areia. E curvou-se, numa reverência, cabeça baixa, aos meus pés descalços. Não sei por quê, mas senti uma ponta de vergonha. E um choque de felicidade súbita. Aquela sombra, tão graciosa!, que fingia ser ele! Quase me confundia...

 

Levantou sua cabeça aos poucos, como um súdito dedicado, como se olhasse para mim novamente. E, dessa vez, eu pude ver seus olhos, vagos e suplicantes, me chamando. Ele estendeu a mão. Parecia tão sólida! Atraía-me de uma maneira tão concreta... Ele e seus olhos de vidro, pés de areia, cabelos de nuvem. Lábios de mar...

 

Deitei minha mão na sua, e seu sorriso, ensolarado, iluminou também as outras silhuetas. Reparei que eu as conhecia. De algum modo, eram parte de mim. Todas sorriam em conjunto, e o sol se punha atrás de suas cabeças. Nossas cabeças.

 

Meu garoto puxou-me com delicadeza, ajudando-me a descer as pedras pontiagudas. Vem comigo. Chamava-me não com palavras, mas com o próprio vento, que empurrava minhas roupas para aquela multidão de seres amorfos. A areia enfim gelou meus dedos do pé, envolveu-os deliciosamente, assim como nossas mãos - minhas e de meu garoto.

 

Atrás, o céu escurecia, os prédios secos ficavam para trás. E todas as outras vidas. E dores. E pinheiros afiados, que tanto rasgaram a realidade - a qual eu, enfim, deixava para trás. As silhuetas me convidavam.

 

Tornava-me uma delas, caminhando e brincando a caminho do mar.


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Notas finais do capítulo

Um viva aos humanos e suas ilusões. Mais uma vez esse tema, pelo amor de deus XD Espero que tenham gostado! Critiquem, queridos.