A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 41
Escolha o Caminho do Amor




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Assim que Sara recebeu o abraço de Yuzu, passou por um breve momento em que não pensou nada. Ela apenas sentiu o abraço e começou a chorar no ombro da mãe da garota que ela amava, no ombro da mãe que tinha salvo a namorada da filha de sofrer algo horrível e traumático. Yuzu esperou Sara se acalmar um pouco e então disse:

— A gente vai sair daqui, tá bom? Quer que eu te leve pra algum lugar que você gosta aqui perto? Podemos ir pra algum lugar que tenha outras pessoas, mas que também dê pra gente conversar tranquilas, pode ser?

— Pode sim... Obrigada - respondeu Sara, tentando engolir o próprio choro e se recompor. - Eu gosto da sorveteria Skandallus, é pertinho daqui.

— Então vamos pra lá - disse Yuzu, enquanto colocava uma de suas mãos sobre o ombro de Sara e a conduzia pra fora do almoxarifado.

— Ah... Mas e o Gerson? - Disse Sara, quando já tinham passado da porta.

— Ele não vai mais te incomodar, acredite. O Gerson é uma pessoa horrível que só se importa com ele mesmo, mas ele leva a convivência aqui na igreja muito a sério. Pra pessoas que nem ele, o que acontece aqui na igreja é a razão da existência delas. A realização pessoal do Gerson depende totalmente do que acontece aqui. Isso vale tanto para coisas boas quanto para coisas ruins... - disse Yuzu, que durante essa fala, não fez contato visual com Sara.

Depois dessa resposta de Yuzu, Sara ficou analisando as expressões faciais dela e procurando relações para explicar o porquê da mãe da sua namorada pensar aquilo. - Ela falou isso tudo sem olhar pra mim agora... É como se ela estivesse dizendo isso e lembrando de coisas específicas que ela viu. Sim, a mãe da Yumi está falando isso com base em memórias. Eu concordo com ela, tenho essa mesma impressão do meu pai. Provavelmente ela disse isso tudo pensando no senhor Yuji.

As duas continuaram andando e chegaram ao portão que ficava no fundo do pátio, que estava aberto. Nisso, Sara perguntou:

— Desculpa, mas como que você tinha a chave do portão? - indagou Sara, que genuinamente disse o que tinha acabado de vir na sua cabeça.

— Eu tenho a chave porque sou diaconisa, então uma das coisas que eu faço é abrir e fechar a igreja pras atividades que vão acontecer aqui - respondeu Yuzu, dessa vez fazendo contato visual com Sara.

— É por isso que você veio pra igreja hoje? Vai acontecer outra atividade aqui, além da reunião do clube? - perguntou Sara, que agora precisava saber por qual motivo Yuzu estava na igreja, justamente no momento em que ela precisava de ajuda.

— Na verdade, hoje eu não tinha nenhuma atividade pra resolver aqui... - respondeu Yuzu de forma vaga, enquanto olhava para o chão.

— Ah, desculpa mais uma vez, mas não faz sentido você ter vindo aqui se não teria nenhuma atividade hoje, Yuzu. Por favor, me fala a verdade - respondeu Sara, colocando um desejo por sinceridade na sua entonação de voz.

— Tá bem, o motivo é que eu não queria ficar em casa com o Yuji. Já aguento ele a semana toda quando estamos trabalhando no mercado e eu já passei o sábado resolvendo coisa da igreja com ele ontem - disse Yuzu, que saiu pelo portão quando terminou essa frase. Quando ela já estava a uns quatro passos de Sara, se virou pra trás e lançou um olhar para a garota, chamando-a para vir junto. Então, Sara acompanhou Yuzu e as duas andaram até a esquina da igreja, quando Sara quebrou o silêncio mais uma vez.

— Eu entendi que você não queria ficar perto do senh... Ah... Ficar perto do Yuji. Mas por que você veio pra igreja? Você poderia ter ido pro mercado e ver o trabalho dos funcionários, ou ir passear sozinha em algum lugar.

— Bom, como que eu explico... Quando eu saí de casa eu não tinha escolhido um lugar pra ir, mas me deu uma sensação diferente no caminho, era como uma necessidade de vir aqui. Quando me deu a sensação eu pensei em ir pro mercado e trabalhar pra ocupar a cabeça, depois achei que era melhor ir pro Parque Cachoeira pra ficar tranquila vendo a natureza, mas minha intuição só me deu um sinal positivo sobre o que eu estava fazendo quando eu entendi que precisava ir pra igreja, aí minha sensação de incômodo parou e eu vim pra cá - respondeu Yuzu, que fez contato quando terminou a frase, num olhar que indicava que aquela era uma resposta sincera.

— Yuzu, quando eu entendi o que o Gerson iria fazer eu fiquei sem atitude, não conseguia gritar e nem me mexer. Fiz muito esforço pra conseguir me mexer e tentar sair daquela situação, mas ele era mais forte que eu. Tentei gritar pra pedir ajuda, mas a minha voz não saia. Nunca senti algo assim... Já me senti impotente, mas aquilo foi diferente, e quando eu estava mais desesperada do que eu sabia que eu podia ficar, eu pedi ajuda pra Deus, porque se fosse eu sozinha com o Gerson ele iria poder fazer o que quisesse comigo - respondeu Sara, de forma incrivelmente calma, considerando a intensidade do que tinha acabado de lhe acontecer.

— Então eu acho que você já entendeu a explicação do porquê eu tive aquela sensação antes de vir pra cá, não é? - respondeu Yuzu, agora com uma expressão que Sara não conseguiu ler.

— Sim, foi Deus - respondeu ela, de forma simples, porém, com tranquilidade.

— Vamos logo, ainda faltam algumas quadras pra chegarmos lá - respondeu Yuzu, depois de dar um sorriso para Sara.

As duas seguiram o caminho para a sorveteria e permaneceram em silêncio. No caminho, Sara não pode deixar de questionar - será mesmo que foi Deus? Bom, é coincidência demais a Yuzu ter sentido uma necessidade inexplicável de vir pra igreja e dar tempo dela impedir o Gerson de fazer aquilo comigo. Improvável seria um eufemismo, a chance de algo assim acontecer é inexistente. Então a única explicação é que foi Deus? Ah... De qualquer forma, Yuzu apareceu na hora que eu mais precisava, então saber que eu preciso ser grata a ela já é o suficiente.

— Ah, Yuzu, desculpa mas eu queria perguntar mais uma coisa... - disse Sara, olhando pro chão, enquanto as duas andavam pela calçada.

— Pode dizer.

— Você disse que não aguenta mais o Yuji. Sei que não é da minha conta, mas tem algum motivo específico? Tipo, alguma coisa recente que aconteceu? - Indagou Sara, olhando de relance pra Yuzu e depois desviando o olhar novamente.

— Isso também... Mas é complicado. Na verdade eu já não aguento o Yuji há muito anos, desde que ele... Enfim, acho que você sabe a história. Mas também tem coisas recentes sim - respondeu Yuzu, como se estivesse pensando em voz alta e sozinha, que é a mesma que as pessoas tímidas falam quando estão conversando com alguém que confiam.

— Entendi, parece complicado mesmo... - Respondeu Sara, que não tinha tido a curiosidade satisfeita pela resposta, mas que estava tentando ser compreensiva com os sentimentos de Yuzu e captar nuances, até que percebeu - você tem o mesmo jeito de falar da Yumi, sabia? Ela também é assim quando compartilha sentimentos.

Ao ouvir isso, Yuzu se virou para Sara e ficou parada olhando pra ela, sem dizer nada. - Será que eu falei demais? Sim... - foi o pensamento imediato de Sara. Então, nos próximos segundos de silêncio, outros mil pensamentos vieram para lhe deixar ansiosa. - Eu não tenho intimidade com a Yuzu, porque fiquei tão confortável perto dela tão rápido? Bom, ela me salvou agora, é mãe da minha namorada e ainda age igual ela, talvez seja isso. Droga, falei demais, não podia ter falado da Yumi perto dela e agora a mulher não fala nada.

— Eu conseguia tolerar melhor o Yuji quando a Yumi ainda estava aqui. Me fazia bem poder cuidar da minha filha, me lembrava do propósito pra eu ainda estar com o Yuji - disse Yuzu, dessa vez de forma seca. Na sequência, ela se virou e continuou andando.

Ufa, ainda bem! - pensou Sara de imediato, sentindo o máximo de alívio que podia, depois daquele momento esquisito. - Ah, então era a Yumi que equilibrava o casamento dos pais. Bom, era de se esperar...

As duas continuaram andando, em silêncio, até a sorveteria. Sara seguiu Yuzu até o balcão, onde pediram duas casquinhas de morango. Yuzu pagou a atendente do caixa, e foi junto com Sara até uma das mesas que ficavam do lado de fora. Quando já estavam sentadas, cada uma com um dos sorvetes, Sara perguntou:

— Certeza que você prefere ficar aqui fora?

— Tenho sim, é melhor... Ah, Sara, sobre o que acabou de acontecer na igreja, tente não pensar no que poderia ter acontecido se eu não tivesse chegado, ok? Você já deve tá precisando lidar com muita coisa, então não fique revivendo isso - disse Yuzu, se esforçando para agir de forma acolhedora com a garota.

— Tá bom... Vou tentar não pensar nisso. Mas mesmo assim, muito obrigada mesmo! - Respondeu Sara, com a voz baixa, enquanto expressava sinceridade e gratidão no mesmo olhar.

A conversa seguiu e as duas não falaram mais sobre o ocorrido. Primeiro Yuzu, quis saber sobre como estava a vida estudantil de Sara. Não perguntou sobre os seus pais, apenas sobre como era a sua rotina. Depois, Sara contou sobre seu gosto por desenho e o que gostava de fazer nos momentos livres. Esse foi o momento em que Yumi voltou a ser mencionada na conversa.

— Eu lembro da Yumi me contando, ainda quando vocês eram crianças, o quanto você gostava de desenhar. Ela falou que você era muito esforçada e que desenhava bem. Mas não fazia ideia que você conseguia fazer desenhos realista, parabéns, um dia vou querer ver seus desenhos - disse Yuzu, com razoável entusiasmo e aparentando surpresa.

— Obrigada, de verdade! Ah, não sabia que a Yumi falava de mim... - Respondeu Sara, que agora tinha percebido que a conversa havia se encaminhado para um terreno delicado de se lidar.

— Sim, ela falava bastante de você... A Yumi não era próxima de outras pessoas, mesmo quando ainda morávamos em São Paulo. Eu acho que você fazia bem pra ela - disse Yuzu, pensativa e sem olhar diretamente para Sara enquanto falava.

— Eu não sabia que a Yumi falava de mim... Fico até meio constrangida, porque eu não falava dela em casa. Não que eu quisesse esconder ela ou algo do tipo, mas é que eu nunca consegui conversar muito com em casa, principalmente com o meu pai - respondeu Sara, procurando ser sincera com Yuzu.

— Eu imagino, o Rodrigo é uma pessoa complicada. Não que o Yuji seja muito melhor, enfim... A Yumi também não conversava muito com o pai, mas comigo ela sempre falou bem de você - disse Yuzu, que agora tinha iniciado contato visual com Sara, antes de iniciar um breve momento de silêncio na conversa.

Essa situação... - pensou Sara - É improvável, um tanto estranha, mas também é uma chance. Mas é arriscado falar pra ela o que eu tô pensando... Mas a oportunidade também é única. Mesmo assim, posso estragar tudo se eu falar isso. Mas se eu não falar as consequências vão ser ruins... Certo, é arriscado, mas não seria justo com a Yumi eu deixar essa chance passar. Sim, pela Yumi eu preciso tentar!

— Yuzu... Eu preciso falar uma coisa, mas é um tópico sensível, posso? - perguntou Sara, da forma mais polida que pode e se esforçando para conter sua preocupação.

— Hum... Ok, pode falar, vou ouvir - respondeu Yuzu, dessa vez mantendo o olhar fixo em Sara e com uma expressão facial difícil de ler.

— Me aproximei da Yumi quando tínhamos oito anos. Muita coisa mudou de lá pra cá... Uma delas foi a forma como a Yumi se valida diante do mundo. Quando ela tinha doze, começou a estudar piano, um segredo que ela só compartilhou comigo. Vi a Yumi se desenvolver, vi ela se tornar uma pianista, vi o piano se tornar o que usa pra se validar como pessoa. Eu desenho, a Yumi toca piano. O desenho faz parte de quem eu sou, eu preciso disso para ser eu mesma, a Yumi precisa do piano. Antes de ir pro internato, a Yumi me disse que o sonho dela era ser uma pianista de concerto e que pra isso, ela iria fazer o bacharelado em piano da Belas. Yuzu, pra Yumi realizar o sonho dela, ela precisa fazer o vestibular da Unespar nesse ano, mas ela só vai poder realizar esse sonho se você deixar ela vir pra Curitiba e prestar o vestibular - disse Sara, finalizando o monólogo, antes de permanecer em silêncio por vários segundos, esperando a resposta da Yuzu.

— Sara... É complicado... Eu acho que eu não posso, desculpa - respondeu Yuzu, que agora não conseguia mais manter o contato visual com Sara.

— Yuzu, é o sonho dela, porque você não pode deixar ela fazer o vestibular? - respondeu Sara de imediato, se esforçando para conter o medo que ela tinha ao ouvir aquele não.

— Você sabe o motivo pra ela estar no internato... Eu não posso deixar ela voltar pra cá, porque vocês vão se envolver de novo. É por isso que o Yuji determinou que na graduação ela vai pra outro internato. Ele entende que esse é o melhor pra ela, o pastor também entende que esse é o melhor pra ela. Se eu deixar a Yumi perseguir os próprios sonhos, inevitavelmente ela vai vir atrás de você também - respondeu Yuzu, que aparentemente, sentia dor ao dizer aquelas afirmações.

— Yuzu, você é a mãe dela. Eu sei que a Yumi é a pessoa que você mais ama nesse mundo. Você carregou ela dentro de você, amamentou ela quando era bebê. Viu ela crescer e se tornar uma menina maravilhosa e única. Uma menina que sonha em ser uma pianista. Yuzu, você não pode negar a felicidade pra pessoa que você mais ama no mundo, ela é sua única filha - respondeu Sara, que a voz trêmula e lutando ao máximo para não perder o controle durante a conversa.

— Sara, nós somos cristãs, na nossa religião isso é pecado. Deus não se agrada disso porque é essencialmente errado. Se eu permitir que a Yumi siga por esse caminho, ela não vai pro céu e a culpa será minha - respondeu Yuzu, que agora tinha começado a lacrimejar.

— Yuzu, você tem total certeza disso que você acabou de dizer? Essa é a opinião do meu pai, um completo de um insensível. É a opinião do Yuji, que diferente de você, nunca se importou com a real felicidade da Yumi. É a opinião dos pastor e dos anciãos que estavam na comissão em que separaram a gente. Yuzu, eles são homens horríveis e falsos, que não se importam com a sua filha. Todas as qualidades maravilhosas que a Yumi tem na personalidade dela, esses homens não tem. Yuzu, você tem certeza de que permitir que a Yumi seja feliz vai trazer a perdição dela? Você tem certeza de que esses homens horríveis estão certos sobre uma coisa, e a Yumi está errada? Você tem certeza de que ela está praticando o mal por ser quem ela é?

— Sara, o que vocês fizeram era pecado e o pecado é mau. Não posso permitir que a minha filha siga pelo caminho do pecado, porque eu sou a mãe dela e eu a amo - disse Yuzu, agora com lágrimas escorrendo do rosto. - Desculpa Sara, mas eu não posso deixar a Yumi fazer o vestibular que ela quer. Desculpa por isso...

Sara ouviu a afirmação e simplesmente não conseguiu responder. Não porque lhe faltaram palavras, mas porque ela não soube o que pensar sobre o que tinha acabado de ouvir.

— Desculpa por isso, Sara, queria que não fosse assim - disse Yuzu, enquanto tirava dinheiro da bolsa. - Aqui, pra você pagar pelos sorvetes e pra caso você queira mais alguma coisa... Pode ficar com o que sobrar, eu vou pra casa. Por favor, não fale comigo sobre isso outra vez, isso é muito difícil pra mim e eu não consigo me sentir bem com essa situação.

No momento em que terminou de falar, Yuzu saiu da sorveteria e foi para um ponto de ônibus, que ficava em outra quadra, de onde não era possível ver a sorveteria. Sara ficou sentada, sozinha, por alguns minutos. Ficou incrédula com a afirmação de Yuzu, mas também ficou profundamente triste, pois aquela era a única chance que a Yumi teria de fazer o vestibular. Sara teve uma única chance de ajudar Yumi, mas falhou.

***

Yumi estava sozinha na mesa do refeitório do internato. Era sábado à tarde e a maioria das pessoas já tinham terminado de almoçar. Yumi tinha almoçado com a Rute e a Luana, mas as duas saíram da refeitória mais cedo do que o habitual. As duas não pareciam muito contentes, especialmente Luana, que nem chegou a terminar de comer o que havia no seu prato. Rute, quando terminou de comer, avisou a Yumi que iria conversar com a Lu. Então, Yumi aproveitou o tempo sozinha para pensar sobre as coisas. A rotina no internato era intensa, então os momentos livres em que ela estava sozinha eram raros.

Aquele sábado era o sábado do dia 01 de outubro, ou seja, na segunda-feira do dia 03, seria encerrado o período de inscrição para o vestibular da Unespar. Até aquele dia, Yumi tinha sido capaz de manter sua tranquilidade. Intuitivamente ela sabia que Sara iria achar uma solução para o problema, pois ela tinha prometido que faria. Yumi, além de otimista, tinha fé na capacidade da Sara de pensar num plano para resolver uma situação aparentemente impossível. Porém, apesar de sua total confiança na sua amada, era impossível não sentir um embrulho no estômago com a situação envolvendo o prazo.

Yumi, apesar de sentir um certo desconforto com aquela expectativa pelo vestibular, decidiu que não iria gastar o próprio tempo alimentando aquela preocupação. Então, depois do seu momento sozinha na refeitória, voltou para o dormitório. Assim, quando chegou no quarto, se deparou com a Luana chorando, com a cabeça deitada no ombro da Rute. Yumi, que até então estava focada nos próprios pensamentos, demorou alguns segundos para assimilar a situação diante de si. Porém, assim que percebeu a sensibilidade daquele momento, fechou a porta do quarto e foi se sentar ao lado da Luana.

— Lu, faz já faz algumas semanas que você começou a ficar mais tristinha... Ontem tive quase certeza que tinha ouvido você chorando de madrugada. Hoje você não tomou café da manhã e no almoço não comeu quase nada. Por favor, me fala o que tá causando dor, quero te ajudar - disse Yumi, de forma afável e demonstrando toda a sua predisposição para entender os sentimentos da outra.

— É complicado... E não é algo que eu possa sair contando - respondeu Lu, enquanto tirava a cabeça do ombro da Rute e tentava se recompor.

— Amiga, você pode contar pra Yumi, ela também é... - respondeu Rute, com um tom de voz menos afável, mas que também soava compreensivo.

— Sério?! Quando você soube? - Respondeu a Luana, fitando Rute, com uma expressão genuinamente surpresa.

— Ela me contou no começo do ano, foi por isso que começamos a ser amigas também - disse Rute, enquanto olhava pra Yumi com um sorriso orgulhoso.

— Ah, isso explica tudo então. Ok, agora me sinto segura pra falar... Yumi, eu sou lésbica - respondeu Lu num volume bem mais baixo do que antes, enquanto se aproximava das outras duas garotas.

— Entendo... Eu também sou lésbica, é por isso que meus pais me mandaram pra cá, descobriram que eu e minha melhor amiga namorávamos e decidiram nos separar - respondeu Yumi, tentando proporcionar conexão e conforto pra outra.

— Hum, por isso que você veio pra cá no meio do ano - respondeu Lu, de imediato.

— Sim, foi tudo bem complicado... Mas por favor, me explica porque você tá triste - disse Yumi, mantendo o tom afável.

— Porque eu tenho medo... - respondeu Lu, cabisbaixa.

— Medo dos seus pais? - Perguntou Yumi, se aproximando de Luana e mantendo o volume de voz baixo.

— Tenho medo Deus, tenho medo estar errada e ir pro inferno... E faz muito tempo que eu estou assim e não consigo ter paz, sinto que preciso de punição... - respondeu, aparentando estar se esforçando para não demonstrar angústia

— Lu, pode me explicar como exatamente isso tá acontecendo na sua vida? O que é "não ter paz" pra você e o que é a punição que você acha que merece? Acho que isso é um bom ponto de partida, se você se sentir confortável para falar sobre isso, é claro - disse Yumi, sabendo que tinha iniciado a conversa já num ponto sensível.

— Bom, é que quando comecei a ter atração por algumas colegas eu me fechei muito, tinha vergonha de mim e nojo também - disse Luana, fazendo pequenas pausas entre as palavras e evitando fazer contato visual. - É difícil falar disso porque isso sempre foi um conflito interno que tive entre as crenças religiosas e todo o resto de como me entendo como gente... Daí veio o meu sentimento de necessidade por punição... - quando chegou nessa parte do relato, ela fez uma pausa mais longa antes de continuar - Bom, às vezes eu me tranco no banheiro e me obrigo a parar de pensar certas coisas, pra conter meus desejos. Faço isso me obrigando a sentir dor física.

Ao terminar a frase, lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da Lu. Ela não tinha dito, mas a Yumi sabia que provavelmente ela estava guardando aquele segredo há anos e só contou pra ela por esta ser uma menina lésbica. Então, instintivamente, num gesto de empatia, Yumi abraçou a amiga e esperou ela se acalmar, antes de continuarem a conversa.

— Eu sei que é difícil falar sobre essa coisas... - começou Yumi, falando próximo ao ouvida da amiga. - Eu também me fechei muito por causa disso, mas quero que você saiba que você não está sozinha e que não é a única que está passando por isso. Sei como as pessoas podem ser horríveis e fazer com que pensemos que somos ruins, que merecemos ir pro inferno por quem nós somos... Mas eu posso te garantir que esse sentimento de ódio não vem de Deus. Ele é amor e nos ensinou a amarmos ao próximo como a nós mesmos. Não ache que você não vai pro céu por você ser uma garota que ama garotas. Está tudo bem, juro pra você que o céu é o lugar para pessoas que amam, não para as que odeiam! - Disse Yumi, demonstrando afetividade e certeza numa única frase.

— Eu tenho de... Meu medo é que eu tenha pecado e não consiga mais ouvir a voz de Deus por causa disso. Meu medo é ter pecado contra o Espírito Santo e não ser mais capaz de ouvir a voz de Deus falar ao meu coração. Tenho medo de ser má e não perceber - respondeu Lu, que agora tinha voltado a chorar.

— Na Bíblia, o pecado contra o Espírito Santo acontece quando a pessoa peca tanto, se torna má e por isso, perde a sensibilidade para sentir Deus na sua vida - respondeu Yumi, com muita calma.

— Então, você também não tem medo de ser má e não perceber isso? Você não tem medo de estar errada e ir pro inferno? - Perguntou Luana, demonstrando angústia ao fazer a pergunta.

— Teologicamente, somos seres sensíveis à voz de Deus, pois Ele fala pra nós através do Espírito Santo. As coisas boas vem de Deus, nossos pensamentos bons tem conexão com Ele. Nossas virtudes também, o melhor que há em nós também. Todas as pessoas que se importam com o semelhante e fazem coisas boas, todas as que amam genuinamente, se conectam com Deus através desse sentimento de amor - respondeu Yumi, ainda aparentando calma.

— Mas então, como eu sei se eu sou boa ou má? Como eu sei que não estou errada em ser lésbica? - Respondeu Luana, que agora estava olhando fixamente para Yumi, atenta ao máximo para o que a amiga iria dizer.

— Jesus resumiu a lei divina em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a você mesmo. Você e eu somos cristãs, seguidoras de Jesus, então acreditamos na lei do amor. O amor é o melhor sentimento que existe, ele é o que há de melhor em nós. Então, se os nossos sentimentos bons vem de Deus, e se nós conhecemos Deus através desses sentimentos, cada um deve usar a capacidade de amor que existe em nós, porque essa capacidade vem de Deus. Lu, você ama alguém? - indagou Yumi, com a voz serena, mantendo contato visual com a amiga.

— Amo uma garota, desde os meus doze anos. Não falo com ela desde que vim pro internato, mas sinto saudades, porque ela é a pessoa que eu gosto - respondeu Lu, mas dessa vez, sem chorar.

— Pessoas que pecaram contra o Espírito Santo não sentem receio de terem cometido esse pecado... Se Deus é importante pra você, ame a Deus. Se a menina que você gosta é importante pra você, ame essa garota. Através do amor você vai poder ouvir o Espírito Santo falar ao seu coração. Através do amor nos conectamos com as pessoas e nos conectamos com Deus. Continue amando, Lu, sem sentir receio de que o seu amor não é bom. Porque na verdade, sua capacidade de amar é o que você tem de melhor. Então, ame! - disse Yumi, que deu um último abraço de consolação na amiga.

— Yumi, obrigada! - Respondeu Luana, que dessa vez, estava chorando por alívio.

***

Yumi

Oii amor, espero que esteja td certo com vc!!! Queria contar que hj eu descobri que a minha colega de quarto, a Lu, também é lésbica. Conversamos e pela primeira vez senti que pude ajudar alguém na sua jornada. Antes eu tinha gastado muita energia pra me entender e conseguir me aceitar e isso foi importante. Mas percebi que tão importante quanto é poder compartilhar essa tranquilidade com outra. Estou feliz por isso, senti que fiz uma coisa boa!!!

Só mais uma coisa que eu queria dizer... Sei que nessa segunda vai acabar o prazo pra inscrição do vestibular. Por favor, não fica preocupada ou se culpando por isso. A minha situação é diferente da sua, então não sinta remorso se vc puder fazer a prova e eu não. Mas, independente disso, não quero deixar de ser otimista. Tenho que se ainda existir a possibilidade de eu prestar o vestibular, vc vai descobrir como. Enfim, era isso.... Até a próxima mensagem querida. Te amo muito, fique com Deus ♥

obs: pra ajudar minha amiga disse que através do amor podemos ouvir o Espírito Santo falar ao nosso coração. Falei q é através do amor nos conectamos com as pessoas e nos conectamos com Deus. N sei pq, mas senti importante deixar isso anotado...

Era sábado à noite e Sara terminou de ler a mensagem. Ler aquilo foi um soco no coração, pois Sara tinha certeza que na próxima vez que elas trocassem mensagem, seria depois do prazo ter passado e depois de Sara ter falhado em ajudar Yumi a realizar seu sonho. Então, num impulso, Sara desligou o computador e se colocou a pensar.

Aquele dia em que eu conversei com a Yuzu, era ali a oportunidade. Acho que aquela chance nunca mais vai se repetir. Eu tive uma chance de mudar a situação e eu não consegui aproveitar. A Yuzu falou que tinha certeza que estávamos erradas e eu não soube o que responder. Simplesmente não saiu nada. Fiquei incrédula com a minha incapacidade de formular algo. Eu tinha que ter argumentado, tinha que ter insistido, tinha que ter sido mais inteligente... Mas não fui. Falhei em convencer a Yuzu, falhei em ajudar a Yumi. Ela me ama e tem fé em mim, mas eu não mereço esse sentimento dela - pensou Sara, antes de começar a lacrimejar e deitar encolhida na cama.

Passou tempo e Sara continuou ali, sozinha e encolhida. Ela ficou ali, pensando e considerando coisas. Fazendo planos, possíveis e impossíveis. Fantasiando com situações em que poderia ajudar Yumi. Sonhando acordada com a possibilidade de poder ajudar sua amada a realizar os próprios sonhos. Foi então que pensou - eu não falhei ainda, porque o prazo ainda não acabou. Eu de fato tinha que ter insistido com a Yuzu, mas não sabia o que falar pra ela... Agora eu sei! - Então, com esse pensamento, depois de realizar um procedimento já conhecido, porém, demorado, que era feito no seu computador, Sara foi dormir.

No outro dia, foi para o clube de desbravadores normalmente. Então, assim que acabou o horário da reunião, ela saiu da igreja e pegou o ônibus que levava para o ponto mais próximo da casa da Yumi. Foi pra lá sabendo, por ouvir fofocas na igreja, que o Yuji tinha passado a trabalhar nos domingos. Por isso, sabia também que Yuzu iria aproveitar o tempo para ficar sozinha em casa. Sara foi pra lá, concentrada no que iria dizer. No que chegou, tocou a campainha e esperou.

Yuzu saiu de casa e foi até o portão para atender Sara. Mas, sem abrir o portão, disse:

— Sara, eu não ser grossa, mas eu sei sobre o que você veio conversar... Desculpa, mas é resposta é não - disse Yuzu, se esforçando para falar de forma seca e fria.

— Yuzu, eu vim até para te dar um recado. Vou dizê-lo numa única frase, você me autoriza a te dar o recado? - respondeu Sara, de forma educada e com uma dicção controlada.

— Ah... Tá... Eu autoriza, mas diga o que você precisa e depois vá embora, por favor - respondeu Yuzu, dessa vez sem ser seca, mas demonstrando estar em conflito.

— Toda pessoa peca quando transgride a lei de Deus. Jesus disse que a lei se resume a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a você mesmo. O Espírito Santo fala ao nosso coração para que cumpramos essa lei, que é a lei do amor. Quando estava refletindo sobre isso, a Yumi me disse que através do amor podemos ouvir o Espírito Santo falar ao nosso coração, e que através do amor nos conectamos com as pessoas e nos conectamos com Deus. Somente através do amor é possível escolher certo e não pecar, pois o amor é o oposto do pecado. A Yumi é a pessoa que você mais ama no mundo. Você, como mãe, quer a felicidade e a salvação dela. Faça isso através do amor, pois através do amor você vai poder ouvir a voz de Deus falar seu coração. Não escolha com base no que homens hipócritas acreditam ser o certo para quem você mais ama no mundo, escolha com base no amor que você sente pela sua filha. Yuzu, eu amo a Yumi, por isso, ontem eu fiz a inscrição dela no vestibular, mas ela só vai poder fazer a prova se você deixar ela vir pra cá, então a escolha final é sua. Yuzu, escolha o caminho do amor!

Yuzu ouviu tudo em completo silêncio e não respondeu nada. Sara, por sua vez, assim que terminou de falar, deu meia volta e foi para a própria casa. Porém, diferente da última conversa que tinha tido com Yuzu, dessa vez ela estava segura de que tinha feito tudo o que podia pelo sonho da pessoa que amava.

///

Gente, muitíssimo obg por terem lido esse capítulo depois de esperar por tanto tempo. Peço perdão pelo hiato, isso aconteceu porque eu não lidei bem com questões pessoais e profissionais da minha vida e fui parando de escrever. Amo escrever, então n fiquei feliz por deixar a história parada por tanto tempo. Mas, queria contar que estou ajeitando a minha vida e que estou apaixonado e mais feliz. Ontem, a pessoa que eu gosto me disse que eu preciso ter mais fé em mim. Por isso, quero deixar uma promessa: vou terminar a história até dia 08 de agosto e concorrer ao Watty Awards 2023. Claro q existe a possibilidade de eu não conseguir cumprir o que eu falei... Mas esse é o meu desejo, então por favor, torçam por mim!!!

Por fim, quero deixar um agradecimento especial a uma garota que eu entrevistei no ano passado e para criar a Luana. Quando entrevistei ela não sabia ao certo quando eu poderia colocar a experiência de vida dela na história, mas hj eu encontrei um momento perfeito que me deixou feliz como escritor. 

É isso, até o próximo capítulo, espero q estejam gostando ♥

 

 


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