A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 33
Separadas, parte 2




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No outro dia, depois do café da manhã, foi arrumar suas malas. Passou a manhã toda fazendo isso, mas não terminou. Fez uma pausa para almoçar com seus pais e voltou a mexer com a mudança, mas dessa vez, Yuzu foi ajudá-la. Quando chegou o meio da tarde, terminaram e foram descansar na sala de estar. Yuji já estava lá, sentado no sofá e com o celular na mão.

Quando a Yuzu e Yumi se sentaram no outro sofá que havia ali, Yuji declarou:

— Vocês demoraram muito pra arrumar a bagagem. Eu queria ter levado a Yumi hoje, mas agora está muito tarde - disse o Yuji, parecendo estressado.

— A bagagem já está pronta, você pode levar a Yumi amanhã - respondeu Yuzu, de forma prática.

— Ontem eu disse pro pastor que levaria a Yumi pro internato hoje. Ele me mandou uma mensagem agora há pouco me pressionando. Tive que mandar um áudio dizendo que já tinha matriculado a Yumi no internato de São Paulo, pra ele poder se acalmar - disse Yuji, em tom de quem está se justificando.

— Você disso isso pro pastor!? O que você tava pensando?

— Eu queria mostrar pra ele que eu estou envolvido com as medidas que nós combinamos ontem, só isso. Eu não levei a Yumi hoje porque não deu tempo, mas vou levar ela pro internato de São Paulo amanhã - disse Yuji, tentando tranquilizar Yuzu.

— De qualquer forma você mentiu. Você não precisava ter feito isso - disse Yuzu, parecendo indignada com o marido.

— Eu sei... Mas no final não vai fazer diferença. Eu vou levar a Yumi pra São Paulo amanhã, vai ser como se eu tivesse levado ela ontem. A única diferença é que você não vai poder ir junto comigo. Alguém precisa cuidar do nosso mercado...

— Não! - respondeu Yuzu, de forma cortante.

— Hã?! Como não? Eu vou levar a Yumi pra São Paulo amanhã, eu preciso levar ela pro internato - respondeu Yuji, espantado com a reação de Yuzu.

— Você não vai pra São Paulo sem mim. Eu te conheço, se você for pra lá sem mim você vai atrás daquela mulher - disse Yuzu, olhando diretamente para Yuji, com um olhar que dizia que ele deveria obedecer.

— Mas eu já falei pro pastor que matriculei a Yumi num internato de São Paulo. Ele já ouviu o áudio e respondeu. Ele até disse que tinha encaminhado pro Cláudio, pra ele acreditar que eu iria cumprir com a minha palavra.

— Eu não perguntei do áudio que você mandou pro pastor. Eu falei que você não vai pra São Paulo sem mim.

— Como eu vou levar a Yumi pra São Paulo se você não pode vir comigo? Querida, agora que eu falei pro pastor, eu preciso matricular a Yumi no internato amanhã obrigatoriamente.

— Se precisa ser amanhã e se eu não puder ir junto, matricule ela no internato de Santa Catarina. É mais perto e você não vai poder ir atrás daquela mulher - disse Yuzu, de forma definitiva.

— Mas eu falei no áudio que matriculei ela no internato de São Paulo, se o pastor ficar sabendo...

— Você não é o contador de histórias? Fala que você se enganou na hora de gravar o áudio. No culto de sábado você avisa o pastor que se enganou e que na verdade você matriculou a Yumi no internato de Santa Catarina.

— Mas... Ele vai perceber que é estranho, não posso fazer isso.

— Ou você faz isso, ou o pastor vai ficar sabendo que você mentiu descaradamente. Não importa o que você me diga, eu não vou deixar você ir pra São Paulo sozinho e ponto - disse Yuzu, antes de se levantar do sofá e sair dali.

Yuji ficou quieto por um instante e depois disse - acho que agora vai ter que ser isso.

Yumi apenas assistiu toda a situação em silêncio. Não se importava se iria pra São Paulo ou pra Santa Catarina, o resultado pra ela era exatamente o mesmo, ficaria longe de Sara. Depois daquilo, passou o dia sozinha. Foi dormir cedo e no outro dia, depois de colocar as malas no carro e se despedir de sua mãe, foi de carro para o internato de Santa Catarina.

A viagem foi monótona. Ela não quis conversar com o pai e nem ele quis conversar com ela. No caminho, o que interrompia o silêncio era a programação da rádio. Depois de três horas de viagem, chegaram ao internato, que ficava não muito longe do parque Beto Carrero World.

O internato tinha uma longa área de plantações, onde os estudantes não iam. O espaço onde o internato realmente funcionava, era no centro. Era um lugar relativamente grande. Tinha uma praça, com algumas ruas feitas de paver, de onde se direcionaram os espaços onde os alunos circulavam. Na praça, havia um auditório que era usado como igreja. Havia o refeitório, onde os estudantes tinham as três refeições. Além, claro, do prédio com as salas de aulas, os setores administrativos e a área dos dormitórios. Aquele era o espaço principal onde os estudantes circulavam. Havia também um local para esportes e as casas dos professores, mas isso não era naquela praça.

Yuji estacionou o carro no estacionamento que ficava antes da praça. Saiu dali e foi com Yumi para a parte administrativa. No domingo de tarde ele já tinha ligado para a secretaria do internato, para avisar que realizaria a matrícula de Yumi ali. Eles foram bem recebidos pela secretária e logo iniciaram a conversa para fazer a matrícula.

Porém, antes de assinar os papéis, uma funcionária acompanhou os dois numa visita pelo internato. Foram em todos os prédios que ficavam ali na praça. O último que eles visitaram foi o dormitório. O dormitório era dividido em dois, o masculido e o feminino. Assim que passaram rapidamente pelo dormitório feminino, a funcionária mostrou qual seria o quarto de Yumi. Era um que ficava mais para o final do corredor do segundo andar. A funcionária disse também que Yumi iria dormir no mesmo quarto que outras três garotas. O nome delas era Rute, Luana e Fernanda.

Tendo visto tudo isso, Yuji confirmou que gostaria que Yumi estudasse ali. Então, a funcionária levou Yumi para a sala onde um dos pastores do internato trabalhava. Eles tinham como procedimento a realização de uma entrevista com o aluno que iria se matricular. Quem fazia essa entrevista era sempre um dos pastores.

Yuji foi convidado para esperar do lado de fora da sala. Yumi foi sozinha conversar com um pastor que não parecia ter mais que vinte e oito anos. Não demorou muito, e o fato de Yumi estar desinteressada na conversa fez com que ela ficasse um tanto apática ao que estava acontecendo. Mesmo assim, houve um momento específico em que ela se concentrou na conversa, foi o momento em que o jovem pastor perguntou:

— Yumi, você realmente quer estudar aqui no internato?

Ela ficou em silêncio. Só depois de passar um tempo encarando os próprios pés foi quando respondeu de forma mecânica:

— Sim pastor, eu realmente quero estudar aqui.

— Mas... Eu não sinto ânimo em você. Yumi, você está aqui por que você quer ou por que seus pais mandaram você estudar aqui? - perguntou ele, analisando as expressões de Yumi.

Bom, eu estou aqui porque os meus pais querem. Estou aqui porque decidiram isso por mim. Ficar aqui não é o meu desejo... Meu desejo é estar perto da Sara, mas eu me aproximar dela fez mal pra nós duas. Se ele achar que eu não estou fazendo isso por vontade própria, ele não vai me aprovar na entrevista. Se eu voltar pra casa vou trazer problemas pros meus pais e pra Sara. Depois de pensar muito, decidi que era melhor eu me afastar da Sara. Então no final, a decisão de estar aqui é minha, por mais que seja contraditório estar aqui...

Pensando nisso, Yumi respondeu:

— Pastor, eu não posso mais morar com os meus pais. É complicado de explicar... Aconteceu muita coisa e eu preciso vir morar aqui - disse Yumi, de forma arrastada, demonstrando que não era boa em comunicar seus sentimentos para um estranho.

— Entendi... Aconteceram coisas... Tá bom, se você acha que o internato pode ser a solução para os seus problemas, eu espero que o convívio aqui te faça bem. Eu vou aprovar você na entrevista.

Assim que terminou a entrevista, Yuji e Yumi voltaram para a secretaria e formalizaram a matrícula Depois, foram para o carro para buscar as malas de Yumi. A funcionária foi junto e ajudou os dois a levar as malas para o novo quarto dela. As colegas de quarto não estavam, pois naquele horário tinham atividades para fazer. Feito isso, Yuji pediu para ter um momento sozinho com Yumi, antes de ir embora. Quando a funcionária saiu do quarto e fechou a porta, Yuji disse, com a voz sem muito volume:

— É isso, eu preciso ir... Filha, por favor, lembre-se que estou fazendo isso porque é o melhor pra você. Por favor entenda o que eu estou fazendo. Sei que um dia você vai me agradecer. Ah... Siga o nosso plano porque ele vai dar certo, combinado? - Disse Yuji, olhando para Yumi nos olhos dela.

Então, depois de um momento em silêncio, Yumi respondeu - combinado.

— Isso, que bom que você entendeu - disse Yuji, dando um abraço na filha. - Agora eu preciso ir. Nos veremos em dezembro. Ah... O internato é um lugar legal, tente aproveitar, vai ser bom pra você. Estude bastante e faça o que você precisa fazer. É isso, fique com Deus.

Dizendo isso, Yuji se desfez do abraço e foi embora.

Assim que o Yuji saiu, a funcionária disse pra Yumi que iria acompanhar o pai dela até o carro, mas que ela podia ficar ali no quarto ou poderia passear pelo internato, pois naquele dia não teria atividades. Yumi fez que sim com a cabeça em resposta e fechou a porta.

Acabou. Estou matriculada no internato. Não mando mais na minha vida - pensou, antes de ter um acesso dos sentimentos que estava tendo desde sábado. Yumi sentiu as mesmas sensações numa carga que veio junto com aquele pensamento. Então, reprimiu tudo de novo. Não se permitiu sentir. Mais uma vez, conseguiu se anestesiar. Depois daquilo, ficou fria e vazia. Entrou num outro estado de espírito. Um estado onde não sentia a tristeza do que estava passando, pois não estava se permitindo sentir nada.

Nos dias que se passaram, Yumi foi inserida na rotina do internato. Logo pela manhã, antes do horário de aula, ela e os outros estudantes participavam de um momento devocional. Era como um mini-culto, onde liam uma meditação e estudavam a lição da escola sabatina. A lição tinha um tópico da semana que era discutido no sábado, mas também tinha textos para serem lidos nos outros dias da semana. Além disso, também era pedido que fizessem o ano bíblico, que é basicamente uma seleção de textos bíblicos para ler as partes mais importantes da Bíblia em um ano.

Depois do momento devocional, tinham as aulas da manhã. De tarde, tinham mais algumas aulas e tinham um momento de estudos. Durante a noite, algumas vezes tinham programas para assistir no auditório. A rotina era movimentada e ela tinha muitas tarefas para fazer. Entretanto, o sistema educacional era o mesmo que ela tinha no colégio de Araucária, por isso, não teve dificuldades acadêmicas.

Yumi continuou sendo uma aluna exemplar. Ela não estava bem emocionalmente e nem motivada para estudar, mas seguia estudando como antes. Pra ela, era automático. Entretanto, seu estado de espírito seguia frio e vazio. Não sentia nada na maior parte do tempo. Apenas cumpria as coisas de forma protocolar e com disciplina, sem sentir. Porém, de tempos em tempos, por mais que tentasse reprimir, não era possível deixar de sentir.

Pra Yumi, era como se ela gastasse parte de sua energia e determinação diariamente para manter seus sentimentos enterrados. Mas não era possível fazer isso o tempo todo. De vez em quando, nos momentos em que estava sozinha, precisava se concentrar para afastar seus sentimentos. Foi assim até o final daquele bimestre.

Conforme os meses foram passando, ficou mais difícil para Yumi manter-se livre de sentir. Com o tempo, parecia que ela precisava gastar mais energia para conseguir fazer isso. Porém, as pessoas à sua volta não percebiam isso. Yumi não fez amigos no internato, pois não se abria com ninguém, não conseguia. Não conversava mais que o necessário com as pessoas, era assim até com suas colegas de quarto. Por isso, tinha ganhado fama de esnobe e os estudantes foram parando de tentar interagir com ela. Como nenhum deles sabia que Yumi era tímida, quando a viam, sentiam que ela passava um ar de superioridade. Isso, somado com o seu belo rosto asiático e o olhar frio que mantinha, fez dela a garota mais intimidadora do internato.

Estava completamente sozinha. Essa era a antítese da proposta do internato. Todos que estavam ali e gostavam dali, acreditavam que aquele era o lugar para se fazer amigos para a vida toda e acumular ótimas lembranças. Yumi podia perceber que as pessoas à sua volta acreditavam naquilo e estavam felizes. O internato parecia funcionar pra eles, mas não era assim pra ela.

No segundo bimestre, enquanto ainda carregava esse sentimento, ficou mais triste do que estava antes. Apesar do gasto de energia para não sentir, que tinha se tornado o seu mecanismo de defesa para manter a sanidade mental, Yumi não pode evitar de sentir profunda tristeza.

Yumi era capaz de se concentrar em suas tarefas. Disciplina, concentração e produtividade eram algumas de suas inquestionáveis habilidades. Mas conforme o tempo passava, realizar suas atividades a deixavam triste. Ela seguiu assim, até chegarem as férias do meio do ano.

Mesmo estando de férias, continuou no internato. Yuji tinha entendido que era melhor deixá-la "isolada" até as férias de fim de ano. Foram as férias mais estranhas da vida dela. O internato pode ser considerado um parque de diversões para um estudante que está de férias e quer aproveitar um lugar legal, mas não era o caso dela.

Nesses dias em que teve tempo livre, não pode evitar de pensar em tudo o que havia lhe trazido ali. Num dos dias de férias, quando estava sozinha no seu quarto, pensou:

Acho que eu nunca vou esquecer do momento em que o Rodrigo tirou a Sara da salinha onde tava acontecendo a reunião... Já tentei não pensar naquele momento, mas ele fica voltando. Quando eu penso nisso, lembro da Sara nos defendendo da Jéssica. Sempre que acontece eu me esforço pra não pensar nisso e reprimo o pensamento.

Um pouco é porque eu sinto vergonha. Eu não reagi, fui fraca. Na verdade, eu sou fraca. Aprendi piano porque tinha a Sara me motivando. Na prática, a única coisa que eu realizei na vida foi porque eu conheci ela. Mesmo assim, não fui capaz de defendê-la. Mesmo assim, me conhecer trouxe dor e sofrimento pra ela.

Quando eu percebi que estava apaixonada, fiquei me perguntando se o que eu sentia por ela era pecado. Pensei sobre o que era pecado e concluí que não. Lembra de ter considerado que o pecado era uma coisa ruim... Mas depois de tudo, não tem como não pensar um pouco diferente.

Talvez eu tenha cometido um pecado. Eu trouxe tristeza pra vida dela. Se eu não tivesse beijado ela naquele dia, quando estávamos no meu quarto, nada disso teria acontecido. Sim, estaríamos tranquilas, como amigas. Tudo estaria certo e eu não teria causado sofrimento pra ela. Se pecado é uma coisa ruim, acho que eu pequei, porque fiz mal pra Sara.

Logo depois de pensar nisso, pela primeira vez desde que tinha chegado ao internato, uma lágrima lhe caiu do rosto. Nunca tinha encarado sua atitude como um pecado, então aquela era uma sensação nova e definitivamente não era boa. Mesmo assim, ela reprimiu mais uma vez os sentimentos.

Quando voltaram às aulas, Yumi estava predominantemente fria. Porém, em vários momentos do dia, se sentia triste e com remorso. Se arrependia do que tinha feito, pois aquilo tinha trazido sofrimento para quem amava. Ela pensou muito nisso ao longo do terceiro bimestre.

Então, numa noite da segunda semana do quarto bimestre, quando estava sozinha no chuvero, tomando banho antes de ir dormir, pensou:

Se eu pequei, eu preciso me arrepender. Se eu pequei, preciso pedir perdão. Quem pede perdão e se arrepende precisa mudar sua atitude, é assim que funciona... Se eu não fizer isso, não vou poder ir pro Céu. Isso é algo importante...

Então, sozinha no banho, no ápice de sua vulnerabilidade física e emocional, orou:

Senhor, fiz o que fiz porque acreditei que fosse o certo. Me ensinaram que gostar de meninas era pecado. Mesmo assim eu gostei de uma menina e namorei com ela. Nosso namoro só trouxe sofrimento pra nós duas. Eu errei! Trouxe tristeza pras nossas vidas. O que eu fiz foi errado. Eu pequei! Senhor, eu me arrependo por ter namorado a Sara. Me arrependo por aquele primeiro beijo. Senhor, me perdoe, em nome de Jesus, Am...


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