A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 29
Cura Gay




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No mesmo momento em que sentiu dúvida de que veria Yumi de novo, Sara sentiu culpa e se esforçou para afastar aquele pensamento. "Não, não posso me permitir pensar assim. Eu vou ver ela de novo, de algum jeito nós vamos ficar juntas" - pensou, antes de decidir que iria dormir. Seguiu assim, tentando afastar pensamentos ruins, afinal, já estava na metade do tratamento com a psicóloga, então as coisas deveriam começar a melhorar.

Na semana que se seguiu, Sara foi capaz de afastar a maior parte de seus pensamentos negativos. Não conseguiu isso por sua força de vontade, conseguiu por que  só precisou seguir a sua rotina apertada para conseguir não pensar. Mesmo assim, quando se deitava para dormir, não podia evitar de sentir medo. Apesar de ter decidido que seria resiliente, as últimas cinco semanas não tinham sido fáceis.

Mesmo com as dificuldades, depois de passar por cinco sessões com a doutora Gislene, pode constatar com segurança que o tratamento não representaria um problema pra ela. A doutora, além de ter um profissionalismo duvidoso, era claramente uma pessoa com pouca capacidade de entender as coisas.

Já cheguei na metade do tratamento. Até agora ela não foi capaz de me fazer pensar diferente, consegui me manter sã durante as sessões. Também consegui esconder a minha intenção dela, de não permitir que as conversas com ela mudem a minha forma de pensar. Tudo indica que ela acredita que está entrando na minha cabeça. Se continuar assim, é possível que ela ache que eu sou hétero e que minha paixão por Yumi foi uma casualidade - pensou Sara, na véspera da sexta sessão.

Os dias foram se passando e Sara seguiu firme. Quando chegou na oitava sessão, sentada da sua poltrona, a doutora perguntou:

— Sara, nós já conversamos bastante e conversamos sobre várias coisas. Acredito  que você já confia mais em mim, então preciso que você seja totalmente sincera comigo, entendeu? - disse Gislene, levantando as sobrancelhas e inclinando o corpo para frente.

— Claro doutora, pode perguntar o que a senhora quiser  - respondeu Sara, se esforçando para não deixar seu nervosismo com aquela indagação transparecer para a doutora.

— Eu acredito que já fizemos um bom trabalho mapeando a sua personalidade e também já conversamos muito sobre o porquê da homossexualidade não funcionar, não é? - perguntou Gislene, com a mesma expressão de antes.

— Sim doutora, você falou pra mim nos termos bíblicos... E também explicou que minha vida seria incompleta se eu me casasse com uma garota - disse Sara pausadamente, enquanto mantinha a respiração controlada.

— Pois bem, eu guardei essa pergunta para as últimas sessões, por que eu queria perguntar quando você já confiasse em mim. No começo do tratamento você quase não demonstrava emoções, mas como você foi super aberta nas últimas sessões, vou perguntar uma coisa, acreditando que você estará dizendo a verdade - disse a doutora, antes de fazer uma pausa.

— Doutora, vou responder com sinceridade, pode perguntar - disse Sara, colocando o máximo de certeza que podia na sua voz.

— Você já sentiu atração por outras garotas além da Yumi? Ou melhor, você sente atração por outras garotas além da Yumi? - perguntou a doutora, com os olhos fixos em Sara, sem nem piscar.

— A única garota pela qual eu senti atração em toda a minha vida foi a Yumi - respondeu Sara, com sinceridade.

— Certo... E o que você sente pelos garotos? - perguntou a doutora, ainda com a mesma expressão facial de antes.

No momento em que ouviu a pergunta, Sara pensou:

É isso, ela fez a pergunta crítica. Calma, calma...

Sara se preparou para falar, ajustou sua respiração, sua expressão facial e fez o possível para parecer confortável. Então, deu a resposta,

— Doutora, eu gosto de meninos, acho eles bonitos. Mas, nenhum deles nunca pediu pra me beijar... Só a Yumi pediu, entende? - disse Sara, tentando fazer a doutora sentir empatia por ela.

— Ah, entendo... Você nunca tinha beijado um menino e aceitou beijar a Yumi porque nunca tinha sido beijada. É isso mesmo? - disse Gislene, num tom em que não era possível afirmar se ela estava acreditando em Sara.

— Exatamente isso. Um dia, quando estávamos sozinhas, ela pediu pra me beijar, dizendo que queria saber qual era a sensação. Ela é minha melhor amiga e sabia que eu nunca tinha beijado. A Yumi também nunca tinha beijado antes, então nós duas tínhamos curiosidade... - Disse Sara, antes de começar a ficar nervosa e perder um pouco do controle da respiração.

Não, não posso ficar nervosa, ela vai saber que isso é mentira... Hum, mas se eu mostrar um pouco de emoção agora ela pode achar que eu estou emocionada por estar falando a verdade. Certo, vou perder um pouco da minha tranquilidade agora.

— Assim doutora... - Disse Sara, com a voz tremendo. Sua voz tremeu não por falsidade, mas por estar nervosa.

— Eu juro que quando ela pediu isso eu não tinha pensado em tudo o que a gente tinha conversado nas sessões. Eu não queria namorar ela ou algo do tipo, só queria saber como era a sensação de beijar. Sempre tive vontade, mas nenhum menino me quis. Então quando ela pediu, eu pensei, "ah, é minha chance de descobrir como é" - disse Sara, de forma acelerada, perdendo um pouco da sua compostura.

— Então foi assim que vocês começaram a se beijar!? Entendi melhor a sua situação. Mas preciso te perguntar mais algumas coisas... E o namoro de vocês? Você nunca sentiu algo romântico por ela?

A pergunta acertou Sara no fundo do coração. Dado o contexto, aquela era o tipo de pergunta que a faria se sentir emotiva e frágil. Sara ouviu a pergunta e soube naquele momento que teria que dizer exatamente o oposto da verdade. E sabia que dizer aquela mentira iria machucá-la por dentro.

— Doutora, nós éramos apenas amigas, a Yumi não era minha namorada. Acontece que... Eu gostava de ter alguém pra beijar... Então continuei beijando ela enquanto estávamos sozinhas - Sara disse essas palavras e sentiu um aperto no peito, então fez uma pausa para respirar.

Essa frase foi um insulto aos meus sentimentos por ela, mas é necessário. Vou fazer a doutora acreditar em mim, meu futuro depende disso.

Antes de voltar a falar, Sara começou a lacrimejar. Percebeu que seria difícil conter as lágrimas, mas não se esforçou para não chorar. Entendeu que algumas lágrimas fariam a doutora acreditar nela.

— Doutora, o que eu fiz foi muito errado. Beijar meninas é errado, eu sei que é, mas eu queria poder beijar alguém. Então, eu usei a Yumi pra isso, me aproveitei da inocência dela pra eu poder ter algo que eu queria. Não vivemos um romance, vivemos algo errado, em que eu estava tirando vantagem dela. Foi ela que quis me beijar da primeira vez, mas fui eu que quis continuar com os beijos. Eu que chamei ela pra gazear aquela aula na sexta-feira quando fomos vistas. Tudo o que aconteceu é culpa minha, eu que fiz isso com a gente. Eu não sou uma boa amiga, não sou uma boa pessoa - disse Sara, que parou de lacrimejar e começou a chorar.

A doutora ouviu tudo e ficou estática. Não disse nada,  não mudou sua expressão facial, apenas ficou olhando para Sara. Então, depois de alguns segundos em silêncio, ela se pronunciou.

— Você estava com tudo isso preso dentro de você!? Entendo como você deve estar se sentindo. Dá pra ver que você se arrependeu do que fez. Aparentemente, você só fez isso por que faltou um garoto que gostasse de você, não é difícil de entender. Obrigada, você sanou as minhas dúvidas sobre a sua sexualidade. Já terminamos a sessão, você pode beber uma água pra se acalmar e ir pra casa - disse Gislene, de forma tranquila.

— Obrigada doutora, até semana que vem - disse Sara, que já tinha recuperado um pouco da sua compostura.

— Até, Sara. Na próxima semana vamos conversar sobre esses seus sentimentos. Mas saiba que eu fiquei muito satisfeita com essa sessão. Tchau.

— Tchau.

Sara saiu da sala, bebeu um copo de água que pegou com a secretária e pegou a carona com o seu pai.

Quando foi pra aula, não conseguiu prestar atenção no conteúdo. Ela passou toda a aula revivendo mentalmente a sessão com a psicóloga. Sara ficou nesse estado até chegar em casa e ir deitar. Sozinha e deitada na sua cama, conseguiu relaxar um pouco. Então, se soltou e se permitiu sentir os sentimentos que estavam guardados dentro de si. 

Primeiro, sentiu culpa pela mentira que havia dito. Mentir sobre seu amor era algo que não fazia com que ela se sentisse bem. Somado a isso, sentiu alívio, por ter conseguido convencer a doutora de que era hétero. Na sequência, sentiu a dúvida de que iria ou não se reencontrar com Yumi. Assim, depois de remoer os mesmos pensamentos várias vezes, foi dormir, confusa e sensível.

Na semana seguinte, conforme tinham combinado, Sara e a doutora conversam sobre os sentimentos dela sobre o "não-namoro" que tinha tido com Yumi. Essa sessão foi especialmente desgastante, mas Sara foi capaz de manter a doutora acreditando na história dela.

Então, depois de mais uma semana, chegou a última sessão com a psicóloga. Sara estava tensa, ansiosa e torcia para que ganhasse alta naquela sessão. A doutora recapitulou tudo o que elas já haviam conversado. Tratou Sara bem, aparentando estar contente com aquela décima sessão. 

Durante toda a conversa, Sara ficou ansiosa. Parecia que o tempo não passava, ela ficava ouvindo a doutora falar, mas se perguntassem pra ela sobre o que era a conversa ela não saberia dizer. Quando a doutora lhe fazia uma pergunta, ela apenas respondia as coisas que já tinha dito nas outras sessões, ela não estava de fato pensando no que estava dizendo. 

Por fim, quando a sessão finalmente terminou, a doutora pediu para que Sara esperasse no consultório. Ela saiu e demorou um tempinho para voltar. Quando voltou, Rodrigo estava junto com ela. Nesse momento, o coração de Sara disparou. 

É agora, ela vai dizer se vai me dar alta ou não. Não quero nem imaginar como que vai ser se ela não me der alta, eu preciso que isso acabe, eu não aguento mais. 

Gislene e Rodrigo entraram na sala e cada um foi para o lugar onde tinham sentado antes da primeira sessão, há quase três meses. Então, a doutora se pronunciou:

— Pois bem… Rodrigo, vou ter dar o diagnóstico da Sara. O normal seria que eu fizesse isso sem estar aqui, mas não vai ter problema da Sara ouvir o que eu vou te dizer, então vou deixar ela ficar - disse Gislene, com um sorrisinho no rosto.

— Se a senhora acha que não tem problema, então tudo bem. Por favor, diga o seu diagnóstico - respondeu Rodrigo, no mesmo tom polido que usava quando estava na igreja.

— Meu diagnóstico é esse: a Sara é uma boa menina e é muito capaz, mas ela não soube lidar bem com algumas das suas tristezas. Ela tem algumas carências emocionais que vem da relação dela com você - disse Gislene, olhando diretamente para Rodrigo. Ela fez uma pausa e depois continuou.

— A Sara é o tipo de pessoa que vai trazer a necessidade de preencher as suas carências emocionais com a pessoa que estiver num relacionamento amoroso com ela. Várias pessoas são assim, é um tópico sensível, mas não é algo que obrigue ela a fazer terapia. Nas nossas conversas, dei ferramentas pra Sara lidar com esses sentimentos e ela apresentou uma melhora significativa do ponto de vista emocional nas últimas dez sessões. Por isso, vou dar alta pra ela - disse a doutora, olhando com um sorriso para Sara.

Sara sorriu em resposta. Ao ouvir aquela frase, sentiu um peso enorme sendo tirado de seus ombros. Porém, sua tranquilidade foi interrompida pela próxima frase de Rodrigo.

— Doutora, não entendi nada. Eu trouxe a Sara aqui por causa da cura gay, não por carências emocionais e coisas do tipo - disse Rodrigo, desta vez, perdendo a compostura e soando ríspido.

— Estou plenamente ciente disso Rodrigo, e estou dando alta pra Sara mesmo assim.

— Como você está dando alta pra Sara se você não me garantiu que ela está curada? - respondeu Rodrigo, encarando Gislene com os olhos bem arregalados.

— Por que nas sessões, consegui comprovar que a Sara não é homossexual. Como ela é hétero, uma terapia de conversão sexual não faz sentido pra ela.

— Como assim uma terapia de conversão sexual não faz sentido? Ela estava beijando a melhor amiga dela, isso é um comportamento inaceitável e não é hétero em lugar nenhum do mundo - disse Rodrigo, quase gritando.

— A Sara não beijou a melhor amiga por que é homossexual, ela beijou a Yumi por que estava carente. Ela queria saber como era beijar, mas não encontrou o menino certo. Por isso, quando a Yumi se aproveitou dela e quis beijá-la, ela aceitou. A Sara beijou a amiga por fragilidade emocional. Rodrigo, a Sara gosta de meninos, ela é uma garota normal, ela só estava triste - disse Gislene, de forma emotiva, aparentando estar sentindo empatia por Sara. 

Rodrigo ficou em silêncio por um momento. Aparentemente, estava pensando no que tinha escutado e estava decidindo o que fazer. Depois de um silêncio desagradável, ele se virou para Sara e disse:

— Sara, isso é verdade?

Antes de responder, Sara controlou sua respiração, ajustou sua expressão facial e disse com tranquilidade e ar de certeza:

— Sim, pai, é verdade. Eu fiz um ato que é… Uma abominação. Como eu nunca tive um garoto que gostasse de mim, imaginei que poderia beijar a Yumi, pra saber como era. O que nós fizemos foi um ato de fornicação, mas eu estou arrependida e nunca mais vou fazer algo do tipo. Só vou beijar de novo quando tiver um namorado, do jeito que deve ser.

Rodrigo fez uma expressão de quem ainda não tinha certeza se acreditava no que estava ouvindo. Então, se virou para a psicóloga e disse:

— A senhora tem certeza desse diagnóstico? A minha filha é mesmo normal?

— Sim Rodrigo, eu tenho certeza. Analisei tudo com muita calma e fui bem criteriosa na minha análise. O meu diagnóstico é a realidade, você tem a minha palavra como uma psicóloga séria. A Sara é normal e está pronta para encerrar a terapia. 

— Certo… Obrigado doutora - disse Rodrigo, se dando por vencido.

Então, Rodrigo e Sara se despediram da doutora e saíram do consultório. Por dentro, Sara estava explodindo de emoção e comemoração, mas por fora estava com uma expressão quase neutra. Assim que saíram, os dois foram para o carro e Rodrigo dirigiu na direção do colégio. Quando estava quase chegando, ele disse:

— Filha, que bom que isso tudo acabou. Por favor, nunca mais faça isso, tá bom? Me promete? - perguntou Rodrigo, como se precisasse ouvir um sim para poder se sentir tranquilo com aquela situação.

Ao ouvir a pergunta, Sara olhou para Rodrigo e disse de forma calma e certeira:

— Prometo pai, prometo, nunca mais vou beijar meninas.

///

Oi gente, obg por terem lido o capítulo 29. Aproveitando a mensagem no final do capítulo, peço desculpas por não estar conseguindo atualizar a história toda semana, minha vida não tem me permitido ter muito tempo livre para escrever. Porém, gostaria de avisar que eu já tenho decidido qual vai ser o final, então, cedo ou tarde conseguirei terminar a história. Agradeço mais uma vez e aviso que talvez eu consiga postar o capítulo 30 na próxima sexta-feira. Até o próximo capítulo amigues.

Obs: sim, eu também sou Sara nos momentos em que ela manipula a conversa.


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