O Enigma de Delfos escrita por valberto


Capítulo 4
Capítulo 4 - A surpresa é muito grande quando as coisas fazem bum!




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O caminho para o chalé de Hefesto foi recheado de pequenas surpresas. As crianças e os campistas menos capacitados corriam em sentido contrário ao som da explosão e se protegiam em casa-matas camufladas; os lanceiros tratavam de isolar a área. Tudo corria como se tivesse sido ensaiado. Jade e Ju simplesmente acompanharam Nathália e quando ela passou por uma barreira de lanceiros ninguém ao menos fez menção de barrar seu avanço. Afinal, se elas estavam correndo junto com a chefe do santuário, quem eram eles para impedir? 

O pátio que dava acesso ao chalé de Hefesto era largo e cheio de marcas de queimaduras e rachaduras no chão. Fruto de um monte de experimentos mal sucedidos feitos pelos campistas. Mas bem no meio do pátio havia uma figura meio taurina, meio humanóide, feita de puro bronze celestial, fumarando como se tivesse sido coberta com gelo seco. Em volta dele alguns campistas, vestidos com capotes de laboratório e aventais de  couro jaziam desacordados. 

Nathália engoliu um seco: era um minotauro de bronze. Ela se recordava de quando o Santuário tinha sido invadido anos atrás. Alguns desses bichos tinham ficado para trás. O chalé de Hefesto tinha recolhido as peças para entender o seu funcionamento e bolar contra-medidas eficazes contra aquelas geringonças mortais. Mas ao que parece eles construíram a sua própria versão: uma que deu muito errado. 

Antes que Nathália pudesse fazer alguma coisa, quatro lanceiros cercaram a fera de bronze, apontando suas lanças pneumáticas recém sacadas. O primeiro deles gritou um comando que Nathália conhecia bem: torrente de fogo. Eles iam atacar dos quatro lados com um jato de fogo grego. No instante seguinte ao comando, a criatura foi engolfada pelas chamas ardentes e virou uma pira brilhante no meio do campo de testes. Os lanceiros sustentaram o ataque por mais alguns segundos, até que um deles ficou sem fogo grego. 

— Mudar para fúria de Quione! - Berrou o lanceiro que comandava a ofensiva. - Imediatamente os fluxos de chamas cessaram e foram substituídos por uma nuvem de nitrogênio líquido concentrado. 

“Faz sentido”, pensou Nathália, aproximando-se cautelosamente. “Afinal de contas o fogo grego faria o bronze celestial expandir e o frio o tornaria quebradiço o bastante para ser abatido.” Num momento ela ficou muito orgulhosa do treinamento que deu a seus colegas campistas. Mas esse orgulho se desfez quando um punho de bronze sacou da nuvem de vapor congelante e acertou um dos lanceiros na altura do peito, fazendo-o voar e cair desacordado um dúzia de metros lá atrás. O líder da ofensiva mal teve tempo de gritar mais um comando, pois um outro soco meio em sua direção. O soco era ainda mais rápido e feroz que o anterior e levou o rapaz ao nocaute imediato. O terceiro lanceiro não esperou que algo lhe acontecesse e fechando a viseira do seu elmo correu para dentro da nuvem. O quarto e último fez a mesma coisa, mas sem o mesmo entusiasmo. Jade e Ju prenderam a respiração quando os dois sumiram na neblina gélida. Sons de luta irrompiam lá de dentro e quando a névoa de desfez apenas o minotauro de bronze estava de pé. 

Jade puxou uma adaga de metal escuro e áspero de sua cintura e deu dois passos em direção ao monstro quando foi contida pelo braço de Nathália. 

— Onde é que você pensa que vai? Pode voltar e se proteger! - Gritou Nathália com toda autoridade que conseguiu reunir. - Ju, leve sua “prima” para um lugar seguro, agora!

A loirinha magriça fez uma cara tão séria quanto podia e balbuciou alguma coisa como “sim senhora”, arrastando Jade logo em seguida. A resistência de Jade cedeu quando ela sentiu um dos gêmeos chutando na sua barriga e ela deixou ser levada embora. 

— Agora é comigo. - Disse Nathália, puxando da sua cintura uma lança pneumática e partindo para o combate. Aproveitando o movimento de carga, ela deu uma senhora estocada nas costas do bicho. Faíscas voaram no ar pelo choque do bronze celestial de sua lança com a carapaça da armadura traseira do minotauro. Apesar de espetacular, o ataque foi pouco ou nada efetivo. Um pequeno arranhão na lataria da fera não seria o bastante para detê-lo. O punho do minotauro voou na sua direção, acertando o vazio por muito pouco. Nathália mal podia acreditar: o monstro tinha dado um soco rodado na sua direção. Manobra clássica de lutadores de MMA e não de feras mecânicas saídas dos confins do Olimpo. 

Nathália tentou usar a lança para manter distância dos musculosos braços da criatura. Ela dava estocadas fortes e rápidas, produzindo pequenas faíscas. Nos primeiros golpes o minotauro ainda ergueu a guarda, mas depois de perceber que os golpes não eram nada efetivos, baixou a guarda e começou a caminhar na direção de Nathália, ameaçadora e inexoravelmente. 

A fera abriu a boca. Uma torrente de fogo grego saiu de lá, como se houvesse um lança-chamas na garganta do monstro. Nathália ativou seu relógio-escudo bem a tempo de conter a chuva de fogo mortal. Nathália deu mais um passo para trás quando a fera investiu contra ela, usando os chifres. Nathália jogou-se para o lado numa cambalhota digna de figurar entre os movimentos de esquiva do jogo Dark Souls. Ao perceber que não tinha atingido o seu alvo, o minotauro parou, seus cascos de bronze raspando o chão diante da sua freada brusca. 

Ele virou para Nathália. A jovem viu, atônita, o peitoral da criatura aumentar de tamanho e inchar como se fosse o de um fisiculturista exagerado que tinha treinado apenas peito e braços. A fera jogou-se no chão, agora assumindo a postura de um touro enorme. Os cascos dianteiros bateram no chão, raspando em antecipação ao ataque. Num estampido a fera pôs-se em movimento. Mas, na metade do caminho, alguma coisa chocou-se com a cara da criatura, cobrindo seus olhos com uma tinta emborrachada preta. A tinta preta espumou e expandiu até tomar metade da cara do touro de bronze, enrijecendo em seguida. A fera perdeu o equilíbrio e foi ao chão. Nathália percebeu a figura de Ju mais ao longe, com o arco nas mãos. Ao seu lado estava outra campista: Haru, uma jovem filha de Hefesto. Ela estava de joelhos no chão, trabalhando nas flechas de Ju. Por fim ela entregou uma flecha que parecia ter uma tomada na ponta. Ju correu mais um pouco para frente e disparou a flecha para cima. A flecha descreveu um arco elíptico ogival e caiu no dorso da criatura que convulsionou sob o choque da corrente elétrica. 

Nathália percebeu que quando a criatura convulsionava, as brechas de sua armadura ficavam mais perceptíveis. Ela ativou a ponta de choque de sua lança e deu uma estocada numa brecha entre o peitoral e o pescoço. A descarga elétrica fez alguma coisa cozinhar dentro do monstro e ele começou a dar passos a esmo, como se estivesse com a doença da vaca louca. A retroalimentação elétrica fez Nathália soltar a lança e se afastar. A fera caiu, esparramada no chão. Ela ainda dava espasmos quando uma ou outra faísca elétrica corria sobre seu corpo. Nathália aproximou-se cautelosamente, escudo a frente, quando ouviu Ju gritar: 

— Sai daí Tia Nath, que esse bicho vai explodir!

Nathália não teve tempo de escapar do abraço férreo da criatura. O pescoço da fera abriu-se, jogando sua cabeçorra para trás, mostrando um relógio digital em contagem regressiva. 

— Ju, pega! - Gritou Haru, jogando para a menina uma flecha recém fabricada. Ela tinha trocado a ponta de bronze celestial por um pequeno cristal de quartzo leitoso, com uma pequena placa de circuitos presa com fita isolante no corpo da flecha - Acerta atrás do joelho!

A filha de Apolo agarrou a  flecha no ar e num movimento contínuo, girou o corpo, armou o arco e disparou a flecha. A seta voou retinha até o alvo. Num segundo nada aconteceu, até que a contagem regressiva cessou e a fera de bronze afrouxou o seu abraço, caindo inerte no chão. Então o minotauro começou a desmontar, peça por peça, com pequenos estampidos pneumáticos, até que restou apenas um monte de bronze celestial jogado em volta de uma estrutura que de longe parecia um C3PO pelado.  

— Pelas barbas de Posseidon, o que foi isso? - Perguntou Nathália, recuperando-se do abraço apertado da criatura que ainda se desfazia aos poucos na sua frente. 

— Pelo visto o Automatauro 2.0 foi um fracasso… - Resmungou Haru, amarrando os cabelos encaracolados com um elastiquinho.

— Automatauro? - Perguntou Ju, cutucando parte do esqueleto metálico no chão com a ponta de seu arco. 

— É… eu também achei um nome bem besta. “Bellumtauro” soa bem melhor. - Disse a menina pegando uma das peças de bronze celestial do chão e a estudando por um segundo, antes que o olhar fixo de Nathália a trouxesse de volta à realidade. - É ou era um projeto do Chalé de Hefesto. Queríamos converter o touro de bronze num protetor para o Santuário, mas alguma coisa deu errado. 

— Vem cá, esse tipo de coisa não tem que passar pela permissão da líder o Santuário não? - Perguntou retoricamente Nathália, enquanto outros campistas se aproximavam para socorrer os feridos. Haru baixou os olhos, como se estivesse acostumada a ser repreendida. Então sentiu a mão firme e acolhedora de Jade em seu ombro. 

— Sua intenção foi louvável, pequena. Tudo que puder proteger os campistas deve ser mesmo pesquisado. Mas você deveria ter colocado um kill-switch no bicho, ou uma palavra de segurança, tipo “banana!” - A voz de Nathália era tudo, menos repressiva. - Além do mais, sem a sua ajuda não teríamos derrotado esse bicho. Eu só tenho a agradecer você e a Ju por terem não apenas me salvado, mas também salvado os colegas de vocês que caíram em batalha. 

Um som chamou a atenção das quatro quando uma esfera metálica maciça, do tamanho de uma maçã, começou a flutuar no ar, vinda dos restos do automatauro. O ar tremeluziu em sua volta e a imagem de uma moça apareceu. Ela vestia o traje das sacerdotisas de Delfos e falou com uma voz fantasmagórica: 

 

"Heróis Meios-Sangues responderão ao chamado,

Em uma flecha de fogo, o Olimpo será arrasado,

Numa guerra sem fim o mundo estará aprisionado, 

Uma escolha entre viver ou morrer seus dias vai encerrar

E Olimpo perecer ou perseverar"

 

— Porra… Era tudo o que eu precisava… - Resmungou Nathália. - Temos uma profecia. Reúnam todos os membros do conselho. Temos uma longa reunião pela frente. 

 


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