'tis the damn season escrita por red hood


Capítulo 1
I - you could call me...


Notas iniciais do capítulo

[red] Gente essa história ta presa em um cativeiro tem ai um ano. Pensamos em postar ano passado, mas queríamos terminar de escrever primeiro, depois pensamos no Junho Scorose, mas não dava tempo então resolvemos lançar ela hoje, nesse dia de Natal.

Espero que tenha alguém por ai ainda com clima para ler esse drama de 5 capítulos que a gente escreveu. Sem dúvidas foi uma experiência incrível, já que no meio do enredo eu e a Liv acabamos ficando em um lado da briga dos dois e estamos muito ansiosas para saber o que vocês acham!



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R O S E

Culpa era o sentimento que dominava Rose Weasley durante os últimos dias em que esteve em Boston.

A verdade era que ter conseguido entrar em Ilvermorny – uma das faculdades mais bem conceituadas dos Estados Unidos – já havia sido um sentimento agridoce, desde o primeiro momento. Ter a sua proposta de mestrado aceita lá jamais houvera passado de um sonho que ela julgava impossível e, quando aconteceu, havia tantas questões para serem resolvidas que a sua felicidade e orgulho pela conquista duraram pouco.

Os primeiros meses foram como um sonho nublado e solitário. Ao contrário dos anos na faculdade, Rose não conseguiu fazer amigos rápido, e não tinha mais aquela pessoa com quem pudesse desabafar depois de um longo dia, ou simplesmente mandar uma mensagem. Claro que tinha as suas amigas, até mesmo Albus Potter, o seu primo, mas algo sobre enchê-los de coisas triviais não parecia certo. 

Ela odiava como tudo fazia a sua mente voltar para o seu ex-namorado. 

Nos dias bons, ela via beleza em ter aulas e até tomar café com os professores que outrora ela havia citado milhares de vezes nos artigos que escrevera ao longo da faculdade. E é claro que estando lá ela daria tudo de si para finalmente se sentir digna de estar estudando entre os melhores de sua área. Mas isso significava renunciar a muitas coisas. Não havia voltado para casa nem uma vez desde que começara a estruturar o seu artigo final. Era um aperto no coração todas as vezes que via a sua mãe pela pequena tela de seu celular. 

Naquele momento, enquanto terminava de arrumar as malas para voar para Inglaterra, odiava, mais do que nunca, pensar que havia perdido todas as últimas festas, comemorações e os beijos de seu avô.

E tudo isso a custo de quê? Artigos premiados não iriam trazer ele de volta.

Estava tão determinada a ir para longe, trilhar novos caminhos e “aproveitar” que quando chegou lá se sentiu perdida no meio desse trajeto.

Agora ela voltaria para uma Hogsmeade sem abraços apertados do seu velho. Não ouviria mais as histórias de seu avô milhares e milhares de vezes, muito menos reclamaria da camisa de linho que ele amava usar, mas sempre manchada de café. 

Todo mundo sabia como Rose era a maior puxa-saco dele, fazendo com que vovó Molly quase morresse de ciúmes. Desde pequena sempre amou correr atrás do avô pela casa, roubando o lugar de sua avó na cama, só para ganhar uma canção de ninar ou ser atacada por cosquinhas até resolver ir para o seu próprio quarto. 

No fundo, ela não se arrependia de ter ido para o exterior e seguido o seu coração. Porém, sem dúvidas se arrependia de não ter gastado todo o seu dinheiro para poder estar perto, pelo menos por mais alguns dias.

O seu pai, mesmo que em meio às lágrimas, sempre tentava atenuar essa culpa que Rose sentia. Afinal, ninguém esperava que Arthur Weasley fosse falecer assim. Ele era um idoso muito ativo e saudável, mas infelizmente não foi capaz de escapar de um infarto fulminante. 

A tristeza e a impotência estavam a enlouquecendo. Não tinha o que fazer, teria que esperar até o meio de dezembro para voltar para Inglaterra, e tentou encontrar conforto entre videochamadas com a sua mãe e tardes em cafeterias pelo Campus, onde ela tinha esperança de que o aconchego do cheiro de café fresco a ajudasse a esperar até o recesso para poder finalmente abraçar a sua avó.

A neve já havia chegado em Boston e, apesar disso, Rose não sentia ainda o clima de Natal. Aquela era normalmente a sua época favorita do ano, mas tudo andava parecendo mais cinza do que o normal. A sua única expectativa naquele ano era de encontrar conforto em uma xícara de chocolate quente da vovó Molly e em abraços apertados do seu pai.

Agora apenas 7 horas de voo os separavam. 

Mesmo com esse estranho aperto no peito, ela havia saído logo nos primeiros dias de dezembro para comprar os presentes de toda a família, que constituíram metade de sua mala de viagem. Havia comprado fones de ouvidos novos para Albus, um perfume para Dominique e outro para Roxanne, uma edição especial de um livro que a sua mãe tanto queria, um taco autografado de hockey para o seu pai e barras de todos os sabores de Ghirardelli para o restante dos primos.

Embora estivesse ansiosa para chegar logo em casa mais uma vez, Rose havia corrido muito naquela manhã para estar a tempo no aeroporto. Andava dormindo tão mal que, quando foi arrebatada pelo sono, teve muita dificuldade de sair da cama. O mundo já era cruel, ainda mais às 7 horas da manhã de um dia frio. 

Quando chegou no check in da companhia aérea, estava ofegante e provavelmente descabelada. Despachou as malas e foi comprar um café, pois além do clima congelante, ela não havia comido nada antes de sair. 

Estava devorando um muffin de blueberry, quando foi surpreendida por uma mensagem de nada mais nada menos que Scorpius Malfoy. A sua fome evaporou no mesmo segundo.

scorpius  [08:32]

Recebi isso hoje na minha caixa de correio

Você não contou para eles?

Junto da mensagem havia a foto de um suéter verde com um grande “S” no meio, junto de uma carta que dizia:

Querido Scorpius, foi um ano difícil, mas esperamos você aqui nesse Natal. Obrigada por sempre cuidar de nossa querida Rose.

Com amor, Vovó Molly

Rose gelou por dentro. Havia meses que não falava com Scorpius, muito menos tinha notícias dele, e esse definitivamente não era o modo como ela havia imaginado que retornariam o contato. 

A verdade era que ela andava meio em negação em relação a ele. Evitava pensar nele o máximo que podia, desviava das conversas de Albus sobre o amigo de longa data e atual ex-namorado de Rose. 

Pensar nisso tirava um pouco a sua sanidade.

Apesar de Rose conhecer Scorpius há uma eternidade, o relacionamento deles começou a mudar assim que entraram na faculdade. E, o que antes não passava de uma amizade com muitas provocações e brigas, evoluiu para olhares furtivos durante festas e amassos nos corredores dos dormitórios em que moravam. 

Ela sentia falta do sorriso dele assim que os seus olhos se encontravam, sempre causando milhares de borboletas no seu estômago e tirando a sua paz. Com o frio que presenciara nas últimas semanas, morria de saudades cada vez mais de sentir o calor do corpo dele encostado no seu enquanto assistiam qualquer coisa na Netflix. 

O fim deles havia chegado e o estopim não foram as brigas ou a falta de amor e sim o seu medo. Medo dele estar desistindo de si mesmo por ela. Rose o amava, mas, em algum ponto, passou a sentir que Scorpius a seguia como se estivesse sob um feitiço. Ela nunca havia percebido isso até que, após a formatura ela observou como ele facilmente colocaria os seus planos em segundo lugar por qualquer coisa que Rose julgasse ser melhor para os dois. E com isso as palavras não ditas por ela foram crescendo até que tudo explodiu de uma vez só. 

Ter 22 anos cada vez mais não se parecia com um clipe da Taylor Swift. 

Na mente dela, terminar com ele seria uma boa maneira de preservar o amor que tinham um pelo outro. Afinal, ela havia visto de perto o quanto James Potter, um de seus primos mais velhos, sofreu ao ver seu relacionamento com Olivia Longbottom ruir pela distância entre os dois. 

Scorpius, antes de ser o seu namorado, era o seu amigo e companheiro, e perdê-lo estava no topo de seus maiores medos que haviam se concretizado.

Evidentemente que explicar isso entre trêmulas palavras durante o jantar não havia sido a melhor ideia. Rose nunca havia sido muito boa nisso. Admirava a capacidade de Scorpius em fazê-la se sentir amada com as menores coisas possíveis, enquanto ela às vezes sofresse para falar um simples eu te amo, mesmo que o seu coração quisesse dizer muito mais que aquilo.

A esse ponto, ela não sabia mais se o que havia feito era por ele ou uma autossabotagem na própria felicidade. Afinal, não havia nem se importado de contar para os pais sobre o fim dos dois. Claro que Albus e as suas melhores amigas haviam acompanhado desde as suas noites ruins após o término, até os dias em que tudo que ela mais queria era ter Scorpius de volta. Os seus pais, que antes nem eram os maiores fãs do garoto, aprenderam a amá-lo como um filho. 

Rose respirou fundo enquanto mostrava o passaporte e a passagem para o comissário de bordo. Procurou o seu lugar na aeronave e desabou na cadeira que felizmente era a da janela. 

Não estava nem um pouco a fim de respondê-lo, muito menos de pensar em enfrentar mais esse problema. Porém, reuniu toda a coragem e energia que restavam em seu corpo e aproveitou os últimos minutinhos de sinal para mandar a seguinte mensagem:

Rosie [9:01]

Não, nunca surgiu a oportunidade…

Estou voltando para Londres hoje, pode me encontrar 4pm   no Três Vassouras, acho que a gente deveria conversar

Scorpius [9:03]

Okay

 

S C O R P I U S 

 

Ele estava correndo pelas escadas rolantes de Oxford Street, se movimentando no sentido contrário da multidão que se aglomerava no metrô, nas ruas e nas lojas. Nem o frio cortante, a chuva intermitente ou o vento constante puderam afastar os consumidores de última hora. As festas de fim de ano pareciam um perfume ruim, impregnando tudo ao seu redor. Por mais que corresse, não conseguia fugir.

Scorpius odiava cada um que deixara as compras de fim de ano para a última hora, odiava a música de Natal tocando em todos os alto-falantes, odiava os enfeites e penduricalhos e luzes piscando e aquela alegria falsa que permearam a cidade inteira no último mês. Não que ele fosse, em si, um Grinch. Scorpius costumava amar o Natal e todas as suas tradições. Amava fazer gingerbread com a sua mãe, ir a Sussex escolher a árvore com o seu pai, o café da manhã do dia 25. Criara um afeto um pouco distorcido até mesmo pela ceia do dia 24, na mansão dos Malfoy – era inegavelmente divertido ver os seus avós se retorcerem de incômodo com os comentários da sua mãe.

Porém, enquanto desviava de uma senhora carregando o que parecia ser o próprio peso em sacolas, ele não conseguia engolir o ressentimento. Os últimos anos tiveram outras tradições, dos Weasley, Potter e Granger. Tradições deles dois, também. 

Na maioria dos dias, ele conseguia não pensar nela. Enquanto escrevia a sua dissertação, enquanto debatia com o orientador, enquanto dava aulas supervisionadas, nas suas próprias aulas, não tinha nem tempo de pensar nela. E, o tempo que teria, ocupava com a paixão recém-descoberta por corridas, com idas a pubs com os colegas do mestrado, saindo com Albus, visitando os pais. 

Aquele, por exemplo, era um dia em que, por mais que tudo ao seu redor indicasse o contrário, esfregando na sua cara a felicidade da época, ele estava ocupado demais para sequer lembrar de Rose Weasley.

Abriu a porta da cafeteria com esforço, suando sob as diversas camadas de roupas. O seu orientador estava numa das mesas diante da janela e acenou ao vê-lo.

— Desculpa pelo atraso, Sr. Hopkins, fecharam a estação de metrô para manutenção logo hoje e eu tive que ir pela Oxford Street, que, obviamente, estava lotada e…

— Ah, não se preocupe, meu jovem, eu tive o mesmo problema. Até te mandei um e-mail avisando, mas no metrô você não deve ter recebido.

Scorpius, então, sentiu o seu celular voltar à vida, pipocando mensagens de Albus e, sim, o e-mail. Havia até algumas ligações perdidas do amigo, o que era extremamente incomum. Pensou em pedir licença para atendê-lo, mas o orientador interrompeu a sua linha de raciocínio.

— Sei que estamos numa época festiva, mas não podia deixar de ter essa última conversa com o senhor este ano. Sabe, Sr. Malfoy, terminei os apontamentos do seu artigo na quinta-feira, como avisei por e-mail, e não pude deixar de perceber o potencial para...

 

***

 

Depois da reunião, breve, mas frutífera, Scorpius finalmente retornou à ligação de Albus. Descera do metrô e caminhava para o seu apartamento em Notting Hill, admirando, como sempre, as casinhas coloridas e o borbulhante comércio local. As guirlandas penduradas nas portas, os pisca-piscas, o cheiro de laranja e especiarias que fugia, com uma lufada, pelas portas dos cafés abertas com o vaivém de gente.

— Alô – o amigo respondeu, soando distraído. Pela cacofonia ao seu redor, ele próprio devia ter deixado os presentes para a véspera.

— Oi, Al. Sou eu.

— Finalmente! Achei que você tinha morrido, que tinha sido abduzido— Albus exclamou, e Scorpius riu da dramaticidade do melhor amigo.

  — Fui abduzido para uma reunião com o Hopkins, só isso.

— Esse homem não tem noção de nada, não é? Em pleno 20 de dezembro, todo mundo no jingle bells e o cara te aluga para falar da sua tese? 

— No final foi uma coisa bem boa, na verdade. Ele quer indicar o meu artigo para um congresso sobre o tema, mas as inscrições começam logo depois do recesso, então ele quis falar logo – Scorpius expirou pesadamente, ainda sem acreditar. – Nossa, Al, foi tão rápido... logo no primeiro artigo! 

vendo que a sua fase Grinch já passou, ficou até animadinho – Albus implicou, mas logo mudou o rumo da conversa, nervosamente. – Na verdade, eu tinha ligado pra perguntar se você recebeu alguma encomenda hoje. Ou ontem.

Scorpius franziu a testa, confuso com a pergunta. 

— A última coisa que recebi foi o presente de Natal que comprei pro meu pai, mas isso foi na primeira semana de dezembro. Por quê?

— Hã... só – Albus hesitou por um instante e continuou: – Só não surta, ? Até porque, no fim das contas, a culpa foi de vocês que não contaram. E lembra do que aconteceu mês passado antes de responder... ou melhor, nem responde, antes de conversarem. E também não joga fora, pelo amor de Deus! Do jeito que você é vai pegar a caixa e jogar o mais longe possível só pra não ter que pensar sobre o assunto…

— Albus – Scorpius bufou, apoiando o celular entre a orelha e o ombro, fazendo malabarismos para abrir a porta. – Você não fazendo sentido nenhum e eu não tenho a mínima ideia do que você ... – os seus olhos foram atraídos para uma caixa, coberta por papel pardo, cuidadosamente enrolada com uma fita xadrez, verde e vermelha, sobre o móvel com as correspondências dos quatro apartamentos que dividiam a casa.

Scorpius recebera uma daquelas caixas nos últimos três anos, sabia exatamente o que significava. O seu coração deu um salto e retomou a batida no dobro da velocidade. Não, não, não. Não podia. Ela não podia ter feito isso. Mas fizera, e ele não fizera o mesmo? Não desviara a conversa todas as vezes que a sua mãe perguntara sobre Rose? Não mudara de assunto até o seu pai desistir de perguntar, assumindo que ele ainda estava chateado com a distância? 

 

***

 

Scorpius estava nervoso, podia admitir ao menos isso. 

Não era o nervosismo de antes, que criava borboletas inquietas na boca do estômago. Não era a expectativa de antes, que o fazia se olhar no espelho uma dezena de vezes antes de sair de casa, para verificar se não esquecera algo idiota como as próprias calças. 

Era um sentimento incômodo. O coração batia acelerado, mas pesava no peito. As mãos suavam, geladas. A respiração parecia entrecortada, quando tentava inspirar fundo, estacionado em frente ao Três Vassouras. 

Trocar mensagens breves com ela fora uma coisa, estar a passos de distância era outra completamente diferente.

Nos últimos meses, se convencera de que Rose Weasley fora alguma espécie de sonho bom demais para ser verdade. Remendara o próprio coração reafirmando que nunca mais a veria. Afinal, depois de sair tão decidida naquela noite fatídica, Scorpius duvidava que qualquer coisa na Inglaterra poderia atraí-la novamente. Então, claro que o avô dela tinha que falecer perto do feriado favorito dos Potter-Weasley. 

Scorpius se encolheu com a própria frieza. Ele adorava Arthur Weasley, sabia como o patriarca faria falta para a família. Lembrava-se da risada retumbante dele, dos cabelos pontilhados de branco, de como tinha sempre uma mensagem de otimismo para compartilhar. Albus ficara arrasado quando soube, Scorpius estava lá para consolar o amigo, e pensar em Rose e em como ela estaria lá, sozinha, do outro lado do mundo.

Agora, a própria dor o cegava. Por Deus, os planos que fizera para os dois. Alugara aquela merda de apartamento em Londres pensando nela, em como seria acordar todos os dias com a luz do sol espreitando pela fresta das cortinas, iluminando as sardas dela e os cabelos vermelhos. Imaginara como ela ficaria feliz com a livraria e a floricultura na esquina. 

Apenas para, semanas depois, terem aquela conversa desastrosa.

 

***

 

— Vou para Boston – ela disse, repentinamente. Scorpius parou o garfo a meio caminho da boca, o macarrão escorrendo e espirrando molho. Apressou-se em buscar um guardanapo, enquanto a encarava, estupefato. 

Estavam conversando sobre como Albus adotara um gato, que espalhava pelos por toda casa. Rindo da falta de jeito do amigo, quando Rose jogou a bomba sobre a mesa de jantar. Bem, Scorpius estava rindo. Ela tinha um olhar apreensivo o dia inteiro e, depois de perguntar algumas vezes se algo acontecera, sem resposta, ele decidira esperar Rose puxar o assunto por vontade própria – como ela fazia geralmente, matutando a questão até se resolver, e, só então, informá-lo do que decidira. 

Sempre fora assim, Rose decidia o caminho que trilhariam e ele se limitava a acompanhá-la. Acompanhava os passos dela com gosto, na verdade. Afinal, qualquer lugar sem ela lhe parecia inóspito.

— Tudo bem – ele começou a responder, lentamente. Quase podia ouvir o próprio cérebro tentando processar o que ouvia. – Para as férias?

— Não – ela replicou, torcendo uma mecha nervosamente entre os dedos. 

— Para um curso? – Tentou novamente, e Rose apenas sacudiu a cabeça, mordendo o lábio. Scorpius expirou pesadamente. Não gostava nem um pouco do rumo da conversa. – Rose, meu amor... não posso ajudar, se você não me explicar o que te deixou tão apreensiva.

— Eu... recebi a resposta da Ilvermorny. 

— Você aplicou para lá? Tinha dito que no máximo tentaria para Escócia... – ele começou, confuso, e ela o interrompeu.

— Eu tentei para Escócia. Eles também me aceitaram, mas você sabe como o meu tema de pesquisa é mais explorado nos Estados Unidos e…

— E em Edimburgo! Diabos, até na Espanha, Rose…

— Eu não podia me limitar tanto assim, o meu orientador sugeriu e eu…

— Seu orientador sugeriu e você nem cogitou me avisar? – Scorpius quase gritou. Rose desviou os olhos, incapaz de lidar com a mágoa que via nos dele. – Rose, eu literalmente acabei de começar o mestrado na London College! Que eu escolhi porque você falou que queria ficar perto dos pais…

— Eu não sabia que ir para Ilvermorny era sequer uma possibilidade, Scorpius! Não falei com você porque duvidava que fossem me escolher.

— Para alguém tão inteligente, você às vezes consegue ser bem obtusa – ele sacudiu a cabeça, incrédulo. Engoliu em seco, empurrando o bolo da garganta. – Como não sabia que poderiam te escolher? Pelo amor de Deus, a sua dissertação ganhou prêmios – Scorpius quase sussurrou, como se a breve conversa tivesse esvaído a sua energia.

— Não podia criar expectativa para algo que poderia não dar em nada – ela contrapôs, escondendo as mãos, que tremiam, embaixo da mesa. 

Scorpius apoiou o queixo nas mãos, aquela expressão inflexível que Rose detestava distorcendo o rosto dele, que geralmente era tão gentil.

— Ah, entendi – retrucou ironicamente e ela se remexeu, desconfortável, na cadeira. – Então o errado fui eu, que criei expectativas procurando esse apartamento e dispensando Cambridge e…

— Eu nunca pedi para você fazer nada disso!

— Essa é a questão, Rose! Você não precisava pedir, eu fiz porque quis. Fiz porque, nas minhas decisões, eu levo você em consideração. Como se deve fazer num relacionamento saudável, por sinal.

— O que... o que você está insinuando?

Scorpius ignorou a pergunta.

— Quanto tempo, Rose?

Ela simplesmente o encarou. Os olhos verdes parecendo grandes demais no rosto. Brilhantes demais com lágrimas não derramadas. Scorpius sentia o bolo na garganta se avolumar quando se forçou a repetir a pergunta, mais alto desta vez.

— Dois anos – Rose respondeu, enfim, a primeira lágrima da noite escorrendo pela bochecha.

Ele soltou o ar ruidosamente. Fechou os olhos por um instante, retomando a compostura.

— Tudo bem. Tudo bem, a gente dá um jeito, eu tenho férias no meio do ano, e você deve ter recesso de Ação de Graças e o Natal…

— Como assim, tudo bem se há dois segundos você estava quase tendo uma síncope?

Ele deu uma risada, sem achar graça alguma.

— Eu posso discordar da forma que você toma decisões, Rose, mas isso não significa que eu não te apoie nelas.

— Não – ela disse, subitamente.

— Como “não”?

— Não, eu não vou fazer isso.

— Fazer isso o quê, Rose? – Ele teve medo da resposta. Um pavor intenso, profundo, que o dominou até os ossos quando viu como ela começara a chorar de verdade. 

— Não posso ir para Boston sabendo que estou presa nessa situação, que você está preso nessa situação – exclamou, levantando-se com um estrondo. A toalha puxou o que estava sobre a mesa, a taça de vinho se espatifou no chão. Scorpius se levantou e deu a volta no móvel, parando a centímetros dela. Rose ergueu o queixo para olhá-lo nos olhos.

— Qual situação? – Perguntou, suavemente. Ela precisava dizer, Scorpius pensou. – Não vou completar a frase por você, Rose. Se você realmente está fazendo o que parece, eu quero ouvir da sua boca. Porque eu nunca

— Sim, eu quero terminar — ela exclamou e ele deu um passo em falso para trás, como se tivesse levado um tapa. Seria menos doloroso se fosse esse o caso. — Não posso me prender desse jeito, não posso…

— Não — ele interrompeu, colérico. — Nem tenta transformar isso em algo sobre mim. Assuma as próprias decisões, pelo menos agora. Dessa vez, eu não vou concordar e agir como se estivesse tudo bem. Não tem nada bem nisso, e a culpa não é minha, então não aja como se fosse.

— Eu nunca te pedi para concordar com nada, Scorpius — Rose repetiu, e ele jogou as mãos para o alto, inconformado.

— Não era para pedir, Rose! Você realmente não enxerga isso? Que, se estamos nessa relação para durar, os dois têm que fazer concessões? Que decisões devem ser tomadas em conjunto? Você nem parou para pensar em mim! No que eu pensava sobre o assunto…

— Porque isso não te diz respeito – Rose o interrompeu. – É o meu sonho, a minha carreira. A escolha é minha e eu…

— E você não quer me prender – ele completou, irônico. Passou as mãos pelos cabelos prateados, exasperado. – Então vai, Rose.

— O... o quê?

— Vai, vai embora. Você deve ter pensado nisso por meses, se os anos que te conheço sequer serviram para alguma coisa – ele disparava as acusações, sem se preocupar se soava injusto, mesquinho, frio. Se Rose podia se dar ao luxo de ser egoísta, se ela podia se desfazer dele com essa facilidade toda, podia ouvir aquilo. – Deve ter passado noites e noites acordada, pensando em como contar para o idiota do namorado que iria para os Estados Unidos na primavera. Então vai.

E ela foi.

 

***

 

Scorpius destrancou a porta do carro, dando mais uma volta no cachecol antes de enfrentar o vento gelado. Se estivesse numa outra situação, provavelmente ficaria feliz com a perspectiva de ter neve no Natal. Agora, só conseguia xingar o frio cortante – gelado o suficiente para até ter parado de chover –, enquanto corria para o Três Vassouras.

Ela já estava lá, ele reconheceria aqueles cabelos em qualquer lugar. Eram mais escuros que os de Lily Luna, mais cacheados que o de Gina – ninguém, entre todos os Weasley, tinha cabelos como os dela.

Ele se lembrava de brincar com eles, para implicar com ela na escola. Se lembrava de afagar a cabeça dela, quando se deitava sobre o colo de Rose. Se lembrava de puxá-los, quando estava por trás. Se lembrava de como ele brilhava no sol, do cheiro de lavanda. 

Nem todas as lembranças o prepararam para a realidade.

Como se sentisse a sua presença, Rose se virou na direção da porta e, depois de seis longos meses, os seus olhares se encontraram. Scorpius engoliu em seco, reunindo coragem para ir até a mesa em que ela estava. A mesma mesa em que eles e Albus se sentaram por tantos anos, nas mais diversas ocasiões. 

Sabia que, independentemente do horário, ela comeria waffles belgas, com morangos e chocolate. Sabia que ela pediria um café com leite, que demoraria demais para beber, apenas para reclamar que estava frio. Sabia tantas coisas e, ao mesmo tempo, sentia que não sabia de mais nada.

Rose se levantou quase automaticamente, como se fosse cumprimentá-lo, mas hesitou logo em seguida. Scorpius odiava a insegurança dela, odiava que a pessoa de quem mais era próximo tivesse se tornado uma estranha. 

Mas não conseguia ignorar o próprio ressentimento, por mais que o seu primeiro instinto fosse confortá-la. Então, se limitou a um aceno breve.

— Oi, Rose – disse, simplesmente. Ela abriu um sorriso tímido.

— Oi, Scorpius.

— Boa tarde, senhor – o garçom apareceu, repentinamente, enfiando o menu diante de Scorpius, que, distraidamente, pediu um Earl Grey.

Os dois observaram o garçom se afastar e se encararam, o desconforto recobrindo-os pesadamente. Scorpius tirou o cachecol e as luvas, ocupando-se, evitando ser o primeiro a interromper o silêncio sepulcral. 

— Então... – Rose começou apreensiva, soltando um suspiro. Ele se compadeceu ao vê-la torcendo uma mecha nervosamente entre os dedos.

— Eu... – Scorpius hesitou, até reunir coragem para encontrar seus olhos – sinto muito pelo seu avô. Eu... eu estava com o Al quando aconteceu, fomos no hospital e pensei em te ligar, mas a sua mãe já estava com você na linha. E depois fui embora, porque pareceu meio invasivo estar ali naquele momento e…

tudo bem. Quer dizer, não , mas vai ficar tudo bem. Tenho certeza que foi muito importante para o Albus você estar ali com ele – ela abriu um sorriso triste e deu de ombros. – O tempo cura tudo, certo?

Scorpius, por sua vez, sorriu educadamente. Talvez concordaria se qualquer outra pessoa dissesse aquilo, em qualquer outra situação. Mas ali, tendo-a ao alcance das mãos ao mesmo tempo em que não podia nem sonhar com tocá-la, ele duvidava que o tempo curasse qualquer coisa que fosse. Não podia concordar com algo assim, não enquanto sentia o coração se partir mais uma vez, todos os remendos e adendos que fizera se desfazendo. 

— Mas me conta de você, como você ? – Ela perguntou, ao passo que ele dizia “e você, como tão as coisas?”. Eles riram, sem jeito.

— Bem, eu comecei a dar aulas – Scorpius disse, passando as mãos pelos cabelos, acanhado. – Supervisionadas, mas enfim. E o Hopkins aceitou ser o meu orientador, lembra dele? Vai mandar o meu artigo pro congresso de Edimburgo, no início do ano.

— Scorpius – Rose exclamou, sorrindo largamente. – Que incrível! Eu ainda não comecei a dar as aulas, mas terminando o primeiro artigo. Acho que o ritmo deles é um pouco mais lento – ela fez uma careta de desagrado e ele riu, afetuosamente.

— Tenho certeza que vai dar tudo certo – disse, com uma pontada de orgulho. Se tinha certeza de algo, era que Rose Weasley conquistaria o mundo. – E... você tá gostando de Boston?

— Sim, me surpreendi bastante. Bem diferente de Londres e Hogsmeade – ela deu uma risadinha e desviou os olhos. – Mas gosto bastante, principalmente da faculdade... ah, você não vai acreditar! Lembra do Luke Zabini? Encontrei com ele no Campus esses dias, também está estudando lá. Que coincidência, não é? Mas ele estuda engenharia, não história. Acabamos marcando de tomar um café e…

— Rose, se eu quisesse saber com quem você estava saindo em Boston, teria perguntado – Scorpius interrompeu o tagarelar dela. Rose corou e desviou os olhos, claramente magoada. Pois pode colocar a sua mágoa ao lado da minha, ele pensou, irritado. 

Ela não tinha o direito de fazer isso, de fazê-lo se sentir culpado pela situação ridícula em que estavam. Ele não começara a primeira conversa deles em meses falando das pessoas com quem saíra. E também, o que diria? Que John saiu falando que, quando superasse quem quer que fosse, poderia ligar para ele? Que Kitty, com uma assertividade desconcertante, perguntara em quem ele pensava quando estavam transando? Não. Era mais uma cutucada ardida, incômoda, vê-la falando tão tranquilamente sobre Luke Zabini, sobre Boston, sobre a vida nova que construíra quando o deixara para trás. Como se ele tivesse recolhendo os cacos há meses, enquanto ela desabrochou no período em que estiveram separados.

Ele nunca se considerou uma pessoa ciumenta, e de fato não era, o que só tornava ainda mais excruciante a avalanche de sentimentos que o dominavam. 

O silêncio tomou conta do espaço entre eles e Scorpius chegou a se arrepender de vocalizar o que havia pensado. Talvez ele não tivesse o direito de jogar tudo nela. Abriu a boca algumas vezes, mas nenhum som saiu e o silêncio incômodo apenas crescia e crescia. 

— Bem, acho que temos que decidir o que vamos fazer, então – Rose finalmente mudou o assunto, e o tom da conversa. De falsa cordialidade para algo como profissionalismo. Scorpius sentia vontade de rir de desespero.

— Eu não contei para eles, você também não. Jogar a notícia assim, do nada, vai ser um pouco... indelicado.

— Para dizer o mínimo – Rose bufou.

— Se estiver ok para você, está ok pra mim. Podemos ficar quites, passo a virada na casa dos seus avós e você vem comigo para Londres, no dia 25, encontrar os meus pais... – ele abriu um sorriso irônico, desses que escondem quase perfeitamente o ressentimento. – Você pode me chamar de “amor” nesse fim de semana, e a gente finge que tá tudo na mesma porque, afinal, estamos na porra do Natal.

Rose assentiu lentamente e tomou um gole do café, como se barganhasse tempo para ordenar os pensamentos. 

— Então a gente se encontra em Hogsmeade amanhã? Pode ser perto de Hogwarts mesmo, o que você acha?

— Sim, fechado. Perto da Igreja Metodista sempre tem vaga... E você se incomoda de vir comigo para Londres, dia 25? 

Pro café da manhã na casa dos seus pais? – Rose perguntou, estupefata, ao que ele assentiu. – Sim, claro! Não poderia recusar um convite da Astoria, ela... como eles estão?

— Ah, estão bem – ele deu um fraco sorriso. –  Meu avô se aposentou há pouco tempo, então o meu pai assumiu as funções dele na empresa. Minha mãe abriu uma ONG para ajudar famílias refugiadas no Reino Unido, tem se dedicado bastante a isso... e claro, continua dando aulas de balé, para aquela outra ONG que ela apoiava. Sabe que, depois que passou o posto de primeira-bailarina da Companhia, nunca conseguiu abandonar completamente a dança.

— Ela é incrível – Rose comentou, carinhosamente.

O garçom, então, os interrompeu novamente, trazendo a xícara de chá. Depois de colocar o leite e ponderar se valeria a pena, ele finalmente perguntou:

— Por que você não contou a eles?

Uma dezena de sentimentos pareceu perpassar os olhos dela. Vergonha, dor, dúvida, carinho. 

— Eu não consegui contar – Rose acabou respondendo, e Scorpius sorriu, tristonho. – E você?

Porque seria admitir que realmente acabou. Porque minha mãe jurava que íamos nos casar. Porque briguei com o meu pai para alugar o apartamento no bairro que você queria. Porque não queria chorar copiosamente na frente deles. Porque ainda tinha esperança que você ia me ligar, e depois pareceu tarde demais.

— Eu não consegui também – ele repetiu, cuidadosamente.

Touché — Rose disse, simplesmente, antes de ser interrompida pelo celular. – Desculpa, é o Albus. – Scorpius acenou com a cabeça, como quem diz “tudo bem”. – Oi, Al. Tô aqui no Caldeirão Furado... – olhou furtivamente para Scorpius. – Sim, ele aqui. Sim, vamos fazer isso mesmo...Olha, eu sei, Albus... Não, não acho que certa! Mas o que você queria que... Albus, desculpa, mas não posso conversar agora. Quando eu chegar aí você solta os cachorros, pode ser...? Tá bom. Beijo, tchau.

— Ele não nem um pouco feliz com essa história, né? – Scorpius perguntou, e Rose apoiou os cotovelos na mesa, a cabeça pendendo entre as mãos, frustrada.

— Não é como se a gente estivesse feliz com isso... mentindo para não estragar o Natal. Mas prefiro isso que ser o motivo pelo qual o Natal foi ainda mais destruído — Ela deu uma risada nervosa. — Não, imagina a cara da vovó Molly se soubesse que terminei com o “neto emprestado” favorito dela — Rose reclamou, usando o termo com o qual Molly fazia referência aos namorados dos netos.

— Vai dar tudo certo — Scorpius disse, simplesmente. Era o máximo que conseguia dizer sem gritar de desespero.


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Notas finais do capítulo

Por favor comentem o que acharam e vocês são #TeamRose ou #TeamsScorpius? E das autoras quem vocês acham que é o lado Rose e o lado Scorpius?

O próximo já está pronto, logo logo a gente posta também :)



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