Lembranças escrita por Mari Pattinson


Capítulo 1
Capítulo Único




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Parte IV— Irlanda do Norte, outubro de 1920 – Quartel Abercorn.

PDV: Bella

─ SOLDADO BALEADO! ─ gritou o Sargento McCarthy, adentrando o pequeno cômodo destinado à sala de descanso de enfermagem, as mãos e os punhos do uniforme completamente encharcados de sangue ─ Swan, Weber e Sutherland, as três agora! ─ Ele gesticulou para mim, Angela e Victoria, que éramos as enfermeiras mais experientes do quartel ─ Preciso do menino intacto, ele é um Cullen! ─ sussurrou a última parte, de modo que apenas eu e as garotas o ouvíssemos.

Os Cullen eram uma das famílias mais influentes e de linhagem nobiliárquica mais alta do Reino Unido e, por um segundo, eu me impressionei que seu único descendente homem estivesse participando dos combates daquela guerra. Aquela não parecia o tipo de família que arriscaria perder seus títulos e honrarias daquela maneira.

─ Chamou meu tio? ─ perguntei, levantando-me, seguida de Angie e Victoria. O Sargento gesticulou para que o seguíssemos para fora da tenda e nós o acompanhamos rapidamente.

─ Ele já está a postos ─ confirmou ele, indicando que entrássemos na cabana improvisada para procedimentos em soldados feridos ─ O garoto desmaiou de dor. Cuidem dele, por favor.

O Sargento McCarthy parecia agitado para além do fato do garoto atingido ser um Cullen, os olhos azuis dele estavam arregalados e amedrontados; talvez a situação estivesse feia e eu suspirei antes de abrir a porta da cabana.

─ Senhoritas ─ disse meu tio, Charlie Swan, um dos médicos-cirurgiões mais respeitados de nossa região, assim que cruzamos a porta. Ele estava de frente para nós, observando atentamente a perna direita de um rapaz desacordado sobre a mesa de cirurgia; só poderia ser o garoto Cullen.

Sem mais delongas, eu e as meninas higienizamos nossas mãos na pequena pia disponível e vestimos nossas luvas antes de nos aproximarmos deles. E eu vi que o Sargento tinha razão em ficar preocupado: havia uma fratura exposta na tíbia, a bala estava alojada nos músculos da perna do rapaz, além do sangue espalhado por toda parte.

─ Doutor Swan, o que vamos fazer? ─ Angie foi a primeira a se pronunciar.

─ Uma de vocês aplique 10mg de Sulfato de Morfina e se certifique que ele não acordará durante a cirurgia ─ meu tio respondeu ─ Tem Clorofórmio bem ali. ─ Ele indicou um dos frascos sobre uma bandeja ao lado da mesa.

Victoria se posicionou mais perto do tronco do rapaz e presumi que ela assumiria aquela função quando começou a procurar pela injeção de Morfina.

─ O Senhor vai amputar? ─ perguntei, um pouco preocupada sobre o quão “intacto” o Sargento McCarthy queria aquele garoto.

─ Vou tentar tirar a bala ─ respondeu-me, erguendo os olhos ligeiramente para me encarar ─ Nessas circunstâncias, é tão arriscado quanto amputar, mas vamos ver como o garoto reage. É provável que tenha uma infecção, se é que já não está desenvolvendo uma. ─ Tio Charlie suspirou e então voltou-se para Angie ─ Senhorita Weber, teste o sangue dele e traga um litro de sangue citratado¹ do mesmo tipo.

¹Sangue com adição de citrato de sódio (com ou sem dextrose), que funciona como um anticoagulante. Não é o método mais eficiente para a preservação do sangue, mas era bastante utilizado nessa época.

─ Certo, Doutor Swan ─ disse Angie, coletando uma amostra de sangue do rapaz e se dirigindo ao armário com o sangue que mantínhamos estocado para casos de necessidade.

─ E eu? ─ perguntei, aproximando-me do joelho direito do rapaz, orgulhosa por ter um estômago forte. Aquela ferida estava muito profunda e eu temia não conseguirmos curá-la a tempo de salvar a perna dele... Ou pior, a vida dele.

─ Fique aqui comigo. Líquido de Dakin sobre a ferida, agora ─ murmurou tio Charlie. Assenti, pegando o antisséptico e jogando-o sobre a perna do rapaz ─ Precisamos ser rápidos... ─ Ele gesticulou para o torniquete acima da ferida ─ Para tentarmos reestabelecer o fluxo de sangue e salvarmos a perna.

Peguei a pinça longa sobre a bancada de instrumentos, observando os fragmentos de ossos, e dei-a ao meu tio – ele com certeza precisaria dela – ao mesmo tempo em que estendia uma pequena bacia para que ele pudesse ir depositando qualquer estilhaço ali dentro.

─ Muito bom, nem precisei dizer nada ─ disse ele, sorrindo para mim antes de começar a retirar os pequenos pedaços de osso totalmente espalhados pela ferida exposta.

─ Aprendi com o melhor ─ afirmei, sentindo-me feliz por ter sido tio Charlie a me ensinar tudo aquilo na prática. Embora o cenário de guerra não fosse nada agradável, precisava reconhecer que, sem ele, talvez eu não conseguisse me aprimorar tão rápido ou eficientemente.

Tio Charlie deu uma risadinha e continuou a procurar por fragmentos:

─ Acho que foram todos, pode checar para mim?

Concordei com a cabeça e me inclinei um pouco mais. Não havia nada suficientemente visível que pudesse indicar fragmentos restantes.

─ Tudo limpo, por aqui.

─ Então vamos à parte mais delicada. Ah, que bom que encontrou, Senhorita Weber ─ meu tio disse, observando enquanto Angela encontrava uma veia no braço do rapaz e iniciava a transfusão de sangue.

─ Acho melhor usar o Clorofórmio agora, Vick ─ murmurei. Eu não entendia exatamente como ou o porquê, mas conseguia sentir que o rapaz estava quase acordando, como se a energia dele tivesse subitamente mudado de pacata para “ficando em alerta”. Não era a primeira vez que eu tinha aquela sensação diante de soldados feridos. E geralmente eu acertava.

Ela me encarou com o cenho franzido, mas não demorou muito para o rapaz começar a tossir e, provavelmente, aquele estímulo a convenceu o suficiente para embeber a máscara em Clorofórmio e colocá-la sobre o rosto dele.

Voltei minha atenção para a perna dele e percebi que meu tio já havia iniciado a tentativa de remoção da bala. Ele estava sendo cuidadoso para não atingir nenhuma veia, porque a bala realmente estava bem alojada ao músculo.

Mas meu tio realmente era um excelente cirurgião, eu tinha certeza de que ele não demoraria muito para conseguir retirar a bala... Bem, eu esperava, porque além de ser um procedimento difícil, também era arriscado.

Contar com a experiência de tio Charlie era o melhor que podíamos; ele havia servido como cirurgião na Primeira Guerra também, então não era a primeira vez que via uma situação daquelas. Eu simplesmente sabia. Era quase como se eu conseguisse imaginar as inúmeras cirurgias que ele havia feito durante todo aquele tempo.

Fiquei aliviada quando a bala foi removida e todos os vasos da perna do rapaz permaneceram intactos; depois, tio Charlie realocou a perna de modo a realinhar o osso da tíbia.

─ Senhorita Swan, pince a artéria femoral ─ ele mandou e eu o obedeci. Aquela seria a parte mais delicada ─ Vou religar a artéria femoral e depois que suturar tudo vou precisar que me ajudem a colocar um Thomas Splint na perna dele.

Angie e Vick se afastaram para pegar os materiais para o procedimento enquanto eu o ajudava a reconectar a artéria, suturando-a com fio de seda.


Cabana das Enfermeiras...

Lavei meu rosto, exausta de toda aquela operação, mas aliviada que tudo havia dado certo. Pelo menos por enquanto, porque diante de toda a complexidade da situação, não tinha como prever se a perna do garoto Cullen se curaria. Ou se mesmo a vida dele já estava fora de perigo.

Estava prestes a me trocar quando a porta da cabine foi aberta abruptamente por ninguém menos que o Sargento McCarthy.

─ Swan! ─ Ele me encarou e eu suspirei. O que ainda me esperava? Será que alguma intercorrência havia acontecido naqueles ínfimos minutos entre o término dos procedimentos e eu chegar à cabana das enfermeiras?

─ Sim, Sargento McCarthy?

─ Me acompanhe, sim?

Suspirei novamente, mais pesado, e concordei com a cabeça. Talvez fosse um novo paciente. Era totalmente imprevisível a quantidade de feridos que o Quartel recebia por dia. Podíamos passar semanas sem receber um e, às vezes, recebíamos mais de vinte soldados num dia só, como algum tipo de “compensação”.

─ Quero que fique com o Cullen. Ajude-o no que precisar, principalmente nesses primeiros dias do pós-operatório. Vai cuidar sozinha dele e dele somente, até que ele esteja cem por cento ─ o Sargento murmurou assim que estávamos do lado de fora, e foi me conduzindo até uma das cabanas mais afastadas do Quartel ─ Preciso que seja muito discreta. Isabella, eu estou lhe confiando a minha cabeça ─ completou ele, fitando-me seriamente com seus pequenos olhos azuis.

Ele estava com medo.

E eu mais ainda.

Arregalei os olhos, assustada. O que ele queria dizer com aquilo?

─ Por que eu? ─ perguntei, incerta sobre a minha capacidade de cuidar sozinha daquele garoto, principalmente depois de lesões tão sérias. Mesmo em casos mais fáceis, nós, enquanto enfermeiras, ficávamos sempre em duplas e nos revezávamos a cada turno para não nos cansarmos demais.

─ Porque é a melhor que temos ─ respondeu-me. Em seguida, suspirou e colocou as mãos em meus ombros ─ Isabella... Posso te chamar assim? ─ Concordei com a cabeça, eu o conhecia há mais de um ano, não me importava que não fossemos mais tão formais um com o outro.

“É claro que não fui literal quando falei sobre minha cabeça, mas... O meu emprego sim. O Cullen obviamente não deveria estar aqui. Eu deixei o menino se alistar, porque ele queria muito, não sei ao certo os motivos dele, mas ninguém além de nós, seu tio, Victoria e Angela sabem sobre ele. Ele precisa voltar para casa inteiro e eu só confio em você para garantir isso”.

─ Sargento... ─ comecei, as dúvidas ainda permeando minha cabeça, mas ele me parou com um pequeno sorriso.

─ Não vai começar a duvidar de si mesma agora, vai? Soube da sua reputação de boa curandeira... Seus professores lhe recomendaram pelo seu “exímio poder de cura”, o que quer que isso signifique, não é? Então, não sei exatamente o que tem aí dentro, mas faça a sua mágica, a sua mandinga, mas por favor, cuide dele!

─ Mágica? ─ Eu arfei. Que tipo de brincadeira era aquela? ─ Eu só faço bem o meu trabalho!

─ Está bem ─ “concordou” ele, mas me deu uma piscadinha como se dissesse que sabia da verdade. E me arrepiei com o olhar dele.

A última coisa de que precisava era ser acusada de bruxaria. Embora as pessoas não fossem mais queimadas sob tais acusações, eu preferia me prevenir de qualquer tipo de problema. Sabia o que eu era: uma humana comum, igual a todas as outras, não havia nada de especial sobre mim.

─ Vai cuidar dele, não vai? ─ o Sargento me perguntou esperançosamente, tirando-me de meus pensamentos.

Duvidava que eu realmente tivesse escolha, então apenas concordei com a cabeça. Ele então sorriu largo e, com um braço por sobre o meu ombro, guiou-me até a Cabana 7. O garoto Cullen estava deitado, ainda inconsciente, sobre uma das duas únicas camas disponíveis ali. Era claro como aquele espaço havia sido remanejado para acomodar a ele e somente a ele. Nenhuma outra pessoa deveria saber que um Cullen estava ali. E eu era a principal responsável por garantir aquilo.

─ Trarei seus pertences para cá daqui a pouco ─ murmurou ele.

Guinchei, surpresa.

─ Vou dormir aqui com ele?

Não que precisasse me preocupar muito, até porque o rapaz estava acamado, mas eu não teria privacidade para me trocar ou sequer ir ao banheiro! A parte mais luxuosa de estarmos no meio de uma guerra era o fato de termos – no caso daquela cabine mais “particular” em específico – um vaso sanitário exposto no canto esquerdo do quarto. E uma tina de madeira no canto direito.

─ O que? Ele está totalmente imobilizado, a última coisa que vai fazer é tentar desfrutar de seu corpinho ─ o Sargento brincou, olhando-me da cabeça aos pés com um sorrisinho maldoso nos lábios e eu senti minhas bochechas pegando fogo.

─ Uh... Mas... ─ Suspirei. Novamente, que escolha eu tinha? ─ Está bem. Pode ser rápido? Gostaria de tomar um banho antes que ele acordasse ─ pedi. Estava suada e exausta debaixo daquelas roupas, eu realmente precisava de um banho.

─ Vou lhe trazer água quente também.

─ Obrigada... Eu acho ─ murmurei e ele deu uma risada.

─ Acho que vai me agradecer de verdade no final disso tudo. O Cullen é um bom partido ─ comentou, sorrindo-me maliciosamente de novo.

Ele riu de minha expressão embasbacada e saiu da cabana. Sentei-me na cama disponível e comecei a me desfazer das vestimentas que usava no cabelo. Deixei que meus cabelos caíssem por sobre meus ombros, soltos, e tirei meu avental, dobrando-o e colocando-o junto dos itens dos cabelos aos pés da cama.

Não demorou muito e o oficial McCarthy retornava à cabana. Ele trazia consigo duas jarras de cerâmica – uma com água quente e a outra com água em temperatura ambiente para o meu banho –, bem como a minha bolsa do exército com minhas roupas, meu kit de primeiros socorros e alguns itens extra de enfermagem.

─ Obrigado por fazer isso, Isabella. Salvou minha vida ─ disse ele, ao sair da cabana, observando-me da soleira da porta ─ Mais tarde trago algo para se alimentarem.

─ Certo... Mas deixe para me agradecer depois que o rapaz já tiver se recuperado... ─ falei, não querendo pensar no que lhe aconteceria caso o garoto Cullen piorasse ─ Aliás, qual é mesmo o nome dele?

─ É Edward, o Visconde Edward Cullen ─ o Sargento me respondeu ─ Agora preciso ir. Vão começar a desconfiar se me virem aqui o tempo todo. Pode ser que eu mande uma das garotas aqui de vez em quando, para lhe trazer as coisas, só para despistar.

─ O que vão dizer sobre mim quando descobrirem que passei a noite aqui com ele?

Bem, talvez eu estivesse um pouco preocupada com a minha reputação. Não seria nada bom se as pessoas interpretassem de maneira errada aquela situação toda. Eu não estava passando a noite com o garoto Cullen porque queria, estava lá para cuidar dele e para cuidar dele apenas. Mas será que os outros entenderiam? Eu ainda tinha sonhos para depois da guerra. Qualquer erro ou passo para fora dos limites poderia arruinar a minha chance de me casar com um bom homem.

O Sargento pareceu ponderar por alguns segundos e depois suspirou, fitando-me com seus olhos azuis brilhantes.

─ Tem razão. ─ Suspirou novamente ─ Não é justo que tenha que pagar por uma decisão minha, eu quem não deveria tê-lo deixado ir para a guerra. ─ Ele fez um biquinho e por um momento pensei que aquele era um jeito de tentar me persuadir a ficar naquela cabana, mas ele não parecia estar fingindo.

─ Deixe, vai. Está tudo bem, vou ficar.

Ele já tinha tarefas e preocupações demais. O que me custaria... Claro, talvez me custasse sim, talvez eu estivesse pondo o meu futuro a perder ao passar a noite com um homem, mesmo que não fosse por motivos que, de fato, “manchassem a minha honra”. Mas eu não conseguiria dizer não a alguém necessitado.

E o garoto Cullen... Edward, ele estava muito debilitado e eu sabia que poderia cuidar perfeitamente dele, embora, se tivesse ajuda, tudo seria ainda mais fácil.

─ Obrigado, Isabella!

Surpreendi-me quando o Sargento adentrou a cabana subitamente e abraçou-me com força, erguendo-me do chão devido à nossa diferença de altura. Não estava acostumada a receber gestos de carinho e afeto dos soldados, menos ainda dele, que costumava se manter mais contido – fisicamente –, apesar de todas as brincadeiras.

Abracei-o de volta, meio sem jeito, e ele deu uma risadinha antes de me colocar no chão.

─ Garoto de sorte, esse Cullen. Vai tê-la só para ele ─ murmurou, acariciando minha bochecha esquerda com um dedão, e fiquei vermelha na hora, ao mesmo tempo em que meu coração acelerava. O que ele queria dizer com aquilo?

O Sargento se inclinou um pouco mais, segurando meu rosto com ambas as mãos, e meu coração batia tão acelerado que temi desenvolver uma arritmia; a minha respiração ficou descompassada e a dele estava próxima demais ao meu rosto – de uma maneira que qualquer outro rapaz jamais estivera!

Sentia uma animação e uma esperança por parte dele e não sabia muito como reagir, estaria ele em suas faculdades mentais saudáveis? Ele queria me beijar? Seria certo deixá-lo?

─ Sargento ─ sussurrei, de olhos arregalados pela surpresa. Apoiei minhas mãos em seus ombros e “empurrei-o”. Obviamente, ele nem se moveu, porque era muito mais forte do que eu, mas pelo menos retesou o corpo, franzindo o cenho.

Balançou a cabeça negativamente, como se para clarear a sua mente, e me sorriu.

─ Desculpe, Isabella ─ murmurou, ainda fazendo carinhos na pele de meu rosto.

─ Acho melhor...

─ Tenho que ir ─ completou ele, abaixando levemente o meu rosto e beijando minha testa carinhosamente. Suspirei e minhas bochechas coraram ainda mais. O Sargento estava mesmo nutrindo algum sentimento por mim?

Acompanhei-o até a porta e ele acenou antes de se juntar aos outros soldados.

Meu coração ainda estava meio acelerado, eu estava perplexa. Nenhum rapaz havia estado tão perto de mim daquela forma e eu sentia um misto de sensações: inquietude, empolgação e medo do desconhecido... Mas não reciprocidade.

Sabia que o Sargento McCarthy era um bom homem, mas o que eu nutria por ele não passava de admiração e carinho... Nada românticos. Será que se eu tentasse mais, poderia acabar gostando dele?


...

Molhei meu rosto uma última vez naquela água refrescante, depois de já ter lavado meu corpo; levantei-me e apertei meus cabelos para tirar o excesso de água, e ofeguei quando ouvi uma tosse carregada. Meu coração acelerou no mesmo segundo quando senti que o garoto Cullen estava acordando.

Olhei por cima do ombro – ainda bem que eu estava de costas para ele! – e me deparei com pequenos olhos verdes me encarando, surpresos. Ele desviou o olhar e começou a tossir novamente.

Enrolei-me na toalha e saí rapidamente da tina, pronta para socorrê-lo o mais rápido possível.

─ Olá, eu sou sua enfermeira, me chamo Isabella ─ falei, afagando seu peito. Não havia muito o que eu pudesse fazer para ajudá-lo a tossir. Sua posição não era muito favorável, mas eu não poderia virá-lo por causa do Thomas Splint.

Assim que parou de tossir, Edward voltou a me encarar com os olhos mais verdes e mais profundos que eu já vira; eu mal havia notado como eles eram verdes, lindos e intensos. Conseguia vê-lo por completo apenas pela breve conexão de nossos olhos, como se nos conhecêssemos há uma vida inteira, o que não poderia ser verdade, pois eu nunca o havia visto antes daquela tarde, e um arrepio percorreu minha coluna quando percebi a intensidade com que nos encarávamos.

─ Qual é o seu nome? ─ perguntei, empurrando aquelas impressões para longe. Precisava cuidar dele, era o meu único trabalho. E embora já soubesse a resposta para aquela pergunta, precisava que ele me dissesse; era uma forma de verificar os seus sentidos.

─ É Edward ─ respondeu-me com a voz rouca. O rapaz devia estar morrendo de sede.

─ Só um segundo, Edward ─ murmurei, afastando-me para perto da minha bolsa. Talvez o Sargento McCarthy tivesse colocado água dentro dela. Sorri ao notar que estava certa ─ Sabe aonde está? ─ perguntei, aproximando-me de sua cama novamente.

Ele olhou ao redor, franziu o cenho e voltou-se para mim.

─ Bem, se é uma enfermeira, então estou num hospital? ─ perguntou-me.

Dei-lhe um meio sorriso e abri o cantil de água. Passei o braço esquerdo por debaixo de seu pescoço e ergui um pouco de seu tronco.

─ Precisa se hidratar ─ falei, sentindo que sua pele estava um pouco mais quente do que antes. Era preocupante, pois uma febre podia significar uma infecção ─ Beba o quanto quiser.

Edward concordou com a cabeça e eu aproximei o cantil de sua boca. Ele tomou a água toda em pequenos goles e o ajudei a se deitar assim que terminou.

─ Estamos no Quartel de Abercorn ─ respondi à sua pergunta, colocando o cantil vazio ao lado de sua mesinha de cabeceira.

─ O que aconteceu? Por que a minha perna está desse jeito? ─ perguntou ele, olhando de mim para a sua perna imobilizada. Era nítido como ele estava com medo da resposta. Sua reação não era tão diferente de outros soldados feridos.

Toquei sua mão levemente, tentando acalmá-lo e ignorando completamente a nova sensação de arrepio quando Edward voltou a me encarar.

─ Você levou um tiro na tíbia, quase no joelho. A bala fraturou o osso e tivemos que operá-lo. Conseguimos tirar a bala e deixando todas as tecnicidades de lado, precisaremos deixar sua perna imobilizada até que seja seguro.

─ Então... Ela está a salvo? É só uma questão de repouso?

─ Não podemos ter certeza ─ falei, cautelosa sobre o quanto falar para ele. Aqueles momentos iniciais eram cruciais e não queria tirar-lhe a esperança de uma recuperação completa, por mais imprevisível que ela pudesse ser.

─ Pode ser sincera comigo ─ Edward murmurou, segurando a minha mão com mais força, ainda que não o suficiente para me machucar; apesar de parecer calmo, era evidente o nervosismo em seu tom de voz ─ Por favor, não minta para mim. Eu... Vou morrer?

─ Bem, todos nós vamos ─ eu tentei aliviar um pouco da tensão e ele me esboçou um sorriso ─ Sendo sincera com você: no seu caso, não é só repouso. ─ Decidi falar a verdade. O garoto parecia poder lidar com ela e eu estaria ali para o que ele precisasse.

“Os primeiros meses são críticos depois de uma lesão como a sua, mesmo após muito tempo, as sequelas podem aparecer e não só em relação à mobilidade. Precisamos ter certeza de que está fora de perigo, você é mais importante do que a sua perna nesse momento”.

Edward me fitou com seus olhos incrivelmente verdes e cheios de lágrimas, ele estava sofrendo para além do físico, mas claro, não me deixou ver sua vulnerabilidade por muito tempo. Não era algo que homens costumavam fazer; logo, engoliu em seco e disfarçou a emoção com um pigarro.

─ Não se preocupe, ficarei contigo o tempo que precisar ─ murmurei e ele assentiu ─ Bem... Eu preciso me vestir, se importa de manter os olhos fechados por alguns minutos? ─ perguntei, corando sob seu olhar curioso e ele mais uma vez meneou com a cabeça antes de acatar o meu pedido.


...

─ Segure a perna dele, Sargento, mas segure direito, pelo amor de Deus ─ falei, enquanto demonstrava exatamente ao oficial McCarthy como ele deveria segurar a perna de Edward para que eu a deixasse em posição horizontal; assim, o garoto poderia comer mais confortavelmente. Ainda não sabia porque o Sargento não havia mandado uma das garotas para me ajudar com aquilo ─ Uma mão aqui embaixo, perto do tornozelo a outra na lateral, não use sua força, use seu jeito.

─ Você manda e eu a obedeço, Isabella ─ brincou ele, posicionando as mãos do jeito que eu havia instruído. Olhei seriamente para o semblante divertido do Sargento.

─ Vou soltar as amarras. Não solte a perna dele por nada nesse mundo. ─ Não seria nada positivo se aquilo acontecesse.

─ Não vou ─ o oficial afirmou, dando-me uma piscadela a qual eu tentei não corar, mas não consegui evitar.

Levei minhas mãos ao tecido que mantinha a perna de Edward inclinada e fui desfazendo os nós, um por um, cautelosamente até que não sobrasse nenhum deles.

─ Devagar ─ falei, após o último nó ter sido desfeito, e ajudei o Sargento a abaixar a perna de Edward até que ela tocasse a cama ─ Obrigada, Sargento.

─ De nada. ─ Ele sorriu para mim e soltou a perna de Edward, que nos observava atentamente ─ Precisa de ajuda para alimentá-lo?

─ Acho que posso fazer isso sozinha ─ afirmei. O Sargento me sorriu ainda mais largo e o meu coração disparou em expectativa. Estaria eu interpretando seus sinais corretamente? ─ Posso lhe falar em particular por um instante?

Ele concordou imediatamente e pedimos licença a Edward antes de sairmos da cabana; deixei a porta entreaberta para o caso de alguma emergência.

─ O que está havendo, Sargento? ─ perguntei-lhe após instantes de silêncio. Ele me encarou com o cenho franzido e balançou a cabeça negativamente, não compreendendo o que eu dizia.

Suspirei, corando sob o seu olhar intenso. Era aquilo! Um perfeito exemplo do que vinha acontecendo ultimamente.

─ Primeiro aqueles inúmeros elogios, depois o abraço inesperado, a sua aproximação, o Senhor quase... Quase colocou seus lábios nos meus! ─ Eu estava ainda mais corada por admitir em voz alta ─ Todos esses olhares, Sargento... Não entendo, o Senhor está...

─ Gostando de você? ─ completou ele, encarando-me seriamente ─ Não é óbvio?

Meus olhos se arregalaram e minha boca se abriu num perfeito “o”. Por um momento eu achei que estivesse sonhando, que tudo o que eu tinha experienciado nas últimas horas adviesse de uma interpretação errônea de minha parte. Aparentemente, porém, eu não estava tão errada quanto havia imaginado.

─ O que? Achou que estivesse brincando com a Senhorita? Até mesmo eu tenho os meus limites; sei que é uma moça direita, jamais me aproximaria se minhas intenções não fossem verdadeiras. Quando esse pesadelo todo acabar, quero lhe desposar.

Oh! Eu estava ainda mais chocada. Suas palavras pareciam sinceras, mas, ao mesmo tempo, era como se seu coração sentisse outra coisa, como se tudo aquilo que ele estava me dizendo não pertencesse a mim.

─ Sargento, talvez o Senhor esteja confundindo as coisas ─ murmurei, não querendo ofendê-lo ou magoá-lo.

Busquei dentro de mim qualquer fagulha que pudesse indicar que eu me sentia da mesma forma, mas... Não havia nada. Minha mente e meu coração pareciam fechados para ele, como se estivessem destinados a outra pessoa, quem quer que ela fosse.

─ Está há tanto tempo batalhando... ─ E ele estava, desde a Primeira Guerra! ─ Talvez esteja carente.

─ Essa é a sua forma de dizer que está me rejeitando? ─ perguntou-me, os pequeninos olhos azuis banhados em dor e eu me senti mal, mas confirmei com a cabeça. Não seria justo mentir para ele ─ Meu amor, não, minha Rose, eu sei que seu pai não nos aprova, mas... ─ Ele murmurou desconexamente. Quem era Rose? O que estava acontecendo?

O Sargento, então, caiu de joelhos e eu segurei seu peito antes que ele batesse o rosto no chão. Seu rosto estava extremamente quente, ele ardia em febre.

─ PRECISO DE AJUDA! ─ gritei, observando quando alguns soldados começaram a correr em nossa direção.

─ Eu te amo, Rose ─ murmurou o Sargento, fitando meus olhos antes de fechar os dele. E então eu senti mais dor e mais medo.

Não. Aquelas sensações não eram minhas, elas eram do Sargento. Talvez ele já estivesse se sentindo mal quando retornara com os soldados feridos mais cedo. Há quanto tempo ele estava naquele estado? Poderia ser perigoso demais, fatal até.

Ele sempre tentava proteger a todos e se colocava em demasiado risco e era óbvio que aquele era o único motivo para ter escondido os seus próprios sintomas. Todo aquele afeto, aquelas declarações nunca haviam sido para mim e, de certa forma, sentia-me aliviada, mas, por outro lado, completamente preocupada com os seus delírios.

Meu tio chegou acompanhado de dois soldados, que colocaram o Sargento no carrinho de madeira próprio para carregar os feridos, e todos partiram para a cabana de tratamento. Eu só esperava que o Sargento ficasse bem.

─ ME DEEM NOTÍCIAS! ─ gritei.

Tio Charlie afirmou com a cabeça e eu suspirei antes de entrar na minha – temporária – cabana.

─ O que houve? ─ Edward perguntou assim que fechei a porta. Ele me encarava ansiosa e curiosamente.

─ Uma emergência com um dos soldados ─ respondi-lhe. Não sabia se seria bom para a recuperação dele saber quem estava precisando de cuidados, já que ele e o Sargento pareciam bem próximos, então me ative àquela resposta mais geral ─ Está com fome?

Edward negou com a cabeça e desviou o olhar para a perna.

─ Bem, se o Senhor quiser se recuperar, precisa se alimentar direitinho ─ falei, aproximando-me mais de sua cama ─ Que tal se esforçar um pouco? Hoje nós temos sardinha, pão, biscoitos doces, chocolate e mais água ─ completei, observando a bandeja na pequena mesinha da cabana ─ Por qual quer começar?

─ Vai me acompanhar nessa refeição?

Meu estômago estava um pouco embrulhado depois de toda aquela situação com o Sargento McCarthy, mas eu vi nos olhos de Edward que ele não se alimentaria enquanto eu não o fizesse, então simplesmente acenei positivamente com a cabeça.

─ Gostaria de mais água, então, por favor ─ disse ele, tentando se sentar.

─ Devagar, Senhor Cullen ─ falei, ajeitando uma pilha de travesseiros atrás de suas costas, de modo que ele não precisasse mover sua perna para se sentar direito. Fiquei aliviada quando notei que sua pele estava menos quente do que antes. Se ele estava com febre, então seu corpo devia estar conseguindo lutar sozinho contra ela, o que era algo positivo.

─ Obrigado enfermeira... É Isabella, não é? ─ Ele me fitou curioso e eu assenti, o que o fez sorrir para mim; não pude evitar corar em resposta, ao mesmo tempo em que meu coração se acelerava e um arrepio percorria minha coluna... O que estava acontecendo comigo?

Era uma sensação diferente de quando estive na presença do Sargento, momentos antes. Quase como se Edward pudesse tirar o meu fôlego apenas ao olhar para mim, mas apesar daquela nova sensação, não me sentia ansiosa – pelo menos não negativamente.

Balancei a cabeça para espantar aqueles pensamentos esquisitos e coloquei a bandeja na mesinha de cabeceira de Edward.

─ Beba só um pouco. Se pensa que vai me enganar e encher a barriga de água para não ter que comer nada, o Senhor está muito enganado ─ brinquei e ele deu uma risada adorável, aceitando o novo cantil, cheio de água, que eu lhe entregava.

─ Obrigado, mas acho que sou muito novo para ser um “Senhor” ─ ele falou ─ Pode me chamar de Edward ─ completou, antes de bebericar do cantil em pequenos goles.

─ Já foi o suficiente... Edward ─ murmurei, gesticulando para que me devolvesse o cantil. Ele suspirou, mas me obedeceu e sorri vitoriosa. Era sempre bom quando os pacientes me obedeciam, mesmo à contragosto; eu estava ali para ajudá-los a melhorar, afinal, e era ótimo quando eles colaboravam.

Corei novamente quando os olhos de Edward não deixaram o meu rosto, mais especificamente os meus lábios... Talvez ele também gostasse do meu sorriso... Também? Aquilo significava que eu gostava do sorriso dele?

─ O que quer agora? ─ perguntei, tentando desviar o foco daquele momento estranho, havia muita... Tensão no ar e eu não fazia ideia de como ou o porquê de ela ter se instaurado ali.

Justamente ali. Onde eu não deveria fazer outra coisa a não ser cuidar de meus pacientes. Cuidar de Edward!

─ O chocolate, por favor ─ pediu-me.

─ Vai começar com os doces? ─ perguntei, surpresa. Não era um pedido muito comum; geralmente os soldados costumavam comer o pão e a proteína primeiro e depois os doces.

─ Depois disso... ─ murmurou ele, apontando para a perna imobilizada ─ Acho que não me importa muito a ordem que eu como os alimentos, não é? ─ resmungou e revirou os olhos, mas em seguida me olhou meio envergonhado ─ Desculpe, não queria ter sido rude.

─ Está tudo bem ─ falei.

Eu nunca havia estado na pele dele ou de outros soldados; só podia imaginar tudo o que eles haviam passado, todo o sofrimento e medo nos combates; as vidas de companheiros perdidas... Os próprios membros perdidos; toda a dor física e emocional... Não cabia a mim julgá-los, mas tentar ajudá-los a superar tudo aquilo. Era o meu trabalho.

Não seria a primeira nem a última vez que, enquanto enfermeira, eu presenciara uma fala mais “ríspida” de um soldado – fisicamente ferido ou não. No início da guerra, era um pouco mais difícil entender que aquelas palavras e tons grosseiros não eram, propriamente, dirigidos a mim, mas à condição em que eles se encontravam e todo o sofrimento acumulado pelo que haviam passado e testemunhado nos campos de batalha.

Com o passar do tempo, fui conseguindo lidar melhor e já não me deixava atingir por aquelas falas; pelo contrário, perceber tudo aquilo, me capacitava ainda mais a ajudar aos soldados.

─ Não está não ─ murmurou Edward, tirando-me de meus pensamentos; ele tinha o cenho franzido e parecia frustrado ─ Não foi nada justo; a Senhorita está aqui, me ajudando de bom grado e não é obrigada a ouvir grosserias de minha parte...

─ Edward, olhe bem para mim ─ chamei a sua atenção quando começou a tagarelar. Ele se calou e me fitou com os olhos verdes e brilhantes ─ Já disse que está tudo bem, faz parte do processo.

“Se eu quero que desconte em mim o que está sentindo? Não exatamente, mas é bom que se abra, é melhor do que guardar todo o seu sofrimento para si mesmo” murmurei e minha mão direita automaticamente tocou o seu rosto; não sabia se para assegurá-lo ou se porque eu não conseguia parar de querer estar perto dele. De tocá-lo...

De ter certeza de que ele estava bem e de que ficaria bem para sempre. Porque era o meu objetivo: mantê-lo saudável. Não porque eu estava me sentindo estranhamente familiarizada com ele. Como se eu realmente já o conhecesse.

─ Se-seus olhos... ─ murmurou ele, encarando-me profundamente ─ Eles são lindos ─ Engoliu em seco, baixando o olhar para os meus lábios e então de volta para meus olhos.

Corei, inclinando minha cabeça e só então percebi o quanto tinha me aproximado dele; nossos rostos estavam a poucos centímetros de distância um do outro e meu coração novamente estava acelerado. E o dele também estava (eu tinha certeza que conseguia ouvi-lo perfeitamente, como eu não sabia), assim como nossas respirações.

─ Eles são quase... Dourados? ─ Edward sussurrou e eu me afastei, um pouco confusa.

Confusa sobre tudo: sobre as sensações que ele estava despertando em mim e sobre a declaração dele. Meus olhos eram tão castanhos quanto aqueles pedacinhos de chocolate que Edward tanto queria! Algo no fundo de minha mente, porém, me dizia que eu estava vivendo aquilo que os franceses chamavam de “déjà vu”; como seu eu já tivesse ouvido aquela constatação antes, embora não conseguisse me lembrar das circunstâncias exatas.

─ Não ─ murmurei ─ Eles são castanhos... ─ Peguei um pedaço do chocolate e mostrei a ele ─ Tanto quanto estes.

Edward me deu um pequeno sorriso.

─ Podia jurar que vi um leve dourado neles agora há pouco, mas já sumiu. Talvez eu esteja delirando ─ falou e preocupei-me que ele estivesse certo. Uma febre?

Não parecia o caso, porém, porque a minha mão, ainda inapropriadamente em seu rosto, sentia a sua pele tão fria quanto a minha.

─ Vou medir sua temperatura, só para ficar com a consciência tranquila ─ murmurei ─ Vá comendo os chocolates enquanto pego o termômetro. ─ Dei-lhe a vasilha com os doces e ele me agradeceu ─ Mas deixe alguns para mim, sim?

Ele deu uma risadinha e não pude deixar de acompanhá-lo, era um som muito agradável de se ouvir. Após encontrar o termômetro em minha mala de enfermagem, suspirei, aliviada, quando vi a temperatura de Edward dentro dos padrões de normalidade.

Nós então comemos um pouco do nosso jantar enquanto conversávamos. Ele me contou um pouco sobre a família e como não queria ficar preso aos negócios do pai e, por isso, decidiu – escondido – fazer algo por conta própria, no caso: se alistar ao exército e ir para a guerra. Sua família não fazia ideia de onde ele estava – achavam que havia ido para Oxford cursar advocacia – e então entendi porque sua identidade precisava ficar em segredo. Seria um escândalo se descobrissem o seu paradeiro.

Por algum motivo, a sensação de que eu já o conhecia parecia cada vez mais forte e por alguma razão mais estranha ainda, parecia que era recíproca, embora não fizesse o menor sentido...

 

PDV: Edward

Eu sabia que a conhecia de algum lugar. Aqueles olhos não poderiam me enganar nunca: eram os mesmos que apareciam em meus sonhos, desde que eu era criança. Quase toda a noite sonhava com eles: lindos olhos castanhos envoltos por um brilho dourado inconfundível. Isabella, a minha enfermeira de guerra era a dona deles; não tinha como não ser, e eu me sentia aliviado por finalmente poder “dar” um rosto e um nome àqueles dois órgãos que beiravam o sobre-humano de tão perfeitos.

Parecia que o destino estava brincando comigo, ou talvez ele quisesse me dar uma chance de recomeçar; eu havia quase morrido naquela mesma manhã... E em tantas outras vezes em meus 18 anos de vida e justamente ela havia aparecido daquela vez para me salvar. Estaria eu sonhando mais uma vez?



Parte I – Irlanda do Norte, junho de 1908 – Praia de Ballygally

─ Aliceeee! ─ chamei minha irmã, que não se importou e se afastou com Rose, a melhor amiga dela. Continuei a caminhar pela areia quentinha, estava feliz porque, em alguns dias eu estaria fazendo 6 anos de idade.

Eu era quase um adulto e meu pai finalmente me deixaria ter um cachorro. Cachorros eram meus animais preferidos e eu tive que esperar um ano inteirinho até poder ganhar um.

Olhei para trás, vendo Alice e Rose distraídas; não faria mal algum se eu entrasse na água um pouquinho, só para molhar os pés. Elas nem iriam perceber, pois estavam fofocando sobre Jasper, o irmão de Rose que se casaria com Alice quando os dois fossem adultos. Eu gostava dele, ele me dava mais atenção do que as meninas, mas não pôde ir conosco até a praia porque estava doente.

Senti a água fresquinha molhando os meus pés e dei mais alguns passos para a frente, até que ela batesse no meu tornozelo. Não faria mal algum, eu gostava do mar e ele também devia gostar de mim...

PDV: Bella

Sorri quando senti o ventinho fresco da praia em meu rosto. Era a primeira vez que eu viajava. Minha mãe e meu tio estavam comigo, mas um pouco mais distantes, eles caminhavam lado a lado e por um momento eu me perguntei como seria se meu pai estivesse vivo. Eu não o conhecia, porque ele havia morrido quando eu ainda era um bebê, mas o tio Charlie era como um pai para mim; cuidava de mim e de minha mãe com todo o amor que a gente precisava.

Andei até a beira da água e fiquei ali, parada, porque era perigoso entrar no mar sozinha; não sabia nadar e obedecia sempre à minha mãe e ao meu tio. Estava observando o pôr-do-Sol quando vi uma mãozinha no meio da água. O meu coração disparou quando eu percebi que alguém estava se afogando.

Procurei por algum adulto que estivesse por perto, mas minha mãe e tio Charlie estavam longe demais; eu sabia que se demorasse mais um pouquinho não daria tempo de salvar quem quer que estivesse debaixo d’água. Então fiz a única coisa que poderia naquele momento: entrei no mar.

Não foi muito difícil encontrar o dono da mãozinha: era um menininho! Debati-me um pouco, mas percebi que meu corpo se movia com facilidade debaixo da água, era como se ele mesmo soubesse como agir naquele momento. Cheguei bem perto do menino e o puxei pela cintura com toda a minha força, debatendo-me de volta até os meus pés tocarem a areia novamente.

Deitei o menino na areia e me ajoelhei ao lado dele, eu só esperava que ele voltasse a respirar e ficasse bem logo.

─ MAMÃE! ─ gritei. Eu não sabia o que fazer para ajudá-lo, mas com certeza ela saberia. Ela me olhou de longe e vi seus olhos se arregalando antes que ela e tio Charlie começassem a correr na nossa direção.

Olhei novamente para o garotinho, o rosto dele estava muito branco e desejei que ele melhorasse logo. Então me assustei quando ele começou a cuspir água e seu peito voltou a subir e descer normalmente, sem que eu precisasse fazer nada, como num passe de mágica; e por fim, as bochechas dele ficaram rosadas. Ele logo abriu os olhos, eram tão verdes quanto as folhas das árvores no auge da Primavera, e sentou-se na areia.

─ Você me salvou ─ disse ele, a voz num tom normal. Não parecia nada que ele tinha acabado de se afogar! ─ Obrigado! ─ Ele tocou a minha mão e sorri; eu estava feliz e ao mesmo tempo um pouco surpresa.

─ De nada?

Como eu havia conseguido fazer tudo aquilo? Eu não sabia nadar! E eu não havia feito nada para ajudá-lo a voltar a respirar!

Mamãe e tio Charlie se aproximaram e perguntaram se nós estávamos bem. E depois de responder que sim, a última coisa que eu soube: era como se aquele momento nunca tivesse existido, pois nunca mais consegui me lembrar dele.

PDV: Edward

Eu não estava mais conseguindo respirar, estava quase perdendo todas as minhas forças, quando toda a pressão no meu peito diminuiu e eu consegui cuspir toda a água de dentro de mim. Assim que abri os olhos eu vi a menina mais linda do mundo. Ela tinha os olhos dourados como eu nunca tinha visto em qualquer pessoa antes e eu não conseguia parar de olhar para eles. Eu sabia que ela tinha me salvado e então a agradeci como meus pais me ensinaram.

Mas assim que dois adultos se aproximaram, eu me senti cansado novamente, e caí no sono. E a única coisa de que me lembrava, depois que acordei, eram pequenas e rápidas imagens – em minha cabeça – de grandes olhos dourados olhando para mim.

 

Parte V – Irlanda do Norte, novembro de 1920 – Quartel de Abercorn

PDV: Bella

─ Isabella? ─ chamou-me o Sargento, aproximando-se de mim. Ele parecia cauteloso, um pouco envergonhado até; talvez se recordando de nosso “último encontro”.

Ele já estava recuperado há algumas semanas, mas nunca ficava perto de mim o suficiente para que pudéssemos esclarecer algumas coisas sobre aquele momento estranho.

─ Sim, Sargento ─ falei enquanto fazia a higiene de minhas mãos. Havia acabado de aplicar um emplasto na perna de Edward após o surgimento de uma pequena inflamação na cicatriz dele ─ Está melhor?

─ Sim, bem melhor ─ respondeu-me com um pequeno sorriso nos lábios. Ele realmente parecia mais saudável; estava até corado (embora talvez fosse de vergonha) ─ Podemos conversar?

─ Claro ─ concordei ─ Edward, eu já volto, tudo bem?

─ Sim ─ ele assentiu e voltou sua atenção para o jornal do dia, que estava lendo.

Saí da cabana, acompanhada do Sargento, e não pude deixar de sentir um arrepio quando nos encontramos novamente no mesmo local em que ele “se declarara” para mim cerca de um mês antes. Eu realmente esperava que nós pudéssemos ser amigos – e nada além daquilo.

─ Senhorita... Eu nem sei por onde começar ─ murmurou ele, meio cabisbaixo, sentando-se à soleira da porta.

─ Que tal pelo começo? ─ sugeri, sentando-me ao seu lado, sentindo como ele estava tenso ─ Pode ser totalmente sincero, Sargento, não irei julgá-lo, prometo.

O Sargento ergueu o olhar para mim, permitindo-me acesso a seus olhos, tão azuis quanto os céus daquela manhã.

─ Bem... A Senhorita deve saber que essa é a segunda guerra em que batalho ─ começou ele; concordei com a cabeça, indicando que ele continuasse a falar ─ Quando morava em Londres eu conheci uma garota, Rosalie era o nome dela, nós éramos adolescentes e nos apaixonamos... Só que ela é uma dama, é a filha do Marquês Hale... ─ Ele suspirou.

Ele não precisou, exatamente, me explicar muito mais para que eu o entendesse: Rosalie, seu amor, era de uma classe social muito mais alta. O pai dela não aceitou o relacionamento dos dois e então o jovem Emmett McCarthy decidiu entrar no exército e provar o seu valor, chegar ao mais alto cargo que conseguisse e enfim pedir a mão de sua amada.

A guerra, porém, segundo ele, estava durando demais; ele mal havia tido tempo de vê-la durante a Primeira Guerra, que fora praticamente emendada com aquela que estávamos vivenciando. E então, o Sargento me pediu desculpas, disse que acabou confundindo o que sentia por mim com a sua carência e toda a falta que sentia de Rosalie.

─ Está tudo bem, Sargento ─ falei, sorrindo para ele ─ Na verdade, é um certo alívio saber que o Senhor não tem sentimentos verdadeiros por mim.

─ E é um alívio saber que a Senhorita não nutre sentimentos por mim. Me sentiria péssimo se, ao lhe dizer todas aquelas coisas, eu tivesse despertado qualquer sentimento ou esperança de um futuro para nós.

─ Preciso confessar que, por um momento, eu achei que fosse possível, mas depois eu percebi que não adiantaria nada me forçar a sentir algo pelo Senhor; gosto de você como um amigo, não como um companheiro para um relacionamento.

─ É bom saber disso ─ disse ele, sorrindo para mim ─ E eu me lembro de ter dito que o garoto Cullen tinha sorte. Bem, isso eu não retiro, porque eu daria tudo para estar perto de minha Rose nesse momento.

─ Senhor... Não entendo suas insinuações ─ murmurei, franzindo o cenho.

─ É uma garota admirável, Isabella. Bonita, educada, inteligente e tenho certeza de que Edward vê isso em você ─ o Sargento pontuou e eu corei profundamente ─ Não é difícil notar o brilho no olhar dele quando está por perto, mesmo nas poucas vezes em que pude presenciar a interação dos dois juntos. É óbvio que ele gosta de você!

─ Ele gosta de mim? Claro que gosta, Sargento! ─ falei, rindo de sua expressão surpresa ─ Eu cuido dele! Na verdade, é bom mesmo que ele goste de mim, seria estranho se não gostasse, depois de quase um mês convivendo todos os dias juntos!

Ele deu uma gargalhada e eu encarei-o confusa.

─ Não desse tipo de gostar, Isabella. Quis dizer da mesma forma como eu gosto de Rose. O jeito “quero lhe desposar e fazer amor com você” de gostar de alguém... Ops! ─ Ele se calou, dando uma risadinha quando notou minhas bochechas coradas.

Será que Edward gostaria de se casar comigo? De se deitar comigo?

─ O Senhor acha mesmo? ─ perguntei, completamente envergonhada

─ Acho sim ─ afirmou o Sargento, piscando na minha direção ─ É algo que vai entender com o tempo, mas se quiser um conselho: não perca tempo. A vida é curta, Isabella, passa diante de nós como um raio, se não nos atentarmos e a aproveitarmos bem.

“Vi isso com vários amigos que morreram em batalha, sem desfrutar do amor, da paixão. Isso serve até para mim, longe de minha Rose e lutando incansavelmente para manter nossa Irlanda unida; faço isso porque acho que é o certo, mas talvez eu esteja perdendo o meu tempo aqui, porque ninguém sabe como essa guerra vai terminar” continuou ele, fitando-me seriamente.

─ Então está me dizendo... Para me apaixonar por ele?

O Sargento deu mais uma risadinha e balançou a cabeça negativamente.

─ Não é isso exatamente; mas se você se apaixonar, não tente reprimir esse sentimento. Se estiver gostando dele da mesma forma como eu acho que ele gosta de você, não hesite em demonstrar com palavras, com gestos, com toques...

Corei novamente, compreendendo aonde o Sargento queria chegar com aquela conversa. Seria errado; ele estava me dando conselhos completamente imprudentes que poderiam colocar o meu futuro à prova.

─ Obrigada pelas dicas, Sargento, mas acho melhor retornar à cabana, Edward pode estar precisando de mim ─ falei, levantando-me apressadamente, o que lhe provocou mais risos.

─ Está bem, Isabella. Espero que leve meus conselhos ao seu coração ─ murmurou, surpreendendo-me com a seriedade em seu tom de voz.

Assenti e acenei-lhe antes de retornar à cabana. Edward me olhava curioso e percebi que ele queria falar comigo.

─ Está tudo bem? ─ perguntei-lhe, um pouco preocupada que ele estivesse sentindo dor ou algum outro desconforto.

─ Está sim ─ respondeu-me ─ E o Sargento?

─ O que tem ele? ─ Aproximei-me mais dele, sentando-me na cadeira ao lado de sua cama.

─ Ele te contou que deixou uma moça o esperando em Londres? É Rosalie o nome dela, a melhor amiga de minha irmã ─ disse Edward e percebi uma certa raiva em seu tom de voz, mas aquilo não fazia o menor sentido. Ele estava bravo comigo ou com o Sargento? ─ Ele está enganando vocês duas, Isabella! Isso não é nada justo!

Oh! Edward achava que o Sargento estava num relacionamento comigo e com Rosalie? Não pude evitar rir e Edward me encarou seriamente.

─ Eu e o Sargento, Edward? ─ gargalhei, quase perdendo o fôlego ─ Não, nunca houve nada entre nós dois, somos só amigos. E sim, eu sei sobre Rosalie, ele acabou de me contar, na verdade.

─ Oh! ─ Ele parecia surpreso e corou em seguida ─ Desculpe pelas acusações, eu realmente achei que... ─ Calou-se, mordendo o lábio inferior.

─ Não se preocupe, não há rapazes ou relacionamentos em minha vida ─ murmurei e então notei que estava um pouco ressentida quanto àquilo. Eu gostaria sim de estar sendo cortejada; talvez, se não fosse pela guerra, eu já tivesse a minha própria família.

─ Não, não foi isso o que quis dizer. Você tem todo o direito de ter rapazes em sua vida. Eu só achei que o Sargento estava enganando você e Rose, seria completamente errado.

─ Moças não podem ter rapazes nas vidas delas, Edward ─ lembrei-o ─ Não é apropriado.

─ Então... Você nunca teve um rapaz antes? ─ perguntou-me e neguei com a cabeça, sentindo-me corar pela enésima vez naquele dia, e desviei o olhar para as minhas mãos em meu colo.

Mas, então, como eu poderia ter tido um rapaz?

Eu nunca havia me sentido ligada a outra pessoa daquela forma e, para somar-se a esse fato, eu não era casada; como eu mesma havia lhe dito, seria totalmente inapropriado.

─ Eu também, hum... Nunca tive uma moça antes.

Ergui meus olhos, surpresa com a declaração dele. Edward já era um homem, já tinha 18 anos de idade e eu não era ingênua a ponto de não saber o que aquilo significava: homens sempre tinham mais liberdade e acabavam se entregando à outras mulheres (que não suas futuras esposas) antes do casamento e nem mesmo eram punidos por tal ato! Se eu tentasse tomar a mesma atitude, meu futuro estaria totalmente arruinado e jamais conseguiria me casar.

Além do mais, era impossível não ouvir as histórias dos soldados; sabia que não eram incomuns as viagens – mais conhecidas como escapulidas – noturnas (e até mesmo diurnas!) para os bordéis em seus tempos livres.

─ Eu sei que não é muito... Normal.... ─ Edward estava corado de novo ─ Mas eu nunca tive a oportunidade.

Certo... Pensando bem, Edward tinha 18 anos e praticamente recém completos. Ele realmente não devia ter tido a oportunidade, pois não havia passado tanto tempo entre ele adentrar o exército e ter a perna ferida.

─ Tenho certeza de que oportunidades não lhe faltarão quando sua perna melhorar ─ falei, sentindo-me totalmente desgostosa de minha própria frase.

Claro que eu queria que a perna de Edward ficasse boa logo, mas eu não queria que isso o levasse à... Outras garotas.

E aquilo era completamente errado. Eu não deveria me importar com o que ele faria com elas. Se ele as desejaria, se gostaria delas...

Porque eu estava começando a gostar das palavras do Sargento e a querer que elas fossem verdade.

Por mais errado que aquilo pudesse ser, estava começando a gostar da ideia de que Edward pudesse sentir algo por mim e, portanto, meu coração se apertava somente com o pensamento de que ele poderia querer desfrutar de outras garotas.

─ Ah... Isabella?! ─ Edward exclamou, os olhos arregalados na direção das minhas mãos e só então percebi que estava segurando a lateral da cama dele com força. Com muita força. A ponto de deixar a impressão delas ali. Os nós dos meus dedos estavam brancos, mas eu não sentia dor alguma.

E apesar de saber que a madeira não era o material mais firme do mundo, eu tinha certeza de que o que eu havia acabado de fazer não era exatamente comum. Não deveria ter tanta força. O que estava acontecendo comigo?

 

Parte II – Irlanda do Norte, outubro de 1911 – Museu de Belfast

─ Essa estátua é feita de mármore e é uma das mais antigas do acervo do museu... E uma das mais pesadas também, tem cerca de cem quilos, por isso tomem cuidado! ─ a monitora falou, enquanto conduzia a minha turma pelo grande salão.

─ Turma do oitavo ano, todos juntos aqui, não se percam! ─ a Senhora Dodds, minha professora de história gritou, gesticulando para que nos aproximássemos mais ─ Vamos para a seção de pinturas agora!

─ Vem Bella! ─ Angie, a minha melhor amiga, me puxou pela mão, mas uma movimentação próxima de nós me chamou a atenção.

─ Já estou indo, Angie ─ falei e ela assentiu antes de acompanhar a minha turma para uma das outras salas do museu.

Do outro lado do salão, as crianças menores da escola particular corriam animadas, mesmo com os pedidos da professora deles para se comportarem. Eu tive a sensação de que aquilo não terminaria muito bem, mas logo ela conseguiu contê-los e todos se dirigiram à outra sala...

Todos exceto um menino ruivinho. Ele veio correndo em minha direção, mas desviou e atingiu a estátua pesada que a monitora havia mencionado; tudo aconteceu muito rápido e em segundos, ele estava no chão... E a estátua sobre ele.

Corri em sua direção, observando como a estátua o esmagava. Não podia perder mais tempo e empurrei-a; ela se moveu com bastante facilidade, então concluí que aquela monitora só podia estar mentindo, porque eu jamais poderia ter movido 100kg de mármore sozinha daquela maneira!

Ajoelhei-me ao lado do menino com a estranha sensação de que já o conhecia, sem me lembrar de onde. Ele estava desacordado, respirava com dificuldade e tinha um corte do lado direito da testa. Sendo o tio Charlie médico, desejei que ele estivesse ali para me ajudar a cuidar dele, talvez o menino precisasse levar alguns pontos.

Mas assim que toquei seu rosto, para examinar melhor aquele machucado, ele simplesmente cicatrizou. A pele dele estava novinha em folha, como se nunca tivesse sido ferida. E então o menino abriu os olhos mais verdes que eu já havia visto em minha vida; ele estava respirando normalmente e sorriu para mim.

Eu estava assustada. Como ele poderia ter melhorado tão rápido? Será que ele era mágico? Uma daquelas pessoas que não podia ser machucada de verdade?

─ Oi! ─ disse ele, se sentando ─ Eu sou o Edward. ─ Estendeu a mão para mim ─ Tenho nove anos e sou do quinto ano, você tem olhos bonitos ─ tagarelou.

─ Ah... Muito prazer, eu sou Isabella ─ falei, apertando sua mão na minha ─ Obrigada... Eu acho. ─ Os meus olhos eram bem comuns, não havia nada de diferente neles, mas o menino não parecia estar mentindo.

─ Você é grande, quantos anos tem? ─ perguntou curioso, como se não tivesse estado ferido há poucos segundos.

─ Tenho doze ─ respondi, ainda meio assustada. Talvez ele fosse um super herói? Como das histórias que meu tio me contava...

─ Uau, você deve ser muito inteligente. Eu tenho uma irmã grande que nem você, mas ela já tem 14 anos...

─ Bella? ─ a voz de tio Charlie ressoou pelo salão. Assustei-me quando o vi parado, perto de onde eu e Edward estávamos. O que ele estava fazendo ali?

Não tive tempo de perguntar, porque um sono muito forte tomou conta de mim e, quando acordei, já estava em minha casa. Não tinha certeza do que havia acontecido, mas meu tio me disse que eu havia me sentido mal no meio do passeio para o museu e tive que voltar mais cedo para casa. Fiquei um pouco chateada, porque eu estava muito animada para aquela excursão, mas não tinha como mudar o passado, então eu teria que esperar pela próxima oportunidade para visitá-lo.

PDV: Edward

Eu sei que não deveria correr, mas não conseguia parar. Era divertido e eu gostava de coisas divertidas. Só não contava que acabaria batendo naquela estátua grande e pesada. Senti uma dor em minha cabeça quando ela caiu em cima de mim, mas tudo não pareceu passar de um pesadelo quando abri meus olhos e vi a menina mais linda do mundo.

Não, não era a primeira vez que eu via aquela garota. Apesar dos olhos estarem um pouco diferentes, mais castanhos, eu tinha certeza de que eram os mesmos que apareciam nos meus sonhos quase toda noite desde... Não me lembrava exatamente quando ou porque eu comecei a sonhar com eles, mas eram idênticos.

Apesar de mais escuros, seus olhos ainda eram meio dourados, o que os tornava lindos e diferentes de todos os outros que eu já havia visto.

E então quando nós estávamos começando a conversar, um homem apareceu e eu caí no sono. Acordei na enfermaria da escola, com a minha professora nem um pouco contente e brigando comigo por ter sido imprudente ao correr pelo museu. Não me lembrava, mas ela me disse que eu havia escorregado e caído no meio do salão vazio, e que eu tinha sorte de meus amigos terem me achado logo, porque eu podia ter me machucado sério.

Apenas fiquei calado; eu sabia que tinha sido mesmo imprudente, mas... Grandes olhos castanho-dourados não deixavam a minha mente e eu não conseguia parar de pensar neles. Eu precisava vê-los novamente.

 

Parte VI – Irlanda do Norte, dezembro de 1920 – Quartel Abercorn

Dois meses. Há dois meses que eu estava em recuperação no Quartel e há dois meses que eu era cuidado por ninguém menos que a melhor enfermeira daquele lugar, Isabella Swan. Ela até tentava esconder, mas era frequentemente elogiada pelo Sargento McCarthy, pelo Doutor Swan – o tio dela – ou pelas enfermeiras Weber e Sutherland, as únicas pessoas que sabiam quem eu realmente era.

Outras pessoas – soldados e enfermeiras – que chegaram a entrar na cabana em que eu estava não recebiam o meu sobrenome verdadeiro, mas pelo menos eu tinha mais pessoas para conversar e me distrair – não que Isabella não fosse o suficiente (ou a minha preferida).

Só que ninguém queria me deixar sozinho e eu não queria que ela perdesse a chance de salvar outras vidas. Estava me recuperando e me fortalecendo cada vez mais e não fazia sentido prendê-la vinte e quatro horas por dia comigo. Ela tinha um dever, mais do que aquilo, ela tinha um dom e não era justo mantê-la trancada comigo, sem poder usá-lo.

Bem, ela o usava sim; principalmente quando eu estava com dor ou com a temperatura corporal subindo. Ela dizia não entender, mas era só tocar em minha pele que qualquer desconforto sumia, ao mesmo tempo em que seus olhos brilhavam – o mesmo brilho dourado sobre os olhos castanhos de meus sonhos.

E cada vez mais eu tinha certeza de que era ela a dona deles. eu só queria entender como e o porque de eles terem aparecido em meus sonhos durante... Durante tanto tempo! – embora eu não tivesse a certeza de quanto.

─ Edward! ─ Bella falou, animada, ao adentrar a cabana após o fim de mais um dia de trabalho, segurando duas jarras de cerâmica. Ela estava suada e corada... Linda como sempre ─ Só vou tomar um banho e já troco as suas bandagens. Tenho esperança de que estas sejam as últimas! ─ Sorriu-me largo e não pude deixar de retribuir.

E pensar que há pouco tempo eu tinha chances de perder a minha perna... Se bem que, com Isabella cuidando de mim, eu duvidava de que aquele risco, de fato, tivesse sido real.

─ Graças a você! ─ afirmei e ela balançou a cabeça negativamente.

─ Eu lhe disse que não dependia de nós. Seu corpo lutou muito bem contra todos os percalços. Logo estará livre disso ─ Passou os olhos em todos os acessórios que mantinham a minha perna imobilizada ─ Mas primeiro eu preciso me livrar disso.

Isabella voltou-se para si e para suas vestes molhadas em suor. Concordei com a cabeça para brincar com ela, que arfou enquanto suas bochechas ficavam ainda mais vermelhas.

─ E depois será a sua vez ─ provocou-me, erguendo o queixo em desafio e foi a minha vez de corar.

Não estava acostumado... A outras pessoas me dando banho, mas eu não tinha muita escolha; aliás, eu tinha escolha nenhuma. Era isso ou feder à emplastos e pomadas que eram passadas na minha perna ferida.

Ela misturou a água das duas jarras dentro da tina e caminhou até a sua mala, de onde tirou um pijama limpo. Sentia-me levemente ansioso; na maioria das vezes, costumava me manter distraído enquanto Isabella tomava banho: olhava para as paredes, para os lençóis e às vezes até mesmo lia algum livro ou o jornal (quando me traziam um).

Porém, em mais de uma vez, eu vergonhosamente não consegui controlar os meus olhos, eles pareciam mais ímãs à procura da gigante limalha de ferro que era Isabella. E aquilo me fazia sentir um pouco culpado, embora ela sempre se mantivesse de costas para mim – e eu desviasse o olhar antes que ela se levantasse; sabia que o momento já era constrangedor o suficiente e não gostaria que Isabella se sentisse ainda mais desconfortável.

─ Ah, droga! ─ ela praguejou, tentando desfazer o nó de seu avental ─ Alguém amarrou isso muito forte hoje!

─ Venha cá, Bella, eu te ajudo... ─ falei, só então percebendo que a havia chamado pelo apelido. Nunca tinha tomado aquela liberdade, porque não queria passar dos limites com ela; era a maneira como apenas o seu tio e as amigas enfermeiras a chamavam (e mais ninguém). Será que estava tudo bem se eu a chamasse daquela maneira?

Isabella se virou, corada, e me deu um pequeno sorriso antes de se aproximar.

─ Acho que... Tudo bem, provavelmente nunca fui tão próxima a um soldado como sou de você, pode me chamar de Bella sem problema algum ─ disse ela, como se tivesse lido a minha mente... Será que ela podia lê-la? Será que ela também sabia que eu sonhava com ela, ou melhor, com os olhos dela?

─ Tudo bem, então, Bella ─ concordei com um sorriso. Era bom saber que eu não era o único; que ela também se sentia próxima a mim.

Ela me sorriu de volta, virou-se de costas para mim e eu entendi que deveria desfazer o nó de seu avental, como tinha lhe prometido. Inclinei meu tronco um pouco para frente e minhas mãos encontraram o pequeno nó na base de suas costas. Tentei não pensar demais no quão perto elas estavam de seu corpo, mas foi difícil me concentrar.

Bella tinha um corpo pequeno e delicado, mas conforme puxava as fitas de seu avental, mais elas contornavam a sua figura, a sua cintura bem delineada, e fiquei tentado a percorrê-la com a ponta de meus dedos. Felizmente, consegui desfazer o nó antes que cometesse alguma insanidade.

─ Obrigada, Edward ─ murmurou ela e só então eu percebi o quão ofegante Bella estava. Teria sido pelo nosso “pequeno contato”?

Ela se distanciou, um pouco trêmula, e, sem me encarar, aproximou-se da tina. Desviei o olhar para o teto quando percebi que Bella começaria a se despir, mas não sem antes ter um vislumbre de suas costas pálidas – lindas – e nuas. O que eu não daria para sentir sua pele macia com a palma de minhas mãos?

Ouvi seu suspiro e o barulho de sua pele tocando a água e contei até cem; era o melhor que podia fazer para me distrair. Estava cada vez mais difícil, parecia que meu corpo necessitava do dela, como se clamasse por seu toque...

Bem, eu era tocado sempre que Bella me banhava, por mais diferentes que fossem os motivos, ela ainda assim tinha a permissão para me tocar de uma maneira que eu jamais pude tocá-la... Que eu jamais poderia!

─ Como foi o seu dia? ─ perguntei, encarando um dos nós na madeira do teto.

─ Agitado ─ respondeu-me, suspirando mais uma vez. Olhei na direção dela, observando a parte de trás de sua cabeça, seus cabelos castanhos úmidos e seus ombros desnudos. Linda.

─ Muitos feridos? ─ Não era exatamente um assunto fácil, diante de tantas perdas e eu esperava que aquela guerra acabasse logo.

─ Bastantes... ─ concordou ela, meneando com a cabeça antes de se inclinar na direção da lateral da tina para pegar o sabonete do lado de fora.

Fechei meus olhos rapidamente quando percebi que aquele movimento me permitiria ver... Certas partes de seu corpo que com certeza nenhum outro homem havia visto. Ela mesma havia me falado em outra ocasião. Bella ainda tinha a sua virtude e até mesmo o fato de estar ali comigo podia ser o suficiente para manchar sua reputação, mesmo nada tendo ocorrido entre nós dois.

Ela já tinha me confessado sobre os seus sonhos de se casar e formar uma família e eu esperava que minha presença não tivesse arruinado tudo – mesmo que não fosse, essencialmente, minha culpa.

─ Embora, até agora, eu não tenha tratado ninguém com uma ferida tão séria quanto a sua... ─ Bella se interrompeu e perguntei-me se o fato de meu rosto estar virado na direção dela a deixava constrangida ─ Edward, está tudo bem?

Abri meus olhos imediatamente e Bella me encarava por sobre o seu ombro, o cenho franzido e a expressão séria e preocupada.

─ Está sim ─ afirmei, um pouco confuso.

─ Ah ─ murmurou ela, um pouco mais relaxada ─ É que estava de olhos fechados, achei que pudesse estar sentindo dor ─ completou, dando-me um pequeno sorriso.

─ É que, hum... Você se movimentou para pegar o sabonete e... Seu corpo, eu não quis correr o risco de vê-lo, não quero te desrespeitar de qualquer maneira, Bella ─ expliquei, tentando ignorar o rubor em minhas bochechas.

─ Oh! ─ exclamou ela, também corando, e desviou o olhar para a água ─ Obrigada pela consideração e pelo respeito ─ murmurou; seu tom parecia meio... Chateado?

Será que Bella achava que eu não queria vê-la despida?

─ É claro... Um rapaz teria de me desposar para isso, não é? E até lá... Quem sabe quanto tempo já não terá se passado, talvez eu envelheça e morra sem saber o que é isso ─ resmungou e eu quase ri, não fosse pela seriedade em seu tom de voz.

─ Tenho certeza de que qualquer rapaz que cruze o seu caminho não hesitaria em querer desposá-la, Bella. Seria um homem de sorte, para além do seu físico, porque é claro como é uma moça linda, mas digo em relação a você por inteiro, pela sua inteligência, por sua doçura... E isso são só alguns exemplos ─ falei.

Talvez Bella me achasse um maluco por dizer aquelas coisas e senti-me envergonhado por expor tão abertamente sobre os meus sentimentos por ela.

Ela, porém, ergueu os olhos para os meus novamente; estava ainda mais corada e trazia surpresa em suas feições.

─ Está falando a verdade? Não é só porque somos... Amigos?

Balancei a cabeça negativamente e sorri para ela.

─ Se somos amigos... ─ murmurei a palavra meio à contragosto ─ Por que eu mentiria para você?

Era óbvio que eu gostaria de ser muito mais, gostaria de ser eu o rapaz a desposá-la, a torná-la uma mulher e, de repente, a minha reação há cerca de um mês antes, quando o Sargento McCarthy a chamou para conversar, finalmente fez sentido para mim: eu estava com ciúmes de Isabella! Os meus sentimentos por ela iam muito além de toda a gratidão que eu tinha por todo o seu cuidado para comigo.

Não tinha como ser diferente, afinal; Bella, além de linda, era gentil, bondosa, inteligente, e tinha uma aura meio misteriosa ao redor dela que me atraía ainda mais. Talvez somente eu pudesse perceber – porque era claro como, toda vez que eu mencionava o brilho dourado de seus olhos, ela parecia surpresa demais e dizia ser só uma impressão minha – e assim que melhorasse completamente, faria questão de descobrir mais sobre aquele traço intrigante de sua aparência.

Parte III – Irlanda do Norte, julho de 1917 – pelas ruas de Belfast:

PDV: Bella

─ Parada, mocinha! ─ uma voz masculina sussurrou em meu ouvido esquerdo ao mesmo tempo em que um corpo era pressionado contra as minhas costas ─ Fique quietinha! ─ Estremeci quando notei a ponta de um punhal sendo pressionada contra a minha barriga.

Olhei ao meu redor. A rua estava deserta naquele momento, então eu não tinha ninguém a quem recorrer. Estava assustada e enojada com a proximidade daquele homem.

─ Muito bem, continue assim! ─ Ele riu e um soluço escapou de meus lábios ─ Não! ─ murmurou em tom repreensivo, forçando a ponta do punhal em minha barriga, manchando o metal e o meu vestido de sangue.

─ Por favor, não faça isso! ─ implorei-lhe, ao que ele riu novamente e roçou os lábios em meu pescoço. Eu então eu soube que ele me tomaria ali mesmo, sem qualquer piedade, e eu estaria arruinada pelo resto de minha vida.

─ Largue a moça! Agora! ─ uma voz, também masculina, ressoou por trás de onde estávamos. O homem deu uma risada, mas manteve-se colado ao meu corpo e virou-nos na direção daquela voz.

PDV: Edward

Andava em direção ao centro da cidade quando vi um homem agarrando uma moça no meio calçada; ela implorava para que ele não a machucasse e imediatamente me lembrei de minha mãe e de minha irmã.

Eu precisava fazer alguma coisa.

Tentei rendê-lo, assim que ele se virou com a garota em seus braços nojentos. Ela me fitou, os olhos castanhos arregalados e cheios de lágrimas. Não era o momento mais apropriado, mas o meu coração se acelerou quando a vi... Quando a revi. Eram aqueles olhos, eu simplesmente sabia, que sempre apareciam em meus sonhos!

Não tive muito tempo para pensar, pois o mal caráter logo a soltou com um sorriso maldoso no rosto e ela caiu no chão. Puxei-a e usei meu corpo como escudo quando ele se aproximou.

─ Corra! ─ murmurei para a garota. Sabia que não adiantava lutar. Só um de nós poderia sair daquela situação vivo e eu estava bem que fosse ela.

E então senti fisgadas em meu abdômen enquanto ele cortava a minha pele com aquele punhal. Eu esperava que a garota estivesse a salvo e tudo o que vi, antes de cair na inconsciência, foi uma luz forte e dourada me envolvendo numa espécie de abraço.

Morrer não fora tão difícil ou doloroso quanto eu havia imaginado; eu estava aquecido e tranquilo. E quando abri meus olhos, tive a certeza de que estava no Paraíso: olhando de volta para mim, estava a garota que eu havia salvado, com seus doces olhos castanhos e um lindo brilho dourado neles.

Logo, porém, o pânico me tomou quando pensei que aquela criatura linda também podia estar morta. Será que aquele homem havia conseguido pegá-la? Será que ela estava machucada?

─ Não, não se mexa ─ murmurou, parecendo um pouco nervosa. Olhei-a mais atentamente e vi que ela estava um pouco trêmula enquanto fitava o meu abdômen.

Eu estava sem a minha camisa e minha pele estava toda suja de sangue, mas todos os cortes feitos por aquele homem estavam fechados e percebi que a garota havia costurado todos eles. Talvez fosse médica, embora duvidasse, pois ela parecia jovem demais.

Ela murmurou algo sobre pegar algo para me limpar, quando se levantou e eu ofeguei ao ver uma grande mancha de sangue em seu vestido – e o corte em sua roupa me indicava que aquele ferimento só poderia ser dela. Ao contrário de mim, porém, ela parecia estar muito bem com aquele fato, pois nem ao menos demonstrou estar sentindo dor.

A garota desapareceu por uma porta e observei o cômodo em que estava. Era um quarto feminino, podia apostar como era o dela. Senti-me constrangido quando percebi que havia sujado suas roupas de cama e perguntei-me como eu havia sobrevivido. Ou eu estava realmente sonhando?

Ela voltou com alguns tecidos úmidos em mãos e começou a passá-los delicadamente por minha barriga, tentando amenizar a situação desagradavelmente sanguinolenta.

─ Eu morri? ─ perguntei. Ela deu uma risadinha e balançou a cabeça negativamente.

─ Não. Está tão vivo quanto eu ─ respondeu-me, alternando olhares entre meu abdômen e o meu rosto.

─ Por que tenho a sensação de que já te conheço? ─ murmurei. Ia além dos meus sonhos com aqueles olhos... Era como se eu realmente já tivesse tido contato com aquela garota antes.

Ela parou por alguns instantes e deu de ombros.

─ Poderia te devolver essa pergunta sem nem pestanejar ─ disse ela.

─ Então... Nós já nos conhecemos antes? ─ perguntei ─ De onde?

─ Estou te devolvendo mais essas ─ brincou ela, largando os tecidos e me observando atentamente ─ Como está se sentindo?

─ Bem... Como se não tivesse sido atacado há... ─ Quanto tempo havia se passado desde o ataque? Minutos? Horas?

─ Ótimo, isso é ótimo, embora eu não tenha certeza de como tudo isso aconteceu, fico feliz que esteja a salvo. ─ Ela suspirou ─ E obrigada por me ajudar... Se não tivesse chegado a tempo, eu...

A garota se calou e seus olhos se encheram de lágrimas. Ela fungou e peguei sua mão delicada, tentando lhe passar algum conforto.

─ Está tudo bem, já passou. E eu não fiz nada além do que me ensinaram, jamais deixaria uma dama indefesa se machucar ─ falei, acariciando sua pele macia. Ela me deu um pequeno sorriso.

─ Eu jamais poderei agradecê-lo o suficiente pelo que fez por mim hoje...

─ A Senhorita salvou a minha vida! ─ exclamei, sorrindo para ela ─ Não acha o suficiente? Aliás, é médica?

─ Quero ser enfermeira. ─ Aquilo realmente fazia mais sentido, ela era bem jovem, afinal ─ Mas isso dependerá da permissão de meu tio e de minha mãe. Está sendo complicado convencê-los por causa da guerra.

─ Bem, eu tenho certeza de que depois que eles souberem disso... ─ Eu gesticulei para o meu abdômen e sorri para ela ─ Eles serão convencidos.

Ela me devolveu um sorriso lindo e então gesticulou para si mesma.

─ Eu só vou tirar essa roupa rasgada e preparo um chá para você. Precisa recuperar suas energias.

Quis contestá-la, dizer-lhe que eu estava como novo em folha, mas ela parecia tão linda e serena que não tive coragem de recusar. Eu queria mais tempo com ela para conversarmos, para poder conhecê-la melhor. Talvez, juntos, nós descobríssemos o porquê daquela sensação tão intensa de que nós já nos conhecíamos.

PDV: Bella

Encarei meu rosto no pequeno espelho do banheiro. Havia algo de muito estranho comigo. Eu deveria estar ferida! O garoto deveria ter morrido! Mas eu havia conseguido nos salvar, por alguma razão desconhecida; havia salvado a nós dois daquele homem terrível e agora tinha um completo desconhecido com várias cicatrizes em seu abdômen deitado em minha cama.

Não pude deixar de sorrir. Eu estava viva porque aquele menino havia sido corajoso. Ele havia se colocado entre mim e aquela faca. Ele teria morrido por mim, uma completa desconhecida e apesar de toda aquela estranheza, eu me sentia aliviada e feliz pela chance de retribuir e salvá-lo. Era o mínimo que poderia ter feito, depois de tudo.

Fui até a cozinha esquentar água para o chá e não demorei a voltar para meu quarto, encontrando o garoto sentando em minha cama, o peito desnudo e ainda avermelhado pelas manchas de sangue que eu não havia conseguido tirar apenas como o tecido úmido.

─ Não deveria ter se movido ─ murmurei. Ele deu de ombros e me falou que já se sentia melhor ─ Aqui, beba um pouco de chá... Qual é o seu nome?

─ É Edward e o seu? ─ Ele aceitou a xícara de chá e me sorriu; tinha um sorriso lindo, além de seus olhos serem incrivelmente verdes. Eles me hipnotizavam e eu não conseguia parar de olhá-los ─ Obrigado.

─ É Isabella, mas pode me chamar de Bella ─ respondi, sentando-me na beirada da cama, na lateral mais próxima de seu corpo ─ Não há de quê.

─ Desculpe por isso. ─ Ele gesticulou para meus lençóis ensanguentados.

─ Não se desculpe. É como se pedisse desculpas por ter me salvado e isso eu não aceito. Terá cicatrizes para o resto da vida por minha causa ─ murmurei, um pouco chateada. Eu não tinha a menor prática em suturar, embora tivesse costurado meus próprios vestidos em mais de uma ocasião, então, aqueles pontos certamente deixariam marcas na pele de Edward para sempre.

─ Ah, isso? Dizem que garotos fortes tem cicatrizes ─ brincou ele, não parecendo nem um pouco incomodado com aquelas costuras pretas em sua barriga. Edward então voltou sua atenção para mim ─ De onde você é?

─ Daqui mesmo, de Belfast, e você? ─ perguntei depois de bebericar o meu chá.

─ Também sou daqui ─ respondeu ─ E mora com os seus pais?

─ Moro com minha mãe e meu tio que, bem, de certa forma é o meu pai. Ele passou a cuidar de nós depois que meu pai biológico morreu quando eu era um bebê, então ele é a única referência paternal que eu tive em dezessete anos.

─ Entendi. E eu sinto muito por seu pai.

─ Obrigada ─ murmurei.

Era triste pensar que eu não conhecia o homem que me dera a vida, mas eu era grata por ter tio Charlie comigo. Ele mesmo sempre havia me tratado como sua filha e eu me sentia feliz por tê-lo me apoiando em... Quase tudo, já que eu ainda precisava convencê-lo a respeito da enfermagem.

─ E você, mora com os seus pais? ─ perguntei-lhe.

─ Com meus pais, sim, mas eu tenho uma irmã mais velha. Ela se casou há um ano e agora mora em Londres com o marido, Alice é o nome dela.

─ Legal. Ela está feliz? Ela se casou por amor?

Edward deu uma risadinha.

─ O casamento dela estava marcado desde que eu me entendo por gente, mas ela sempre foi apaixonada por Jasper, e ele por ela. Acho que os dois tiveram sorte ─ contou-me ─ E você? Tem algum pretendente?

Corei, desviando o olhar para as minhas mãos e neguei com a cabeça. Apesar de meu tio ser médico e nós vivermos bem economicamente, eu ainda não havia sido cortejada e sentia-me um pouco envergonhada, porque em breve completaria dezoito anos.

E a maioria das garotas já estava casada com aquela idade.

─ Bem, o lado bom... É que poderá focar nos estudos e depois arranjar um marido. Sabe, para não ser totalmente dependente dele e por causa disso ele achar que tem algum tipo de autoridade sobre você.

Surpreendi-me com aquelas ideias modernas de Edward. Ele parecia uma pessoa mais tradicional, mas talvez as aparências realmente enganassem.

─ É, mas... Quero ter uma família um dia; casar-me e ter meus filhos, quero ter um amor para toda a vida, como tenho certeza de que meus pais teriam tido se ele não tivesse falecido.

─ Eu também quero, mas não agora. Não posso ter filhos agora, ou meus pais me deserdam ─ brincou ele, fazendo-nos rir ─ Na verdade, eu não posso sair mais um pouquinho da linha, ou serei deserdado. ─ Ele gesticulou com os dedos indicador e polegar, deixando um pequeno espaço entre eles.

─ Não me parece um garoto rebelde ─ constatei. Muito pelo contrário, ele parecia um cavalheiro e mesmo suas roupas rasgadas e ensanguentadas podiam provar sua elegância e status social elevado.

─ Aos olhos do meu pai, querer viver de algo que não seja a advocacia é um claro e preocupante sinal de rebeldia ─ disse ele, suspirando em chateação.

─ Se não quer ser advogado, no que gostaria de trabalhar?

─ Ainda não tenho certeza, mas sei que não gostaria de trabalhar num escritório ─ Edward me explicou.

─ É uma alma livre ─ brinquei e ele concordou com a cabeça. Houve um momento confortável de silêncio, em que nos ocupamos em nos encarar e então continuamos a conversar.

─ Uma viagem, me conte uma boa viagem que tenha feito ─ pediu-me ele.

─ Fui para a praia de Ballygally, quando eu tinha 8 anos. Amei estar lá; foi a primeira e, infelizmente, única vez que fui para a praia ─ respondi-lhe.

─ Sério? Minha família tem uma casa nessa praia, posso te levar lá quando quiser ─ falou animado e embora eu também tivesse me encantado com aquela possibilidade, me perguntei se seria apropriado ─ Já faz um tempo que fomos para lá, mas eu jamais me esquecerei do dia em que me afoguei no mar. Eu tinha 5 anos.

─ Afogou-se? Uau! Parece que o perigo lhe persegue! ─ brinquei e ele riu.

─ Sim, eu já me afoguei e também já escorreguei no meio do Museu de Belfast e fiquei desacordado.

─ Caramba! ─ Eu estava surpresa em vê-lo aparentemente tão bem e intacto depois de tantos incidentes.

─ É, e o mais louco é que não tenho lembranças desses dias, como se... Eles nunca tivessem existido de verdade, lembro-me apenas daquilo que pessoas me contaram depois desses acontecimentos.

Um arrepio percorreu minha coluna.

─ Que coincidência. Porque existem dois dias que não fazem o menor sentido em minha vida, também. Ambos nos mesmos lugares em que você esteve ─ murmurei, levantando-me. Deixei minha xícara de chá sobre a mesinha de cabeceira da cama e comecei a andar pelo meu quarto, tentando me lembrar de minhas próprias experiências, sem muito sucesso ─ É como se existissem... Lacunas, não é? Como se esses dias fossem incompletos.

─ É exatamente isso ─ concordou Edward, encarando-me. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes e corou, como se estivesse com vergonha de me dizer algo.

─ Pode falar ─ incentivei-o, admirada com a imensidão verde de seus olhos. Fascinada em como, apesar de um pouco tímido, ele parecia completamente confortável com a minha presença como se... Nós realmente já nos conhecêssemos há mais tempo.

Voltei a me sentar na cama, prestando atenção nele.

─ É que eu só me lembro de... ─ ele se calou.

─ De...

─ Olhos. Um par de olhos... Idênticos aos seus e eu venho sonhando com eles desde então e, com isso, quero dizer, desde eu não faço ideia de quando. São os olhos mais lindos que eu já vi ─ ele elogiou, fazendo-me corar ─ Têm esse brilho dourado que...

Edward se interrompeu quando viu minha expressão confusa.

─ Dourado? Tem certeza de que está bem? ─ perguntei, inclinando-me em sua direção e tocando-lhe o rosto para me certificar de que ele não estava com febre. Temperatura normal.

─ Sim, eu tenho certeza ─ afirmou com tanta confiança que até me surpreendi. Ele levou a mão direita para o meu rosto também e acariciou minha bochecha. Corei com a suavidade de seu carinho ─ É a menina mais linda que já vi. E eu já te vi muitas vezes, embora não consiga me lembrar de uma única vez. Simplesmente sei que nós já nos encontramos antes, eu sinto isso dentro de mim.

─ Também sinto isso ─ admiti, ainda hipnotizada por seus olhos. Eles me atraiam como ímãs e não consegui me conter, aproximei-me ainda mais de Edward que também se inclinou em minha direção.

E então eu cedi meu primeiro beijo àquele garoto que me parecia tão desconhecido, mas que a minha mente e o meu coração pareciam conhecer tão bem. E foi como se todas as barreiras fossem derrubadas e todas as lacunas fossem preenchidas.

A Praia de Ballygally. Eu o havia salvado de se afogar de uma maneira ainda incompreendida por mim.

O Museu de Belfast. A excursão. Nada de me sentir mal! E nada de escorregão. Uma estátua grande e pesada sobre um garotinho do quinto ano. Um corte na cabeça curado como mágica. Por mim.

Afastei-me, assustada com todas aquelas lembranças. Edward também me encarava perplexo.

─ Eu não acredito! Você me salvou. Em todas as vezes! ─ exclamou e então me sorriu antes de puxar meu rosto mais uma vez, selando nossos lábios carinhosamente.

O meu coração se acelerou conforme seus dedos afagaram o meu rosto e eu senti seu hálito suave contra a minha boca. E então eu desejei que ele me desposasse. Que nós pudéssemos ficar juntos e formar a nossa própria família, porque era claro como nossa ligação era muito especial.

Por que nos esquecemos disso? ─ perguntei a mim mesma, assim que paramos nosso beijo, percebendo que aquela dúvida também era dele.

─ Não faço ideia, minha Bella ─ ele murmurou, ainda acarinhando meu rosto e não pude deixar de sorrir ─ O que importa é que nós nos lembramos e que estamos juntos agora, não é?

─ Eu... Eu acho que sim ─ concordei, um pouco tímida.

Estava me sentindo tão completa, tão feliz (e um pouco zonza) que, se Edward me pedisse, eu deixaria que ele me arruinasse ali mesmo; porque talvez o destino estivesse brincando conosco por uma terceira vez e nós não tivéssemos mais uma chance. Mais uma chance de estar um com o outro daquela forma e de nos entregarmos um ao outro.

Do jeito que nós queríamos.

Enquanto ainda podíamos nos lembrar.

Quero ser sua. ─ E então eu disse aquelas palavras. E Edward me sorriu, fitando-me com seus hipnotizantes e lindos olhos verdes.

Ele me puxou para o seu colo, apesar de meus protestos para que ele não fizesse muito esforço com o seu tronco e desejei que não houvesse tanto sangue sobre ele e sobre a minha cama.

─ Seus olhos... ─ sussurrou ele, tocando meu rosto com as mãos.

─ O que foi?

─ Estão dourados.

Franzi o cenho. Eu não sentia nada de diferente neles, mas as minhas mãos pareciam um pouco mais quentes. Toquei seu abdômen e, como num passe de mágica, todo o sangue e toda as cicatrizes desapareceram de sua pele.

Olhei-o assustada, mas Edward estava tranquilo, como se já esperasse por aquilo.

─ Depois de me salvar três vezes da morte, ainda se surpreende consigo mesma? ─ brincou ele, acariciando minha cintura. Estremeci ao ser tocada tão intimamente por um rapaz daquela maneira e Edward sorriu.

Pensei nos lençóis e em como eu os queria limpos. E não demorou muito para que todas as manchas de sangue sobre ele também sumissem.

─ O que eu sou?

Uma bruxa? Um ser folclórico? Uma extraterrestre?

─ É uma Fada ─ disse ele ─ Só pode ser. É pequena e tem olhos dourados... ─ Abri a minha boca para negar, mas ele prosseguiu ─ Eu vi, Bella. Quando usa os seus... Poderes, o seu dom ou o que quer que você use para curar, seus olhos ficam dourados ou com um brilho dourado por cima do castanho. Acredite em mim.

─ Depois de tudo, de todas as memórias apagadas... Acho que não tenho como duvidar disso, não é?

Ele me sorriu, como se dissesse que eu estava certa.

E então nós nos beijamos novamente e eu me entreguei a ele da maneira que eu achei que só faria para o meu marido. Eu me deitei com ele, dei-lhe meu corpo, o meu coração e a minha alma na esperança de que, não importasse o que acontecesse, nós pudéssemos ficar juntos, de verdade, algum dia.

─ Você é a menina mais linda do mundo ─ ele sussurrou, abraçando-me pela cintura e eu sorri, deitando minha cabeça em seu peito ─ Aliás, agora é uma mulher...

Meu coração se acelerou com aquela constatação; eu não havia pensado, exatamente, nas consequências daqueles atos para a minha vida. Ergui meu rosto para poder olhá-lo nos olhos e ele estava sorrindo para mim.

─ Daqui a três anos, quando eu tiver dezoito, vou lhe cortejar e nós vamos nos casar.

Aquela não era uma pergunta, era mais uma constatação e um sorriso me rasgou o rosto.

─ E vamos ter a nossa própria família. Vai trabalhar como enfermeira e eu vou encontrar algo que goste de fazer e nós vamos ser muito felizes.

─ Gosto dessa ideia. Gosto muito dessa ideia ─ falei, beijando-lhe suavemente.

─ Não faz ideia do quanto sonhei com você, Bella. Durante dez anos de minha vida eu vi seus olhos quase todas as noites. Eu sabia que nunca mais sentiria medo enquanto os visse e aqui estou eu, podendo desfrutá-los tão de perto.

─ E eu não vou mais sair de perto de você ─ afirmei, suspirando, um pouco frustrada.

─ O que foi?

─ É que você passou tanto tempo sonhando comigo, mas eu...

─ O que tem você? ─ perguntou, tornando a afagar meu rosto carinhosamente.

─ Eu não sonho ─ revelei. Talvez aquilo fizesse parte de eu ser uma “fada” ou qualquer criatura que eu fosse.

─ Nunca? ─ Edward estava surpreso.

─ Nunca ─ murmurei. Eu adoraria poder sonhar com ele, com seus olhos lindos da mesma maneira como ele sonhava comigo, mas sempre que caía na inconsciência, tudo o que eu escutava eram zumbidos. Não vislumbrava nenhuma imagem, como sempre ouvia dos relatos de outras pessoas ─ Só agora eu percebi que isso pode estar relacionado a quem eu sou.

─ Então... Você não dorme?

─ Durmo, só não tenho sonhos.

─ Então eu fui o único que estive sonhando, mesmo acordado, com você... Ou melhor, com os seus olhos ─ ele brincou, desviando o olhar como se estivesse envergonhado demais para me encarar.

Beijei seus lábios o que o fez me encarar de novo e lhe sorri.

─ Se eu pudesse sonhar, sonharia com você e não me envergonharia disso ─ murmurei ─ Sonharia com os seus olhos, com a sua boca... Com você por inteiro. ─ Afaguei seu rosto e ele deixou uma risada escapar.

─ Obrigado por existir, Bella ─ murmurou, puxando meu rosto delicadamente para um beijo apaixonado.

Comecei a retribuir o beijo quando ouvimos um barulho vindo da sala. Era a porta se abrindo.

─ Bella, querida, cheguei! ─ a voz de tio Charlie ressoou.

Tio Charlie.

Um estalo se deu em minha mente.

Sempre que eu estava com Edward era ele quem aparecia. E logo em seguida nós nos esquecíamos de tudo. O que quer que meu tio fizesse, nossas memórias acabavam completamente nubladas e, daquela vez, quando nos encontrou entrelaçados um no outro sobre minha cama, não foi diferente.

Parte VII – Irlanda do Norte, Véspera de Natal dezembro de 1920 – Quartel Abercorn.

─ Não acredito que ainda fica envergonhado, depois de tantos banhos ─ disse a Edward enquanto passava a esponja úmida por seu peito ─ Se soubesse o quanto eu conheço o seu corpo, não se sentiria assim. Vi seus músculos, seus ossos e seu sangue, quer algo mais profundo do que isso? ─ brinquei, assistindo-o abrir e fechar a boca.

Edward suspirou, por fim e relaxou sob o meu toque.

─ Ainda é meio estranho para mim ─ murmurou depois de um tempo ─ Você me vê nu a cada dois dias, Bella. Você me dá banho como se eu fosse uma criança ─ resmungou.

─ Não vejo você como uma criança. Estudei anatomia no curso de enfermagem, inclusive já cuidei de crianças em algumas ocasiões. Posso te assegurar que você está bem longe de se parecer com uma ─ falei, corando quando percebi a verdade em minhas palavras.

Esperava que Edward não entendesse aquilo como se eu prestasse uma atenção exagerada a partes específicas de seu corpo. Era apenas uma afirmação generalizada.

─ Além do mais... ─ continuei, evitando dar margem para que aquele rumo mais obscuro de nossa conversa se prolongasse ─ Se anime! É Véspera de Natal e você vai poder sair dessa cabana pela primeira vez em dois meses!

─ Então... Anatomicamente eu sou um homem ─ brincou, fitando-me maliciosamente. Ignorei-o, sentindo minhas bochechas queimarem em vergonha e ele riu.

Era melhor eu me apressar se quisesse evitar mais constrangimentos...

Levei minhas mãos ao lençol que cobria as partes íntimas de Edward e franzi o cenho quando ele segurou meu punho, impedindo-me de prosseguir com o seu banho. Assim que o encarei, notei como seu rosto estava corado e sua respiração ofegante, mas apesar dos indícios, ele não parecia estar passando mal.

PDV: Edward

Seus toques e carícias não deveriam, mas despertavam-me como eu nunca havia estado antes, mesmo que aquela não fosse sua intenção. Durante a maioria dos banhos, eu tentava e conseguia me controlar.

Mas então Bella falou sobre eu ser um homem. E toda a minha concentração se focou em suas mãos, em como ela percorria aquela esponja por meu corpo todo – e em como eu queria sentir a sua pele ao invés daquele objeto áspero.

Seria constrangedor demais para ambos, então não podia deixá-la ver o que ela mesma havia me causado.

─ Edward, o que há de errado? ─ ela me perguntou, fitando-me com seus doces olhos castanhos.

─ Deixe que lavo essa parte... ─ murmurei, tentando me sentar na cama, mas ela me parou, pressionando suas mãos contra o meu peito. Ela corou quando olhou para as suas mãos sobre minha pele e eu novamente desejei que ela pudesse acariciar meu corpo todo com elas.

Por que? Tenho feito isso há mais de dois meses, já falei que não há motivos para se envergonhar! ─ disse ela, um pouco brava.

Como eu poderia explicar-lhe que eu estava excitado? E por causa dela!

Bella logo pareceu compreender quando baixou os olhos para a única parte de meu corpo ainda coberta pelo lençol. Ela corou, mordeu o lábio inferior e, contrariando as minhas expectativas – porque eu achei que ela simplesmente se afastaria –, Bella levou a mão direita para o tecido, enquanto me mantinha “preso” à cama com a esquerda.

Ela então retirou o lençol de cima de mim e arfou quando expôs o motivo de meu constrangimento. Não que fosse minha intenção impressioná-la, mas Bella parecia bastante... Curiosa, provavelmente porque nunca havia tido contato com um homem naquele estado.

─ Me desculpe, Edward, isso foi totalmente inapropriado ─ murmurou, cobrindo-me novamente com o lençol e retesando completamente o seu corpo, afastando-se de mim. E então ela ergueu seus olhos e vi todo o seu medo.

Medo de que aquele gesto impensado pudesse ter manchado a sua honra, de que nunca pudesse se casar e ter sua família – o seu maior sonho.

─ Bella ─ murmurei, sentando-me e gesticulando para que ela se aproximasse novamente.

Um pouco, hesitante, ela cedeu e não resisti em segurar seu rosto quente (de vergonha) em minhas mãos.

─ Está tudo bem ─ afirmei, acariciando suas bochechas. Ela respirava ofegante e me perguntei se era somente pelo seu nervosismo. Eu adoraria saber se conseguiria provocar nela os mesmos efeitos que ela causava em mim ─ Quero muito beijá-la. ─ As palavras simplesmente escorregaram por meus lábios.

Seus olhos se arregalaram e por um segundo eu desejei poder retificar aquelas palavras completamente fora de hora. E então, surpreendendo-me por mais uma vez naquela noite, Bella inclinou ainda mais o rosto na direção do meu.

Toquei seus lábios lentamente com os meus e foi como se tudo fizesse sentido. Eu vi a mim mesmo, aos 5 anos de idade, sendo puxado das águas de Ballygally; depois, aos 9, sendo acudido quando bati numa estátua pesada no meio do Museu de Belfast; aos 15 anos, quase morrendo com cortes em meu abdômen e então sendo salvo... Por Bella. Em todas as situações ela havia sido a minha heroína.

E em todas as situações, por algum motivo, nós acabávamos nos esquecendo um do outro, exceto que eu ainda conseguia ver seus olhos, minhas únicas lembranças dela.

─ Você! ─ exclamou, assim que paramos o beijo. Ela tinha os olhos arregalados e marejados; fungou, tocando meu rosto delicadamente ─ Eu me entreguei a você!

Perguntei-me se ela estava arrependida, mas Bella parecia apenas emocionada. Eu também estava! Como poderia não estar? Havia acabado de reencontrar... Não, na verdade, eu havia acabado de tomar consciência de momentos cruciais que haviam acontecido em minha vida, nos últimos treze anos, que eu sequer me lembrava.

─ Você é uma Fada ─ falei, acariciando seu rosto macio e ela deu uma risadinha ─ E eu já tenho dezoito anos. Permite que eu lhe corteje?

Bella fungou mais uma vez e algumas lágrimas escorreram em direção às minhas mãos.

─ Como Alice e Jasper? ─ perguntou-me ─ Seremos como eles?

Entendi imediatamente ao que ela se referia: a um casamento por amor.

─ Não tem como ser diferente ─ afirmei, sorrindo para ela. Estava aliviado porque aqueles dois meses e mais um pouco que havíamos convivido juntos, serviram para fortalecer ainda mais a nossa ligação, que já era forte, mesmo quando não nos lembrávamos um do outro.

A sensação de que já nos conhecíamos era intensa demais e havia propiciado que nos conhecêssemos de verdade, não mais como aqueles dois adolescentes que, em algumas horas, já estavam se declarando e tomando decisões para seus futuros... Mesmo que, no final de tudo, nós estivéssemos bem perto de onde havíamos imaginado.

PDV: Bella

Mal conseguia acreditar! Havia salvado a Edward tantas vezes; nós havíamos nos encontrado e, para além, nos entregado ao outro. Eu era dele da mesma forma como ele era meu e eu não poderia estar mais feliz.

Aos vinte e um anos, não mais imaginava que poderia encontrar o amor; depois de tanto tempo, achei que ele só existia para os outros e nos livros... Mas então pude entender por que nunca havia conseguido me conectar com qualquer outro rapaz... Porque eu já era de Edward. Acredito que até mesmo antes de nosso primeiro contato, quando crianças, nós já pertencíamos um ao outro; ainda que eu não compreendesse muito bem como tudo acontecera, como eu havia conseguido salvá-lo em tantas ocasiões.

Deixei que ele terminasse de se banhar – eu realmente ainda estava um pouco surpresa com a reação de seu corpo, embora saber que nós já tínhamos estado juntos daquela maneira atenuasse um pouco a impressão.

Tomei o meu próprio banho, pela primeira vez não me importando que Edward visse o meu corpo – afinal, nós já havíamos avançado muito mais no passado e a expectativa de repetir aquele momento me deixava tão nervosa quanto animada.

Arrepiei-me sob o olhar intenso dele em minha pele desnuda e não pude evitar corar. Edward deu uma risadinha e voltou-se ao seu próprio banho, enquanto lavava-me rapidamente para que não pegássemos muita friagem, afinal de contas, eu ainda precisava ajudá-lo a se vestir.


...

─ Você fica muito bem com essa roupa ─ murmurei, fechando os últimos botões de seu uniforme.

─ Obrigado, Senhorita! ─ Edward sorriu para mim, puxando-me pela cintura e beijando-me carinhosamente ─ Fica linda com essa roupa também.

Neguei com a cabeça, rindo. Eu também usava meu uniforme de enfermagem, afinal, apesar de ser Véspera de Natal, ainda estava a serviço... Assim como Edward.

─ Pronto? ─ perguntei, segurando-o pela cintura. Ele ainda estava com a perna enfaixada, mas em sua primeira saída já poderia usar muletas.

─ Pronto, minha Fada! ─ concordou ele, endireitando as costas e sentando-se na beirada de sua cama. Ri de sua declaração e inclinei-me para pegar as muletas encostadas na parede.

Foi quando ouvimos uma batida na porta e meu tio apareceu. Reconheci seu olhar: estava prestes a nos fazer esquecer um do outro de novo. Daquela vez, porém, já estava preparada, porque eu já sabia, já esperava que ele fosse aparecer.

─ Não ─ falei, encarando-o seriamente ─ Não quero esquecê-lo, por que o Senhor faz isso?

O meu coração se apertou com aquela ideia. Não queria mais ficar longe de Edward, passar anos, minutos ou segundos longe de meu primeiro e único amor.

─ É para o bem de vocês ─ meu tio murmurou, aproximando-se.

─ NÃO! EU DISSE NÃO! Fique longe!

─ Eu sinto muito, Bella ─ disse ele, olhando de mim para Edward, que me abraçava.

─ Seus poderes, minha Fada ─ Edward sibilou para mim, seus olhos vidrados nos meus.

Meus poderes... Que eu mal sabia usar, que eu não sabia como funcionavam...

Pensei em como queria proteger a mim e a Edward... A nossas memórias. E então, um brilho dourado muito forte envolveu a nós dois, antes que meu tio pudesse fazer qualquer coisa.

Encarava Edward, assustada, enquanto ele simplesmente sorria para mim. Ele tocou o meu rosto e olhou ao redor.

─ Fada não... Um anjo! ─ murmurou. Foi quando notei que ele provavelmente estava certo. Havia... Algo parecido com dois pares de asas ao redor de nossos corpos; eram “asas” douradas e meio... Empenadas?

Ainda sentia a presença de meu tio ali na cabana, então sabia que não poderia baixar a guarda enquanto ele estivesse por perto. Conseguia, também, sentir suas intenções: ele ainda queria apagar nossas memórias.

─ Nunca apaguei a memória de vocês, Bella ─ a voz dele ressoou através daquela “proteção” ─ Não tenho poderes para fazer isso. Retraia suas asas e vamos conversar!

─ Se não apagou nossas memórias, como nós nos esquecemos um do outro por tantas vezes? E sempre quando você chegava!

─ Bella, por favor. Vou lhe explicar tudo, mas pare de usar seus poderes dessa forma, vai atrair a atenção do Céu! Seu pai se esforça tanto para mantê-la segura, por favor, colabore!

Aquela constatação me desconcentrou e, no momento seguinte, minhas “asas” haviam sumido. Meu pai... No presente! Eu havia ouvido direito?

Encarei o tio Charlie, notando o brilho dourado nos olhos dele, os mesmos que Edward alegava sempre ter visto nos meus.

─ O Senhor... É o meu pai? É um... Anjo?

Tio Charlie olhou de mim para Edward e percebi que ele não queria responder àquelas perguntas na frente dele.

─ Edward também vai ouvir essas respostas ─ murmurei, encarando-o de maneira séria ─ Depois de... De tudo, ele também merece!

─ Sim para a segunda pergunta e não para a primeira ─ respondeu ele, após suspirar pesado, voltando sua atenção completamente para mim ─ Sou o melhor amigo de seu pai. Ele é um Anjo do alto escalão e a última coisa que poderia fazer era ter um filho, ou filha, com uma humana.

“Você... O que você é, é algo totalmente proibido, Bella. Como um Anjo muito importante, ele não pôde ficar na Terra por muito tempo depois de seu nascimento e teve que retornar ao Céu. Ele me pediu para que cuidasse de você e de sua mãe, para protegê-las de qualquer perigo sobrenatural, fosse de outras criaturas ou até mesmo do próprio Céu.

─ A minha mãe... Ela sabe de tudo isso? O que eu sou exatamente? Por que o Céu não... Permite o que quer que eu seja? ─ não consegui controlar aquelas perguntas. Eu precisava, eu tinha o direito de saber quem (ou o que) eu era de verdade.

─ Renée sempre soube, desde o início, e nós sempre trabalhamos juntos para protegê-la, incluindo esconder a sua própria identidade de si mesma. Você é uma Néfilim, um ser metade humano e metade angelical; tem, dentro de si, uma parte da alma humana e uma parte de graça angelical, por isso tem os seus poderes, por isso pode curar outras pessoas tão facilmente e por isso não pode ser machucada... Pelo menos não por objetos humanos.

Lembrei-me daquele homem que machucara Edward. Ele também havia me cortado e, embora eu tivesse sangrado naquela ocasião, não havia demorado mais do que alguns minutos para a ferida se fechar completamente.

─ O Céu... ─ tio Charlie continuou ─ Não permite Néfilins por considerá-los muito perigosos. Você é a única que existe no mundo, nesse momento, e nunca poderíamos prever o que se tornaria; há uma certa ideia de que Néfilins se tornarão mais poderosos do que seus pais celestiais e que tentariam tomar o controle do mundo ou destruí-lo. É por isso que eles não podem saber sobre você e a cada vez que usa os seus poderes numa intensidade muito grande, acaba chamando a atenção de outros Anjos, porque nós podemos sentir toda vez que uma mágica do nosso tipo é usada.

“Foi por isso que sua mãe e eu jamais lhe contamos sobre sua ascendência verdadeira, filha” tio Charlie murmurou, seus olhos cheios de lágrimas também me mostravam todo o seu medo... De me perder “Achávamos que se não soubesse quem era, sobre os seus próprios poderes, estaria a salvo...” Ele pigarreou “Isso até... Até esse rapaz entrar em sua vida. Você já tinha usado seu dom de cura algumas vezes, mas nunca nas mesmas proporções em que usou nele”.

Olhei para Edward, que estava com as bochechas coradas. Ele me encarava de volta, preocupado, ainda com medo de que meu tio apagasse as nossas memórias. Sentia-me do mesmo jeito.

─ Já lhes disse... Não apaguei suas memória ─ tio Charlie continuou, e deu uma risadinha. Voltei-me para ele, surpresa, pois parecia que ele havia acabado de ler nossas mentes ─ É, isso também faz parte de nossos poderes. Conseguimos captar pensamentos e emoções de outros seres, humanos ou não. E quanto mais conhecemos o dito ser, mais fácil é decifrá-lo.

─ Então... Era assim que o Senhor chegava, todas as vezes em que eu usei meus poderes em Edward? O Senhor conseguia... Captar meus pensamentos?

─ Bem, isso só aconteceu no Museu, mas não foi por essa razão. Como eu falei, nós sentimos a magia angelical sendo usada, e eu simplesmente a rastreei até chegar a você. Por isso, Bella, eu tive que interferir em todas as três vezes em que vocês se encontraram. Realmente não possuo poderes fortes o suficiente para apagar as memórias de um humano, que dirá de uma Néfilim. Tudo o que fiz, foi colocar uma “parede” na mente de vocês para dificultar o acesso às lembranças daqueles momentos.

─ Então... Quando nos beijamos, é como se o seu “feitiço” se quebrasse, como... Nos Contos de Fadas? ─ tentei brincar, mas aquilo estava fazendo mais sentido do que eu jamais poderia prever.

Tio Charlie riu.

─ É quase isso. A cada conversa, a cada interação de vocês, é como se... Os tijolinhos dessas paredes caíssem um por um. Acredito que o beijo tenha o poder de derrubar a maioria ou todos esses tijolos de uma vez só.

─ Esses Anjos... ─ Edward se pronunciou pela primeira vez. Ele colocou um braço ao redor de minha cintura, como se tentasse me proteger ─ Podem realmente machucar a Bella? Só por ela ser quem é? Quero dizer, olhe para ela, é a pessoa, hum, a criatura mais bondosa que conheço, duvido muito que irá destruir o mundo.

─ Um Anjo só não... ─ tio Charlie respondeu ─ Se ela abrir as asas principalmente ─ brincou ele ─ Mas sim, se o Céu descobrir sobre a existência dela... Não quero nem pensar no que eles lhe farão, Bella. ─ Ele suspirou e me encarou, uma expressão triste em seu rosto ─ E você sabe demais, garoto. Eu não posso apagar sua memória, mas outros Anjos sim e não hesitarão em fazê-lo.

─ O Senhor vai... Reconstruir a barreira? ─ perguntou Edward.

O meu coração se apertou no peito. Não queria ficar longe de Edward, muito menos esquecê-lo. O meu tio suspirou novamente.

─ Ainda acredito que é o melhor a ser feito ─ afirmou ele.

─ Mesmo agora, que já sei de tudo? ─ perguntei, esperançosa ─ Vou conseguir me controlar ainda mais, não será mais fácil?

─ Mesmo para nós, Bella, com séculos de existência, é difícil nos controlarmos. Você acabou de tomar consciência de seus poderes, é o ser mais poderoso da Terra.

─ Não posso simplesmente... Me livrar disso?

Havia passado vinte e um anos sem saber sobre aquela parte de mim. Tinha certeza de que poderia viver plenamente bem sem ela; faria qualquer coisa para continuar me lembrando de Edward.

─ Não ─ tio Charlie e Edward disseram em uníssono.

Atraída bem mais pela negativa de Edward, eu o encarei, surpresa. Ele esboçou um sorriso triste no rosto.

─ Por mais que eu queira passar o resto de minha vida com você, Bella, isso faz de quem você realmente é; um ser único e especial. Não seria justo que abdicasse disso tudo apenas por mim.

Olhei para o meu tio, esperando um certo apoio, mas ele negou com a cabeça.

─ O garoto está certo. Além do mais, você é apenas metade humana. Se tirássemos a sua metade anjo, provavelmente não... ─ Engoliu em seco ─ Não sobreviveria.

Estava de mãos atadas, não poderia deixar de ser metade de quem eu era – uma metade que, até poucos minutos antes eu não sabia que estava dentro de mim –, mas também não queria que aquela parte de mim me impedisse de estar com o rapaz que havia roubado meu coração.

─ Podemos não... Decidir isso hoje? Por favor, é Véspera de Natal ─ pedi, supliquei, para meu tio. Ele me deu um pequeno sorriso e concordou com a cabeça.

Precisava de mais tempo para pensar, para entender o significado de tudo aquilo que tio Charlie havia me falado.

─ Charlie... É seu verdadeiro nome? ─ perguntei. Aquele não me parecia exatamente o nome de um Anjo.

─ Não dizemos nossos nomes verdadeiros na Terra ─ ele esclareceu ─ A não ser que queiramos chamar a atenção de outros Anjos, é uma espécie de chamado, para além do modo como já nos comunicamos...

─ Vocês se comunicam? Como em ligações telefônicas?

─ Quase isso... Por causa de nossa ligação Celestial, nós conseguimos chamar uns aos outros, também consigo encontrá-la dessa maneira; quando pensa em mim, muitas vezes, você está projetando os seus pensamentos, como num verdadeiro chamado, e eu consigo captá-los, mesmo a muitos quilômetros de distância.

─ São como zumbidos? ─ perguntei, lembrando-me dos barulhinhos persistentes que escutava quando adormecia.

─ Zumbidos?

─ Sim. Eu os escuto todas as noites quando durmo, o Senhor sabe, eu não sonho, mas escuto alguns barulhos em minha mente, são como zumbidos.

─ Não exatamente, acredito que você esteja em contato com o Céu, mas talvez não consiga entender nosso idioma completamente, por isso interpreta a nossa comunicação como “zumbidos”.

─ O seu... Idioma? ─ perguntei. Não achava que nenhuma outra informação pudesse me surpreender, mas estava enganada.

─ Sim, nós falamos Enoquiano... E agora chega, precisamos ir para a nossa comemoração de Natal antes que desconfiem de nossa demora. Não se preocupem que não vou interferir nas memórias de vocês, confio que tomarão a melhor decisão para ambos.

─ Pode nos dar um minuto? ─ pedi.

Tio Charlie concordou com a cabeça e saiu da cabana, deixando Edward e eu a sós. Virei-me para ele, encontrando seus lindos olhos me encarando, e abracei-o apertado, deitando minha cabeça em seu ombro esquerdo.

─ Vai ficar tudo bem ─ murmurou, rodeando meu corpo com seus braços. Ele fungou e quando olhei para seu rosto novamente, vi o quanto estava emocionado ─ Você precisa se proteger.

Neguei com a cabeça, entendendo exatamente o que ele queria dizer. Não podia perdê-lo mais uma vez.

─ Não seja teimosa, meu amor.

─ Não seja teimoso você ─ falei-lhe seriamente ─ Depois de tanto tempo... ─ murmurei com a voz embargada, sentindo meus olhos marejarem ─ Não acha que merecemos um final nosso? Em que nós decidimos as nossas próprias vidas sem interferências do meu tio, de Anjos, ou de quaisquer outros seres?

─ Bella, se eles acharem você... Ouviu o seu tio, eles não a pouparão...

─ E do que adianta tentar encobrir minhas memórias? As memórias mais... Especiais que tenho, principalmente daquele terceiro encontro... As memórias que tenho com você! Agora que sei quem sou, o que eu sou, tenho certeza de que posso me controlar ainda mais. Confie em mim ─ pedi-lhe.

A vida de Edward não estaria em risco, caso continuássemos com as lembranças um do outro; eu estaria no limbo, pois os Anjos poderiam me encontrar de qualquer forma, eu sabendo ou não da existência dele, lembrando-me ou não dele. Não fazia sentido perder todas as minhas lembranças com o rapaz mais especial que já eu havia conhecido por uma “proteção” que nunca seria totalmente eficiente, principalmente quando eu não conseguisse lembrar até mesmo a minha verdadeira identidade.

Edward ainda parecia hesitante e eu o beijei mais uma vez, sentindo seus lábios macios nos meus e me recordando ainda mais de como havia sido bom ser dele. Só queria uma chance de viver aquela experiência novamente, de realizar o meu sonho ao lado dele.

─ Não vamos decidir agora, então ─ falei, tocando-lhe o rosto suavemente; ele manteve os olhos fechados e um pequeno sorriso nos lábios ─ Vamos aproveitar essa noite, o que acha?

─ Vamos ─ concordou ele.

Sorri-lhe e uma ideia passou por minha mente. Ainda sem compreender exatamente como o meu “dom” funcionava, aproximei minhas mãos da perna dele, que me olhou curioso. Mentalizei-a bem e saudável; Edward soltou um arquejo de surpresa e eu soube que havia funcionado.

 

PDV: Edward

Peguei as muletas – embora já não precisasse mais delas, eu e Bella havíamos achado melhor manter a minha pose de “soldado em recuperação” para não levantar suspeitas nas outras pessoas – e saí da cabana, pela primeira vez desde que chegara ao Quartel, acompanhado da garota, da mulher, mais especial que eu conhecia.

Tentava me distrair da sensação de perigo eminente em que Bella se encontrava; ainda não estava totalmente convencido de que manter nossas lembranças intactas era o melhor a ser feito naquela situação. Não conseguia nem imaginar como seria se Bella não existisse mais, era simplesmente doloroso, mais do que ter a perna fraturada ou baleada.

Ela era, literalmente, um Anjo, o melhor deles e, se ela existia, era porque alguém lá em cima, o “dono do Céu”, Deus, qualquer que fosse o nome dele, havia permitido que uma criatura como ela fosse real. Era provável que eu jamais conhecesse outro ser como ela para comparar, mas eu sabia que Bella não merecia ser um alvo. Ela era boa, ela curava, não tinha como ser destrutiva, de maneira alguma.

Cumprimentamos alguns soldados e Bella me apresentava a algumas de suas amigas enfermeiras quando o Sargento McCarthy se aproximou de nós com um sorriso. Ainda sentia um pouco de ciúmes dele com Bella, eles pareciam ainda mais próximos desde o último mês, eu não sabia exatamente o porquê.

E então um rosto familiar, ao lado dele, me chamou a atenção. Era Rosalie, a melhor amiga de minha irmã, com um uniforme igual ao de Bella. Ela acenou quando me viu e então o meu Anjo me explicou como Emmett estava querendo trazer Rose para mais perto dele e, depois que descobriu que ela havia feito um curso de enfermagem, os três começaram a procurar uma maneira de trazê-la ao nosso Quartel.

E senti-me bobo por todo aquele ciúme. Bella havia se entregado para mim quando tudo o que tínhamos eram duas lembranças de quando éramos crianças, ela havia confiado em mim de uma maneira que até então acreditava que faria apenas com o seu marido.

Foi naquele momento que me dei conta de que também precisava confiar nela, da mesma maneira, e para muito além dos ciúmes. Quando eu prometi cortejá-la, aos 15 anos de idade, eu também prometi que lhe daria a vida que ela quisesse, eu não tentaria torná-la diferente de quem era, isso incluía seu trabalho, sua identidade e suas decisões.

Se ela acreditava que conseguiria manter suas lembranças (o que incluía a nós e aos seus poderes), então eu poderia fazer nada além de apoiá-la e de cumprir com a minha promessa. Esperava que, quando toda aquela guerra passasse, nós nos desposássemos e fôssemos felizes, era o que eu mais queria: fazê-la feliz.

Bella fitou-me, como sempre maravilhando-me com a beleza de seus olhos, e gesticulou para que nos sentássemos a uma das mesas postas ao ar livre mesmo, assim poderíamos desfrutar da pequena ceia preparada e continuar conversando com o “casal McCarthy” e as outras pessoas.

Alguns soldados se aproximaram com instrumentos musicais, como violino e violão e começaram a tocá-los, deixando o ambiente ainda mais agradável; e, apesar do momento ser difícil, era bom poder ter uma “trégua”, um momento mais leve, nem que fosse apenas por aquela noite. Era preciso ter sempre esperança por dias melhores...

E, com Bella, o meu Anjo, a minha heroína, eu estaria pronto para enfrentar quaisquer que fossem as circunstâncias e, mesmo que tentassem, jamais me esqueceria daqueles olhos, tão vívidos e tão graciosos, e da certeza de eles terem sido fundamentais para eu conseguir reencontrá-la.

E sabia que, enquanto me lembrasse deles, eu sempre teria uma forma de encontrar Bella; não importava o que acontecesse, teria dentro de mim a certeza de que nossa conexão ia muito além daqueles 3 breves encontros e daqueles 2 curtos meses no Quartel. Era como se nós já estivéssemos destinados a sermos um do outro. E eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para garantir que nós continuássemos sendo.


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Notas finais do capítulo

N/A: Oie, Tirzah!

Eu espero que tenha gostado dessa história!

Foi muito divertido criá-la e a inspiração veio rápido quando vi seu segundo combo. E então juntando a música com a imagem (que imediatamente liguei à Guerra, mais especificamente à Segunda GM), a característica do dom da cura e a frase que você escolheu, percebi que não teria como não abordar o tema "sobrenatural". Foi a primeira vez que o fiz numa fanfic; eu simplesmente amei e te agradeço muito pela oportunidade.

A história foi se construindo rapidamente e embora tenha ficado um pouco diferente do que eu tinha originalmente planejado (por causa do número máximo de palavras), no fim, fiquei satisfeita com o que ela se tornou e espero que você também!

O pano de fundo para ela (a história) foram os néfilins (e os anjos, de maneira geral) de Supernatural (a série de TV). Peguei algumas características deles e fui adaptando do meu próprio jeito, tanto para respeitar o limite de palavras, quanto para se encaixar melhor no combo e às minhas próprias ideias.

E antes que eu me esqueça, a ideia inicial era ambientar a fanfic na Segunda Guerra (por causa da imagem), mas eu queria que "o dom da cura" ficasse um pouco mais perto dos locais de combate (puramente por questões geográficas) e achei a Guerra da Independência da Irlanda perfeita para isso.

Sinceramente, espero ter captado, talvez não exatamente o que você tinha em mente quando montou os combos, mas a essência daquilo que você gostaria de ler.

Desejo um Feliz Natal a você e a todos os meus leitores. E que 2022 seja um ano bom para todos nós!

Um grande beijo, e até a próxima.

Com carinho,

Mari.



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