Champagne problems escrita por skywiftwalker


Capítulo 1
Your heart was glass, I dropped it


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da história!



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Desejo por liberdade é algo inerente ao ser humano, a não ser que você não saiba que está preso. Se você vive em uma gaiola dourada, mesmo sabendo o que está perdendo estando preso nela, iria querer sair? Você está bem, está confortável, então por qual motivo iria decidir abandoná-la? A liberdade seria apenas uma história, uma lenda que você ouve e às vezes até se questiona se é real, mas nunca decide de fato sair da sua zona de conforto para procurá-la. 

Você assiste enquanto as pessoas vivem do lado de fora das grades que te prendem, encantada pelos movimentos, pelo riso e pelo brilho delas. Às vezes você deseja ser como elas, experimentar um pouco desse brilho, mas, mais uma vez, você não se move, fica parada em sua bela gaiola dourada. Você nem sequer percebe que todos estão dentro de suas próprias gaiolas, presos de alguma forma. Mas eles ao menos tem a ilusão da liberdade. É assim que me sinto agora enquanto assisto as pessoas ao meu redor.

Engraçado o caminho que meus pensamentos tomam sem minha intenção, a forma como meu cérebro vagueia em questionamentos aleatórios apenas procurando um jeito de se distrair de seus próprios pensamentos. Outro fato engraçado e aleatório sobre mim: eu não tenho permissão para escolher minhas próprias roupas. Estranho,não? Mas desde criança minhas roupas sempre tiveram mais objetivos do que apenas cobrir meu corpo: tinham a função de causar admiração, afeição e enaltecer meus atributos físicos. Causar inveja. Esta noite não é diferente. Minha mãe fez o vestido que estou usando hoje e ele se destaca no meio de todos os outros, seu tecido se agarra a minha pele como se fosse uma segunda camada de epitélio, destacando minha cintura e seu decote está a um passo de ser considerado escandaloso. Catherine, minha mãe, sabe definir bem o limite entre o que é censurável e o que é admirável.

Ando pela multidão, ouço cochichos, percebo olhares estranhos lançados em minha direção, mas ignoro-os enquanto procuro por uma silhueta específica. A única pessoa capaz de me fazer esquecer que estou no meio de um ninho de cobras e olhares julgadores. A maior parte das pessoas daqui não tem muito carinho por mim e o sentimento é recíproco. Sempre fui julgada pelos habitantes perfeitos dessa cidade esquecida, primeiro por causa dos erros da minha mãe e depois por mim mesma. Mas eles não costumam fazer isso descaradamente. Ah, não. Quando estou presente sou chamada de garota dourada, princesa da cidade, a beleza prodígio, exaltada na mesma quantidade em que sou execrada pelas costas. Minha mãe diz que todos eles tem inveja de nós, de mim em especial. Mas não acho que seja isso… Não por completo. 

Será um alívio quando finalmente conseguir sair dessa cidade definitivamente. E essa chance está mais perto do que nunca. O papel que contém um convite irrecusável descansa casualmente dentro da minha bolsa nesse exato momento, como se não tivesse o poder de mudar toda a minha vida.

Meus olhos finalmente encontram quem tanto procuravam e eu praticamente corro em sua direção. Quase consigo ouvir minha mãe me recriminando por isso, mandando-me ter compostura, mas definitivamente não ligo. Não nos vemos há meses, não recebi sua habitual visita como ele costuma fazer assim que chega a cidade. Meu coração acelera, ansioso.

Ele está conversando com seus irmãos, de costas para mim. Patrícia, sua irmã mais nova, tem um sorriso enorme no rosto, enquanto Thomas, o irmão mais velho, parece um pouco preocupado, mas ri de algo que foi falado. Meu estômago parece habitado por um milhão de borboletas geladas enquanto aproximo-me deles, de repente nervosa demais e animada ao mesmo tempo. Thomas e Patrícia percebem minha presença, mas Joe só me nota quando chego ao seu lado, entrelaçando nossos dedos. Ele se sobressalta com o contato repentino, mas quando percebe que sou eu, um sorriso enorme se abre em seu lindo rosto. Joe tem um rosto marcante, aqueles que você facilmente encontra nas capas de revista, rostos que quase não parecem reais de tão belos. Seus olhos azuis são de um tom profundo de azul, tão abertos e sinceros que qualquer um é capaz de ler seus pensamentos. Mas eu sou especialista nesse tipo de leitura.

— Hey — Cumprimento-os. Joe me envolve em um abraço caloroso e eu suspiro, aliviada. Tão, tão aliviada.

— Senti sua falta — Ele sussurra no meu ouvido e eu sorrio, afastando-me. Não repito as suas palavras, ele não precisa saber o quanto penso nele quando não estamos juntos, o quanto preciso dele para me acalmar.

— Grande noite, hein Dot? — Patricia diz quando nos separamos. Thomas olha para irmã com uma sobrancelha erguida e sinto que Joe fica tenso ao meu lado. A menina percebe a tensão dos irmãos e seu rosto cora. — Quer dizer, a festa está linda, não está? Mais bonita do que em outros anos. 

Não prestei atenção à decoração, nunca presto, para ser sincera. Participo das celebrações da cidade apenas por conveniência, porque minha mãe me obriga a vir e porque Joe gosta delas. Ele diz que são tradições de cidade pequena que sentiremos falta quando formos para uma cidade maior de forma permanente. Eu duvido disso, mas é algo que o diverte, então faço esse esforço todos os anos. E é natal, prefiro passar a data em sua companhia do que na de qualquer outra pessoa.

— Acho que sim — Dou de ombros, respondendo Patrícia. 

Thomas pigarreia e dá uma desculpa para se afastar, arrastando Patricia consigo. Ele é tão bonito quanto Joe, mas seu rosto e seus olhos são mais duros, mais… Maduros, mesmo que ele seja apenas dois anos mais velho que nós. Patrícia é uma boneca de porcelana, sua pele clara e suave contrasta com seus cachos escuros e rebeldes. Ela é o bebê da família, nascendo 5 anos depois de Joe e 7 após Thomas. Tão protegida e amada, nunca houve sequer um dia triste em sua vida encantada. Às vezes eu a invejo, perguntando-me como seria ter uma mãe carinhosa e não controladora, um pai presente e irmãos que fariam qualquer coisa por mim, para me proteger do mundo.

— Alguém aí? — Joe balança uma mão na frente dos meus olhos e eu saio dos meus pensamentos.

— Sim? — Olho em sua direção.

— Você estava olhando para os meus irmãos de uma forma… Intensa — Ele ri.

Balanço a cabeça, tentando colocar meus pensamentos em ordem.

— É sua primeira? — Pergunta indicando a taça em minha mão. Olho na mesma direção que ele, em dúvida sobre a resposta. Sei que não é a primeira, mas não lembro qual é o número dessa. Sequer percebi que ainda segurava algo. Estou nessa festa insuportável sem ele há bastante tempo, então chuto que seja a terceira ou a quarta.

— O que você acha? — Respondo, evasiva. Ele também sabe que não é minha primeira taça.

— Eu acho… — Joe pega a taça da minha mão e a deposita na mesa atrás de si. — Que já foi o suficiente por hoje.

Reviro os olhos, mas não reclamo. Ele apoia as mãos na minha cintura e me puxa para perto, beijando minha bochecha.

— Você não me diz o que fazer, Joseph — Resmungo e recebo sua risada em resposta.

— Nunca sonharia com isso — Responde, afastando o rosto do meu. Há algo diferente nele, mas não consigo dizer exatamente o que é. É estranho não saber o que ele está pensando, logo eu, que o conheço melhor do que qualquer pessoa nesse lugar.

— Dorothea — Minha mãe surge ao nosso lado. 

Todos dizem que eu sou uma versão mais jovem e melhorada da minha mãe. Ela era considerada a beldade da cidade quando tinha minha idade, ganhou diversos concursos de beleza, mas então engravidou quando tinha 17 anos e passou a coroa para mim depois que eu nasci. Todas as expectativas que ela tinha para si mesma foram transferidas para mim após meu nascimento. E toda pressão junto.

— Catherine — Joe a cumprimenta, sorrindo educadamente.

Os olhos da minha mãe brilham quando ela olha para o meu namorado.

— Joseph, querido! — Ela praticamente me empurra para fora dos braços de Joe para abraçá-lo.— Dorothea não me disse que você já estava na cidade!

Respiro fundo, mordendo a língua para não responder. Estendo o braço para trás de Joe e pego minha taça, virando o resto do líquido de uma vez.

— Não nos vimos quando eu cheguei, Catherine — Ele responde, olhando-me de soslaio ao perceber que peguei a taça de outra pessoa que passava por perto após finalizar a minha. — Que bom vê-la. Linda como sempre — Ele a beija nas duas bochechas.

— Ah, você é tão educado — Minha mãe literalmente cora diante do elogio.

Consigo ouvi-la complementando com "que desperdício você estar com Dorothea". Não seria a primeira vez que ela pensaria alto dessa forma. Não que eu discorde de seu ponto de vista.

Sou uma das muitas pessoas que não compreende de fato o motivo pelo qual Joe se apaixonou por mim. Não penso muito nesse assunto, mas é um fato. Joe é o menino de ouro da cidade, o mocinho dos filmes, o tipo de garoto que todas as mães desejam para suas filhas – até uma mãe como a minha. É educado, esforçado, terá uma carreira de sucesso e fará alguma mulher muito feliz no futuro. E eu… Bem, eu sou apenas eu. Apesar de não entender seu amor por mim, não reclamo e nem poderia, apenas aguardo o dia em que ele perceberá que merece alguém muito melhor do que eu e irá embora, ser feliz com ela.

Minha taça está quase vazia novamente e eu suspiro, decepcionada. Joe e minha mãe ainda estão conversando sobre a faculdade ou algo do tipo, mas não estou ouvindo. Quero mais um gole de champanhe apesar de saber que não é uma boa ideia.

— Espero que essa seja sua última taça, Dorothea. Não faça nenhuma bobagem — Minha mãe me recrimina, olhando-me com um toque de desprezo.

— Sim, senhora — Finjo uma continência debochada e Catherine franze os lábios. 

— Vou procurar por sua mãe, Joe. Sei que vai ficar de olho nessa aí — Ela se despede dele e vai em direção ao outro lado do salão.

Quando ela está longe o suficiente, eu rosno. Joe passa um braço pela minha cintura, puxando-me para perto e eu meio desabo contra seu ombro.

— Eu a odeio — Murmuro e sinto a vibração da risada de Joe.

— Não, você não odeia — Ele beija minha testa. — Ela é sua mãe.

— Isso não é motivo o suficiente para que eu não a odeie — Respondo e ele balança a cabeça.

— Você deveria tentar se dar melhor com sua mãe, baby — Ele aconselha e eu abro a boca para responder, mas sou impedida pela chegada de Danielle.

— Olá, pombinhos — Ela nos cumprimenta, sorrindo.

— Hey, Dani — Joe cumprimenta. — Quanto tempo!

— Sim! Quase não nos vemos quando você vem para a cidade — Ela faz um biquinho infantil e eu quase reviro os olhos.

— Eu fico um pouco ocupado quando estou aqui — Meu namorado diz educadamente. — Você sabe, muitas pessoas para visitar.

Os olhos de Dani pousam em mim aninhada sob o braço de Joe e ela finge concordar, sabendo que eu sou a razão que o faz sair pouco quando está por aqui.

Danielle sempre foi um pouco apaixonada por Joe, mas ele nunca deu qualquer esperança para ela. Não que isso a impeça de dar em cima dele até mesmo quando eu estou presente. 

Patrícia passa por nós em direção a pista de dança com sua amiga, Marjorie. Elas se conheceram e são amigas desde o jardim de infância, inseparáveis. Elas se complementam e tem uma amizade pura e linda. Outro ponto que eu invejo minha cunhada.

Tenho amigas, mas nenhuma delas é minha melhor amiga e confidente. São garotas que eu conheço desde sempre, mas que não sabem quase nada sobre mim e eu não sei nada sobre elas. Conversamos, rimos, saímos juntas, aprontamos quando éramos mais novas, mas não temos qualquer ligação verdadeira. 

Danielle decide ir embora, mas logo é substituída por Aaron, um dos amigos mais próximos de Joe. Eles se abraçam entusiasmados, falando alto tamanha empolgação. Joe e Aaron eram grandes amigos no ensino médio, jogaram futebol juntos e se separaram quando Aaron foi para a Califórnia após ganhar uma bolsa de estudos por conta do esporte. Sei que meu namorado sente falta do amigo visto que eles quase nunca estão na cidade ao mesmo tempo. Gosto de Aaron. Ele é um bom amigo para Joe.

A noite se arrasta, pessoas se revezando para conversar com Joe, para elogiá-lo, para dizer o quanto ele faz falta. A maior parte dessas pessoas não se dirige a mim, é como se eu fosse invisível ou não fosse digna da atenção delas. Gostaria de não me importar com isso, de não ligar para o desprezo de pessoas que não significam nada para mim. Mas por mais que me esforce e tente ser inatingível, eu não sou. E me odeio um pouco mais.

Afasto-me discretamente de Joe, indo em direção a mesa de bebidas e pego um copo de whisky com coca cola. A maior beleza de ter feito 21 anos é poder beber sem precisar me esconder, como antigamente.

Nesse mesmo salão, na época do ensino médio, diversas vezes eu e alguns colegas nos escondíamos no banheiro para poder beber, batizamos o ponche (clichê, eu sei) ou passamos garrafinhas de água com álcool dentro. Todos rindo, estupidamente felizes por enganarmos os adultos vigilantes. Sou atingida por uma onda de nostalgia ao passar pela porta do banheiro onde eu e Joe nos embebedamos tanto que, de alguma forma que até hoje não desvendamos, acabamos jogados no gramado da casa dele, rindo de tudo e de nada ao mesmo tempo. Os pais dele ficaram furiosos e eu, como de costume, levei a culpa por embriagar o garoto.

Quando éramos crianças, sempre que fazíamos algo de errado, mesmo quando a ideia era do Joe ou de qualquer outra pessoa, a culpa recaía sobre mim. Desde que Joe não ficasse encrencado, eu não me importava em ser castigada. Ninguém acreditava na minha inocência de qualquer forma, então pra que desperdiçar energia tentando convencê-los?

Observo-o interagindo com as pessoas. Ele conversa com um grupo de amigos nossos, jogando a cabeça para trás ao gargalhar de algo que um deles falou. Seu cabelo dourado cai sobre a testa e ele passa a mão para colocá-lo no lugar, algo que eu gosto de fazer. Seus olhos focam em Ed que está falando agora. Quando Joe foca seu olhar dessa forma, é como se você fosse a única pessoa na sala. Você se sente único e como se estivesse falando a coisa mais importante do mundo. Conheço bem essa sensação. Mais uma vez penso na metáfora da gaiola dourada e sei que se Joe estiver comigo, eu não me importo de estar presa.

— Ele é tão bonito, não é? — Olho para o lado e encontro Elizabeth, a mãe de Joe— As vezes esqueço do quanto me orgulho dele.

Sorrio para ela, disfarçadamente colocando o copo de whisky para o lado.

— Joe é uma raridade — Digo, sincera. — Você o criou muito bem, Sra. Bowery.

— Obrigada, minha linda — Ela estende a mão e toca no meu rosto carinhosamente. — Eu a amo por fazê-lo tão feliz, sabe disso, não é? Sabe o quanto Joe a ama e o quanto você amá-lo de volta o deixa feliz?

Meu estômago se embrulha com suas palavras e meus olhos queimam com vontade de chorar. Sei o quanto Joe me ama, mas ouvir a mãe dele falando isso para mim me deixa de coração apertado. Não por duvidar de suas palavras, mas por não achar que eu mereço esse amor. O que eu fiz para que Joe me ame dessa forma? Eu o amo e demonstro o suficiente? Quando ele partir para sempre da minha vida destruirá meu coração, sei disso, mas contanto que eu o tenha agora, é suficiente. 

— Sim — Respondo com a voz embargada, odiando-me por deixar transparecer tanta emoção. Sou tão patética, desesperada por qualquer migalha de afeição, que seu toque carinhoso e palavras gentis me fazem ter vontade de chorar.

Elizabeth sorri para mim, os olhos marejados, e se afasta. Tenho um carinho enorme pela família de Joe, todos me acolheram e me tratam como se eu também fosse da família.

— Pare de beber — Minha mãe se coloca casualmente ao meu lado, beliscando a mão que está próxima ao copo de bebida.

— Eu não estou mais bebendo — Respondo, sem olhar na direção dela.

Mantenho meus olhos em Joe, observando-o rir e conversar e respirar. Observá-lo me distrai, me acalma.

— Eu a vi com o copo de bebida na mão, Dorothea — Ela continua, sorrindo de forma artificial para manter o tom de normalidade para quem olhar em nossa direção. — Você fede a álcool, pelo amor de Deus! Recomponha-se e pare de beber. É para ser uma grande noite, tente não estragar tudo como sempre faz.

Surpreendo-me com suas palavras, olhando-a com dúvida.

— O que você quer dizer com "grande noite"? — Pergunto.

Minha mãe pisca, parecendo surpresa com minha pergunta. Ela pigarreia e tenta desconversar, sendo salva pela aproximação de Mandy, mãe de uma de minhas amigas. Ela beija minha bochecha em cumprimento, engatando uma conversa com Catherine sobre a festa e eu me desligo delas.

Não vejo Joe onde ele estava e localizo-o com Patrícia e Marjorie perto da pista de dança. Patrícia gesticula para o DJ e Marjorie ri, balançando a cabeça para a amiga. Joe parece perguntar algo para a menina, fazendo-a corar. Ora, parece que Joe teve uma adesão ao seu fã clube. 

Parecendo sentir meus olhos, Joe desvia os olhos de Marjorie e ele encontra meu olhar. Meu coração infla no peito quando ele sorri e começa a caminhar em minha direção.

— Espero que esteja se divertindo — Diz, segurando minha mão e me puxando para longe da minha mãe.

— Nunca me diverti tanto na vida — Respondo, sarcástica, e ele ri.

De repente, Joe me gira e me prende perto de si pela cintura, seu rosto a centímetros do meu. Eu oscilo um pouco, minha mente flutuante devido ao álcool.

— Seu sarcasmo é uma das coisas que mais amo em você, sabia? — Pergunta, sorrindo.

— É mesmo? — Meu coração se alegra. Amor, uma palavra tão pequena e simples, mas capaz de evocar sensações poderosas quando Joe a diz para mim. — O que mais você ama?

Sempre em busca de reafirmação, sempre querendo ouvir sair da sua boca os motivos para me amar. Sempre duvidando desses motivos.

— Eu poderia passar a noite enumerando — Sussurra no meu ouvido, seu nariz delineando a linha da minha mandíbula. — Poderia escrever poemas sobre isso. Cantar, se você quiser.

— Oh, não! Por favor, cantar não! — Finjo implorar e sua risada faz com que ele solte uma respiração quente na pele do meu pescoço, fazendo-me estremecer.

— Eu tenho uma voz maravilhosa para cantar, mocinha — Ele afasta o rosto para poder me ver e eu sorrio. 

— Mentiroso — Sussurro e dou um beijo rápido nos seus lábios.

Joe sorri novamente, seus olhos franzidos nos cantos. Gosto de como seu rosto é expressivo, da forma como ele sorri por completo, desarmado de qualquer fingimento. Seu coração é aberto, limpo e lindo de uma forma que eu gostaria que o meu fosse. Mas como uma pessoa condenada, só posso vislumbrar o paraíso. Só posso desejar ser algo que jamais serei.

De repente, Joe fica sério. Sua expressão se tornando intensa, um vinco suave se forma entre as suas sobrancelhas quando ele me olha nos olhos.

— Dance comigo — Ele pede e eu não nego.

Ele me conduz para a pista pela mão. Quase não há ninguém dançando, ocupados demais conversando e fofocando sobre a vida alheia para pensar em dançar. 

Dançar com Joe é uma das minhas coisas favoritas de fazer. Ele é um ótimo condutor e eu só preciso segui-lo, sem pensar muito. É mais ou menos uma metáfora para como nossas vidas têm sido desde que eu consigo lembrar. 

Joe sempre esteve lá, acompanhando-me no jardim de infância, enfrentando os valentões comigo, sempre me protegendo e cuidando de mim. Não há uma fase de minha vida em que ele não estava presente. Eu não tenho melhores amigos, mas tenho Joe e é suficiente. Tê-lo ao meu lado é mais precioso do que ter dezenas de amigos se aproveitando de mim. Mesmo que às vezes seja solitário, mesmo que às vezes eu deseje ter amigos como minha cunhada… Quando estamos os dois juntos, nada disso importa.

Seu braço circunda minha cintura quando ele me puxa para perto, fazendo-me apoiar a cabeça em seu peito. Passo os braços pelo pescoço dele, meus dedos tocando gentilmente seu cabelo. Se não fosse pela música eu conseguiria ouvir seu coração pulsando sob meu ouvido.

Fecho os olhos e me deixo ser envolvida pela sensação de estar em seus braços, sentindo sua respiração e o calor do seu corpo. Não vejo a hora de podermos sair dessa festa e irmos para algum lugar sozinhos. Um lugar onde há apenas nós dois e podemos conversar alto, rir de nossas bobagens, colocar os assuntos em dia. Ele vai me contar sobre os últimos dois meses em que não nos vimos em qualquer lugar além da tela de um celular ou computador. Vai falar sobre suas disciplinas, seus projetos e seus planos para depois da formatura. E eu vou ouvir, ver sua boca mexer e sentir o timbre da sua voz nos meus ossos. Vou contar sobre meus ensaios fotográficos, como não vejo a hora de sair de casa e ir para longe da minha mãe. Tudo o que ele já sabe, mas não se importa em ouvir novamente. 

Mas não falarei sobre o abismo que se abre dentro de mim a cada vez que ele vai embora. Não falarei sobre os cochichos e olhares. Não falarei sobre os rumores que são ditos em voz alta apenas para me machucar enquanto ando pelas ruas. Não falarei sobre o vazio que sinto quando estou sozinha, sentada no chão do meu quarto encarando o teto branco que decoramos com estrelas azuis quando tínhamos 9 anos. Não falarei sobre quantas garrafas de whisky barato da mercearia entornei nos últimos meses desde que fiz 21 anos e pude, legalmente, ingerir bebida alcoólica. Não falarei das noites passadas em bares onde homens me olham de forma lasciva ou dos ensaios em que tenho que praticamente ficar sem roupa para agradar agentes. Não, não falarei nada disso. Sorrirei, rirei e vamos nos beijar até ficarmos sem fôlego, até não aguentarmos mais a química entre nós, até quase perdermos nossa sanidade. Até que todo esse álcool em minha corrente sanguínea é substituído por Joe, até que ele é consumido pelo fogo que se acende dentro de mim quando estamos juntos.

— Você lembra o que aconteceu nessa mesma festa, quatro anos atrás? — Joe pergunta de repente, tirando-me dos meus pensamentos sombrios e nadantes.

Afasto o rosto de seu peito para poder olhar seu rosto. Ele mantém a expressão séria, tão intensa que seus olhos parecem uma maré furiosa. Não consigo manter uma linha de pensamento coerente para lembrar de algo tão específico quanto a festa de natal de 4 anos atrás, então apenas nego com a cabeça.

— Eu pedi você em namoro — Diz, sorrindo um pouco e por poucos segundos. Ele estende uma mão e prende uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

Alguma parte do meu cérebro registra que a música mudou, não é mais uma música de natal, mas que importância tem isso? 

Joe passa a língua nos lábios, um sinal claro que ele está nervoso e eu começo a ficar desconfiada que algo está errado.

— Você lembra? Quando pedi, praticamente implorei, para você aceitar ser minha namorada? — Ele ri, balançando a cabeça.

É claro que eu lembro do que ele está falando. Foi uma das melhores (talvez a melhor) noites da minha vida, apenas não lembrava que tinha sido na noite de natal. 

Joe e eu nos conhecemos no jardim de infância, crescemos juntos por estudarmos na mesma escola. Ele sempre foi meu amigo, mas então se tornou meu melhor amigo. Então crescemos mais, nos tornamos adolescentes, Joe se tornou um fenômeno entre as meninas e eu o assisti fugir delas continuamente. Eu ficava com alguns meninos nesse tempo. Meninos que só viam a beleza em mim porque não havia muito mais o que ver. Eu era a garota que vencia os concursos de beleza da cidade e dos arredores, que estampava capas de revistas adolescentes, que modelava para lojas locais. Bonita demais, carente demais. Presa fácil demais.

Até que um dia, eu estava em uma festa após o jogo do time e percebi algo diferente em Joe. Não havia nada de diferente de fato nele, continuava a ser meu amigo bonito que fugia da maioria das meninas, mas algo clicou dentro de mim enquanto eu o assistia rir com os meninos do time de futebol. Não sei exatamente o que fez isso acontecer, mas eu o vi jogar a cabeça para trás e rir como uma criança e então tudo o que eu queria era ser o motivo do seu riso. Queria ser a garota sentada ao seu lado, com seu braço ao redor dos meus ombros enquanto ele conversa com os amigos, mas não para de tocar minha pele de forma distraída. 

Esse sentimento me assombrou por semanas, até que o dia da festa de natal da cidade chegou e eu fui, como sempre ia, acompanhada por Joe. Sempre que ele olhava em minha direção com seus olhos risonhos ou tocava minha mão, meu coração disparava e eu sentia a eletricidade correr como louca pelo meu corpo. Não era nada como era com os outros garotos, nem sequer deveria ser comparável. Quando Joe olhava pra mim, eu podia dizer que ele realmente me via. Não via a menina bonita, a modelo, a garota fácil e que precisava de qualquer ínfimo momento de emoção. Ele me via.

Então durante uma dança, semelhante a essa, Joe se afastou de mim, colocando quase um braço de distância entre nós e me pediu para ser sua namorada.

— Eu tenho sentido isso há meses, Dottie — Ele disse. — Não entendia direito o que era até que vi você com Charles e tive vontade de mandá-lo se afastar de você, colocar um oceano de distância entre os dois, apenas pela forma como ele te tratava. E quando eu via vocês se beijando, ou via você beijar qualquer outro cara, eu só conseguia pensar que eles não mereciam aquilo. Eles não mereciam o privilégio que era ter você, ter seus sorrisos e suas palavras. Seu tempo. Aquilo me matava tanto, Dottie. Saber que você merecia mais e não se dava conta.

Eu não conseguia falar nada tamanha minha surpresa com suas palavras.

— Eu não sei se mereço esse privilégio, Dottie — Ele sussurrou, abaixando a cabeça um pouco, fazendo uma mecha cair sobre sua testa. — Mas eu quero tentar, quero tanto tentar ser merecedor dele. Quero poder tocar em você, rir com você, falar com você o tempo todo… — Ele engoliu em seco, passando a língua pelos lábios rachados. — Beijar você. Eu tenho pensado tanto nisso, sabe?  — Riu, sem graça. — Como deve ser beijar você. Mas não quero ser como os outros caras, que beijam você e não se dão conta do quanto são sortudos por você permitir isso. Quero que você seja mais que minha melhor amiga, Dottie. Quero que você seja minha namorada. 

Seus olhos não deixavam os meus, tão azuis e tão honestos. Eu podia ver que ele queria dizer cada uma daquelas palavras, que ele estava sendo sincero, como sempre era.

— Você quer ser... Minha namorada? Eu posso ser seu namorado? — Ele esquadrinhou meu rosto, tão nervoso que chegava a ser adorável. Eu não sabia que meninos de 17 anos podiam falar tão bem, que podiam sentir tanto. — Por favor, por favor, Dottie, seja minha namorada… Por favor.

Meu coração estava tão acelerado que eu podia senti-lo em cada centímetro do meu corpo, tantas emoções desconhecidas corriam por mim… 

É claro que eu disse sim há 4 anos e desde então é o que somos. Somos melhores amigos, namorados. Somos o que somos, mesmo que não faça sentido para ninguém, nem mesmo para mim. Uma coisa foi eu ter me apaixonado por ele, outra foi saber que ele se sentia da mesma forma. Eu nunca entendi o porquê, nem o que ele viu em mim que o fez se apaixonar. Mas sou grata ao que quer que tenha sido. Grata por esses 4 anos de momentos altos no meio de uma vida cheia de pontos baixos. 

— Eu pedi que você aceitasse ser minha namorada exatamente quatro anos atrás — Ele continua, tirando-me do passado. — O tempo voou, não foi? Tenho certeza que estar ao seu lado ajudou nisso. Você fez o tempo se tornar melhor, Dottie. Você fez valer a pena cada dia desses quatro anos juntos.

Não consigo desviar os olhos da tempestade perfeita que Joseph Bowery é nesse momento. Cabelo caindo na testa, uma leve camada de suor cobrindo sua pele, lábios nervosos, olhos agitados e tão profundos que eu poderia me afogar no oceano deles.

— E é por isso, por você ser o ponto mais feliz da minha vida, por não conseguir me imaginar longe de você. Por te amar e por saber que você me ama, por você ter dito sim quatro anos atrás que eu vou fazer isso agora — Ele diz, rindo nervoso. Põe a mão dentro do terno e tira de lá uma caixinha de veludo preta.

A música para, consigo sentir a multidão prestando atenção em nós. Cada olhar criando microfuros na minha pele. O mundo parece parar mesmo enquanto eu sinto meu cérebro oscilar ao entender o que ele pretende fazer.

Isso não pode estar acontecendo. Não hoje, não aqui, não na frente de toda essa gente… Oh, Joe…

Como se eu estivesse vendo tudo de forma extracorpórea, vejo Joe se ajoelhar diante de mim. Vejo-o abrir a caixinha e exibir um belo anel prateado com uma pedrinha de cor azul celeste bem no meio. Vejo-o sorrir de forma nervosa e seus lábios formando palavras, mas não as ouço. Tudo o que ouço são murmúrios que chegam até mim como ondas.

"Não acredito que ele está propondo para ela!"

"O que?! Ele está pedindo em casamento uma Finlay?! Ele não sabe que todas as mulheres nessa família são vagabundas?"

"Ele deve ter perdoado as puladas de cerca dela enquanto estava na faculdade. Pobre garoto, terá o mesmo destino do querido Edward"

"Ela o enfeitiçou direitinho, não foi? Um garoto tão bom casando com uma Finlay!"

"Um rapaz tão bom, de uma família tão respeitável… Uma pena!"

"Nossa, Elizabeth merecia uma nora melhor do que essa. Richard deve estar desapontado com a escolha do filho"

"Será que ela está grávida? Não me surpreenderia. A mãe tentou dar o mesmo golpe no Edward, não lembra? Um escândalo! Terrível, terrível, que pena desse garoto!”

— Dottie? — Joe me chama, puxando-me para o momento. Seus olhos esperançosos, sorrindo para mim. — Então, o que você diz? Sou digno do privilégio de ter você como minha esposa? Você vai casar comigo?

Casar? Nós nunca falamos em casamento, falamos? Falávamos em ir embora dessa cidade, deixar todos para trás e construir uma vida longe. A palavra casamento nunca foi mencionada.

O casamento dos meus pais foi um desastre, baseado no que ouço as pessoas falarem, eles estavam fadados ao fracasso desde sempre. Minha mãe não fala sobre isso. Nunca. Em uma briga, quando mencionei o fato de meu pai ter ido embora de casa porque não a aguentava mais, ela me bateu. Não no rosto, é claro. Não podia haver uma mancha no meu belo rosto. O que ela falaria para os fotógrafos se a modelo aparecesse com marcas de dedo em seu rosto?

Eu não sei se sobreviveria a um casamento fracassado com Joe. Eu o amo, tanto que às vezes não consigo respirar, e sei que ele me ama. Mas e quando ele encontrar alguém melhor do que eu, alguém que ele perceberá que pode dar a vida de felicidade que ele merece? Ele iria embora. Terminaria nosso casamento e caminharia para a porta, iria embora sem olhar para trás e o que me restaria? O que sobraria de mim se eu me permitisse pensar que teríamos o "para sempre" e então isso fosse arrancado? Porque tudo na minha vida me leva a crer que um dia isso acontecerá e já será difícil o suficiente sem que ele tenha me prometido amor eterno diante de um padre e uma multidão de pessoas. Ele merece alguém tão melhor do que eu, alguém que mereça um pedido de casamento pomposo e que ele fique de joelhos, alguém que ele vai amar e ser amado como nunca foi.

Ou então ficaríamos presos um ao outro, ele querendo ir encontrar sua felicidade com outra pessoa, mas sendo altruísta e eu sendo a egoísta de sempre não querendo que ele vá. Eu estaria em minha gaiola dourada, afinal, mas ele estaria sofrendo. 

Ao perceber minha hesitação, a expressão de Joe vacila e ele franze o cenho, mesmo que ainda haja uma pontinha de esperança em seus olhos.

— Dottie? — Sua voz oscila como a de um adolescente que ele deixou de ser há anos. — Dottie? Amor, eu realmente preciso do seu “sim" antes de ficar em pé.

Como se estivesse em outro quarto ouço uma garrafa de champanhe ser estourada, como em uma celebração, mas não tem ninguém comemorando. Pela visão periférica vejo minha mãe e a mãe de Joe, lado a lado, mas não ergo o olhar. Não consigo desviar meus olhos do homem ajoelhado à minha frente.

— Joe… — Encontro minha voz, que sai arranhando minhas cordas vocais como as unhas em tecido. A expressão dele se ilumina novamente e meu coração se parte em um milhão de pedaços. — Joey… Eu… Eu não posso.

Quero fechar os olhos. Quero nunca mais enxergar depois que vejo as minhas palavras se infiltrarem em seu cérebro. Sua expressão passa de esperançosa para chocada e então para um nível de mágoa que eu nunca vi antes, que eu sequer imaginava ser possível.

— Como assim não pode? — Joe soa tão machucado, tão chocado que o que resta do meu coração dói. 

— Eu só… Eu não estou pronta, está bem? — Minha voz não sai mais alta do que um sussurro, mas tudo está tão silencioso que sei que todo mundo consegue ouvir.

Joe apoia o outro joelho no chão, como se estivesse implorando-me algo. A mão que segura a caixinha com o anel pende ao lado do corpo.

— Eu não estou dizendo que vamos nos casar amanhã, Dottie — Diz. — Podemos esperar…

— Eu nunca vou estar pronta, Joseph — Interrompo-o. Minha voz quebra ao dizer seu nome completo.

Eu nunca vou estar pronta para perder você. Quatro anos foi mais do que eu jamais teria ousado sonhar. Mas não vamos ter mais do que isso.

— Eu amo você, Joey — sussurro. — Eu amo tanto você, mas eu não posso fazer isso. Eu só… Me desculpe.

Minhas lágrimas salgam meus lábios e um soluço escapa. Joe não chora, ele sequer se levanta, parece anestesiado.

A multidão ao nosso redor não murmura mais. Não há um som vindo deles, além de suas respirações. Eles nos assistem como se estivessem vendo uma partida do esporte mais emocionante do mundo e não pudessem perder um segundo. Mulheres com olhares chocados, homens com seus copos a meio caminho dos lábios. Nossos amigos e familiares ao nosso redor, olhares variando entre incredulidade e lágrimas.

Por alguns segundos não consigo me mover, não consigo me afastar da cena trágica de um menino de joelhos pedindo uma menina em casamento e sendo negado. É como assistir a um acidente. Você sabe que será terrível, mas assiste mesmo assim porque não consegue desviar os olhos. 

Minha vontade é me pôr de joelhos e abraçá-lo, abraçá-lo tão forte que consiga apagar toda a dor que ele está sentindo agora. Mas eu sou a pessoa que causou essa dor. A culpa pelo sofrimento do meu melhor amigo não é de ninguém além de minha, então eu não tenho direito de me aproximar para consolá-lo. Nunca mais terei esse direito. O impacto de saber que eu acabei de perdê-lo é esmagador, um milhão de toneladas alojados diretamente onde meu coração costumava bater. Sei que não mereço perdão e ele dificilmente me perdoará, mas desejo que um dia ele veja que foi o melhor. Nosso fim chegou rápido e inesperadamente, da forma como eu sempre soube que aconteceria.

Não sei quando decido me afastar, não sei quando decidi quebrar nossos olhares e correr pela escadaria de onde a festa ocorria. Só sei que agora estou empurrando as pessoas para fora do meu caminho sem a menor educação.

Só sei que a última coisa que ouço quando estou chegando a porta é um cochicho:

"Ela teria sido uma noiva adorável. Uma pena que é ferrada da cabeça."


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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre bem-vindos! Até o próximo capítulo ♥



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