Nunca fui uma pessoa com um perfeito senso de direção tenho que admitir. Porém, quando você está à 98km de distância de seu destino e percebe que seu combustível não fora o suficiente para toda a viagem, quando ainda lhe resta caminhar 7km até o suposto posto de gasolina em uma noite nublada, você não imaginaria que se perderia com tanta facilidade, não é mesmo? Não pense que um GPS offline irá te ajudar numa hora dessas, porque é justamente nestas horas que ele definitivamente não vai.

Era ridículo o fato do dispositivo simplesmente não dar sinal algum, já que estávamos a menos de 65 milhas da capital, mas o que algumas árvores e uma neblina densa não faziam para atrapalhar o ser humano capitalista? A única opção restante seria arregaçar as mangas, fazer jus as botas de coturnos que usava e arranjar uma maneira de encontrar novamente a estrada de onde saí.

Não posso mentir dizendo que não me arrepiava todas as vezes que ouvia um barulho suspeito – como alguns ganidos de animais silvestres – ou até mesmo os ruídos dos galhos que se rompiam no chão, mas nada me alarmou mais do que ouvir aqueles passos abafados pela folhagem se aproximando de onde eu estava.

Somente com a lanterna do celular para me dar algum tipo de orientação e com meu canivete - que eu não absteria em usar - bem preso no cós de minha calça. Tentei pensar de forma positiva "talvez fosse algum morador local ou quem sabe, um frentista do tal posto de gasolina", mas, de jeito nenhum que uma alma viva seria tão estúpida quanto eu para se enfiar nessa brenha nublada em sã consciência! Se alguém era capaz de vir aqui por sua própria conta e risco, boa índole ela não tinha!

A movimentação suspeita se aproximava cada vez mais, e meus passos desorientados pelos galhos secos e, com o vento noturno espalhando a folhagem ruidosamente, me deixava ainda mais confusa sobre de onde essa aproximação vinha, e isso inevitavelmente me deixou temerosa.

⸺ Quem está aí? – Exclamei em alto e bom som, não me deixando levar pelo medo, não sabendo se preferiria encontrar um psicopata fugitivo ou um lobo selvagem entre o matagal. ⸺ Se alguém está aí, fale, por favor. – Meu lado positivo ainda estava cheio de esperanças para que fosse somente uma boa alma caridosa que tivesse ouvido minhas preces e vindo ao meu socorro.

Entretanto, essa esperança logo se esvaiu, quando notei não receber nenhum tipo de resposta nesses longos segundos, e escutar os passos, claramente humanos, se aproximarem ainda mais.

Posicionei meu canivete sob o punho, pronta para atacar qualquer criatura viva que se aproximasse, e assim que escutei o farfalhar das folhagens em minha frente, direcionei a luz da lanterna a qualquer que fosse a criatura que aparecesse, e neste momento vi o jovem franzino se afastar dos arbustos e rapidamente cobrir seus olhos pela iluminação repentina.

⸺ Dá para virar essa luz para lá, por favor. – O rapaz desconhecido, e ainda suspeito, falou ainda tampando seus olhos da claridade.

⸺ Quem é você? – Demandei, quem quer que ele fosse, não tinha o direito de pedir nada até que se identificasse. ⸺ E por que está aqui? – Meu canivete afiado continuava a postos, não era porque o desconhecido parecia bonito demais para ser um criminoso fugitivo que eu deveria abaixar a minha guarda.

⸺ O quê? – Suas mãos ainda o cobriam parcialmente, pelo fato de não ter desviado a lanterna de seu rosto, tanto por estar desconfiada, como por não querer me distrair por aquele rosto bonito a luz da lua cheia.

⸺ Eu que deveria fazer as perguntas aqui! – Continuou aparentando estar um pouco mais irritado, decidiu se desviar por conta própria do foco da lanterna. ⸺ Você está no meu território, e acha que eu devo algum tipo de explicação, garota? – Ele se aproximou um pouco mais, o que me deixou confusa e nervosa, a última coisa que pensei em lidar seria com um filho de fazendeiro irritado. ⸺ Não pense que... – Ele cortou sua fala abruptamente, assim que estava a poucos passos de mim, fechou seus olhos e, ao que pareceu, inspirou profundamente.

⸺ O que foi? – Perguntei confusa pela sua pausa repentina.

⸺ Você está perdida garota? – Após poucos segundos, ele voltou a me olhar novamente.

Por algum motivo, senti que sua fisionomia havia mudado, estranhamente senti o ar mais denso ao meu redor, talvez fosse somente impressão minha, mas, a atmosfera parecia subitamente mais gélida, fazendo meus pelos se erriçarem e quando pude olhar em seus olhos, pude notar uma áurea extremamente intimidadora, como se não fosse a mesma pessoa a milésimos atrás.

⸺ Você se perdeu? – Pude ouvir ele repetir, já que não havia o respondido.

Mostrou-me um sorriso amigável, o que me fez ignorar momentaneamente meu extinto de alerta e tentar pensar mais racionalmente, ele não parecia nenhum tipo de animal selvagem afinal de contas.

⸺ Meu GPS parou de funcionar. – Pude responder, ainda em conflito sobre meus instintos e o suposto fazendeiro simpático à minha frente. ⸺ E estou sem gasolina. – Parecia que minha mente estava simplesmente sem filtro e minha boca se movia sozinha quando olhava para ele, que continuava sorrindo.

⸺ Estamos realmente perto de um antigo posto de gasolina. – Comentou, seus olhos me encaravam com mais intensidade, de uma maneira que sentia meus pelos se arrepiarem, seu sorriso me deixava alienada. ⸺ Eu posso te levar até lá, se tiver pressa... – E sem aviso prévio o senti pegar o canivete de minhas mãos.

⸺...Ou, você pode passar a noite na minha casa, já que uma dama não deve andar a noite desprotegida desse jeito. – Normalmente, eu teria respondido rispidamente e tirado meu pertence das mãos de um desconhecido como aquele, mas eu simplesmente me deixei levar.

⸺ Seria de grande ajuda, conseguir um pouco de gasolina. – Falei roboticamente numa tentativa de sorriso que não era o meu, e o vi guardar meu canivete em seu bolso.

⸺ Como quiser. – Concluiu, e, assim sem indagar uma palavra, passei a segui-lo entre a floresta.

(...)

Estávamos andando há uns quinze minutos, e ao contrário do que pensei, ainda não conseguia ver nenhum sinal da estrada ou do tal estabelecimento que procurava. Pelo contrário, mesmo que meus olhos estivessem focados - contra minha vontade - no lindo e pálido rapaz em minha frente, ainda conseguia notar que, quanto mais andávamos, a mata ficava cada vez mais densa. Meu cérebro gritava dizendo que algo estava perigosamente errado, porém, parecia que meus sentidos estavam dopados e eu simplesmente continuava seguindo aquele estranho.

Eu tropeçava entre minhas pernas para andar o mais próximo dele, e minha mente gritava por que diabos eu fazia aquilo, mas eu simplesmente o fazia, foi quando finalmente cai dentre esses tropeços que pude, mesmo que momentaneamente despertar do transe.

⸺ O que aconteceu? – Senti seu olhar em minha direção, porém, continuei encarando o chão. ⸺ Por que parou de andar? Está cansada? – Seu tom de voz parecia genuinamente preocupado, e eu quase me deixei levar novamente, entretanto, meus sentidos me relembraram daquela áurea densa que ainda pairava sobre ele.

⸺ Ainda estamos longe? – Perguntei ignorando-o, direcionando meu olhar para qualquer coisa que não fosse ele, desconfiada do que poderia acontecer se eu o olhasse novamente.

⸺ Do que está falando? Claro que estamos perto. – Ouvi o som da sua risada, tudo parecia querer atrair minha atenção para ele novamente. – Não confia em mim? – E aquela pergunta quase me fez sorrir daquele estranho.

⸺ Eu nem sei o seu nome. – Pus minhas mãos no bolso, procurando qualquer coisa que pudesse usar contra ele caso tentasse se aproximar e me enganar novamente. ⸺ Afinal, quem é você? – E com toda a minha coragem, olhei para a frente, não para os seus olhos, pareciam perigosos demais, e pude ter uma visão rápida do que parecia ser um sorriso sarcástico, e logo depois ele sumiu da minha vista.

⸺ Então... é assim? – Minha garganta trancou junto com a minha respiração assim que senti sua presença a minha dianteira milésimos depois.

⸺ Queria fazer essa brincadeira de faz-de-conta até o final, mas... – Pela primeira vez pude sentir seu contato, inumanamente gélido sobre minha pele, segurando com firmeza meus braços contra minhas costas. ⸺ Parece que você é uma garota inteligente. Eu iria pegar leve com você... – Sua voz rouca e grave soprava em meus ouvidos, me dava a sensação que estava prestes a ser morta a qualquer instante. ⸺ Você é até mesmo bonita o suficiente para a desejar viva e quente por mais tempo, mas... – Seu corpo estava rente ao meu e seus sussurros ainda me causavam arrepios, tentava manter minhas pernas firmes no chão, mas meu corpo enfraqueceu somente por sentir seu hálito bater contra meu pescoço.

⸺ O ... que... é.... você? – Falei pausadamente, ainda presa sobre seus braços, tentando parecer mais forte do que estava. Entretanto, só tive em resposta uma gargalhada debochada, o que me fez sentir mais indefesa que estar a sua mercê.

⸺ Você ainda não descobriu, criança? – Ainda sorria. ⸺ Não faço ideia de como conseguiu chegar neste lugar, mas, admiro sua coragem e estupidez ao ter a audácia de me dirigir a palavra até agora. – Notei uma de suas mãos me livrarem, e logo a senti deslizar sobre meu maxilar, seus dedos passeando perigosamente sobre minha garganta.

⸺ Mas admito, que se você não me deixasse tão faminto... – Continuou ele, enquanto que, de maneira inevitável meus pelos se eriçaram assim que seu nariz passou por detrás de minha orelha. ⸺ ...E você não cheirasse tão bem... – Senti as pernas fraquejaram assim que ouvi sua voz ainda mais grave. ⸺...Tenha certeza, que eu me divertiria mais um pouco com você.

E, eu tive plena certeza que, enquanto meus olhos se fechavam e aquela língua fria percorria meu pescoço, eu estava prestes a morrer.

Senti seus dentes arranharem meu pescoço, suas mãos frias sobre minha pele eram como anestesia e, quando eu abrir meus olhos, ao que parecia ser a última vez, enxerguei aquele vulto enorme a minha frente e segundos depois, meu corpo caiu ao chão.