Confiança escrita por Liubovv


Capítulo 3
Intimidade




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Estava nervoso. Apreensivo seria uma palavra melhor para descrevê-lo. Seus músculos estavam dormentes, o maxilar retesado. Há tempos não acompanhava um procedimento tão delicado então, reunindo toda a força de vontade e capacidade de concentração que tinha, ficou quieto, apenas observando o trabalho delicado que estava sendo feito a sua frente. Gostava de estar na linha de frente, encarava tudo de cabeça erguida, sempre lutava de maneira honesta e com generosidade para com seus adversários, por mais que seus oponentes não merecessem seu respeito ou mesmo sua misericórdia. Essa foi a maneira que encontrou de tentar mudar o mundo shinobi, tão marcado pela violência, além de deixar seu nome gravado na História. Esse era o seu jeito ninja.

Acompanhava com o olhar os movimentos rápidos e precisos da Godaime Hokage como se sua própria vida dependesse das decisões da ninja mais velha. A cada mudança de expressão ou a cada novo passo no tratamento disposto a Sai, Naruto lembrava-se de respirar fundo tentando acalmar a fúria de pensamentos que invadiam sua cabeça.

— Sakura realmente fez um ótimo trabalho, pode ter certeza disso – começou a explicar a ninja, tentando iniciar uma conversa com o jovem loiro – Normalmente eu lhe daria uma bronca homérica e um mês de suspensão de suas atividades ninja e do hospital só pelo que você relatou, Naruto, mas reconheço que se ela não o tivesse feito, Sai já não estaria mais conosco – terminou de falar olhando nos olhos chocados dele, que não conseguiu articular qualquer resposta decente, apenas assentiu pesaroso – Não fique com esta cara de idiota, Sai agora dormirá por pelo menos dois dias para poder se recuperar desse susto.

 Com a situação um pouco mais animadora, Naruto permitiu-se relaxar. O amigo estava em boas mãos e seria muito bem cuidado pelos profissionais do hospital de Konoha. Então, como já não poderia fazer mais nada para ajudar, levantou-se e dirigiu-se para a saída do quarto quando mais uma vez a voz de Tsunade chamou sua atenção.

— Vá descansar, você parece estar a ponto de desligar a qualquer momento – falou com sua autoridade costumeira mas seu semblante era uma tentativa de conforto – sei como está se sentindo. A verdade é que mesmo que vivamos cem anos como ninjas nós nunca conseguiremos nos acostumar com essa sensação. A possibilidade de perder as pessoas que amamos sempre estará pairando sobre nós como uma sombra, fazendo-se presente quando mais precisamos estar lúcidos. Hoje tivemos sorte. Amanhã, para o bem ou para o mal, é um novo dia. Nosso dever é seguir em frente honrando nossos mortos e celebrando os que ainda caminham conosco – Tsunade olhava o nascer do sol pela janela enquanto devaneava, sem esperar qualquer resposta. Sabia que Naruto, mesmo tão jovem, já tinha conhecimento de todas aquelas palavras que proferira, mas gostava de repeti-las numa tentativa de consolar o próprio coração. 

Despedindo-se da Hokage, o jovem caminhou devagar em direção a sua casa. Estava faminto mas o cansaço da missão junto com a carga de adrenalina disparada em seu corpo pela iminência de salvar Sai estavam cobrando seu preço. Assim que chegasse, tomaria um banho rápido e dar-se-ia ao luxo de descansar, sabendo que a Godaime mandaria pelo menos uma pessoa para garantir que Kakashi e Sakura pudessem voltar tranquilamente para a vila. Sim, por hora e na medida do possível, estava tudo bem.

***

Tudo estava escuro ao seu redor. Não conseguia enxergar muito tanto pela escuridão quanto pela vista ainda embaçada das longas horas de sono. Piscou algumas vezes tentando distinguir melhor o ambiente e pôde compreender onde estava. Estreitou os olhos e identificou as cinzas do que outrora fora uma fogueira, suas roupas dispostas ao lado, aparentemente secas. Percebendo o corpo dormente, tentou mover-se e somente assim deu-se conta do abraço apertado que estava envolvendo-a, bem como do corpo quente em contato com suas costas. Sentia-se bem naquele abraço. Conhecia bem aquela sensação de segurança e aquele corpo que a protegia quando mais precisava. Virando um pouco a cabeça, conseguiu flagrar o instante em que Kakashi abria os olhos, um tão negro quanto a noite, o outro tão brilhante quanto sangue.

Deteve seu olhar no rosto sonolento do mais velho enquanto um pequeno sorriso formava-se na face jovem.

— Bom dia, sensei – começou Sakura ainda observando-o, um sorriso sapeca em seus lábios.

— Bom dia, aluna – respondeu calmamente Kakashi, apesar da pequena provocação de Sakura. Apertou ainda mais o abraço, deixando um beijo carinhoso em seus cabelos – Está se sentindo bem? – Questionou e a jovem pôde perceber um toque de preocupação em suas palavras.

— Sim, estou bem. Obrigada por ter cuidado de mim – disse simplesmente, se encolhendo ainda mais no abraço dele, tentando esconder o rosto.

Kakashi não pode deixar de achar engraçado o fato de Sakura estar envergonhada. Conheciam-se há tempo demais para se entenderem com apenas um olhar. Cumplicidade seria, talvez, a melhor palavra para definir o relacionamento deles. Não seria estranho pensar que compartilhavam uma vida juntos uma vez que passavam mais tempo na companhia um do outro, sempre em missões no time Kakashi ou no antigo time 7. Era uma ligação construída tijolo por tijolo, ano após ano, permeada por sucessos e fracassos, perdas e reencontros. Deram suporte um ao outro na guerra e não seria exagero reconhecer que, se não tivessem um ao outro, não teriam sobrevivido.

— Nós precisamos nos organizar para voltar. Tsunade-shishou já deve ter mandado alguém vir ao nosso encontro – comentou Sakura tirando o mais velho de seus devaneios – No que estava pensando? Estava tão sério... – questionou curiosa vendo o mais velho formar um sorriso preguiçoso no rosto.

— Estava pensando em nós – disse com sinceridade – No que temos, no que construímos ao longo do tempo – explicou enquanto passava os dedos suavemente no braço da ninja – Já passamos pelas mais diversas situações mas você ainda consegue ficar envergonhada com coisas bobas. Não deveria – concluiu encarando a jovem.

A médica desviou os olhos para baixo, sorrindo com pesar.

—Às vezes eu acredito que não mereço ter esses momentos de felicidade. Penso que temos sorte de ter o que temos mas fico sempre com um pé atrás achando que não mereço. Vejo nossos amigos reconstruindo suas vidas, seguindo em frente... Fico muito feliz por eles mas comigo eu sinto que não deveria ser assim – explicou.

— Não diga bobagens. Não quero que você pense que não tem direito a ser feliz. Você, tanto quanto os outros, tem. Nós temos – disse paciente, depositando um beijo no topo da cabeça da médica – Agora vamos, devem estar preocupados conosco.

Sakura assentiu, virando o corpo para ficar de frente para seu antigo sensei. Com a mão direita, acariciou sua bochecha e beijou-lhe os lábios com suavidade, tentando demonstrar todo o carinho que sente pelo ninja. Ao separarem-se, o mais velho puxou-a novamente, dessa vez beijando a testa da médica, que sorriu agradecendo o carinho.

Levantou-se rapidamente, devolvendo o uniforme e a segunda pele do jounin que ainda estavam aquecendo-a. Sakura já havia alcançado suas roupas para recolocá-las quando ouviu Kakashi arfando, ainda apoiado na parede da caverna, pressionando a lateral esquerda do tronco. Havia esquecido aquele ferimento.

— Kakashi!! Por que não me avisou que ainda estava machucado? – ralhou a médica terminando de colocar a blusa do uniforme. Com rapidez, ajoelhou ao lado do ex-sensei e começou a fazer os selos para curá-lo – Droga, por que você sempre faz isso? Por que nunca se preocupa consigo mesmo? – questionava impaciente.

O mais velho apenas sorria culpado, já sentindo a dor amenizar.

— Digamos que eu tinha outras prioridades – disse displicentemente tentando desconversar. Sakura olhou-o com raiva, sem realmente condená-lo uma vez que ele havia salvo sua vida. Mais uma vez.

— Tudo bem, pelo menos não é tão grave. Não tem hemorragia nem costelas quebradas, pelo que pude analisar, então vou somente aliviar a dor e você irá, sem falta, fazer exames quando voltarmos a Konoha – levantou-se novamente para terminar de vestir o restante das roupas.

— Exames? De novo? Qual a vantagem de namorar uma médica se preciso ir o tempo todo ao hospital fazer exames? – respondeu rapidamente para provocar a mais nova e terminando de vestir o uniforme, perdendo a vermelhidão que tomou o rosto de Sakura. Antes que ela pudesse ter a chance de uma tréplica, ouviram uma voz familiar do lado de fora da caverna:

— Sakura! Kakashi-sensei! Tsunade-sama me enviou por precaução! Vocês estão bem?

— Sim, Shikamaru, estávamos apenas checando se não havia mais nenhum ferimento urgente – respondeu o mais velho já encaminhando-se para fora com Sakura ao seu lado.

— A cara de vocês não está nada boa, o hotel tinha pulgas no colchão? – brincou enquanto soltava uma nuvem de fumaça do cigarro aceso entre seus dedos.

— Pior, o aquecedor estava quebrado – riu amargo lembrando do que haviam passado – Você tem notícias do Sai? – Questionou olhando de Shikamaru para Sakura, percebendo que a jovem estava meio alheia à conversa.

— Tsunade-sama disse que ele está fora de perigo. Fez um grande trabalho, Sakura, se não fosse por você ele não teria resistido – parabenizou o jovem – Vamos?

— Sim – disseram ambos ao mesmo tempo. Seja pela coincidência da fala, seja pelo cuidado um com o outro, olharam-se por um instante, com cumplicidade e carinho, partindo logo em seguida.

Sakura seguia no meio da formação, pulando entre as árvores, ainda absorta em seus pensamentos, as palavras de Kakashi reverberando por todo o seu corpo. Talvez o mais velho nem tivesse percebido, ou mesmo falara apenas com o intuito de provocá-la afinal de contas tinham combinado não rotular nada, não limitar nada, não se fechar numa caixinha que somente domava a ambos. Era natural estar com ele, dividir momentos, refeições e noites. Estavam disponíveis um para o outro mas não se cobravam. Entendiam-se na liberdade de ações e na autonomia de suas escolhas. Pertenciam um ao outro como a terra precisa de sol para florescer suas sementes, gerar sua vida. Ela sabia que Kakashi sempre seria um porto seguro, como sempre fora. Depois da noite turbulenta que tiveram ela entendia que suas palavras, tendo sido apenas uma provocação ou um simples ato falho, eram sinceras. E, do fundo do coração, faria de tudo para honrá-las.        


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Notas finais do capítulo

Postei mas não revisei trinta vezes como costumo fazer, então perdão pelos erros e obrigada pela leitura!! :)



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