Glass Humans escrita por Douglastks52


Capítulo 15
Maré Baixa


Notas iniciais do capítulo

Upsie! Esqueci de postar no domingo, mas aqui estamos. Boa leitura!



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—Eu só penso em mim mesma? -Repete Charlote agressivamente abrindo a porta da sua casa. -E qual é o problema disso? Não é minha culpa que você não pense em si mesmo, idiota. 

Ela observa a sua lista de contatos e começa a procurar por uma solução: 

—Oi, Ana, tudo bem com você?  Você não quer vir aqui em casa hoje? Você está livre? Ótimo! Então traz os teus livros da escola porque vamos estudar. Ah...surgiu um imprevisto e você...não pode vir? Sim...tudo bem...se eu quiser fazer outra coisa além de estudar eu te ligo... 

Charlote desliga a ligação, suspira e inicia a sua próxima tentativa: 

—Oi, Bruno, tudo bem com você? Sim, também está tudo bem comigo. Você não quer passar por aqui hoje para estudar? Hmn...como assim? Eu não sou esse tipo de pessoa, estou te convidando para estudar. Não, é realmente estudar, não é um pretexto para nada. Você está ocupado...tudo bem...até a próxima... 

Ela repete aquele processo várias vezes, mas mesmo tendo uma grande quantidade de amigos, eles pareciam estar interessados apenas no que ela tinha para oferecer e não no contrário. Já quase sem opções, Charlote decide ligar a Clara: 

—Ei, como vão as coisas por aí? 

—Bastante normais. -Responde Clara. -Acabei de ir buscar o meu irmão mais novo à escola. E os teus estudos, como vão? 

—Era sobre isso que eu queria falar...Andrew não quis vir comigo então eu estou procurando uma outra pessoa. Você não tem tempo livre? 

—É um pouco complicado, tenho que cuidar do meu irmão e também tenho que estudar então não sobra muito tempo livre. Se você prestar mais atenção nas aulas, eu posso tentar tirar as tuas dúvidas uma vez por semana.  

—Sim, isso já ajuda, obrigada. -Responde Charlote. 

Ela olha o ambiente à sua volta e entende o que tem de fazer: 

—É isso! Se ninguém vai me ajudar, tudo o que eu tenho de fazer é estudar sozinha! Eu não preciso de ninguém! 

Oito horas mais tarde Charlote tinha apenas feito as suas obrigações naquela casa. Mesmo que tentasse abrir um livro ou escrever algo, a sua falta de motivação e desinteresse faziam-na desistir rapidamente: 

—Eu não preciso de ter boas notas de qualquer forma! Eu só tenho que continuar trabalhando naquele restaurante...o resto da minha vida...ganhando um salário mínimo...e fazendo algo que eu não gosto... 

Mas aquele era um problema que ela tinha que resolver amanhã, hoje o dia já tinha chegado ao fim e tudo o que lhe restava era dormir. Os seus olhos abriram no começo da manhã e ela foi confrontada pelo seu habitual dilema: 

—Será que realmente deveria ir para a escola? 

Charlote já não faltava há alguns dias então talvez esse fosse o momento certo para dormir até mais tarde. Mas ao lembrar-se que tinha um assunto ainda não resolvido, ela ganhou a determinação necessária para sair da sua cama. A sua primeira aula decorreu sem nenhuma perturbação e no intervalo, ela caminhou até o lugar onde tinha encontrado Andrew ontem. Ele ao aproximar-se percebeu a presença de alguém sentado na sua posição favorita. A sua primeira reação foi desgosto: 

—Porque alguém estaria sentado especificamente ali? Eu gostava daquele lugar...não queria ter que escolher outro... 

Mas ao ver melhor, percebeu que a pessoa sentada era Charlote. Ele não sabia o que pensar: 

—Porque ela está ali? O que está acontecendo?  

Mas mesmo sem entender a situação, Andrew continuou caminhando e sentou-se ao lado dela: 

—Olá. -Disse ela. 

—Olá. 

E houve silêncio, o que era raro na presença de Charlote: 

—Para ser sincera, eu não te compreendo. -Continua ela. -Eu sempre tive que correr atrás do que eu queria, se eu não pensasse em mim mesma, ninguém o faria. Você parecia feliz quando estava fazendo as coisas que eu queria fazer então não entendo porque você ficou irritado dessa vez. 

—Acho que foi a forma como você disse. -Respondeu Andrew. -Eu gosto de te seguir, mas eu não quero que você use os meus sentimentos para me manipular. Eu não quero ser só um objeto que você usa para conseguir o que quer. 

—Mas é o mesmo para você, não é? Você me usa para conseguir felicidade ou para se divertir. Você quer estar comigo porque isso te traz benefícios. 

—Não, não é bem isso. 

—Então o que é? 

Ele cora, mas faz o seu melhor para não deixar a sua voz tremer: 

—Do jeito que você fala parece muito…superficial. Tipo se você perder a utilidade que você tem para mim eu não falaria mais com você. Mas não é isso. Eu quero ser um amigo para você…te ajudar porque eu quero, não porque eu espero algo em troca. 

Charlote cala-se durante alguns segundos: 

      -Não sei como o mundo funciona para você, mas para mim superficial parece uma boa palavra para descrever amizades. E eu não digo isso de uma forma negativa. É o normal. Ninguém faz alguma coisa sem pensar no que vai ganhar em troca. Você só vive a tua vida então é óbvio que você vai priorizar as tuas necessidades. Você não parece estar mentindo, mas é difícil para mim acreditar no que você está dizendo. 

Ela cala-se novamente e escolhe as suas próximas palavras com cuidado: 

—De qualquer forma, foi errado da minha parte desconsiderar os teus sentimentos, desculpa por ontem, a intenção não era te magoar. 

—Tudo bem, eu te desculpo. 

Ela faz outra pausa com a intenção de não parecer insensível, mas logo em seguida deixa clara a sua intenção: 

—Você quer estudar comigo hoje? 

—Sim. 

—Tudo bem. -Diz Charlote levantando-se. -Eu já estou indo então, até mais tarde. 

—Até mais tarde. 

Ao perceber que ela já não está ali, Andrew não consegue conter-se e grita: 

—O QUE FOI AQUILO???? 

Ele estava preparado para nunca mais ter uma conversa com ela, mas de alguma forma Charlote veio ao seu encontro. Deixando a surpresa de lado, Andrew entendia um pouco melhor Charlote, mas ele também entendia o quão diferente as suas visões do mundo eram: 

—Eu não imaginava que ela se sentisse dessa forma, mas mesmo sem concordar comigo, ela ainda de desculpou. Isso deve significar que ela se importa pelo menos um pouco comigo…certo…? 

O intervalo chegou ao fim e Andrew caminhou até à sua sala. Poder interagir com Charlote deixava-o feliz, mas a possibilidade de novos conflitos surgirem ainda existia. As aulas daquele dia chegaram ao fim e eles encontraram-se ao lado do portão: 

—Vamos? -Sorriu Charlote. 

—Sim. 

Apesar de na superfície todos os problemas estarem resolvidos, Andrew não conseguia superar imediatamente tudo. Estar sentado no mesmo banco, com a mesma pessoa, passando nos mesmos lugares apenas fazia a sua mente lembrar-se do dia de ontem. Mas ele não sentia a necessidade de fazer comentários sobre isso. Diferente de ontem, Andrew descobriu o fim do trajeto e chegou à casa de Charlote. Os dois entraram com calma e ele começou a observar atentamente os seus arredores. Como se o facto de Charlote ali viver aumentasse a importância dos objetos presentes: 

—Então essa é a tua casa... 

—A tua família é meio rica então isso deve ser pequeno para você, não é? -Disse ela. 

—É menor que o lugar onde eu moro, mas aquela é a casa dos meus pais, não a minha. -Responde Andrew. -Você disse que íamos estudar, mas o que vamos fazer especificamente? 

—Você vai me ensinar tudo! 

—Mas...você está um ano na minha frente, eu ainda nem estudei o que você está aprendendo... 

—Você é um gênio então vai dar tudo certo. 

Andrew facilmente se deixava levar pelos elogios de Charlote. Ter uma das suas qualidades reconhecidas por ela trazia-lhe mais felicidade do que ele podia explicar: 

—Sim, eu sou um gênio por isso vai dar tudo certo... 

—Uau, você é tão fácil de manipular... 

Ele cora ao perceber que estava levando Charlote a sério demais: 

—Você só disse aquilo para me convencer? 

—Não, eu vi as tuas notas, você é realmente inteligente e é por isso que eu te trouxe aqui. Agora vamos, deposite todo o teu conhecimento no meu cérebro e me ajude a dominar o mundo! 

—Tudo bem, vamos começar com matemática então? 

O sorriso no rosto de Charlote rapidamente se desmancha enquanto as suas sobrancelhas franzem: 

—Eu tinha que limpar a casa para ser sincera... 

—Você não pode fugir assim, ainda não fizemos nada.  

—Vamos começar com algo mais fácil, algo que não diminua a minha vontade de viver. 

—História? 

Charlote continua mostrando o empenho de um cadáver: 

—Português? 

—Temos realmente que estudar? 

—Já entendi, isso vai ser muito mais difícil do que eu imaginava. Vamos tentar começar estudando trinta minutos e depois fazemos uma pausa, tudo bem? 

—Que tal vinte minutos e uma pausa? 

—Charlote, o normal seria uma hora e uma pausa. Eu estou dizendo trinta minutos para ser mais fácil para você. 

—Espera, porque você passou a controlar essa situação do nada? -Perguntou ela. 

—Porque aparentemente você não tem autocontrole nenhum? 

—Você está me subestimando! Vamos começar então! Vou te mostrar que sou muito mais incrível do que pareço! 

Ambos leem algumas páginas do livro e em seguida Andrew responde às perguntas de Charlote. Ela suspira, se espreguiça e fecha o livro: 

—Isso foi bastante produtivo. Obrigada por ter vindo hoje, Andrew. 

—Charlote, passaram-se quinze minutos, porque você fechou o livro? 

—Acho que já está bom por hoje, nunca tinha estudado tanto assim, estou um pouco cansada.  

Ele abriu o livro novamente: 

—Temos que continuar, Charlote.  

—Mas eu não quero!!! 

—Não seja infantil, faltam apenas mais quinze minutos, depois você pode fazer uma pausa. 

—E o que vamos fazer na pausa? 

—Não sei, o que você quiser. 

—Isso não é bom o suficiente. Diga alguma coisa engraçada.  

—Podemos...ir ao mercado comprar doces? 

—Você paga...? 

Andrew suspira sentindo que está lidando com uma criança: 

—Sim...eu pago... 

—Yey!  

Os dois voltam a estudar e passado os quinze minutos prometidos, Charlote imediatamente fecha o livro e levanta-se: 

—Tem um supermercado aqui perto, vou te mostrar onde. 

Andrew acompanha-a e de alguma forma a ida ao supermercado se transforma num passeio guiado pela vizinhança. Os dois retornam à casa de Charlote e Andrew senta-se no sofá enquanto ela prepara o jantar: 

—Já está de noite...como conseguimos gastar três horas numa pausa? 

—O tempo passa voando quando você está se divertindo! -Sorri Charlote. 

Eles ouvem o barulho do portão a abrir e veem a mãe de Charlote entrar pela porta: 

—Andrew, que surpresa te ver aqui, tudo bem contigo? 

—Sim, eu estou bem... -Respondeu ele ainda um pouco surpreso. 

—Como você vai para casa? -Perguntou Nora. 

—Eu não tinha pensado nisso...talvez de ónibus... 

O olhar gentil de Nora vira-se na direção de Charlote com alguma agressividade: 

—Você o arrastou para cá sem sequer se preocupar em como ele ia para casa? 

—Eu...sabia que você ia chegar a tempo... -Respondeu ela desviando o seu olhar. 

—Tudo bem... -Suspirou Nora. -Vamos, Andrew, vou te levar a casa, os teus pais devem estar preocupados.  

Ele guardou os seus pertences na sua mochila e acompanhou Nora: 

—Tchau, Charlote! 

—Tchau, Andrew! 

Os dois entraram no carro. Enquanto Nora liga-o Andrew repara nos vários panos, baldes e vassouras no banco de trás: 

—Você trabalha com limpeza? -Pergunta ele. 

—Sim, já faço isso há vários anos então várias pessoas me conhecem. Se eu quisesse ou tivesse energia, podia trabalhar vinte e quatro horas por dia. 

—Entendo. -Diz Andrew sem saber o que acrescentar. 

—E como estão os teus pais?  

—Eles estão bem. -Respondeu Andrew. 

—Imagino que tenha sido difícil lidar com o que aconteceu com o teu irmão, mas você parece bem. Espero que as coisas estejam dando certo na tua vida. 

Andrew já não pensava no seu irmão há algum tempo, talvez conhecer Charlote e ter vivido novas experiências tenha contribuído para isso: 

—Foi...muito difícil. Mas eu tenho vindo a fazer progressos. Sinto que estou caminhando na direção certa. 

—Fico feliz por você, você parece ser um bom rapaz então te desejo apenas coisas boas. -Continuou Nora. -Não sei qual é a tua relação com Charlote e eu sei que ela pode ser difícil de lidar às vezes, mas ela não é uma má pessoa. Ela teve um passado...complicado e eu nem sempre posso estar lá por ela. Então eu te peço para ter paciência com ela. 

Andrew não entendia completamente a situação, mas a sua motivação continuava nítida: 

—Sim, vou fazer o meu melhor. 

Nora sorriu: 

—Muito obrigada. 

Ela, ao perceber que haviam chegado à casa de Andrew, parou o carro: 

—Diga aos teus pais que eu mandei um “oi”. 

—Tudo bem, eu digo. 

—Até a próxima, Andrew! 

—Tchau! 

Ele observou a porta de entrada da sua casa enquanto pensava no dia que tinha acabado de ter. Será que Matthew estaria orgulhoso da pessoa que ele estava se tornando? Apesar de ter dúvidas, Andrew estava satisfeito. Estar com Charlote fazia-o feliz de tal forma, que mesmo se estivesse seguindo o caminho errado, ele não se arrependeria. Ele sorriu e caminhou em direção à porta: 

—Qual desculpa eu vou inventar aos meus pais agora? 


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Notas finais do capítulo

Eai, o que acharam?



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