Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 38
Capítulo 37




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Clara descobriu onde era o banco referido ao cheque que a mulher tinha lhe dado e foi checar para ver se o dinheiro era real.

— A senhorita irá sacar todo valor agora? - O funcionário da agência perguntou ao mesmo tempo em que começava a contar as notas de dinheiro. Clara arregalou os olhos percebendo que a quantia era de fato muito alta.

— Agora não, só vim ver se o cheque não era sem fundo.

O funcionário riu de lado e abanou a cabeça negativamente:

— Não, essa senhora que lhe passou o cheque tem bastante fundo.

Clara concordou com a cabeça, dobrou a folha de cheque e guardou dentro de sua bolsinha. Saiu da agência com Miguel a seu lado, pensava em tudo.

— …Eu nunca vi tanto dinheiro em toda minha vida. - ela comentou. - E olha que meu avô era banqueiro.

— Po-o-r que não qui-is sa-acar? - Miguel perguntou intrigado.

— Eu não sei… eu não me senti bem com essa mulher. Me senti estranha, como se ela estivesse me comprando. Não me sinto bem em receber esse dinheiro, como se ele fosse sujo.

— Ma-a-as vo-o-ocê estava ve-endendo su-u-uas pi-i-inturas…

— Não comprada nesse sentido, é como… como se ela quisesse que eu confiasse nela depois de me dar esse dinheiro todo.

Clara olhava pra baixo pensativa. Não sabia o que sentir e muito menos explicar ao amigo o que estava pensando.

— Acre-e-dite em seu ta-a-a-lento. Ela gostou de su-u-uas pi-i-inturas.

Clara negou com a cabeça.

— É mais algo a ver com meu santo não bater com o dela. Não gostei dela e ponto. Não gostei. - Ela cruzou os braços na frente do corpo. — Não quero me reencontrar com ela, vou dar esse dinheiro ao meu pai e esquecer tudo isso. - decidiu.

Miguel observou seu relógio e percebeu que estava quase já na hora de entrar no trabalho.

— Vo-o-ocê me aco-o-ompanha até o ci-i-nema?

Ela concordou com a cabeça pensando que a hora de conversarem sobre o quase beijo trocado entre ambos havia chegado.

Clara caminhava com a cabeça abaixada para a calçada, parecia querer se fundir com as pedras tamanha vergonha pelo momento em que vivia, não sabia o que se seguiria, mas nunca havia passado por aquilo antes.

— C-C-Clara, vo-o-ocê é minha me-e-lhor amiga.

— Você é meu melhor amigo também. Eu senti tanto a sua falta esses dias todos. Me apeguei a uma galinha, eu juro a você que ela fala comigo, eu interpreto todos os cacarejos dela, eu entendo o olhar dela, tudo porque eu fiquei tanto tempo longe de você. Tempo demais longe de você!  - mesmo com vergonha, quando começava a falar, Clara não era comedida.

— Me de-e-esculpe por ficar ta-a-anto te-e-mpo longe.

— Não foi sua culpa, foi eu, eu com meu orgulho ferido, eu que te observava todos os dias na escola com seus amigos e nunca me aproximava, eu que não fui capaz de te pedir desculpas.

— De-e-esculpas?

— Desculpas sim pela maneira que te tratei das últimas vezes, te empurrando e exigindo que você fizesse coisas que eu devia fazer. Depois eu refleti e percebi que fiz isso com você a minha vida toda. Porque era mimada, egoísta e…

— Tá tudo be-e-em Cla-a-ra. Não precisa se-e culpa-a-ar. - ele falou a interrompendo, colocou a mão no ombro dela. Ambos pararam de andar e ficaram se encarando por um momento.

— Por que você é tão bom comigo? Eu não mereço isso, não depois de ser a péssima amiga que fui para você a vida inteira.

— Vo-o-ocê não foi u-u-uma péssi-i-ima amiga.

Ela ergueu a mão no ar pedindo para ele ficar em silêncio.

— Miguel eu só quero que você saiba, que aquela pessoa horrível que você conheceu, não existe mais, eu aprendi que dinheiro demais não é a solução para tudo, que gritar pra conseguir algo não resolve os problemas e… E eu nem sei mais quem é aquela pessoa, eu mudei. - ela mostrou suas roupas a ele. - Eu nem me importo mais com vestidos.

— E-eu sei que mu-u-udou.

— Então me desculpe por ser uma amiga horrível para você esses anos todos? - Ela pediu entortando a cabeça para o lado, sentindo seus olhos embargarem.

Ele limitou-se a dizer sim com a cabeça.

— Eu quero acreditar que se tivesse te falado isso há muito tempo atrás, que se tivesse sido menos orgulhosa, eu… eu… eu não teria te perdido. Talvez eu seria agora sua namorada, e não a Elisa.

Miguel suspirou diante do desabafo dela e passou a mão por seu rosto. Ajeitou o óculos no nariz e resolveu dizer o que o levou a chamar ela naquele dia para conversar.

— Cla-a-ra eu não vou me-entir pra vo-o-ocê. Eu sempre go-o-ostei de vo-o-ocê, mais do que u-u-uma a-a-miga.

— Mesmo sendo uma péssima amiga? - perguntou com a voz embargada e os olhos brilhantes.

Ele concordou com a cabeça, resolveu prosseguir.

— E-eu não quero men-n-tir pra vo-o-ocê e nem pa-a-a-ra a Elisa. E-e-la chegou e me aju-u-dou muito. E me conquisto-o-ou pouco a po-o-ouco.

Clara concordou com a cabeça imaginando o desfecho, algumas lágrimas silenciosas começavam a cair de seus olhos.

— E estar co-o-om vo-o-ocê ontem, me fez sentir co-o-oisas que… que não de-e-via sentir. - ele negou com a cabeça. - Eu não po-o-osso decepcionar a Elisa. En-n-tende-e-e? Ela não me-e-e-rece.

Ela concordou com a cabeça dando alguns passos para trás, as lágrimas caindo mais de seu rosto.

— Eu não esperava outra atitude sua.

— Por fa-a-avor, não cho-o-ora.

— Eu não estou chorando. Eu estou bem. Vou ficar bem. - respondeu tentando parar de derramar lágrimas teimosas.

Miguel mexeu nos bolsos dele e tirou um pequeno embrulho de lá. Entregou a ela.

— Lembra quando vo-o-ocê disse que éra-a-mos como a cha-a-ve e o cade-eado?

Clara abriu a caixinha e encontrou uma chave. Miguel ergueu seus dedos na altura dos olhos dela e mostrou seu cadeado em sua palma.

— Eu tão fe-e-chado e vo-o-ocê sempre dispos-s-ta a me abrir.

Clara lembrou da época em que andavam grudados, do tanto que Miguel era tímido por causa de sua gagueira, o quanto ela dizia que era como um cadeado fechado que só se abria quando ela, uma chave, o libertava de sua amarra.

— Obriga-a-ado. Eu qu-e-eria que se le-e-embrasse que vo-o-ocê sempre será mi-i-inha chave.

Ela concordou com a cabeça chorando livremente. Sabia que era uma despedida, não tinha como ela voltar a ser sua amiga quando ela poderia atrapalhar tudo o que ele havia conquistado com a Elisa.

— Por fa-a-avor não cho-o-ora.

— Eu estou chorando porque estou feliz por você. - disse sabendo que não podia negar mais suas lágrimas. Ela apontou o relógio de pulso dele. - Já está na hora de começar o seu emprego novo, vá, não quero te atrapalhar.

Cortava o coração de Miguel ver o estado em que ela estava, engolia em seco todas as vezes que ela se afastava a passos curtos de si chorando.

— Eu te desejo a maior felicidade do mundo, que você seja muito feliz. Você foi uma das melhores partes de mim esses anos todos. Obrigada por ser meu cadeado. Eu amo você, sempre será meu melhor amigo.

Ela virou o rosto andando para longe dele, não sem antes escutar.

— Eu sempre amei você Cla-a-ra.

Clara não virou o rosto para trás, prosseguiu andando, não conseguiria se despedir dele novamente. Segurou o presente que ele havia lhe dado em mãos e apertou a chave com a maior força que reuniu em seus dedos.

xx

— …O texto está muito bom, não faz o estilo do jornal, mas talvez possamos publicá-lo em um domingo. O autor é o senhor?

Serafim havia conseguido colocar Petruchio frente a frente com o dono do jornal em que ele publicava às vezes.

— É minha mulher. - Petruchio anunciou.

— Uma mulher? - o dono do jornal ergueu as sobrancelhas no ar receoso. - Quem é sua mulher?

— Catarina Batista.

O dono do jornal olhou Serafim, havia entendido tudo.

— O jornal do senhor ficou vários dias difamando minha mulher, só por ela ser separada e estar trabalhando fora. Agora ela não consegue emprego em lugar nenhum por causa do senhor. - Petruchio apontou o dedo para o dono sem medo.

— Por causa de mim não, não sou eu que controlo as más línguas dessa cidade.

— Mas alimentar as más línguas o senhor alimentou, usando de fantoche esse jornalistazinho de meia pataca. - Petruchio apontou Serafim a  seu lado.

— Oras Petruchio, não sou um fantoche.

— Prefere marionete? - perguntou sarcástico a Serafim. - A questão é que é que o senhor precisa se retratar com ela, pelo menos, publicando o texto dela uma vez.

— Ou então o que? - O dono do jornal estava nem um pouco convencido.

— Ou então nada! Não existe outra opção.

O dono do jornal suspirou. Resolveu conversar com ele sinceramente.

— Abrimos espaço no jornal para uma seção mais abrangente de temas que podem ser polêmicos. Não publicamos toda semana, porém… Posso colocar os textos dela nessa seção, são normalmente bem visados e procurados por intelectuais modernos.

— Isso! É aí memo que ela quer escrever e atingir os outros. - Petruchio disse sorrindo de orelha a orelha.

— Só tem um problema. Eles não aceitam textos escritos por mulheres.

— Arriégua! E por que? Não são intelectual moderno?

O dono do jornal entortou a cabeça ponderando o pensamento dele.

— Temos algumas mulheres escrevendo com pseudônimos.

— Pseu..pseu… o que?

— Pseudônimo é um nome falso, um nome falso no caso masculino.

Petruchio arregalou os olhos entendendo o que ele havia falado.

— Mas Catarina não vai gosta disso não. Imagina se ela descobre que eu peguei o texto dela sem autorização e truxe pro senhor publicá no nome de um homem?

Serafim começou a rir sabendo exatamente o que Catarina faria nesse caso com ele. Petruchio olhou para ele bravo, o que o fez se calar automaticamente.

— Outra opção seria colocar somente o sobrenome dela e a inicial. Qual é o nome completo de sua esposa? - ele perguntou. - Porque Batista é um sobrenome muito visado no momento. Ainda mais que teremos logo o anúncio do testamento do senhor banqueiro que faleceu.

Petruchio estreitou os olhos não entendendo muito bem, mas respondeu a pergunta:

— A gente tá separado, vamo casar de novo, mas ela ainda só tem de nome Catarina Batista.

O dono do jornal negou com a cabeça pensando.

— Quando o público ler o texto e ver C. Batista embaixo automaticamente vai saber que é dela. Acredito que não passe de uma publicação.

Petruchio suspirou pensativo, Catarina havia prometido casar com ele, que mal havia ele então substituir Batista pelo sobrenome Petruchio?

— Pode por Petruchio no final então. - disse ao dono do jornal.

O senhor pegou uma caneca e escreveu embaixo do texto entregue a ele: C. B. Petruchio.

— Irei colocar o B depois do C. Sei que é questão de algumas poucas reflexões para que reconheçam ser ela escrevendo. Mas nesse meio tempo eles podem gostar e ela pode ganhar certo espaço no jornal.

Petruchio sorriu para ele.

— Porém, nesse primeiro momento, não posso pagar nada a ela pelo texto. Depende da recepção do público.

Petruchio concordou com a cabeça meio chateado. Mas teve uma ideia.

— O senhor podia me fazer um outro favor então… me fale o valor que valeria e escreve pra mim num envelope uma nota promissória de pagamento, eu coloco o dinheiro nesse envelope. Entende?

O dono do jornal ergueu as sobrancelhas no ar, mas entendeu o que ele queria. Acabou fazendo.

No final da conversa, ele se virou automaticamente para Serafim:

— …Falando na família Batista, à quantas anda a matéria da leitura do testamento?

Serafim engoliu em seco, pensou se haveria problema se Petruchio ouvisse sua resposta. Mas não se importava no fim. 

— A leitura do testamento é amanhã, mas como sou advogado e amigo da família eu já sei seu conteúdo há tempos. Já escrevi sobre os beneficiários e as exigências que Batista quis.

Petruchio estava prestando atenção em organizar os papéis que havia em mãos numa pasta que tinha, mas não tirava os ouvidos da conversa de Serafim com o dono do jornal, ficou curioso:

— Catarina nem me falou que amanhã ia de ter leitura de testamento.

— Ah, ela não deve estar interessada, não vai ser beneficiada agora. - Serafim não ia cutucar o touro a sua frente, mas era maior que ele falar o que sabia.

— Mas ela é filha, seu Batista não deixou nada pra ela? - Petruchio perguntou preocupado. Não havia pensado naquele dinheiro no momento e nem pensava nele indo para si de alguma maneira, mas sabia que Catarina e os filhos teriam alguma coisa.

— Não está sabendo? Por um momento achei ser por causa disso esse seu casamento com ela novamente. - Serafim comentou tentando parecer displicente. - Seu Batista só entregará a herança aos filhos casados, desta forma a única beneficiada no momento é Bianca.

Petruchio começou a pensar na informação que lhe era entregue. Catarina não poderia receber a herança não sendo casada? Por isso a vontade dela repentina de morar na fazenda depois da morte do pai? Por isso ela aceitou tão facilmente seu pedido de casamento naquele mesmo dia? Começou a respirar forte nervoso.

— …É claro que o dinheiro ficará guardado em cofre até os outros filhos se casarem, ele quis garantir que todos estivessem bem no futuro quando recebessem seu dinheiro.

Petruchio abanou a cabeça sem acreditar. Começou a pensar em tudo, na insistência de Catarina não morar com ele antes de seu pai falecer, o fato dela insistir querer ser mulher independente e sozinha sem marido, o súbito desejo dela morar consigo só depois do enterro do pai. E agora até aceitar se casar de novo ela havia aceitado… Mas a leitura do testamento não havia ocorrido, ela não sabia da exigência ainda.

— Mas a leitura é só amanhã, então os filho não sabem… - Petruchio concluiu em voz alta.

— Sabem, ele avisou antes, quis garantir que soubessem de sua exigência antes. - Serafim prosseguiu com a informação sorrindo.

— Catarina sabia da exigência do pai? - Petruchio perguntou abalado a Serafim.

— Oras, achei que veio bem a calhar essa vontade de vocês estarem casados novamente. - o jornalista comentou por fim, mas Petruchio já estava de pé pensando furioso e cego.

— Eu preciso ir, o senhor, o senhor. - ele apontou o dedo ao dono do jornal. - O senhor faz o que nois combinou.

Petruchio saiu da sala da redação não enxergando nada, era como se existisse uma nuvem na frente de seus olhos, uma sombra insistente, ele sabia exatamente o nome daquela sombra que sempre assombrava os dois: dinheiro.

xx

Catarina chegou a loja ainda muito emocionada com sua recente descoberta, ficou observando o filho que atendia um cliente atenciosamente num canto, observava como ele era uma mistura de sua personalidade com a de Petruchio. Todo atencioso como o pai e sabendo persuadir como ela os compradores. Lembrou-se da época em que ia à feira com Petruchio negociar os queijos. Júnior era a mistura perfeita de ambos com o combo de não perder a paciência como ela. Sentiu-se orgulhosa e ao mesmo tempo saudosa, não havia feito nada na criação dele, absolutamente nada! Perdeu tantos detalhes que agora só queria voltar no tempo. Relou a mão em sua barriga discretamente e pensou que talvez pudesse voltar ao tempo de certa forma, mas que jamais apagaria sua ausência na vida do filho.

— …me conte uma história, algo que fazia quando era pequeno, algo que eu não vivi. Me conte meu filho? - Catarina pediu assim que viu os clientes saírem da loja ficando sozinha com ele.

Júnior olhou a mãe pensativo, ela estava estranha, sempre com o olhar vago, meio embargado de lágrimas.

— Eu era muito esfomeado quando bebê, Mimosa falava que eu não parava de comer, que chorava pra ir no colo e ver que comida tinha em cima da mesa… - Catarina concordou com a cabeça imaginando. -  Diz meu pai, que quando eu comecei a andar eu nem pedia mais leite, ia direto na fonte, se ele me perdesse na fazenda ele sabia que eu tava lá na teta da vaca mamando.

Catarina sorriu imaginando que devia ser exatamente assim.

— Me perdoa por não viver isso com você? - ela disse chorosa. - Me perdoa filho?

Júnior não aguentava ver a mãe triste, foi logo a abraçando pelos ombros, já que era bem mais alto que ela.

— Tá tudo bem mãe. Não foi porque quis.

— Não foi porque eu quis, mas também eu não tive coragem de encarar tudo e viver isso com você. Eu tive medo. Me perdoa? - ela pediu novamente.

— O que isso tem a ver com corage? - ele perguntou a mãe curioso. - Sei que ocê não perdoou meu pai por causa de uma mulher.

Ela encarou o filho pensando se podia ser sincera com ele quanto a essa lacuna no passado da família deles.

— Foi por causa de uma mulher sim, Marcela ela chamava… ou chama. - Catarina sentiu um arrepio em sua espinha só de falar o nome dela em voz alta. - Ela nunca aceitou que seu pai fosse casado comigo, fazia de tudo para nos separar, até que… até que por causa do medo, ela conseguiu.

— Medo?

— O meu medo de perder você. Me fez te perder por quinze longos anos.

Júnior não havia entendido muito bem o que a mãe contava nas entrelinhas, mas resolveu não perguntar. Aquele assunto parecia delicado demais e a mãe estava muito triste nos últimos dias. Começou a puxar assunto com ela de outra maneira, até que Clara entrou na loja cabisbaixa e triste e se encaminhou para dentro da pequena cozinha nos fundos.

Catarina estranhou o olhar da filha e foi atrás dela. Clara estava com um pote de doce de leite da fazenda na mão e comia tudo com uma colher.

— O que aconteceu? - ela perguntou a filha, percebeu os olhos vermelhos que ela carregava, o desespero eminente de ingerir açúcar para melhorar o humor.

— Aí mãe… - ela ia lhe ofender, começar a brigar com a mãe por querer ficar sozinha no canto, mas… - É só, eu só… perdi o Miguel para sempre. É isso, perdi o Miguel para sempre.

Catarina entortou os olhos chegando perto da filha que havia voltado a chorar.

— Quer falar sobre isso? - Catarina perguntou preocupada. Não queria espantar a filha, queria que ela se abrisse consigo, mas não sabia se tinha conseguido essa intimidade com ela.

Clara negou com a cabeça não querendo falar nada, ao mesmo tempo se sentia sufocada e precisava falar:

— Eu me aproximei dele ontem e foi tudo tão bom e nostálgico que no final do dia… No final do dia a gente quase se beijou e eu comecei a pensar nele como… como um namorado. - Clara encarou a mãe pensando se voltava a se confessar. - Você vai me achar tão patética mãe, mas eu fui até atrás de ouvir as teorias e suposições da Laura sobre amor, fiquei escrevendo poesias no caderno, desenhei o nosso quase beijo e ele me chamou agora a tarde para um passeio.

Catarina não queria atrapalhar as confissões dela, até porque não sabia até onde ela se permitiria contar a ela. Deixou que ela narrasse da forma e no ritmo que achava melhor.

— Eu sei que sou só uma adolescente e que às vezes parece que sei de tudo não sabendo de nada… Mas… parecia que tudo estava caminhando tão bem pro meu final feliz, minha amizade com Miguel já estava arruinada, não dava pra esquecer o quase beijo, só que você conhece o Miguel, ele é o Miguel e me explicou que ele não poderia decepcionar a Elisa, sua namorada, que ela havia o ajudado tanto. E eu percebi que sempre fui horrível com ele. Uma péssima amiga, uma péssima pessoa e que jamais poderia ser uma péssima namorada.

Clara enfiou uma colher enorme de doce de leite em sua boca enfim terminando sua história.

Catarina chegou perto dela sem saber ao certo o que falar, não era a melhor pessoa para lhe aconselhar sobre amores na idade que estava, mas disse algo que sabia:

— Eu sinto muito, às vezes faz parte do amor deixar partir.

Clara concordou com a cabeça voltando a chorar como chorou o caminho todo para a loja, correu até a mãe e a abraçou. Podia sentir a dor da mãe quando teve que partir do Brasil e deixar seu amor para trás.

Catarina acariciava os cabelos de Clara enquanto sentia a filha derramar lágrimas quentes em seu vestido, foi quando sentiu um cheiro muito enjoativo e forte.

— Que perfume é esse que está usando Clara? - ela perguntou sentindo ânsia de vômito, teve que sair do abraço com a filha.

— É meu perfume de sempre. - Clara respondeu chateada por ela sair de seu abraço.

— Mas o cheiro está tão diferente, forte, enjoativo… - Catarina colocou a mão na boca tentando parar de salivar, estava prestes a vomitar. Pensou até que conhecia aquele cheiro de algum lugar, definitivamente não era o perfume que a filha sempre usava.

Pensou na gravidez, devia estar sensível ao cheiro, certamente era isso.

Foi quando ouviu Petruchio entrar na loja pisando forte, parecia um touro nervoso não vendo nada a frente.

— …Eu não acredito que fez isso comigo de novo! - ele disse a Catarina apontando o dedo para a esposa que ainda permanecia na cozinha com Clara.

— Por que está gritando? Olha o jeito que fala comigo Petruchio porque estou… - ela parou de falar de repente.

Se encaminhou para perto do balcão encarando ele nervosa.

— Isso é jeito de entrar na loja? Estava conversando com nossos filhos.

— Nossos, agora é nossos né não? Não é mais meu. Meu! - ele apontava para si imitando ela quando dizia que o filho em sua barriga, quinze anos atrás, era somente seu. - Meu filho, minha herança. Quinze anos atrás voltano com tudo hoje.

— Sobre o que está dizendo? - Catarina perguntou impaciente.

— O que pretende fazê quando receber a herança de seu pai depois da gente se casá de novo? Ir-se embora pra Europa outra vez? Dessa vez com os dois filhos meus? Saiba que não vou deixar!

Catarina rosnou brava, estava ficando nervosa com as meias palavras dele.

— Que herança?! Eu não sei de herança nenhuma!

— Vai fingir inocência? Vai fingir inocência agora?  Vai me dizer que não sabe as condição que seu pai colocou para receber essa herança? Vai me dizer que não sabe que a leitura é amanhã? Vai me dizer que só aceitou casar comigo depois dele morrer porque gosta de eu? - Ele chegou perto dela. - Ocê sempre foi assim num é? Pensando em herança e ir-se embora com os meu filho pra Europa. Saiba que não vou ser mais enganado pelo ocê. Retiro meu pedido de casamento que fiz.

Catarina começou a pegar as coisas em volta de si e atirar nele, primeiro alguns copos que estavam no balcão, depois alguns pratos que estavam na pia da cozinha.

Petruchio desviava perfeitamente da fúria da ex-esposa, enquanto Clara e Júnior se encolhiam num canto da loja tentando não serem atingidos.

— Atira! Atira! Assim os MEUS filhos conhece a mãe que tem!

Catarina parou de atirar e olhou Clara e Júnior que estavam num canto tentando se proteger da fúria da mãe.

— Olha o que me fez fazer na frente deles! - voltou a berrar com Petruchio. - Eu não estou interessada em herança nenhuma de meu pai, eu nem sabia que a leitura do testamento seria amanhã!

— Vai me dizer que não sabia das condição agora?

Catarina suspirou cansada de tanto gritar com ele, tentou uma aproximação mais calma até o ex-marido.

— Eu sabia das condições sim.

Petruchio negou com a cabeça chateado.

— Sempre dinheiro, num é? Sempre dinheiro nos assombrando.

— Sim, sempre dinheiro. Começou com você querendo se casar comigo por causa do meu dote! Se esqueceu? Se esqueceu que aceitava tudo o que fazia com você até me levar para o altar? Pois eu não me esqueci! - ela cruzou os braços chateada na frente do corpo.

— Grande dote que seu pai me deu, livrei ele d'ocê e fiquei só com a fazenda.

— Agora meu pai têm culpa que você deixava aquela fazenda ao Deus dará, afogada em dívidas? Como está agora!

— Agora?

— Oras Petruchio, você nunca soube administrar essa fazenda direito, agora que estou cuidando da contabilidade percebi o quão cheio de dívidas está. Até devendo pra agiota está!

Clara tampou os ouvidos a cada grito que seus pais davam um contra o outro. Ela sabia que quando seu pai soubesse das condições da herança ele não iria gostar, mas nunca havia presenciado ele daquela maneira, por outro lado Júnior nunca havia visto a mãe tão explosiva. Observou a irmã ao seu lado com os ouvidos tampados.

— Vem aqui fora. - a chamou, ela não parecia bem em ver ambos brigarem daquele jeito.

— É agora que eles se separam? Por causa de dinheiro? - Clara perguntou ao irmão preocupada.

— Eu não sei. - Júnior negou com a cabeça preocupado, os gritos continuavam dentro da loja.

— …Talvez seja exatamente o contrário, talvez você já sabia  sobre as condições do meu pai para receber a herança e me pediu em casamento para se salvar novamente das dívidas!

— Ah mais agora ocê não tá batendo bem das ideia não. Acha memo que eu ia aceitar esse dinheiro do seu pai nessa condição? Acha isso? Se esqueceu por um momento que foi pras europa com minha filha camuflada e se esqueceu do seu filho aqui? Foi pra europa com seu dinheiro e eu fiquei aqui! No mesmo lugar, lutando pra sustentar um filho que ocê deixou pra trás e agora vem me falar de dívida? De que tô interessado em casar com ocê por causa de dinheiro?!

Clara começou a caminhar para longe da loja, não aguentava mais ouvir eles brigando. Começou a chorar. Júnior foi atrás dela.

— O problema deles sempre foi dinheiro. - Clara constatou.

Júnior deu dê ombros sem ter uma resposta.

— E se eles voltarem a ficar separados por causa dessa herança de nosso avô? Eu não quero viver longe do meu pai.

— Eu não quero viver longe da minha mãe. - Júnior negou com a cabeça pensando, também que não queria viver em outro lugar que não fosse na fazenda.

— Talvez se eles não precisassem dessa herança toda, se conseguissem se livrar das dívidas de alguma forma sem precisar desse dinheiro… - Clara pensava, foi quando olhou sua bolsinha e lembrou do cheque que estava ali dentro. - Talvez eu consiga ajudar.

— Ajudar eles a arranjá dinheiro? - Júnior perguntou intrigado.

— Eu trouxe os meus quadros na cidade hoje por um motivo. - Clara abriu sua bolsa e mostrou o cheque ao irmão, Júnior arregalou os olhos quando viu o valor. - Uma mulher rica e colecionadora de obras comprou três quadros meus por esse valor. E eu tenho vários guardados na casa de nossa tia Bianca.

— Ocê acha que se ocê entregá bastante dinheiro pros dois, eles param de brigar? - Júnior perguntou imaginando onde ela queria chegar.

Clara concordou com a cabeça.

— Não custa tentar. Me leve de carroça, vamos até a casa de nossa tia e depois você me leva no hotel.

Júnior concordou com a cabeça ainda ouvindo os berros de longe dos pais, mesmo que agora não conseguissem mais distinguir o que diziam. Ambos foram pegar os quadros - Clara se livrou a muito custo de Laura que queria saber detalhes de seu passeio com Miguel. Encheram a carroça com os quadros e foram em direção ao hotel.

— Vim falar com Muriel Durand. - anunciou na recepção.

— Ela está no bar. - o recepcionista avisou, a hóspede fez questão de deixar uma imensa gorjeta para que ele indicasse onde ela estava se acaso a jovem voltasse a aparecer no hotel naquele dia.

Júnior foi atrás de Clara carregando os quadros dela.

— Ela não vai gostar de te ver do meu lado, gosta que eu negocie sozinha com ela. - Clara avisou o irmão.

— Só vou deixar esses quadro onde ela quiser e já vou pra carroça.

Pararam na porta do bar. Clara procurou ela com o olhar e a encontrou com um homem, conversava animadamente, dava sorrisos de lado, o tocava nas mãos dele o tempo todo como se estivesse flertando.

— Ela está ali. - Clara apontou e Júnior levou seu olhar em direção aonde ela indicava. Arregalou os olhos reparando no homem.

— Mas arriégua, é o pai da Ana! - exclamou alarmado ao mesmo tempo em que via a mulher passar os dedos dos pés nas pernas do homem debaixo da mesa. - Ele tá traindo a mãe da Ana com ela!

— Fala baixo! - Clara ordenou gritando. - Quem é o pai da Ana?

— Aquele que fez nossa mãe perdê o emprego na escola. Ele maltrata a mãe da Ana e ela também, bate nelas fisicamente e… - Júnior engoliu em seco voltando a encarar os dois no bar que pareciam estar cada vez mais a vontade, o senhor beijava as mãos dela, ela se contorcia na cadeira e ria o tempo todo. - Talvez essa seje a minha chance de ajudar a Ana. Eu não vou te deixar sozinha com ela.

Clara deu dê ombros. Começou a entrar no bar com ele a seu encalço fazendo barulho carregando os quadros.

— Senhora Muriel, eu voltei. - Marcela encarou a jovem que lhe chamava na mesa. Automaticamente tentou parecer menos oferecida e ajeitou-se na cadeira. - Trouxe o resto de minhas pinturas, está interessada ainda em olhá-las? - Clara apontou o irmão. - Esse é meu irmão, ele veio comigo me ajudar a carregar as pinturas, mas já está indo embora.

— Seu irmão? - Marcela sorriu mostrando todos os dentes da boca. Finalmente a sorte lhe sorria. - Seu irmão pode nos acompanhar até os meus aposentos. Estou louca para ver o restante das pinturas.

Marcela achou que nunca tinha tido tanta sorte na vida, não desperdiçaria esse prêmio que o destino lhe entregava.


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Notas finais do capítulo

Então a inspiração está comigo esses dias, nem eu acreditei que atualizei tão rápido, vamos lá, só falta um capítulo para o final. Sei que parece que tudo vai desandar, mas a gente tem que ter uma emoçãozinha no final. Sou só uma escritora de fanfic que não recebe nada para escrever apenas esperando a opinião de vocês no capítulo. Me digam o que acham e suas suposições para o final. Obrigada a todos que permanecem comigo ❤️❤️❤️



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