Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 37
Capítulo 36




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Catarina sabia que sua vida era uma sucessão de escolhas. Ela havia escolhido se casar com Petruchio, ela havia escolhido o amar em certa altura de sua vivência, estar dentro daquele casamento primeiramente arranjado, ela havia escolhido ter filhos com ele, mesmo que um dia jamais se imaginou mãe. Ela havia escolhido partir, reconstruir sua história longe daquele lugar, longe de tudo. Ela havia escolhido voltar, mesmo sabendo que a verdade seria escancarada e todas as dores viriam à superfície. Ela havia escolhido lutar por sua família mesmo tardiamente e agora ela havia escolhido sua felicidade. Não queria mais viver nas sombras, não queria mais sofrer sozinha, mesmo que tivesse que se apoiar em um homem, ela escolheu viver plenamente com sua família. Mas havia uma outra surpresa que ela não havia escolhido naquela altura do enredo de sua história.

Catarina chegou na loja passando mal. Pisou no estabelecimento comercial, viu Petruchio ir a escola buscar os filhos e correu para o banheiro para vomitar, não quis que ele presenciasse a cena. Logo em seguida se sentiu tonta, precisou sentar. Começou a pensar no que estava acontecendo consigo. Talvez a comida forte da fazenda, mais engordurada do que o costume, estivesse lhe fazendo mal, afinal não estava mais acostumada a comer uma comida com aqueles preparos de Neca e ela havia exagerado na comilança nos últimos dias. O exagero do que comia, outro sinal. Abanou a cabeça e resolveu ignorar. Mais tarde, outra coisa a intrigou, foi atender uma cliente com um cheiro de perfume tão adocicado que começou a se sentir enjoada de novo. O enjôo do cheiro do perfume a fez pensar em anos atrás, da única época possível em sua vida em que enjoou de cheiros de perfumes.  Logo estava fazendo contas. Sabia muito bem o que poderia ser todos aqueles sinais.

— Não é possível. - ela arregalou os olhos e a boca. - Mas achei que poderia estar entrando no… minhas regras estão desreguladas que achei ser impossível a possibilidade de… - ela olhou para sua barriga espantada e começou a apalpar pensando em tudo.

Lembrou-se que tinha acordado duas vezes naquela noite para urinar e isso nunca acontecia, lembrou-se também que da última vez que isso aconteceu ela estava…

— Grávida? Mas eu já tenho mais de quarenta anos.

Seu coração começou a se acelerar no peito, pensou em tantas possibilidades, talvez fossem sinais de que o outono da vida estivesse chegando, eram tantas transformações hormonais que poderiam ser confundidas com gravidez. Precisava confirmar.

Foi até um telefone de uma loja ao lado, pediu para ligar para a irmã.

Assim que a irmã atendeu, Catarina narrou suas suspeitas, Bianca arregalou os olhos imaginando se ela poderia estar certa.

— …É possível isso acontecer com sua idade? - camuflou a palavra gravidez porque a sobrinha estava ao lado almoçando em sua casa, conversando animadamente com sua filha mais velha sobre poesias.

— Isso que preciso ter certeza.

— O doutor Oswaldir ainda está atendendo, tanto que o chamei na época que estava com pneumonia, se lembra? Mas agora ele tem um consultório, ele atende por lá a não ser emergência vai na casa de pacientes. Posso te passar o endereço.

— Por favor. - Catarina pediu, segurando um papel e um lápis anotando as informações que a irmã lhe passava.
xx

Petruchio levou a filha a casa de Bianca e foi com o filho até a redação da revista feminina, nunca havia entrado com Júnior no lugar. O filho observou todas as máquinas trabalhando, homens costurando no canto ao mesmo tempo em que furavam o dedo, homens ditando a outros receitas de doces, outros simplesmente tirando cochilos no meio do expediente. Como Serafim fazia em sua cadeira.

Júnior chegou perto do pai e perguntou:

— Uma revista feminina sem nenhuma mulher participando? - Petruchio pensou que o filho tinha mais traços de Catarina do que ele supunha, mesmo só tendo começado a conviver com a mãe em tão pouco tempo.

— Jornalista Serafim. - chamou baixo. O homem não fez menção de ouvir, ainda roncava. - Jornalista Se-ra-fim. - reiterou mais alto e mais pausadamente. Serafim mexeu os ombros e sua respiração regular falhou. - JORNALISTA SE-RA-FIM.

O homem saltou da cadeira sentindo seu coração pulando desesperado no peito de susto. Da última vez que ouviu Petruchio o chamar daquela maneira, foi para ameaçá-lo.

— Julião Petruchio, que maus ventos o trazem? - mesmo com o susto, não deixou de dizer o que pensava.

— Preciso de sua ajuda... Aliás! - Petruchio ergueu o dedo no ar, aproximou seu rosto do dele com a feição nervosa completando - Tem uma dívida que precisa pagar.

— Dívida? Nunca comprei queijo com o senhor.

— Não tô falando de dívida de dinheiro não. Depois diz que é jornalista e adevogado. - Petruchio comentou não deixando de alfinetá-lo.

— Do que está falando afinal? - perguntou cansado de rodeios.

— Ocê escreveu duas matérias maldosas sobre Catarina para o jornal…

— Maldosas não! - ele negou automaticamente explicando. - Eu sempre admirei o quanto a família de vocês é moderna.

— E continua com essa história pra cima de mim? - Petruchio deu um soco na mesa o que fez ele se afastar para perto de um pilar com medo. Júnior olhou para o pai e decidiu ir para o lado do jornalista com cara de poucos amigos. Serafim suspirou cansado. Era tal mãe, tal filha num dia, tal pai, tal filho no dia seguinte.

— Está bem… as pessoas gostam de fofocas e os jornais são comprados. Meu colega pediu por aquela matéria. Por isso, tirei uma foto sem autorização de Catarina.

— Quem pediu aquela matéria? - Petruchio perguntou nervoso já pensando em ir atrás de outra pessoa que só feriu Catarina.

— Não sei. Não tem como saber. Só me pediram aquela matéria porque sabiam que eu conhecia a família o suficiente para detalhar certos pontos. Como o fato dela dar aula na escola de Edmundo "camuflada".

Petruchio suspirou nervoso, entendendo tudo.

— Então nos jornais, só escreve quem tem influência?

— Sim. Anos e anos para abrir caminhos em jornais… E no final só escrevendo sobre a vida dos outros. - Ele suspirou cansado.

Petruchio negou com a cabeça chateado. Entendia agora o que Edmundo havia falado. Precisava pedir um favor ao jornalista, mas não sabia como. Começou:

— Ocê sabe que Catarina só quer se sentir bem escreveno?

— Se sentir bem? Como assim? - Serafim perguntou não entendendo.

— Ela quer sentir-se útil, quer ganhar um dinheiro sozinha, quer ver o nome dela no jornal com as palavra dela. Entendeu?

— Não da pra ganhar dinheiro escrevendo no Brasil não. - Serafim negou com a cabeça, mas completou. - Oras, posso abrir uma seção na minha revista assinado por ela. Talvez na parte de culinária, bordado? Quem sabe nas dicas de limpeza de roupas encardidas. Mas não dá pra pagar muito, vou logo avisando.

Petruchio negou com a cabeça.

— Logo se vê que não conhece Catarina. Ela não gosta dessas coisa não. Ela gosta de dar opinião dela nas coisas que ela vê ou vive.

— Como na seção de opiniões que eu escrevo para o jornal? - Serafim enfim entendeu onde ele queria chegar.

— Lá memo. - Petruchio concordou com a cabeça chegando perto dele. - Ocê têm influência, ocê pode levar um texto dela e pedir pra eles publicar.

— Não é tão simples assim. Demorei anos pra conseguir um espaço no jornal.

— Mas ocê pode encurtar o caminho pra ela agora. Deve isso depois das fotos, é por causa do senhor que ela não conseguiu emprego em lugar nenhum! É por causa do senhor que ela teve que se demitir da escola e agora chegou a sua vez de se desculpá.

Serafim engoliu em seco diante da cara de poucos amigos de Petruchio. Arrumou sua gravata e disse por fim:

— Cadê ela? Posso tentar apresentá-la ao dono do jornal, explicar o que ela quer fazer…

— Não. - Petruchio negou com a cabeça, mostrando um envelope que tinha em mãos que Edmundo havia o entregado com os textos editados. - Ela desabafa num caderno, organizei tudo os pensamento dela aqui em artigo e a postagem no jornal tem que ser numa surpresa.

Serafim estreitou os olhos, enfim entendendo tudo.  Concordou com a cabeça cansado, já que o filho de Petruchio ainda o olhava com cara de poucos amigos e ele sabia que o pai do jovem não ia deixar ele escapar daquele favor que estava lhe devendo. 

— Vem comigo mostrar esse texto pro dono do jornal.

Petruchio sorriu pelo fio de esperança. Talvez conseguisse algo que fizesse Catarina um pouco feliz por aqueles dias.
xx

Seu coração disparava na garganta, suas mãos suavam e ela não conseguia controlar seus pés que saltavam de um lado pro outro. Laura observava a prima na sala de sua casa ansiosa esperando o amigo chegar. Parecia assistir uma das cenas de romance que só havia lido em livros ou imaginado por causa das poesias.

— Quando beijar ele, jura que me conta com todos os detalhes como é a sensação? - Laura pediu com os olhos brilhantes.

Clara começou a se sentir mais nervosa, não tinha imaginado um beijo.

— Será que ele vai me beijar?

— Por que mais ele te chamaria para um encontro hoje a tarde?

— Encontro? Esse conversar dele seria um encontro?

Clara se sentia cada vez mais confusa, começou a pedir dicas pra prima de como se comportar num encontro amoroso e Laura narrava toda a experiência que tinha com os livros de romance que tanto lia e relia.

— …se ele pegar na sua mão, você vai se sentir flutuar e que há borboletas no seu estômago.

— Será? - Clara suspirou imaginando a sensação. - Mas eu já peguei na mão dele tantas vezes.

— Mas agora é diferente…

Bianca interrompeu a conversa das duas. Observou a sobrinha que parecia aérea.

— Tudo bem, Clara?

Clara automaticamente concordou com a cabeça incapacitada de expelir qualquer palavra. Laura automaticamente foi em direção a mãe.

— Ela está só nervosa porque vai sair com o amor da vida dela agora.

— Laura! - Clara a repreendeu.

— Sair com quem? - Bianca perguntou levantando as sobrancelhas desconfiada.

— Com o melhor amigo dela o Mi… - Clara dois até a prima e a calou segurando sua boca trancada com sua mão.

— Madrinha, tem que ensinar a Laura a falar menos. Ser mais comedida.

Bianca sorriu ouvindo a campainha tocar. Clara voltou a sentir seu coração saltar ansioso no peito e suas mãos suarem. Enfim, descobriu que a sobrinha tinha um passeio marcado com o amigo de Portugal. Não estranharia, já que eles sempre estavam juntos, desde bebês. Mas depois do que Laura falou ela não parava de sorrir assim que viu Clara com as bochechas vermelhas e completamente desastrada, tinha derrubado os três quadros que carregava para fora da sala para enfim sair com Miguel.

— Deix-a-a que te aju-u-do. - Miguel se prontificou falando sem deixar de gaguejar, pegou os quadros do chão.

— Vai voltar minha querida?  Mimosa falou para deixar seus quadros no quarto de hóspedes.

— Talvez eu volte mais tarde. - Clara confirmou. - Mas se a senhora puder deixar lá por enquanto.

Bianca concordou com a cabeça, logo viu a sobrinha sair com o amigo porta a fora.

— Bom passeio. - Bianca falou.

— Depois quero saber todos os detalhes! - Laura exigiu gritando.

Clara sentiu suas bochechas queimarem de vergonha e apertou o passo para o amigo a acompanhar. Precisava parar de se confessar com a prima, era melhor Carijó, pelo menos a galinha não lhe traía falando tudo em voz alta daquela maneira.

Miguel carregava os três quadros debaixo do braço, não sabia o que dizer a ela, estava estranhando tudo. Acompanhou longos minutos por todo caminho que ela o guiava, era tão estranho não saber o que dizer ou como dizer o que havia o levado para aquele momento. Mas achou que era um bom começo de conversa falar sobre o que carregava.

— En-n-tão resolve-e-u vendê-ê-ê-las? - ele apontou para as pinturas e Clara o encarou confirmando com a cabeça.

Ele estava gaguejando, parecia ansioso como ela, pensou consigo se esse gaguejar dele tinha relação ao dia anterior.

— Vou levar no hotel somente essas três. Se a mulher gostar, mostro as outras, preciso saber onde estou pisando.

Miguel concordou com a cabeça. Clara continuava esperta.

— Eu te-e-e acomp-a-anho, preciso e-e-entrar no serviço da-a-aqui duas ho-o-o-ras, acho que dá te-e-mpo… Não deixe ela te pa-a-assar pra trás.

Clara negou com a cabeça sorrindo a ele. Achava o amigo tão diferente, fora que agora notava detalhes que antes nunca havia reparado: quando ele sorria, aparecia uma covinha na bochecha esquerda, também tinha a mania de arrumar os óculos o tempo todo no nariz e tinha um tique de piscar os olhos rápido quando estava falando.

Clara o explicou que ia pegar um carro de aluguel, não porque estava com preguiça de andar por São Paulo, havia se acostumado a andar por todos os lados sem reclamar da lonjura dos lugares, mas porque ela não sabia a localização exata do hotel que devia mostrar as pinturas a mulher rica. Entraram no carro de aluguel e o silêncio ensurdecedor no banco de trás que dividiam estava incomodando a jovem. Ela voltou a se lembrar das diferenças que havia notado no amigo, não deixou de comentar:

— Você está tão diferente.

— Isso-o-o é bom ou ru-u-u-im?

— Eu não sei. - Clara confessou. Ela pensou consigo se esse diferente tinha relação exclusivamente dele estar separado de si e dessa forma estar mais relaxado para ser quem quisesse ser. Ou talvez por causa de Elisa, que havia o ajudado tanto, principalmente a parar de gaguejar.

— Você t-a-a-ambém está difer-e-e-ente. - ele comentou. Achava a amiga bem mais madura que das últimas vezes que havia conversado com ela, não gritava mais para conseguir as coisas, apesar de seu gênio não ter mudado em nada.

— Eu estar diferente, é bom ou ruim? - não deixou de entregar a pergunta a ele também.

— É b-o-om… - ele respondeu sem receio.

Clara sorriu tristemente voltando a olhar para baixo não o encarando.

— Eu devo ter te traumatizado muito sendo sua amiga toda mandona e insuportável esses anos todos.

— É cl-a-aro qu-e-e não.

Clara suspirou tristemente lembrando da época que tudo era mais simples, os passeios por Portugal com o amigo, o fato dela não ficar nervosa por simplesmente estar sentada ao lado dele, não ficar ensaiando que falas teria com ele, a conversa fluir de maneira natural e sem receio. Tudo o que fazia agora parecia ensaiado, para que ele reparasse nela e ao mesmo tempo não se assustasse com a nova Clara que se apresentava.

— A ge-e-ente pode come-e-e-çar de novo. - ele sugeriu fazendo ela o encarar. - Qu-a-al é o seu no-o-o-me?

Seu nome? Miguel sabia seu nome antes mesmo de aprender a falar. Pensou um pouco, imaginou que poderia entrar na ideia dele de se apresentar de forma diferente.

— Sou a Ilusão. - ela enfim respondeu pensando que era mesmo uma ilusão nos últimos tempos, se iludia por cada gesto, palavra e atitude dele consigo. E que na verdade sempre foi uma Ilusão, quando imaginava o pai diferente do que era ou uma vida diferente da que levava atualmente. - E o seu?

Miguel negou com a cabeça suspirando. Não podia mentir a ela, não podia mentir a Elisa, não podia mais fugir.

— Conf-u-usão. - Clara entortou o pescoço o encarando. Imaginou o porquê do nome escolhido por ele. - Mas Ilu-u-u-são, estou pre-e-ocupado, vo-o-o-cê anda muito sozi-i-nha ultimam-e-e-ente e a Ilusão nu-u-unca anda sozi-i-nha.

— Ela teve a companhia, durante muitos anos, da Confusão, só que aí, ela fez besteira e afastou a Confusão de si e agora ficou uma Ilusão nostálgica. Que só se lembra de tudo e imagina tudo e só vive de recordações e do que poderia ter sido.

Miguel suspirou sentindo seu coração aumentar as batidas. Estavam sendo sinceros um com o outro, mesmo que nas entrelinhas. Precisava começar o assunto que o fizera sugerir esse passeio.

— Cla-a-ra… - ele piscou algumas vezes nervoso. - A ge-e-ente qua-a-a-se se be-e-ijou on-ntem e… e… - ele coçou o cabelo da nuca ainda nervoso. - E e-eu preciso conve-ersar com vo-o-ocê so-o-bre i-i-isso.

Ela concordou com a cabeça respirando forte, sem saber o que falar, só esperando o desfecho. Foi quando o carro de aluguel parou na frente do hotel.

Clara pagou o motorista e desceu com Miguel do carro.

— Vem comigo conversar com ela? Não quero ficar sozinha. Depois a gente continua a conversa.

Miguel concordou com a cabeça e ambos entraram no hotel de luxo.
xx

Petruchio deixou Júnior na loja e inventou uma desculpa a Catarina, havia combinado de se encontrar com Serafim de frente a redação do Jornal no qual ele escrevia às vezes na seção de opiniões. Achou a mulher estranha, ela não questionou sua saída e parecia aérea, pensando em outra coisa.

Catarina olhou o filho a sua frente e pensou em tudo o que perdeu com ele, nunca o segurou nos braços, nunca o deu de mamar, nunca o acalentou em meio as cólicas de madrugada, nunca lhe deu um remédio para febre, nunca brincou com ele quando criança… Eram tantos nuncas que ela sentiu as lágrimas inundarem seus olhos. Pensou num possível novo bebê. Será que o universo tinha um plano melhor do que o dela? Um plano para que ela cuidasse desse novo possível bebê e vivesse tudo o que perdeu com o filho?

Também pensou em Petruchio, em tudo o que ele havia perdido na gravidez, não havia sentido os primeiros chutes, não havia presenciado a barriga crescendo, não estava presente no parto, havia tantos nuncas para ele viver também. Será que seu possível presente a ele estava correto?

— Eu preciso sair. - Ela anunciou ao filho, iria ao consultório do médico. Precisava tirar aquela história a limpo naquele mesmo dia.

— Tá tudo bem mãe? - Júnior questionou observando o olhar preocupado da mãe, as lágrimas tampando sua visão.

— Estou bem sim. - Ela lhe deu um beijo na bochecha se despedindo. Júnior pensou consigo que o pai estava certo em tentar fazer uma surpresa para ela. Catarina precisava tirar toda a sensação triste que carregava em si.
xx

— …Minha querida… - Marcela abraçou Clara assim que viu ela pisando no hotel. Ainda tinha uma taça de dry martini na mão. - Como está?

Clara estreitou os olhos pela proximidade calorosa da mulher, não tinha intimidade nenhuma com ela para aquele abraço. Marcela reparou em Miguel ao lado de Clara.

— Quem é esse jovem rapaz? - Ela deu um tapinha na bochecha de Miguel, apertando em seguida.

— Meu amigo…

— Me-e-eu no-o-o-me é Migue-e-el.

— Olha, ele fala gaguejando. - Marcela disse fazendo Clara estreitar mais os olhos.

— Miguel veio me acompanhar trazendo algumas pinturas. Onde posso lhe mostrar? - Clara cruzou os braços na frente do corpo.

— Vamos para o meu quarto. Teremos mais privacidade lá.

Marcela a guiou até o elevador e quando chegaram no quarto, a mulher chegou até Clara dizendo:

—  É melhor seu amigo ficar aqui fora.

— Por que? - Clara perguntou voltando a não gostar do jeito da mulher.

— Uma mulher rica como eu, gosta de negociar com artistas como você, sozinha. Afinal, estou te fazendo um favor.

— Favor? - Clara estava gostando cada vez menos daquela conversa. - Que tipo de favor estaria fazendo a mim?

— Você é uma artista que está começando, quando teria uma oportunidade melhor do que essa para vender seus quadros?

Clara por fim concordou com a cabeça, pegou as pinturas da mão de Miguel e pediu para que esperasse ela sair do quarto. Marcela não gostou do garoto com ela, achou que ela viria sozinha. Logo não podia fazer o que tinha em mente com a jovem.

Clara organizou as pinturas em uma ordem encostadas na parede e começou a explicar:

— É a sequência do dia, como se fosse a sequência da vida  O primeiro quadro representa o amanhecer, o início da vida… por isso as cores laranjas misturadas com o azul claro e a silhueta de  bebê a frente… o segundo representa o meio do dia, o meio da vida, por isso as cores vibrantes e a silhueta de um jovem… o último significa o anoitecer, o fim da vida, as cores escuras o preto o azul escuro com o roxo, e a representação de uma silhueta…

Marcela concordou com a cabeça cansada daquela conversa toda da jovem, logo a cortou.

— Eu vi que é um idoso, entendi.

Clara olhou pra ela e voltou a explicar.

— Eu quis trazer esses três primeiros quadros para a senhora ver, eles são uma sequência não podem se separar e dá pra notar o estilo da minha pintura, gosto de cores em meio aos desenhos soltos em um enredo para o…

— Achei incrível. - Marcela voltou a cortar a fala da jovem cansada. - Por que não trouxe os outros?

— Quis que conhecesse meu estilo de pintura primeiro. Sei que é uma dama respeitada por seu gosto com arte e não queria ter o trabalho de trazer todas minhas telas se a senhora de repente não gostasse desse estilo diferente que utilizo nas pinturas.

— Pois eu tinha certeza que ia amar. - Marcela chegou perto dela e acariciou seu queixo fino. - É bem esperta, não é?

— Sou?

— Sabe fazer negócios sozinha. Por isso insisti que entrasse sem seu capacho. - ela explicou pegando um talão de cheque na gaveta.

— Miguel não é meu capacho, é meu amigo. - Clara logo o defendeu, estava odiando a palavra capacho sendo referida a Miguel saindo da boca dela.

— Eu também tinha um desses quando jovem. Foi meu melhor capacho, quer dizer… amigo. - ela falava enquanto preenchia o cheque. -  Infelizmente ele seguiu sua vida sem mim. Nenhum outro que apareceu é tão bom quanto ele foi um dia.

Marcela terminou sua narração sorrindo. Clara olhava para ela desconfiada.

— Acho que esses três quadros valem isso. - Ela entregou o cheque à jovem.

Clara observou o valor em mãos. Ficou boquiaberta, era mais dinheiro do que supunha que ganharia dela sendo uma iniciante.

— Como é esperta, sei que é capaz de negociar sozinha. O que acha? - Marcela precisava ganhar a confiança dela, se não fosse na palermice que já tinha constatado que ela não tinha como Bianca, talvez fosse no dinheiro.

— É um bom começo… - Clara limitou-se a dizer fazendo contas em sua cabeça. Sabia que o valor ultrapassava um ano inteiro de salário de sua mãe como professora, ou pelo menos meio ano de vendas dos laticínios da loja de seu pai. Isso só com aqueles três quadros.

— Como neta de banqueiro, deve estar fazendo contas. Você é uma graça. - Marcela deu uma risada falsa. Estava começando a ficar um pouco impaciente. Imaginou se teria puxado o avô no quesito dinheiro. - Está desconfiada do cheque ser sem fundo?

Clara a olhou ainda tentando pensar em tudo. Não tinha passado por sua cabeça que o cheque poderia ser sem fundo.

— Mora numa fazendola, deve estar assustada com o valor. - Clara enrugou a testa quando ela disse fazendola, mas não disse nada. - Eu acredito em você, gostei do seu quadro, tem um ótimo potencial. Vá a meu banco, veja o cheque não é sem fundo e volte aqui para me mostrar o resto de suas pinturas. Pode ficar rica ainda hoje.

Ela riu voltando a beber seu dry martini que mantinha em mãos. Precisava atrair Clara de novo para si sem o garoto que estava lá fora.

Clara se despediu dela ainda sem saber como reagir, deixou que lhe desse um beijo no rosto, sentiu o perfume doce e enjoativo dela, acabou fazendo uma careta.

— Meu perfume, sei que gostou do meu perfume. Ele é francês, feito sob medida somente a mim. As pessoas normalmente me reconhecem pelo cheiro.

Clara achou que ela estava alegre demais, devia ser por causa da bebida.

Saiu do quarto e olhou Miguel com os olhos arregalados. Saíram do hotel calados e ela voltou a atenção para ele.

— Acha que esse cheque pode ser falso? - perguntou ao amigo perdida.

— Pre-ecisa ir no-o ba-anco. E-eu vou com vo-o-ocê.

Clara concordou com a cabeça e foram para o banco indicado no papel.
xx

Catarina deitou-se na maca e deixou que o velho doutor a examinasse. Contou seus sintomas a ele e suspirou ansiosa quando perguntou a opinião a respeito de suas suspeitas de gravidez.

— …Ainda me admiro quando pergunta minha opinião de médico.

— Oras doutor, é um profissional! E também o único que ainda conheço por São Paulo, voltei a morar aqui faz pouco tempo.

— Eu sei… ainda lembro que me fez assinar um papel que me calaria e não contaria a ninguém que havia feito seu parto de gêmeos. Afinal, o que aconteceu? Seu marido descobriu seu plano?

— Não seja curioso e me responda de uma vez! Há a possibilidade de eu estar grávida ou só estou entrando no outono da vida?

O médico negou com a cabeça, Catarina continuava igual. Jamais havia esquecido ela, desde criança o assombrava com sua braveza.

— Os sinais para fim de suas regras são diferentes. Normalmente acompanhado de irregularidade em seu ciclo, calores, falta de… o que não é seu caso, está com tontura, náuseas e pelo toque que fiz em sua barriga, eu tenho plena certeza que está grávida.

Catarina abriu a boca chocada com a informação, seus olhos se encheram de lágrimas.

— Grávida? Com a minha idade? É possível?

— Por que não seria?

Catarina olhou para baixo limpando algumas lágrimas que haviam caído em suas bochechas pela emoção do momento. Pensou na segunda chance de viver uma gravidez com Petruchio que não havia tido quando engravidou da primeira vez.

— Mas uma gravidez depois dos quarenta é delicada… - o médico avisou começando a escrever uma receita no papel. - Fará acompanhamento comigo, quero ver se a gravidez irá evoluir bem. Também tomará vitaminas. E cautela, a senhora precisa ter mais cautela. Não é mais tão jovem, tente manter um ritmo calmo principalmente nos três primeiros meses, há muitas mulheres que perdem o bebê nesse período, principalmente com a idade mais avançada como a que está.

Ela concordou com a cabeça pensando que faria tudo o que ele indicasse, não queria mudar o curso que o destino havia feito em sua vida.

Se despediu do médico e começou a andar pelo comércio. Precisava fazer uma surpresa a Petruchio, lhe contar da gravidez. Contar primeiro a ele. Não queria fazer um jantar como da primeira vez que engravidou, não queria nem que Bianca soubesse antes dele de sua confirmação. Passou numa loja de bebê e comprou um pequeno macacão branco, vinha um sapato de crochê e pediu para embrulhar.

Iria entregar a ele quando fossem dormir naquela noite. Explicaria tudo o que aconteceu, que não havia escolhido aquela situação como havia escolhido várias coisas de sua vida, mas que era o destino agindo e que queria viver tudo o que tinha para viver com ele nessa segunda gestação.


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Notas finais do capítulo

Notas: Bom dia, finalmente terminei o capítulo, faltam, no meu planejamento inicial, dois capítulos, mais um epílogo. Obrigada a todos que estão sempre aqui dando a opinião de vocês. Vale demais!



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