Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 27
Capítulo 26




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— Será que é normal nossos pais brigarem tanto? - Clara comentou na loja com Júnior, quando viu que o pai havia saído para levar uns produtos na feira. O irmão estava concentrado em sua lição de casa, devia escrever uma carta. 

— O que? - Júnior perguntou sem entender o que ela dizia. 

— Você não percebeu eles brigando na escola? - ela perguntou nervosa. 

— Ah… acho que é normal, Calixto dizia que tinha muitos vasos arremessados naquela fazenda quando ela morava lá. 

— Vasos ela sempre gostou de arremessar mesmo… mas achei que ela não brigasse tanto com ele. - Clara coçou a cabeça pensando. 

— É… na verdade a versão que tenho dela é bem mais calma. Meu pai sempre foi mal humorado, mas brigão assim eu não lembrava. 

— Nosso pai! - ela o corrigiu com sua voz imperativa. - E além disso você só conhece a versão fofa de nossa mãe porque é o gêmeo preferido dela. 

Júnior parou de olhar seu papel que tentava escrever e a encarou. 

— Andou brigando com ela de novo? Devia parar de brigar com os outros, ocê vai é ficar sozinha. 

Clara estreitou os olhos nervosa para ele. 

— O que quer dizer com isso?! - perguntou com as mãos posicionadas na cintura. 

— Ocê não conversa mais com Miguel, ele sempre foi seu amigo a vida inteira, brigou com nossa mãe, não conversa com ninguém daquela fazenda a não ser com a Carijó. Pra mim, vai é acabar sozinha. 

— E o que importa? Adoro ficar sozinha! - ela jogou os cabelos para trás e saiu andando para longe do irmão. 

Na verdade Clara se sentia solitária, mas jamais admitiria em voz alta e muito menos a seu irmão.

xx

Era como ganhar trapaceando naqueles jogos de azar que tanto praticava, não acreditou na sorte que teve ao ver Catarina descer o prédio da revista feminina. Então era verdade, ela morava ali. Estava mais velha, mas ainda igual há quinze anos atrás. 

— Catarina Batista, não sabia que estava de volta a São Paulo. 

Catarina ergueu o rosto reconhecendo aquela voz e não podia acreditar na pessoa parada em sua frente. 

— Heitor, quanto tempo… - ela suspirou cansada, não queria brigar com ninguém. - Quase ninguém sabe que voltei. 

— Quase ninguém não sabia, já que saiu no jornal, não é? - ele levantou as sobrancelhas de triunfo. 

Catarina estreitou os olhos brava. 

— Se me dá licença, tenho um compromisso…

Ela começou a andar apressada e Heitor foi atrás. 

— Então você teve gêmeos e separou os filhos junto com seu casamento com o Petruchio. Muito moderno até para você, não é? - Catarina engoliu em seco, mordeu os lábios nervosa ainda andando rápido. - Me surpreende o Petruchio aceitar essa história toda. Ou ele não aceitou? 

— O que você tem a ver com minha vida conjugal? - ela parou de andar e virou nervosa para ele. 

— Estou só curioso, mesmo assim, não vejo nenhum dos seus filhos debaixo de suas asas agora. 

— Está me rondando, é isso! Está me rondando para saber notícias minhas… Nunca gostei de você Heitor, nunca simpatizei com você. Não vai ser agora que vou contar da minha vida para você! Se quer saber de minha vida é só ler ela nos tablóides! - ela voltou a andar e Heitor ajeitou o seu chapéu contente com o efeito que havia causado. 

— Mando seus cumprimentos a Dinorá! 

Catarina não ia responder Heitor, mas era mais forte que ela. 

— Pois então fale que lhe desejo tudo aquilo que fez ao meu casamento! Jamais esqueci o que ela fez comigo! 

Heitor sorriu observando ela marchar pra longe, precisava fazer um telefonema urgente. 

Conseguiu um telefone e ligou para o número de seu destino. 

— É verdade, ela retornou ao Brasil. - Heitor respondeu ao alô da outra linha com uma resposta direta.

Marcela deu um sorriso e perguntou: 

— Está morando com Petruchio? 

— Pelo o que vi não, alugou um apartamento. 

— Pois muito bem, continue investigando e me diga se ela voltar a morar com Petruchio, será recompensado. - Marcela disse sussurrando. - E não só financeiramente… Talvez eu deva voltar para São Paulo em breve. 

Heitor sorriu, respondendo a ela antes de desligar o aparelho. 

— Então torço para que nos vejamos em breve. 

xx

Petruchio observou a filha chegar em casa cabisbaixa e se encaminhar para o quarto sem comer, olhou para Júnior que deu dê ombros sem entender as razões. 

—...Eu nem briguei com ela hoje, a única coisa que disse foi a verdade, de que ela tá muito sozinha. 

— Sozinha? - Petruchio perguntou preocupado. 

— Ela não fala com nossa mãe porque vive brigando com ela e nem com seu amigo de anos. Simplesmente o ignora, todos os dias anda pelos cantos daquela escola sozinha, além daqui que vive com aquela galinha, que é minha por sinal, debaixo do braço. 

Petruchio suspirou diante da fala do filho e resolveu conversar com ela. Sua rotineira ida ao quarto da filha, com um pedaço de broa, um leite morno aconteceu naquela noite. Queria que ela se abrisse consigo. 

— Coloquei um pedaço de rapadura no leite pr'ocê, o que achou?

Clara sorriu pela pergunta do pai e concordou com a cabeça. 

— Eu gostei. 

Ele se ajeitou na cama sentando mais perto dela. Era difícil para ele ser mais delicado, mas sentia que com a filha precisava chegar devagar no assunto que queria conversar com ela.

— Estou te achando muito solitária… - Petruchio enfim se confessou, não havia maneira para chegar naquele assunto sem ser direto. 

— Eu? Solitária? - Perguntou ao pai tomando um gole de leite. Havia de fato adorado a combinação com a rapadura. 

— Ocê chega e se tranca no quarto e nem conversa com mais ninguém, sei que não tem amigos na escola também. 

— Aquele fofoqueiro do meu irmão lhe disse isso? Estou ótima papai, fique tranquilo. - Ela se defendeu automaticamente. 

— Está bem mesmo? Fico preocupado com ocê. 

— Tô acostumada já… - ela suspirou olhando para Carijó, sentia-se de fato sozinha. Não tinha nem Miguel mais para desabafar, o amigo que sempre esteve ao seu lado em todas as ocasiões. 

— Quando ocê morava na Europa, não tinha nada que fizesse que a distraísse? 

— Hum… - ela ergueu as sobrancelhas pensando, lembrou das visitas a museus, dos restaurantes que frequentava, dos vestidos que amava comprar, de Miguel sempre a seu lado… 

— Eu queria te ajudar a se distrair um pouco, talvez se sentir menos sozinha, quando eu não estiver por aqui… - Petruchio insistiu. 

Clara o encarou, como dizer ao pai que ele jamais poderia lhe proporcionar o que ela era acostumada a se distrair na Europa por falta de dinheiro? De repente se lembrou de algo que ela gostava de fazer. 

— Eu gostava de pintar. Quadros com tinta a óleo, sabe? Quando estava precisando ficar a sós comigo mesma eu pintava. - Petruchio deu um sorriso, pensando o que faria. Clara, porém lembrou que os quadros e as tintas a óleo não eram nada baratos. Era um hobby caro. - Mas já faz tanto tempo que eu acho que nem sei mais pintar. 

Petruchio limitou-se a concordar com a cabeça.

— E sobre amizades na escola. Ainda brigada com sua mãe? 

Clara estreitou seu olhar brava para ele. 

—Então o senhor quer falar de minha mãe? Então vamos falar de minha mãe! Quando o senhor vai parar de ser teimoso e conversar com ela? - Clara falou com sua típica voz mandona o que fez Petruchio se afastar um pouco na cama dela e coçar sua barba. 

— Mas a minha briga com ela, não tem a ver com a sua com ela. - contra argumentou.

— Então não me cobre algo que o senhor não consegue sustentar. - Ela estreitou suas sobrancelhas o que fez Petruchio quase se ver no espelho. 

Clara era de fato filha de Catarina, mas tinha muito dele também. Despediu-se da filha com seu rotineiro abraço e beijo no rosto. Por hora sustentaria seu plano de uma distração para ela na fazenda.

xx

Catarina chegou na casa de sua irmã como combinado naquele dia. Foi andando e apesar do encontro com Heitor e de ver várias pessoas a olharem torto na rua se sentiu livre e leve. Estava amando sua liberdade conjugal e salarial. Era dona de seu próprio nariz, apesar de sentir falta de Clara e pensar que poderia se aproximar mais de Júnior. Os filhos eram seu grande dilema. 

— …E Petruchio. - Bianca continuou a fala de Catarina. 

A irmã perguntava sobre como ela estava depois dos dias de pneumonia e ela retratou exatamente o que sentia, só os filhos que lhe importavam. Catarina viu os dias passarem devagar e todos os dias parecia mais perto de se conectar com seu filho. Júnior estava mais permissivo nas aulas, parecia estar quebrando a barreira do "abandono" por parte dela naqueles quinze anos, mas Clara continuava brigada consigo, nunca tinha passado tanto tempo sem falar com a filha. Bianca por outro lado, parecia mais interessada em saber sobre seu ex-marido. 

— Petruchio deve estar na fazenda agora, trabalhando… sendo pai enquanto não posso ser mãe! - ela respondeu emburrada a irmã. 

— Ah Catarina, sabe muito bem sobre o que lhe perguntei. Ele veio aqui lhe ver quando estava doente, por causa dele voltou a reagir. Catarina olhou para a irmã revirando os olhos. 

— Reagi para lutar pelos meus filhos, não por causa daquele cabeça dura. - ela cruzou os braços.

— Cabeça dura? 

Catarina suspirou derrotada, seus olhos estavam apertados. 

— Ele não fala comigo Bianca. Se recusa a me escutar. 

— E você precisa falar com ele sobre… - Bianca perguntou delicadamente preocupada, mas também curiosa. 

— Preciso falar com ele. Preciso colocar tudo em pratos limpos. - Ela olhou para cima cansada e passou a mão por seus cabelos. - Mas se ele acha que vou me rastejar até ele, implorar para ele uma conversa. Está muito enganado. 

Bianca sorriu de lado pensando consigo que mesmo depois de tanto tempo, ainda continuavam teimosos. Ouviram a porta bater e Bianca abriu revelando a visita secreta que Catarina não sabia que viria. 

— Ah Candoca, como é bom te ver. - Ela abraçou a melhor amiga de sua irmã, que levava consigo seu bebê de colo. 

Candoca na verdade havia pedido a Bianca aquele jantar para conversar com Catarina, Edmundo havia saído com as filhas para um passeio numa pracinha, assim as três estavam a sós comendo e conversando sobre o passado. No meio do jantar, Candoca decidiu introduzir o assunto que queria conversar com a irmã de Bianca. 

— …Sabe Catarina, você me inspirou a ter a vida que tenho hoje. Acho que me inspirei na sua coragem. 

Catarina parou de comer e olhou Candoca nos olhos. 

— Minha coragem? 

— De sair de um relacionamento que não queria, de escrever sua própria história… Assim que percebi que você teve a coragem de ir embora eu tive de sair de um relacionamento que só me fazia mal, com o Celso. 

Catarina sabia que Candoca havia abandonado Celso às vésperas de seu casamento com ele, terminou tudo sem medo de escândalos. Mas ela não estava mais no Brasil para ver tudo aquilo. 

— Ele me ameaçou antes de eu terminar o noivado, disse que contaria a todos os homens da cidade que eu não era mais pura e que eu ia acabar sozinha. 

— Eu fico feliz que tenha de certa forma te inspirado a se livrar dele com sua coragem, Celso te fazia muito mal, nunca cheguei a conhecer ele direito, era amigo do Petruchio, mas… Ele te traia com a Dinorá… Dinorá que tanto fez mal a mim e a Bianca. 

Candoca concordou com a cabeça, prosseguiu seu agradecimento a irmã de sua melhor amiga. 

— …Eu só queria te dizer que por causa da sua coragem eu consegui ter a minha. Parecia que estava num relacionamento abusivo, ele mexia com meu psicológico e só estava comigo por causa do meu dinheiro. Eu não sei as razões que te fizeram sair do seu casamento, mas te ver livre e sem medo, me fez ter a coragem de ser livre. 

Catarina segurou a mão de Candoca por cima da mesa a apertando em solidariedade. 

— E de certa forma eu formei minha família com alguém que me ama de verdade e me aceita, apesar do meu passado. 

— Ezequiel sempre foi um homem íntegro. - Afirmou Catarina que conhecia bem o marido de Candoca. 

— Ele é…

Catarina voltou seu olhar para Bianca que estava com o bebê de Candoca no colo observando as duas. 

— Não estou acostumada a isso. - ela disse à irmã que a observava com um olhar curioso. 

— Isso o que Catarina? - Bianca perguntou. 

— Estou acostumada a lutar, a ter pedras lançadas, não a palavras gentis como as suas. - Catarina se explicou olhando Candoca.

— É que eu pedi esse jantar para Bianca. - continuou Candoca. - Eu pedi porque queria lhe explicar o porquê lhe fazer um pedido. 

— Pedido? 

— Aceita ser madrinha do Otávio? 

Catarina abriu a boca em espanto pelo pedido que ela jamais supôs ouvir sair da boca da amiga de sua irmã.

— Eu sempre quis ser mãe e mesmo assim, foi tão difícil, tão difícil engravidar que eu desisti… eu desisti e adotei a Heloísa. - Candoca explicava com lágrimas nos olhos. - Só que quando eu esqueci, meu milagre aconteceu. Otávio veio para completar minha família e quero entregar ele a alguém que admiro. 

Catarina estava em choque e sem fala. 

— …Mas Bianca é sua amiga e… 

— Ela é madrinha da Heloísa. - Candoca explicou. 

Catarina virou seu olhar para o bebê que estava no colo de Bianca. Confiar a ela a missão de ser madrinha de um bebê era algo que ela nunca tinha tido a honra, não pôde ser das filhas de Bianca por morar fora, então a irmã entregou a Candoca e a Mimosa as filhas. Ela se levantou da cadeira que estava sentada e pediu para pegar Otávio nos braços. Assim que tocou no pequeno pacote lembrou-se do dia que o pegou pela primeira vez. 

 — O dia que o peguei no colo a primeira vez naquele apartamento que sua mãe alugou para mim foi como voltar ao passado. - ela confessou imaginando seu próprio filho ao olhar pro rosto do filho de Candoca. - Eu nunca peguei meu filho no colo e estar lá com o seu filho, foi como pensar numa família que nunca tive com o Petruchio. - Bianca olhou para ela apreensiva, preocupada com suas meias palavras. - É uma honra enorme poder ser madrinha dele. - ela concluiu seus pensamentos beijando as bochechas e aspirando o cheiro do bebê. 

— Fico grata Catarina. - Candoca sorriu lhe agradecendo enquanto observava ela ainda embalar o seu filho no colo com algumas lágrimas em seus olhos embargados. 

Bianca ficou preocupada com a confissão dela, deixou que a amiga se despedisse das duas no final do jantar e quando se viu a sós com a irmã foi direto ao ponto. 

— Catarina, eu sei que você nunca deixou de amar o Petruchio. - Ela olhou a irmã espantada pelo tom de voz que lhe dirigia, ia retrucar, mas Bianca não deixou. - Eu sei, não negue. Agora me explique, por que não o perdoou pela mentira das apólices, por que fez o que fez? 

Catarina sentiu seu coração se apertar, até Bianca notava que tinha algo muito errado em todo seu passado, menos Petruchio que insistia em não falar consigo. 

— Oras Bianca, você nunca foi traída, não sabe como dói. Eu não consegui o perdoar. - respondeu tentando parecer o mais verdadeira possível. 

— Pois eu acho que é muito maior do que parece, pois agora eu vi em seus olhos, enquanto segurava Otávio nos braços, o seu arrependimento de não ter formado uma família com ele. 

— Não é arrependimento Bianca, é uma dor que não se cura. Estou tentando me aproximar de Júnior e é tão difícil. 

— E de Petruchio? - Catarina olhou para ela brava. 

— Que ideia fixa Bianca! Ele simplesmente não quer falar comigo e não vou me arrastar e implorar uma conversa com ele.

— Pois deixe seu orgulho de lado. Precisa ter sua família, ainda não é tarde. 

Catarina pensou o resto da noite nas palavras de Bianca. Mas ela estava adorando sua independência financeira e conjugal, por que ela estragaria tudo aquilo? Por que voltaria a Petruchio e destruiria tudo o que conquistou? Pelos filhos? Os filhos eram sua enorme preocupação e ficar longe deles lhe doía. 

Foi quando na semana seguinte se deparou com Clara triste e sozinha pelos cantos. A filha parecia abandonada. 

— Clara, você está bem? 

Clara ergueu os olhos e observou a mãe ainda ressentida por todas as palavras que ouviu dela. 

— Melhor impossível, meu pai é o melhor pai do mundo. - respondeu com os braços cruzados se encaminhando para longe dela.

 — Clara! Minha filha… - a jovem parou de andar e esperou a mãe continuar a falar. - Eu sei que a nossa última briga foi… 

— Foi um tapa na minha cara mãe? - ela virou seu rosto lhe perguntando. - Digamos que entendi suas palavras agora. Mas elas ainda doem. 

Catarina sacudiu a cabeça triste por ver a filha infeliz. 

— E você tinha razão… meu pai é incrível e não merecia a forma como estava tratando ele. 

— Então você me perdoa? 

Clara negou com a cabeça pensando na sua ideia que vivia batucando em seu cérebro. 

— Você precisa conversar com meu pai antes. 

— Ele não me escuta, Clara! 

— E vai desistir? É isso? Vai desistir de seu nado constante para se livrar do mar perverso em que vive justo na areia da praia? - Catarina piscou duas vezes diante das palavras da filha, parecia que ela tinha visto o seu pesadelo de semanas atrás quando ela se sentia triste e solitária. 

Seu coração se apertou e ela sabia que precisava falar com Petruchio. O trauma de Clara era justamente a ausência do pai e agora viver com a ausência da mãe… Não podia ser saudável para ninguém aquela situação. Precisava ir atrás de Petruchio, mas não o pegaria na porta da escola. 

— Vocês vão para a loja quando saem daqui? - ela perguntou à filha que ainda a encarava decidida. 

— Todos os dias mãe. 

— Irei lá hoje conversar com seu pai. 

Clara sorriu em triunfo por seu plano estar caminhando bem. 

xx

Naquele dia, sua aula teve grandes significados, mudanças dentro de si e um enorme passo em seu relacionamento com o filho.

— Bom, já dei bastante tempo para vocês se programarem e hoje me mostrarão a carta que fizeram. Vou deixar no quadro negro algumas orações matemáticas enquanto chamo um por um para minha mesa, quero escutar vocês lendo a carta e vou indicar o que erraram. 

Ela começou com os alunos que não trariam nenhum impacto a ela, ainda tinha receio do que Júnior podia ter escrito em carta, um receio misturado com curiosidade. Mesmo em meio a seu ofício, ela se sentia especial em conhecer aqueles seus quatro alunos um pouco mais a cada dia, se apegava a eles. 

Quando chamou Ana, ouviu ela lendo sua carta perfeitamente a si, começou a se apegar a ela, por um motivo em específico que a preocupou:

"São Paulo, 1943…

Mãe, se eu pudesse lhe dar algo em seu aniversário seria um chapéu, desses bem bonitos e caros de lojas. Nós vivemos andando pelas ruas e sonhando com esse tipo de chapéu, meu pai tem dinheiro e nunca compra nada, como pode uma mulher que se casou com um homem rico sonhar com um chapéu de luxo? Ao mesmo tempo mãe, se eu pudesse lhe dar algo em seu aniversário, seria um chá de confiança. Confiança em si, para ver com seus próprios olhos a mulher incrível que é, confiança para acreditar que pode mudar seu cenário em que vive, que pode sim se libertar do meu pai e lutar nesse mundo sozinha, sem precisar dele para nada. Quando eu vejo você machucada por ele, sendo externamente ou internamente, me dói na alma. Pois então mãe, eu lhe desejo confiança, porque ela lhe trará coragem. A coragem de que precisa para se ver livre de meu pai. 

Com todo o amor do mundo, sua filha Ana". 

Catarina olhava surpreendida para ela. Pensou consigo no conteúdo da carta e piscou tentando pensar o que lhe falaria. 

— Sua carta está ótima, sua leitura está excelente. 

— Obrigada. - Ana agradeceu se levantando da cadeira indo para longe dela. 

— Espere Ana, esse conteúdo… - Catarina engoliu em seco. - Essa história que contou aqui, é verdadeira? 

— Verdadeira? Pode ser, para alguma mulher, não sei… eu inventei. - Ela olhou para baixo evitando encará-la. 

— Está bem… pode se sentar. - ela pediu a aluna ainda pensativa nas palavras da carta. 

Por fim, chamou Júnior, estava ansiosa para sua carta, mas não mais que ele que suava e tinha as mãos trêmulas quando se sentou ao lado da mãe. 

— Pode ler quando estiver pronto. - ela pediu. 

Júnior evitou encará-la, passou horas escrevendo aquele papel, pensando em cada palavra, não iria desistir no final. Tomou fôlego e começou a ler. 

São Paulo, 1943…

Oi mãe, então eu te conheci, foi num dia corriqueiro e comum para mim, estava atendendo os clientes da loja e você entrou como outra pessoa qualquer. Na hora não percebi, mas pensando agora, eu já sabia que era você. Pois nunca me abri com uma pessoa estranha tão facilmente como me abri com você naquele dia, nunca fui tão permissivo com alguém, sem ficar na defensiva, como fui com você, logo me vi conversando com uma estranha, como se conversasse com ela todos os dias. Nos abraçamos, mesmo eu ansiando a vida toda em ter seu abraço, nunca imaginei que receberia ele com tanta naturalidade e conectividade, como se os nós das cordas de nossa vida, nunca tivessem sido desfeitos…

Catarina absorvia as palavras do filho e sabia que o momento em que vivia era o mais precioso de toda sua vida. Seus olhos derramavam lágrimas desde a primeira palavra da carta, mas ela respirou fundo, ansiando para receber o resto da carta dele. 

…Era presenciar um momento único num sonho, de repente tudo se transformou em pesadelo e eu achei que tudo havia sido minha culpa. Que você não me escolheu por algo que fiz quando bebê, que eu fui deixado por você por não ser especial como minha irmã…

Catarina negou com a cabeça passando as mãos no rosto do filho, que não tirava os olhos da carta e continuava a ler. 

Mas então você voltou a conversar comigo, através de cartas e essas cartas contavam sua história, como se eu estivesse com você o tempo todo que passou fora. E eu finalmente entendi mãe, que nunca foi uma escolha, mas sim uma consequência do nosso destino vivermos separados esses anos todos. E agora eu só queria reescrever esse destino, num presente sobretudo presente, se você aceitar esse novo recomeço, estou disposto a tentar. 

De seu filho Julião Petruchio Júnior". 

Catarina chorava e sacudia afirmativamente a cabeça pela pergunta dele.

— …É difícil para mim escrever certo falando errado então eu fiz de tudo pra escrever o você certo ao invés do ocê que eu vivo falando e eu acho que errei muitas coisas, o final não ficou como eu gostaria. - Júnior explicava sobre a carta ainda encarando o papel e não a mãe. 

— É a carta mais linda que já vi em minha vida. - ele esticou seus olhos em busca dos olhos da mãe. - A resposta é sim, vamos escrever nosso presente agora. 

Ele sorriu sentindo seus olhos marejados por estar emocionado. 

— Posso te abraçar? - Catarina pediu já sentindo ele jogar seu rosto para seu peito abraçando a mãe fortemente. 

Os abraços com ela eram sempre diferentes em momentos diversos: um sem saber que era ela, outro descobrindo a verdade e o terceiro único e singular. Eram reconstrutores, os fazia respirar e lhes trazia esperança. 

xx

Clara sempre vinha com dois travesseiros na carroça, um não era suficiente para os buracos da estrada, ela dizia. Mas naquele dia em questão ela desceu ambos da carroça, quando questionada pelo pai sobre o porquê de levar os travesseiros para dentro da loja, ela simplesmente respondeu que tinha medo de alguém roubar. 

Clara na verdade queria que os pais se entendessem, mas conhecendo o histórico de brigas entre ambos e do orgulho de ambos ela sabia que não seria fácil, daria uma chance para um diálogo inicial entre ambos, se não desse certo, seu passo a seguir seria drástico. 

— Petruchio, precisamos conversar. - Catarina entrou na loja naquele fim de tarde indo direto a Petruchio, estava decidida. - E não saio daqui enquanto não me escutar. 

Petruchio respirou fundo, olhou-a nos olhos, ajeitou seu chapéu na cabeça e andou para longe dela falando:

— Pois muito bem, saio eu! Preciso entregar mercadorias. 

—  Entregar mercadorias nessa hora? Todas as vezes você foge! Tem medo é isso? 

Petruchio parou de andar e a encarou. 

— Nunca tive medo d'ocê, não é agora que terei. 

— Então só pode ser alguma vingança, quer me ver implorar para conversar com você? Quer me ver de joelhos e me arrastando a seus pés, é isso! 

— Como se ocê fosse capaz de fazer isso alguma vez em sua vida. 

Clara e Júnior acompanhavam a discussão dos pais com a cabeça num eterno vai e vem de um para o outro. 

— Mas eu sei bem o que quer dona Catarina Batista, quer jogar a culpa de um erro seu em mim de novo. 

— É só isso que pensa sobre mim Julião Petruchio? 

— É isso sim! Onça! 

— Grosseirão ridículo! 

Ela começou a procurar com os olhos algo facilmente alcançável que poderia atirar na cabeça do ex-marido. Por fim encontrou uma moringa com água em cima do balcão. 

— Catarina não! - Petruchio começou a sair de perto dela e abaixou a cabeça num reflexo que nem quinze anos o fizera perder. — Mas é onça memo! - ele exclamou alarmado vendo ela procurar mais coisas para lhe atirar. 

— Então é assim que eles brigam? Hora perfeita pro meu plano. - Clara comentou com Júnior que olhou a irmã sem entender. 

A jovem puxou o irmão pelo braço e arrastando para fora da loja, a mãe estava ocupada com papéis que encontrou em cima do balcão, amassando em pequenas bolas e começando a atirar no pai. Ele se defendia como se fizesse aquilo todos os dias. 

Clara puxou a porta e trancou-a com um cadeado pelo lado de fora. 

— O que está fazendo? - Júnior perguntou apreensivo. 

— Obrigando eles a se entenderem. - ela respondeu simplesmente batendo as mãos uma na outra orgulhosa. 


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