Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 25
Capítulo 24




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Dizem que o tempo cura todas as feridas, que ele apazigua as mágoas e diminui ao ponto de ser insignificante. Para Catarina, enquanto estava presa naquela cama, pacientemente se recuperando, ela só esperava que o tempo fosse generoso com ela. Não só apaziguando as mágoas e curando as feridas, mas se mostrando um futuro, pois ela sabia dentro de seu coração, que se durante quinze anos Petruchio perdurou seu amor a ela, cuidando do filho, não casando-se novamente, não dando outra mãe a Júnior, que o amor de ambos se eternizou no tempo e não se extinguiu. E só o tempo lhe dava esperanças de recuperar sua família para si.

Foi pensando no tempo e na esperança que passou duas semanas se recuperando.

Durante as duas semanas Clara e Júnior continuaram a brigar por clientes na loja da família. Petruchio odiava as brigas dos filhos, ficava perdido em meio a elas, sem saber que partido tomar e se devia tomar algum partido, mas, no caso da briga pelos clientes, até que aquele embate entre eles não era de todo ruim, gostava dos filhos na discussão para o bem de seu bolso, até o dia em que Clara lhe colocou contra a parede:

— Quanto terei de lucro pelas vendas? Porque até onde sei, estou ajudando o senhor e não recebendo nada em troca.

Petruchio arregalou os olhos diante da fala dela, estavam no quarto dele depois do jantar. Clara sabia bem como o encurralar sem que Júnior estivesse ouvindo.

— ...Os produtos são meus, as vacas são minhas e matéria prima é minha. Ocê não ajuda na produção, então o seu lucro é comer e dormir de graça nessa casa.

Clara cruzou os braços brava na frente do corpo.

— Comer de graça, dormir… o senhor é meu pai! Me sustentar é sua obrigação!

— É… mas ocê é bem grandinha para ajudar nas tarefas de casa. Faço vista grossa porque sei bem que Neca esconde comida pr'ocê.

— Minha mãe pelo menos me dava mesada! - bufou nervosa, se jogou na cama frustrada.

— Mesada é coisa de rico… e não sei se ocê percebeu, mas a gente não é rico.

— Já não me surpreende o porquê da minha mãe se separar de você. - era a primeira vez que Clara dizia suas conclusões em voz alta ao pai. Aquelas palavras lhe doeram, mas ele não disse nada. Apenas a expulsou de seu quarto e falou que a partir daquele dia ela dormiria em seu próprio quarto.

Clara não se encontrava naquela casa, não tinha se conectado com ninguém a não ser Neca, que era a única que lhe agradava um pouco. Naquele dia estava tão triste que quando Neca lhe deixou a comida escondida no armário, como sempre fazia, começou a chorar.

No dia seguinte, depois de dormir tremendo e abraçada a galinha no seu novo quarto, apareceu na cozinha e abraçou a Neca e a beijou no rosto.

— Obrigada.

Neca ficou feliz pelo gesto caloroso dela, não estava acostumada a delicadeza da jovem.

— Você é a única que se importa comigo nessa casa. - Clara não se desfazia do abraço e nem queria, era como conseguir respirar.

Já Júnior, nas duas semanas que passaram, mesmo afirmando para Mimosa que não se importava com as cartas da mãe, que não queria as receber, ansiava todas as noites para que a avó postiça lhe entregasse elas. Tinha os trechos preferidos e relia cada palavra de cada carta todas as noites, imaginava a voz e o rosto da mãe lhe dizendo as palavras.

"...Nunca me disseram que seria fácil ficar longe de você meu filho, nunca me disseram que seria tão difícil assim…"

"...Estamos distantes fisicamente, mas sinto que você me conhece e que temos uma conectividade na alma…"

"...Eu te desejo as coisas mais lindas da vida todos os dias e elas não são materiais…"

"...Tudo o que desejo, na sua visão sobre mim, é que não olhe para trás com rancor, eu nunca quis te deixar…"

Algumas palavras lhe feriam e ele tinha diversos questionamentos dentro de si, precisava conversar com a mãe, não sabia porém se estava pronto para esse momento.

Estando pronto ou não, quando Catarina recebeu a alta do médico, animou-se para voltar ao trabalho.

— Não é melhor você ir com calma…? - pediu Bianca um pouco preocupada. A irmã não sabia o que lhe aguardava na escola e os efeitos da matéria do jornalista Serafim.

— Calma? Como posso ter calma Bianca? Esperei a minha vida inteira pra me conectar com meu filho e sei que agora posso com ele frequentando a escola em que trabalho.

É claro que não seria fácil, ela tinha certeza disso, mas receber a autorização de que podia voltar a lutar por seu filho, e também por sua filha, além de conversar com Petruchio e finalmente deixar em pratos limpos toda a história da separação dos gêmeos. A esperança invadia o seu coração antes da insegurança.

Naquele dia, chegou sorrindo na escola, foi recebida com um abraço por Filomena.

— Estou de volta, Filó e logo depois do trabalho já volto pra casa.

— Que bom dona Catarina, que bom.

Cumprimentou Miguel, que estava ao lado da mãe chegando ao trabalho. Logo perguntou de Clara.

— ...E-e-ela não es-s-sta fala-a-ando comigo. - confessou.

— Ainda está brigada com você?

— Anda tris-s-s-te pelos cantos.

— Preciso conversar com ela sobre isso. Fico feliz que está melhor da gagueira. - Catarina relou a mão no rosto do garoto que viu crescer e que tinha um carinho enorme.

— Uma colega dele, filha da bibliotecária, está ajudando na ansiedade dele, o que reflete na gagueira. - Filó disse orgulhosa.

— Filha da bibliotecária? - Catarina perguntou.

— Elisa. - Miguel respondeu.

Catarina abriu a boca compreendendo tudo, abanou a cabeça afirmativamente.

— Clara é orgulhosa até nisso, não é? - ela deu um tapinha no ombro do jovem.

Logo foi para a sala de Edmundo, não sabia para que sala iria, se algum professor havia faltado, antes de entrar observou alguns pais de alunos saírem do aposento olhando feio para ela. Começou a se olhar pra ver se estava mal arrumada, logo veio um empregado da escola avisando Edmundo, atropelando as palavras pela urgência:

— A professora Violeta da sala das crianças de dez anos mandou uma mensagem por um garoto, que acordou passando mal, não irá conseguir vir trabalhar…

Catarina esperou que Edmundo conversasse com o empregado dentro de sua sala e não pôde ouvir o restante da conversa. Logo a porta voltou a se abrir e ela imaginou o que faria naquele dia. Talvez substituiria a tal professora Violeta.

— ...Bom dia Catarina, pode entrar…

Catarina não percebeu o ar estranho no lugar, nem que Edmundo apertava os dedos o tempo todo em nervosismo. Se tivesse percebido, tinha entendido tudo de primeira.

— Quero primeiro lhe agradecer pela estadia durante esse tempo que estive doente. Obrigada por permitir que eu ficasse na sua casa.

— Você me ajudou tanto no passado Catarina, não fiz nada. Como está se sentindo, está mesmo cem por cento? - perguntou um pouco esperançoso.

— Estou ótima, louca para trabalhar. Vou para qual sala?

Edmundo engoliu em seco e pegou um papel em sua gaveta.

— Pedi para os professores fazerem uma relação dos alunos com muita dificuldade, são poucos porque é uma escola paga, mas…

Ele passou o papel para Catarina que observou cinco nomes escritos. Um brilhou na sua frente e ela chegou a perder o fôlego. O nome Julião Petruchio Júnior faiscava na frente de seus olhos.

— Eu queria que desse uma espécie de reforço a eles, principalmente em língua portuguesa.

— Eu… eu… - ela segurou o papel entre os dedos tremendo. - Pensei que ia ficar substituindo os professores faltosos.

— Eu tenho outra solução para isso. Preciso de sua ajuda nisso.

Ela concordou com a cabeça olhando Edmundo nos olhos, seus próprios olhos estavam embargados e ela não sabia se estava preparada para ver o filho em sala assim tão de repente.

— Vou começar as aulas hoje? - perguntou num engasgo.

— Arrume sua sala hoje. Temos uma sala vazia atrás da biblioteca, é pequena, mas ideal, pode organizar alguns livros e seus pertences.

Catarina concordou com a cabeça decidida a organizar sua vida para ver o filho no dia seguinte.

xx

Petruchio não estava esperando aquela visita logo de manhã, fazia anos que não o via. Muito tempo, tanto tempo que quase não reconheceu o ex-sogro, estava inchado, andando a tropeços com uma bengala a tiracolo e suava muito, sempre levava um lenço na testa.

— Julião Petruchio, quanto tempo.

Petruchio suspirou quando viu ele lhe estender a mão para um aperto, não poderia ser mal educado e apertou em cumprimento.

— Como vai seu Batista?

— Preocupado… - ele suspirou procurando uma cadeira para se sentar, Petruchio logo ajeitou o acento para ele. - Preocupado com minha filha.

— Sua filha?

— Catarina… Catarina sempre foi minha preocupação.

Petruchio ergueu as sobrancelhas descrente, para ele a preocupação do antigo sogro sempre fora reputação e dinheiro.

— ...Agora ela está de volta e todas as decisões de sua vida estão em xeque.

— Todas as mentiras o senhor quer dizer. - Petruchio o corrigiu.

— ...Se você está falando sobre minha neta Clara, eu nunca…

— Se eu tô falando da Clara? Como o senhor teve a coragem, a coragem… - ele ergueu o dedo no ar em frente aos olhos dele. - a coragem de me esconder uma filha? Aliás, esse problema deve ser genético porque o senhor escondeu uma família inteira por dez anos.

Batista suspirou passando o lenço na testa, sabia que a conversa não seria fácil, mas não pensou que seria tão difícil logo no começo.

— Como dizia, eu nunca compactuei com as ideias de Catarina de lhe esconder a filha, mas quando Catarina põe uma ideia na cabeça Petruchio, não tem ninguém que a tira e se ela fez o que fez teve suas razões. Você errou demais com ela.

Petruchio começou a rir sarcástico.

— Você mentiu para ela sim Petruchio, a traiu com a Marcela…

— Eu nunca trai ela com a Marcela, só tava atrás daquele maldito dinheiro da herança dela, herança essa que o senhor inventou um monte de condição pra ela receber! - Petruchio ergueu o dedo no ar apontando para ele.

Batista ergueu as mãos como sinal de paz, não queria brigar.

— Não vim aqui para brigar, vim aqui para conversar, nós temos um acordo, Petruchio.

— Acordo? - Ele perguntou sem entender.

— Lembra que te pedi pra manter uma desculpa de que continuava casado com ela, para a proteção dela e de seu filho?

— Ah, esse acordo? O acordo para o bem da reputação do senhor?

Batista negou com a cabeça, mas resolveu ignorar o tom sarcástico com que Petruchio lhe dirigia as palavras.

— Minha filha ainda não sabe as consequências que pode enfrentar por ser uma mulher separada…

— Separada porque ela quis, porque eu nunca que quis esse divórcio…

— Nunca quis, mas assinou o divórcio! E você tem filhos com ela, não dá pra ignorar isso.

Petruchio emburrou o rosto e  concordou com a cabeça sabendo que não dava mesmo para ignorar sua nova realidade.

— Peço que cuide dela, continue cuidando de minha filha.

— Cuidar dela? - ele riu. - Ocê e Bianca pedem coisa demais que não faz parte da minha ossada.

Batista engoliu em seco e resolveu ser sincero com ele até o último minuto.

— Estou morrendo Petruchio, meus rins estão parando e não tenho muito tempo, a única coisa que preocupa meu coração de pai é Catarina. Não posso deixá-la desamparada.

Petruchio enfim entendeu todo diálogo e onde ele queria chegar.

— Entendi tudo, ocê quer jogar a responsabilidade pra mim, sempre criou uma filha mimada, que nunca conseguiu se manter sozinha e agora a solução é jogar ela pra mim, como se fosse minha responsabilidade.

— Você foi casado com ela, tem uma família com ela! - Batista retrucou com raiva.

— Família? Eu tive filhos, família não.

Batista abriu a boca para lhe contradizer, mas Petruchio foi mais rápido.

— O senhor não é mais meu sogro, não é mais nada meu, peço que se retire da minha loja.

Batista concordou com a cabeça cansado, era inútil dizer o que mal que a filha teria, Petruchio precisaria sentir na pele e ele esperava que ex-genro ainda sentisse algo pela filha para cuidar dela por si mesmo.

xx

Clara odiava o novo grupinho de melhores amigos bolsistas, tinha Elisa, seu irmão e Miguel, não conseguia não os observar durante todo o intervalo, eles variavam o local, às vezes ficavam na biblioteca, outras vezes debaixo de uma árvore em particular preferida, era onde estavam agora. Ela sempre observava de longe ressentida.

— Prima, está tão sozinha, quer brincar com a gente? - Laura, sua prima, filha de Bianca e Edmundo a chamou quando a viu suspirando pelos cantos.

— Não, obrigada Laura, estou descansando um pouco. - respondeu o mais calmamente que conseguiu.

Laura ficou olhando em ziguezague de Clara para o trio que ela ainda encarava.

— Você não se dá bem com o seu irmão?

— Você é curiosa, não é? - Clara comentou ainda sem a encarar. - Mas não, frequentamos o mesmo útero, ao mesmo tempo e não, não me dou bem com ele.

— Mas você está triste, posso ver nos seus olhos a tristeza. - Laura colocou o rosto perto do dela.

— Seu pai lê muita poesia para você, aposto. - Resmungou.

— Está com ciúmes do seu amigo? Aquele que morava com você em Portugal?

Clara entortou seu pescoço brava olhando para ela.

— Eu acho tão bonito o amor. - Laura sentou na frente da prima, cruzou as pernas e colocou a mão apoiada no rosto. - Como é estar apaixonada por alguém?

Clara fungou nervosa e disse brava.

— Vá brincar com suas amigas! Vá Laura! Vá!

— Me responde primeiro. - pediu sem medo dos gritos dela.

— VÁ! - a espantou se levantando da onde estava sentada.

A prima saiu correndo de perto dela rindo, Clara suspirou ainda chateada olhando para o lado, resolveu caminhar para longe do grupinho, foi quando viu a mãe na escola.

Sabia que ela ia voltar por aqueles dias, só não sabia quando. Saiu correndo e lhe abraçou.

— Mãe! Você está bem! - Catarina estranhou o abraço dela, mas o recebeu feliz acariciando o cabelo dela.

— Voltei a trabalhar. Aliás, achei que não quisesse que ninguém soubesse que sou sua mãe aqui na escola, lembro de suas palavras de dias atrás. E agora…

— Oras, não posso ter saudades? - Clara saiu dos braços dela colocando as mãos na cintura. - Aliás, queria ir com você pra sua casa hoje, depois da escola…

— Pro apartamento mequetrefe? - Catarina ergueu as sobrancelhas não a reconhecendo.

— Saudades mamãe, saudades. - ela emendou com a voz fina. - Podemos conversar e você pode…pode pentear os meus cabelos e… aposto que Filó fez algum bolo. Saudades do bolo dela, especialmente o de cenoura.

Catarina não estava engolindo aquela história, nunca imaginou Clara lhe falando sobre saudades consigo.

— Está bem, é só pedir para seu pai autorizar.

— Ele não tem que autorizar nada! Eu vou e está acabado! Só vou avisá-lo quando vier me buscar.

Apesar de estranhar a calorosidade da filha, jamais reclamaria, sempre quis ter isso com ela e nunca conseguiu, talvez os dias longe de si a fizeram refletir. A distância faz bem às vezes, era isso que Catarina queria acreditar.

É claro que seu coração parou algumas batidas assim que viu o filho ao longe indo de encontro ao pai na carroça para ir embora naquele dia, sua garganta secou e suas mãos começaram a suar frias olhando Petruchio na carroça que conversava com Clara. Catarina não teve coragem de sair de seu esconderijo por trás de um tronco de árvore. Enquanto Clara dizia ao pai que ia a casa da mãe, ele procurava Catarina com os olhos pelo pátio, não a encontrando.

Esperou que a carroça partisse, quando saiu detrás da árvore deu de cara com uma Clara feliz e saltitante que segurava seus braços.

— ...Se tiver sorte, posso dormir com você hoje. - ela anunciou a mãe a autorização que recebeu do pai.

Foram juntas pro apartamento com Filomena e Miguel, Clara não desgrudava de seus braços enquanto andavam pelas calçadas e Catarina não gostou nada dela ignorar o amigo de anos e fingir que ele não existia por todo trajeto. Deixou que ela almoçasse. Clara comeu tanto a comida de Filomena que Catarina achava cada vez mais aquela história de "saudades" estranha.

— Vai passar mal se não regularizar essa sua ânsia por comida.

Clara não remendou a fala da mãe, apenas terminou de se esbaldar e foi ao quarto que antes dividia com ela, deitou-se na cama, acariciou a colcha e abraçou um travesseiro de olhos fechados. Catarina decidiu que estava na hora de tirar toda a história a limpo.

— ... Então, me conte o que está acontecendo.

— Acontecendo o que mãe? - ela perguntou bocejando depois do tanto que comeu, o sono a atingia, além de não ter dormido nada na noite anterior por ter tido que ficar sozinha em seu próprio quarto.

— Essa sua fome exagerada, sua felicidade ao vir pra essa casa que odeia, seus abraços e carinhos comigo…

— Ter saudades agora é crime? É isso? - Clara perguntou sem responder nada à mãe diretamente. Ajeitou-se na cama cansada. - Queria tirar só uma pestana mãe, posso? Depois conversamos.

— E por que está tratando o Miguel tão mal? - Catarina ignorou o pedido dela e sentou-se na cama com ela.

— Não estou tratando ele mal. - Clara respondeu negando com a cabeça nem um pouco convencida.

— Não está conversando com ele, sei disso, é por causa da Elisa?

Clara apertou os olhos nervosa, entortou sua boca sem responder a mãe.

— Ele está até melhorando da gagueira por causa dela, sabia? - Catarina sabia bem onde apertar pra fazê-la falar.

— Ah! A nova santa imaculada, a que faz milagres! - ela bufou nervosa sentando-se na cama e desistindo de dormir. - O que quer me provocando com esse assunto mãe?

— Estou preocupada com você, Miguel me disse que está triste e sozinha pelos cantos.

— Ah e te contou sem gaguejar? - ela disse com desdém. - Mande ele prestar atenção na santa imaculada dele que faz milagres e parar de reparar em mim! - ela gritou cruzando os braços na frente do corpo.

— Clara! - Catarina não queria brigar com ela, mas precisa entender como a filha estava. - Você mudou de vida, uma rotina completamente diferente do que vivia comigo. Como está?

Clara olhou para a mãe chateada. Queria chorar e gritar com ela ao mesmo tempo. Mas não podia brigar com ela. Não queria brigar com a única salvação que via para si, que era voltar a morar com a mãe.

— Penteia meus cabelos?

Catarina estranhou o pedido dela, mas aceitou, era o momento que tinha a filha mais calma se fosse possível. Esperou que ela se sentasse no banco da penteadeira e pegou a escova passando pelo cabelo dela.

— ...Sabe que quando você era pequena tinha uma dor em seus cabelos que não deixava ninguém mais relar neles a não ser eu… - Catarina comentou observando o olhar triste da filha no espelho. - Ele está mais embaraçado que o costume, os fios estão ressecados e quebrados.

— Deve ser aquele sabão daquela fazenda e a escova maravilhosa que sou obrigada a usar. - disse tristemente.

Catarina podia imaginar o motivo do olhar de choro que ela lhe dirigia.

— Oras filha, é bom sentir o ar do campo, comer uma comida fresca…

— Por que você mentiu?! - ela gritou virando seu rosto para a mãe nervosa. Não aguentava mais fingir, não conseguia soterrar suas frustrações dentro de si. - É impossível ter se apaixonado por meu pai, são de mundos completamente opostos.

— O que está querendo dizer Clara?

— Estou dizendo que se separou dele simplesmente por ser impossível o amor de vocês ser real! Impossível porque você, uma mulher rica e a frente do seu tempo, não podia se apaixonar por um rústico pobre! É isso que estou dizendo!

Catarina negou com a cabeça diante do desabafo da filha.

— Então para você Clara é impossível você e seu irmão terem vindo de uma relação com amor?

— Você sempre teve vergonha do meu pai, por isso nunca me contava dele, por isso se negava a olhar para as minhas sobrancelhas.

— Você criou um conto de fadas na sua cabeça e agora a culpa é minha? Você que imaginou seu pai rico! Eu nunca disse que ele era rico! E o que importa se ele é rico ou pobre? Se só consegue gostar de uma pessoa por ela ser pobre ou rica, isso é muito presunção, até mesmo pra você!

— Eu não decidi nascer! Eu não decidi ficar com você! Se sou como sou! A culpa é sua.

— Pode me culpar, eu não me importo, o seu grande vilão está dentro de você. - Catarina disse a verdade que sabia a ela.

Clara bufou nervosa e se levantou da onde estava sentada se encaminhando para a porta para ir embora.

— Saudades de quando a gente conversava sem brigar. - Catarina confessou.

— Isso alguma vez existiu mãe? - virou seu rosto para ela parando de andar.

— Existiu sim, você era pequena, a gente brincava e conversava e…

— Eu traumatizada por não conhecer meu pai, não entendendo nada. - Catarina coçou sua nuca cansada.

— A sua vida nunca foi boa, é isso? - perguntou cansada.

— Essa pergunta é sua! A sua vida mãe, valeu a pena? - Clara apontou o dedo para a mãe.

Catarina suspirou cansada, podia sentir o quanto a filha estava numa luta interna, o quanto ela estava confusa pelas recentes mudanças em sua vida.

— Eu só tenho certeza agora, que você mentiu a sua vida inteira para mim, omitiu a verdade sobre meu pai, porque tinha vergonha.

Catarina riu sarcasticamente da conclusão da filha.

— Tão presunçosa Clara. - ela negou com a cabeça inconformada com a raiva da filha com ela. - Pelo menos está tendo educação com o pessoal da fazenda? Não está destratando seu pai não é? Ele não tem culpa de nada.

Clara concordou com a cabeça brava e cruzou os braços na frente do corpo.

— Clara eu sou sua mãe, eu posso aturar qualquer palavra sua, qualquer escândalo seu. Mas Petruchio não, ele está te conhecendo agora. Ele não merece isso. - Clara começou a sair para fora do quarto e Catarina levantou a voz. - Eu não acabei de falar!

— Mas eu já. - Clara parou e virou o rosto pra ela.

— Senta aqui por favor! - ela negou com a cabeça chateada com a mãe. - Senta aqui! - Catarina exigiu entredentes.

Clara suspirou cansada e voltou a se sentar ao lado dela na cama, evitando encará-la.

— Você já acabou? No auge dos seus quinze aninhos você já acabou? Sem ter vivido nada, sem ter a menor noção do que é um casamento, uma relação a dois, agora você decide ficar me julgando?

— Eu não estou julgando ninguém. Eu quero ir embora! Posso?

— Não, agora você vai me escutar. - Clara cruzou os braços no seu colo, ainda ignorando olhar para mãe. - Antes de eu ser sua mãe, eu sou uma pessoa. Eu tenho todo o direito de errar e todo o direito de pedir desculpas quando eu acho que é preciso. Todo mundo erra, de alguma forma escorrega pelas tramas da vida, pelas escolhas que faz, mas eu sou como sou Clara. Desse jeito que você me vê e me conhece, eu nunca mudei e seu pai sabia que eu era assim. - Clara sentiu um nó em sua garganta e uma vontade de chorar, mordeu os lábios brava. - Eu sei que meu erro não tem perdão ou proporção, eu sei que eu machuquei muitas partes, que existe algo na sua história que nunca vai se completar. Mas eu fiz o que fiz pelo o seu bem e o de seu irmão.

Clara sentiu as lágrimas inundaram seus olhos, precisava perguntar.

— Por que separou do meu pai? Se o amava apesar das diferenças? Por que decidiu separar e mentir por quinze anos? - ela lhe encarou.

Catarina engoliu em seco incapaz de responder:

— O que eu posso fazer pra você me desculpar?

Clara deixou lágrimas caírem de seu rosto e negou com a cabeça encarando ela.

— Por que fez isso? Me fala um motivo mãe, um motivo. - ela ergueu seu dedo indicador na frente do rosto de Catarina. - Um motivo para ter arruinado a sua vida e a minha também?

— Ser adulto não é saber todas as respostas. Não é estar pronto. - Catarina respondeu a verdade que sabia, Clara negou com a cabeça chateada por ela fugir do assunto mais uma vez.

— Tá vendo mãe? - ela chorava livremente agora, não escondia mais sua dor. - Você sempre foge. Sempre!

Clara voltou a se levantar, pegou sua bolsa e se encaminhou para a porta do quarto.

— Aonde vai?!

— Embora! - respondeu gritando andando a passos largos até a sala.

— Como você vai embora? A fazenda é longe daqui… - Catarina segurou nos braços dela tentando fazê-la parar de andar.

— O que importa? - Clara deu dê ombros olhando para a mãe. - Você não se importa comigo, continua mentindo pra mim, não responde minhas perguntas, nem comigo implorando chorando como faço agora.

— É claro que me importo com você, é minha filha. - Catarina disse triste vendo a filha derramar lágrimas incessantes.

— Eu moro com meu pai agora, numa fazenda, com os ares do campo, com comida caseira… eu sei me cuidar! - disse por fim se livrando dos braços dela e saindo porta a fora.

Catarina sabia que a filha precisava se entender, lutar contra seus próprios vilões internos antes de a entender. E ela devia uma explicação a Petruchio primeiro, só a ele.

 


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