Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 17
Capítulo 16




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802880/chapter/17

 

Serafim estava pálido diante de sua descoberta. Como Catarina tinha uma filha naquela idade?

— Você está estranho. - Clara comentou estalando os dedos na frente dos olhos dele para que Serafim tirasse sua feição assustada do rosto. 

Serafim observou que ela tinha cabelos negros, olhos castanhos, seu queixo parecia desenhado como o de Catarina, porém suas sobrancelhas não pareciam as dela. Mas sua voz. Sua voz era mandona igual a de Catarina.  

— Miguel pegue um copo de água! - Clara pediu ao amigo que apesar de não estar falando com ela, a obedeceu.

A prova estava toda lá, a garota parecia fisicamente e tinha o ar autoritário de Catarina.

Ele abriu a boca para falar com Clara quando foi acertado com água no rosto. Serafim ficou alguns segundos sem respirar e voltou olhando assustado para Clara que dava risadas.

— Me desculpe, mas o senhor parecia estar sofrendo um ataque cardíaco. 

Ela ria tanto que colocava sua mão em sua barriga. Reconheceu essa risada. Não era de Catarina, então ele se lembrou que ela se apresentou também como filha de Petruchio. 

Diante de suas conclusões e da apresentação explosiva da filha de Petruchio e Catarina a si, começou a andar para longe do apartamento, sem falar mais nada a ela. 

— Ei, volte aqui… - Clara pediu em meio às gargalhadas. 

Serafim desceu as escadas e chegou até a redação de sua revista. Teria que pensar no que faria com essa informação preciosa que tinha em mãos. 

Clara ainda ria e reparou que Miguel sorria com ela. Olhou o melhor amigo nos olhos e começou a se sentir triste e traída. Fechou seu rosto para ele que parou de rir tenso. 

— Não estou falando com você, muito menos rindo com você. 

— A-a-a-achei que es-s-s-tavamos…

— Achou errado! - Ela o cortou querendo chorar ao ouvir a voz dele. - Eu te vi com sua amiguinha da biblioteca. 

Miguel estreitou suas sobrancelhas diante da informação que a amiga lhe entregava. Clara estava descontrolada. Quase chorava. Passou do riso ao choro em segundos. 

Odiava deixar transparecer seus sentimentos assim, não era para ter falado a ele que reparou nele na biblioteca. Nele na biblioteca com outra garota. 

— E-e-lisa é le-e-ga-al devi-i-ia co-o-nhecê-l-l-la. 

Clara bufou. Ia gritar que não queria conhecer ela nunca, mas mordeu sua língua e deu as costas para o amigo se encaminhando para os quartos a fim de escolher qual iria ser o seu. 

— Não estou falando com você! - disse uma última vez trancando a porta atrás de si. 

xx 

Petruchio estava sorridente, tão sorridente que mandou todos descansarem naquele sábado, só tirariam o leite das vacas, mas não trabalhariam em mais nada. Júnior estranhou o ar risonho e de paz do pai. Foi conversar com ele. 

— Pai, eu decidi volta pra escola.

— Que bom meu filho, que bom! Sua mãe há de gostar. - ele sorriu mais ainda, o maxilar quase doendo e deu três tapinhas no ombro dele. 

Estava em seu quarto retirando alguns paletós velhos guardados no fundo do baú e vendo se algum ainda servia em si. 

— O senhor vai sair? 

— Tenho um en… jantar importante. - pegou um preto e vestiu por cima de sua camisa velha e constatou que estava um pouco curto na manga, mas ainda servia. - Um jantar importante que pode mudar nossa vida. 

— São negócios? - Júnior estava curioso. 

— Saberá em breve. - respondeu somente ao filho. - Neca! Neca! NECA! 

Chamou a empregada e amiga que logo apareceu. Petruchio entregou o paletó escolhido, pediu para ela ver se as traças tinham comido alguma parte do tecido e para que ela lavasse e passasse. 

— O senhor vai sair hoje à noite? 

— Mas oceis tão tudo é curioso com minha vida. - Neca deu dê ombros diante da resposta dele e começou a se encaminhar para fora do quarto. - Neca! Sabe se Carijó tá no galinheiro?

— Deve de tá, o senhor ponhou ela lá. 

— Pois peça pra Calixto trazer ela pro quarto pra eu. O lugar de Carijó é aqui. 

Neca arregalou os olhos não entendendo. Júnior começou a coçar a cabeça. 

— Mas peraí pai. Esses dias atrás o senhor mandou tirar a galinha que não queria mais galinha em quarto e agora…

— Agora nada. Agora nada. Vá Neca! Vá! - Petruchio mandou Neca se mexer quando viu que ela continuava parada.

Neca saiu do quarto, logo viu Calixto com a esposa, ordenou que mandasse Carijó pro quarto dele e quando se viu só com Mimosa comentou. 

— Tô achando seu Petruchio estranho, parece que tem ar de mudança nessa casa.

— Como assim mudança? - Neca explicou suas suspeitas, o paletó, a galinha voltando para o quarto, a insistência de Petruchio para que o filho voltasse para a escola. - Acha que eles estão voltando?

— Não sei, mas sei que seu Petruchio parece que engoliu o sol, e hoje vai sair. 

— Eu tenho medo Neca… tenho medo de como Catarina vai contar sobre a filha e como a tempestade vai desabar em sua cabeça. Se ele está contente assim, se está pedindo a galinha de volta no quarto… vem mudanças aí. 

— Tomara que sejam boas. 

Calixto levou a galinha para o quarto e viu que o patrão estava ansioso, andava de um lado para o outro. 

— Parece que o senhor vai bota o ovo. Não as galinhas. 

Petruchio ignorou a fala do amigo e observou o filho ainda no quarto. 

— Júnior, ocê meu filho, corre lá e pede pra Neca lavar essa camisa branca também. Esqueci de entregar a ela isso.

Júnior pegou a camisa da mão do pai, desconfiava que ele queria ficar a sós com Calixto, mas o obedeceu, pensou se as coisas estavam mudando e desejou de todo coração que sim. 

Certificou-se que o filho não estava mais por perto e disse a Calixto:

— Vou em um jantar com Catarina hoje. - para alguém ele poderia contar, certo? 

— Arriégua seu Petruchio, jantar de reconciliação? - perguntou feliz. 

— Eu acho que sim Calixto, a gente resolveu se dá uma segunda chance. - Petruchio sorriu a ele. Estava feliz, tão feliz que não conseguia conter seu sorriso. 

— Agora essa casa há de virar um lar. 

Petruchio suspirou ansioso e pegou a galinha no colo. Pediu para que Calixto fizesse um buquê com flores da fazenda bem bonito para levar a ela. Logo o amigo não estava mais no quarto. 

Ele ergueu a galinha na frente de seus olhos e falou: 

— Catarina vai gostar d'ocê, tenho certeza. Mesmo não sendo a original, ela vai aprender a amar ocê. Como numa segunda chance. E eu espero que ela faça isso pensando em mim também. 

Seu coração estava cheio de receios, mas de esperanças também. Deixou a galinha em cima do baú e se lembrou de pegar um papel guardado dentro de uma caixa. Sabia que lhe ajudaria.

xx

Ela estava ansiosa, tão ansiosa que seu coração saltava, suas mãos suavam e ela tremia ao passar maquiagem no rosto. 

— Vai pra onde? - Clara perguntou olhando desconfiada a mãe que se arrumava para sair. 

Tinha ficado a tarde toda organizando suas roupas e percebeu que tinha roupas demais, pois não tinha conseguido organizar nem metade. Catarina por outro lado tinha feito tudo muito rápido, tomado um longo banho e agora se arrumava. 

Tinha colocado um vestido longo preto, com detalhes em pedras, seu lenço com pedras como no vestido, estava em seu cabelo. Clara nunca via a mãe tão arrumada. 

— Vou sair. - respondeu simplesmente.

— Perguntei para onde vai. - estava irritada, mas queria que a mãe lhe contasse algo. Tentou controlar sua voz imperativa o que foi inútil. 

— Vou num restaurante.

— Você vai jantar fora? Quero ir com você! Estou cansada de ficar trancada em quatro paredes. 

— Só vou conhecer o restaurante que Buscapé trabalha. Meu afilhado… - ela terminou de passar seu batom e virou o rosto encarando sua filha. - Aliás a senhorita está de castigo ainda. 

Clara bufou e cruzou os braços. 

— A minha vida é um castigo! Tão trágica. 

Catarina sorriu balançando a cabeça, a dramaticidade da filha sempre a surpreendia. 

— Se pelo menos esse seu jantar fosse com meu pai! Mas não! Vai com quem? 

Catarina piscou diante da fala de Clara, ficou momentaneamente sem saber o que dizer. 

— Sozinha! Vou sozinha! 

Catarina se levantou e começou a colocar suas jóias, tentava fugir do interrogatório de Clara. Olhou sua aliança e sem relutar colocou em seu dedo anelar da mão esquerda. Automaticamente lembranças de quando ela decidiu tirar a aliança vieram à sua mente. 

Flashback

Ela prometeu nunca mais pisar naquela fazenda, mas lá estava ela descumprindo seu combinado, precisava incumbir Petruchio a aceitar o divórcio de maneira mais fácil, só com o marido concordando com a separação o processo andaria mais rápido. 

Não conversou com Mimosa, nem com Neca, ignorou Calixto e o seu coração que se apertava dentro do peito. Encarou Petruchio  nos olhos quando se viu a sós com ele na sala, ergueu o papel e exigiu: 

— Preciso que leia o papel de meu advogado. 

— Pois não quero ler papel de adevogado nenhum. - Petruchio cruzou os braços na frente de seu corpo. 

Percebeu que a barriga dela estava maior, seu vestido estava colado no corpo e ele pôde constatar o quanto ela ficava bonita grávida. 

— Não tenho tempo Julião Petruchio, preciso ir embora deste país! Preciso que esteja de acordo com o divórcio, que seja de sua vontade! Para que o processo caminhe depressa. - Catarina tentou deixar sua voz rude e firme, mas acabou falhando já que percebeu que ele não tirava seus olhos de sua barriga. 

— Ocê quer que eu concorde com o divórcio? Não só concordar, mas que eu queira esse divórcio? Eu nunca vou aceitar me separar d'ocê. 

— Petruchio, nós não temos mais nada em comum, não quero mais estar casada com você. 

— Nois temo tudo em comum Catarina, tudo! - ele deu dois passos para a frente relou sua mão na barriga da esposa, começou a acariciá-la devagar. - Nosso filho, não espera que eu aceite esse divórcio e desista de nosso filho. 

Catarina engoliu em seco, tirou bruscamente a mão dele de sua barriga e deu dois passos para trás. 

— Meu filho! Depois do que fez comigo, não diga nosso filho. 

— Mas Arriégua! Quantas vezes vou ter que repetir e repetir que fiz tudo por amor pelo ocê e nosso filho? Que só queria garantir um futuro melhor para nois dois. Que eu nunca fiquei junto com… 

— Não diga o nome dessa mulher! - Catarina gritou brava o impedindo de completar a frase. 

— Será que ocê não entende Catarina, que a partir do momento que eu aceitar esse divórcio ocê vai ficar sozinha a mercê de gente preconceituosa que vai te olhar torto na rua. Mulher divorciada é sinônimo de…

— Eu não estarei aqui no Brasil! E eu não tenho medo de ninguém. Será que ainda não entendeu que quero refazer minha vida sem você? 

Petruchio respirou forte chateado pela fala rude dela, sua garganta se apertando num nó, uma vontade louca de brigar com ela ao mesmo tempo de chorar desistindo de lutar. Por fim, disse a verdade que sabia. 

— Eu te amo Catarina. 

O coração dela começou a acelerar mais do que o normal, engoliu em seco tentando se manter firme. 

— Antes de nosso filho, antes de pensar em construir uma família com ocê, tem esse sentimento genuíno dentro de mim. Eu te amo. 

— Pois eu não te amo. - sua voz saiu firme, mas chorosa diante da declaração de Petruchio. - Eu te amei, durante um bom tempo, mas aquela Catarina não existe mais…

Ele negou com a cabeça não aceitando sua resposta. Tentou se aproximar dela, mas Catarina deu alguns passos para trás fugindo dele. 

— Ocê não pode ta falando a verdade… eu vejo aquela Catarina aqui. Aquela Catarina que compreende que fiz tudo por amor e me dá uma segunda chance. 

— Pois está precisando de um óculos! Pois a única Catarina que existe é essa! E ela não é passada para trás! EU EXIJO O DIVÓRCIO!

Diante do berro dela ele desistiu, resolveu falar sua verdade. 

— Pois só concordo com esse divórcio e o assino no dia que me entregar meu filho! Caso contrário não vai se ver livre de mim!

Fim do flashback

— ... Mãe por que você sempre coloca a aliança? - Catarina piscou duas vezes voltando ao presente diante da pergunta da filha.

— Já te expliquei. Para me defender. 

Pensou nas lembranças que vinham como uma tsunami em sua cabeça. Petruchio tinha razão há quinze anos atrás. Não era fácil ser mulher separada no Brasil. 

— As pessoas são más Claras, e hoje não quero estar triste, hoje quero me permitir. 

— Se permitir a o que? - estreitou os olhos desconfiando da mãe. 

— A viver! Curiosa! 

Era impossível para Clara arrancar qualquer informação da mãe. Decidiu mudar de assunto. 

— Um tal de Jornalista Serafim veio te procurar hoje. 

Catarina arregalou os olhos e engoliu em seco. 

— Ele te viu? 

— É claro que me viu, só não me veria se fosse cego mãe. Achei engraçado que ele se apresentou como jornalista. Como se o jornalista fizesse parte do nome dele. - Clara estava displicente, mas Catarina preocupada. 

— E você se apresentou a ele? 

— Sim! Como Clara Batista Petruchio. Fiz questão de falar o sobrenome de meu pai. - Catarina sentiu-se tonta. Clara era esperta demais. - Sabe que na hora nem me dei conta, mas pensando agora ele pode espalhar para os amigos que eu sou filha de Julião Petruchio e meu pai finalmente vai me procurar. 

— Não se eu puder impedir, depois dessa noite não será mais necessário essa sua obsessão em falar com seu pai. - Apesar de surpresa, Catarina não estava brava com a filha. 

— Por que depois dessa noite não será mais necessário? 

— Saberá em breve, saberá. - ela lhe beijou na testa. - Não me espere acordada. 

Clara deixou que a mãe saísse pela porta mesmo curiosa pelas meias palavras dela, escutou ela se despedir de Filomena que estava feliz e radiante. 

— É uma segunda chance dona Catarina, é sim! 

— Eu espero que sim! Me deseje sorte. 

— Toda sorte do mundo para a senhora. 

Deixou que a mãe saísse do apartamento e se encaminhou para a sacada observando se a pessoa que ela iria jantar estaria lá embaixo a esperando. Infelizmente sua mãe tinha chamado um carro de aluguel que já a esperava para a levar para o seu encontro. 

xx

Ela estava tão linda saindo daquele carro, ele havia se esquecido o quanto ela era deslumbrante e o fazia engasgar ficando completamente embasbacado quando se arrumava. 

Catarina pagava o motorista do carro de aluguel e se encaminhava para perto dele que estava perto de sua carroça. 

Ele estava de terno, aquele mesmo terno que usou no casamento de Bianca, o casamento que não deu certo com Heitor e ela percebeu que amava o marido só de olhá-lo naquele terno. Ele ficava lindo todo arrumado e ela completamente sem fala. 

— Ocê podia ter deixado eu passar na sua casa pra eu ter trazido ocê no restaurante. 

— Oras Julião Petruchio, sou capaz de pagar um carro de aluguel. - ela respondeu automaticamente lembrando-se de Clara. 

— Ocê têm vergonha de eu? Da carroça? - era o que pensava. Estava triste com essa sua conclusão. 

— Não tenho vergonha de andar de carroça. Já andei tanto com você que me acostumei. Não tenho vergonha de você, senão não estaria aqui… - ela começou a se aproximar dele. Queria que ele acreditasse nela. Quando observou o rosto triste e sem esperanças dele, resolveu tomar uma atitude: Ergueu seus pés e lhe deu um breve beijo nos lábios. - Uma segunda chance lembra? 

Petruchio estava abismado que ela havia lhe dado um beijo no meio da calçada. Catarina sempre o surpreendia. Finalmente sorriu e acreditou que ela estava ali para uma segunda chance.

Pegou o buquê que tinha feito para ela com flores diversas e lhe entregou.

— Não é um buquê desses de loja cheio de rosas. Tem muitas margaridas, alguns cravos, uma rosa e até um girassol. É bem bagunçado, mas são as flores lá da fazenda e eu achei que ocê… 

Ela pegou o buquê em sua mão e reparou nas flores coloridas enquanto Petruchio ainda se desculpava pelo emaranhado de flores que lhe entregava.

— ...sei também que ocê odeia flores, eu lembro das épocas que tava tentando lhe cortejar e ocê… 

— Por que tudo o que me diz soa como se tivesse me pedindo desculpas? - perguntou calmamente lhe olhando nos olhos depois de sentir o perfume do maço. - Eu amei, amei as cores, amei ser flores da fazenda e eu adoro flores quando estou disposta a recebê-las. Eu amei Petruchio, obrigada. 

Ele sentia que Catarina estava diferente, tão decidida, parecia até uma Catarina que ele conheceu anos atrás, mas tão rara de se ver que ele queria se beliscar pra ver se não estava sonhando. 

Vendo que ele não reagia, ela ergueu sua mão do ar e ele entendeu que ela indicava que queria entrar no restaurante de mãos dadas consigo. 

Petruchio reparou em sua aliança e se lembrou do dia que viu ela a tirar definitivamente de seu dedo. 

Flashback

Ele havia relutado tanto para assinar aqueles papéis, já que estavam prontos, mas quando pegou Júnior nos braços e viu que Catarina era capaz de abandonar o filho e ir embora definitivamente ele sabia que tinha que cortá-la também definitivamente de sua vida. 

 O juiz estava entre os dois com os papéis, ela parecia tão abatida, estava pálida, com olheiras profundas. Frágil feito um vaso em sua mão, que poderia se despedaçar a qualquer momento. Mas ele não queria a proteger, só tinha ódio e rancor em seu coração. Por isso, enquanto o juiz lia o papel do divórcio e dizia que era definitivo, que eles jamais poderiam se casar novamente, se estavam certos da decisão. Ele gritou o sim muito rápido. 

— O que mais quero é me separar d'ocê! 

Catarina não conseguia o olhar, nem de relance, não conseguia vê-lo e saber que ela tinha lhe dado um filho seu, lhe dado metade de seu coração e que não o veria jamais. Automaticamente começou a chorar quando ouviu a pergunta do juiz e a resposta de Petruchio. Concordou com a cabeça que queria o divórcio. 

Petruchio foi o primeiro a assinar, decidido. Ela assinou em seguida, sua mão tremia. Não parecia decidida. 

— Agora ocê tá livre de mim! - falou quando o juiz disse que estavam oficialmente separados. 

Catarina o respondeu tirando o seu anel do dedo e guardando em sua bolsa de mão. Petruchio sentiu como se uma faca estivesse entrando em seu peito, quis a imitar arrancando a aliança, mas ela não estava o olhando e já ia embora. Ele não teve coragem de tirar o anel do dedo.

Fim do Flashback

Quinze anos depois era outra Catarina que presenciava, mais forte, mais velha é certo, mas também decidida. 

Aceitou seu braço com sua mão pousada, aceitou seu cavalheirismo ao arrumar sua cadeira para se sentar em uma mesa, aceitou a aliança que reluzia em seu dedo. Era definitivamente uma segunda chance. 

O garçom apareceu e ele deixou que ela lhe pedisse o cardápio. Ele nunca na vida tinha jantado num restaurante chique daquele jeito, preferia que ela comandasse os caminhos a seguir e foi o que fez com maestria. 

— Petruchio posso te fazer uma pergunta um pouco estranha? - ela o olhava nos olhos, lhe entregou um meio sorriso.

— Ocê me pedindo autorização pra pergunta? 

— Oras, estou tentando ser… 

— É claro que pode perguntar, qualquer coisa. - logo a cortou, não queria que se zangasse. 

— O que aconteceu com a Carijó? - lembrou-se do dia que estava partindo para a Europa com Clara, Filomena e Miguel. Entregou a galinha com dor em seu coração a Bianca e pediu que lhe devolvesse para a fazenda. 

— Carijó? - ele sorriu, Catarina tinha mesmo se apegado a galinha, ainda se lembrava dela. - Ela morava em meu quarto, não tinha jeito de tirar ela de lá. Júnior se apegou a ela, parecia que eu enxergava ocê nele. Preocupado com a galinha, segurava ela nos braços, brincava com ela e lhe contava segredos. Mas infelizmente quando ele fez quatro anos a galinha morreu. Não aguentou muito tempo, galinhas assim, duram até que bastante. Mas parecia que sem ocê ela não era igual, sentia sua falta. 

— Então ela morreu? - ficou triste imaginando a cena, a galinha brincando com o filho, a dor da perca. - Júnior sentiu? Sentiu a perda dela? 

— A gente fez um enterro pra ela, ele chorou e ficou triste, mas era como ensinar que tudo na vida é passageiro, que nada dura pra sempre. 

E também três meses depois ele foi no galinheiro e ficou com um pintinho dela, que havia nascido da última vez. Era nossa Carijó segunda. 

— Ele quis uma nova galinha? 

— Ele já havia sentido a dor da perda duas vez, e eu não consegui impedir ele de chamar a galinha de Carijó, ela começou a dormir no meu quarto e no final, eu tava mais apegado a ela que Júnior. 

Catarina podia imaginar perfeitamente Petruchio relutando para ter outra galinha de estimação, mas no fim desistindo e deixando que dormisse em seu quarto. 

— ...Júnior cresceu, nem se importava mais com a galinha, mas a Carijó II em meu quarto me fazia lembrar d'ocê, não consegui tirar ela do quarto, até dias atrás. 

— Dias atrás? 

— Quando descobri que ocê tava de volta, fui te ver e vi a aliança em seu dedo, eu achei que tava casada de novo, fiquei com tanto ódio que fui eliminando tudo que me fazia lembrar d'ocê naquela casa. 

Ele olhava para baixo não a encarando. Catarina respondeu calmamente. 

— Eu estava de aliança para evitar falatórios no navio, no trem… e também eu me sinto protegida por ela. Não é fácil Petruchio. Você tinha razão. 

Ele ergueu seu rosto a encarando preocupado. 

— Alguém fez mal pr'ocê? Se alguém fez desde o dia que volto pra cá porque ocê é separada eu juro que… - ele ficava nervoso só de imaginar alguém destratando ela. 

Ele não conseguiu terminar de falar. O garçom tinha trazido o cardápio. Começaram a olhar, Petruchio não entendia o nome de nada do que estava escrito e estava assustado com o preço. 

— Eu queria conversar com o chefe, lhe pedir uma sugestão. - Catarina pediu ao garçom.

— Vou chamá-lo assim a senhora pode pedir direto a ele. 

— Obrigada.

Catarina olhou animada para Petruchio. Parecia orgulhosa. 

— Tenho tanto orgulho de Buscapé Petruchio. Consegue imaginar aquele menino que corria na fazenda, que eu ensinava a ler e escrever, sendo chef nesse restaurante chique? 

Petruchio estava suando frio com medo do prato que ela escolheria. Não sabia se tinha dinheiro suficiente para tudo. 

— Catarina, eu só te peço que… escolha algo que… - como lhe pediria para escolher o prato mais barato? Talvez ele fingisse não estar com fome para não pedir o dele. 

Antes de completar sua fala um homem alto, branco, com chapéu comprido na cabeça e avental, apareceu na mesa deles. 

— Bonne nout madame e monsieur, sou o chef Pierre Ducasse. Posso sugerir um prato clássico de pato… 

O homem tinha um sotaque falso francês. Catarina estranhou, não deixou que ele terminasse de falar.

— Quero falar com o outro chef! 

— Não tem outro chef. Sou eu madame. 

— É claro que tem outro chef. O afilhado dela. Buscapé. - Petruchio resolveu intervir. Não estava entendendo nada. Catarina por outro lado tinha levantado da cadeira e ergueu seu queixo procurando a entrada da cozinha. 

Não se despediu do projeto de chef francês em sua frente e caminhou decidida para a porta que se abria com pratos e mais pratos saindo de lá de dentro. Entrou nada delicada e viu Buscapé trabalhando. 

Ele provava o molho, ao mesmo tempo que falava com alguns ajudantes sobre tempero, checava os pratos que saíam. 

— Buscapé… - o chamou com a voz chorosa. Tinha compreendido tudo. 

— Madrinha? O que faz aqui? - apesar da surpresa de vê-la na cozinha não deixou de chegar perto dela a cumprimentando. 

— Vim provar sua comida. - seus olhos estavam embargados e ela sentiu a dor em seu coração. - Buscapé, por que mentiu a mim? 

— Eu não menti pra você não madrinha, nunca menti. 

— Eles mentem que não é você o chef, porque é negro. 

Não era uma pergunta, Buscapé percebeu que Catarina tinha entendido tudo de primeira. 

— É uma grande oportunidade. Eles me deixam cozinhar e pagam meu salário, não me importo se outro assina por meu nome como chef. 

— Pois isso dói em mim, eu não imagino a dor que sente. - ela estava indignada mas também triste pela verdade lhe dando uma bofetada no rosto. 

— Quando a gente é negro a gente acostuma madrinha. - ele deu dê ombros. - Lembra que eu queria me pintar de branco uma vez pra ter oportunidade de aprender e de ser alguém na vida? Eu me pinto de branco todos os dias agora. Um chef pseudo francês assina os pratos por mim, é assim que o dono do restaurante atrai clientes, é assim que o que assina meus pratos ganha mais do que eu que os cozinho. 

Ela começou a chorar, não era fácil a sociedade, não para ela uma mulher separada, nem para Buscapé que só queria trabalhar no que era bom. 

— Eu sinto tanto orgulho de você. - se encaminhou até ele o abraçando. - Mas isso me machucou, não consigo mais ficar nesse restaurante. A minha vontade é ir até o dono e fazer um escândalo, começar a jogar taças e pratos no chão. 

— Não faz isso madrinha. Não faz isso que ele me demite. - implorou saindo do abraço dela. 

— Eu não quero te prejudicar. Por isso entenda que não consigo comer aqui. 

Ele concordou com a cabeça entendendo ela. 

— Combinamos outro dia para que eu possa comer sua comida na minha casa nova. Está bem? - Buscapé voltou a concordar. - Apesar da dor, eu sinto muito orgulho de você. 

Acariciou o rosto dele como uma mãe, era um homem feito, negro, lutando para ter um emprego, Catarina não podia estragar tudo jogando pratos e taças no chão. Saiu da cozinha e foi até a mesa que Petruchio estava. 

— Eu quero ir embora daqui. 

Petruchio mais que depressa concordou, não podia mesmo gastar dinheiro naquele restaurante. Estava aliviado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Segunda chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.