Ladrões e Piratas escrita por Sirena


Capítulo 22
Capítulo 22




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— A gente já teve algum encontro? – Gil questionou, caminhando ao lado de Harry na Caverna do Homem Morto na Terra do Nunca. As tripulações estavam explorando a Ilha em pequenos grupos e deveriam voltar para a praia em algumas horas.

— Aquele no Lago Encantado. E o do Dia dos Namorados.

— Assim não. – Gil murmurou. — Sozinhos. Você e Jay têm encontros sozinhos. E eu já tive encontros só com Jay. E a gente?

— Bom, a gente divide o quarto, fazemos mais da metade das nossas aulas juntos, fazemos todas nossas refeições juntos, estamos nos mesmos grupos de aulas extracurriculares e somos parceiros na maioria, acho que vivemos num encontro eterno.

Gil riu baixinho.

— E você é quem normalmente insiste para mim e Jay sairmos juntos.

— Verdade.

— Mas, você pode considerar essa caminhada nessa gruta escura, úmida e suja um encontro se quiser.

Outra vez, Gil riu, se encostando em Harry.

— É verdade. Todo momento com você é um encontro. – murmurou, esticando a mão para uma corrente de água que escorria por entre duas pedras.

Harry riu, bochechas coradas.

— Te incomoda não sairmos sozinhos?

— Você e Jay... Eu não posso fazer nenhum comentário sem vocês acharem que tem algo me incomodando?

—... A gente só se preocupa com você, querido.

— Eu sei. – Gil riu antes de jogar água em Harry.

— Ei! – Harry deu risada pegando água pra jogar nele também.

Gargalhadas ecoaram pela gruta enquanto eles corriam e pulavam, jogando água um no outro e perseguindo um ao outro por um momento, brincando como as crianças que não tiveram liberdade de ser na infância, até estarem com respirações pesadas e corações que pareciam doer de tão acelerados que batiam.

Pararam quase na saída, ainda rindo um pro outro e se abraçando um pouco. Mãos molhadas, testas suadas, beijos carinhosos e olhares bobos.

— Mas, você sabe por que a gente não tem encontros só nós dois, né? – Harry sorriu, se encostando contra as pedras, as mãos na cintura de Gil.

— Por quê?

— Porque nunca precisamos. Você e Jay tinham no começo do namoro porque ainda estavam se conhecendo, Jay e eu tínhamos porque passamos tempo de mais como inimigos e precisávamos parar de nos ver dessa forma. Você e eu sempre nos conhecemos, sempre estivemos do mesmo lado, nunca tivemos nenhuma tensão que precisasse ser resolvida assim. Por isso podemos curtir sermos três, invés de arranjar encontro pra resolver um problema entre dois. Encontros pra gente são realmente pra curtir a relação a três e não pra solucionar alguma coisa.

— Faz sentido. – Gil concordou, franzindo os lábios, as mãos em volta do pescoço de Harry. — Te amo.

— Também te amo. – Harry murmurou contra os lábios do namorado.

***

— Ah, Jay, pense pelo lado bom... – Evie sorriu sentando ao lado dele na cozinha. — Pelo menos seu pai não tem uma lâmpada imaginária e fica fazendo desejos pra ela.

— Sim, como sua mãe fazia, Evie? – Carlos deu risada, erguendo as mãos como se estivesse segurando algo. — "Espelho, espelho meu, quem é a mais bela de todas?"

— Aí ela fazia uma voz assim... – Evie engrossou a voz, tentando não rir. — E respondia "sua filha é muito formosa, mas tem que se esforçar se quiser ser a mais bela de todas." Nossa, eu odiava.

— Poderia ser pior. – Carlos riu. — Poderia ser a minha mãe!

Dessa vez, Jay deu risada. — "Carlos, Carlos, meu bebê! Meu bebê precisa de um banho!"

— "De onde ela está, ela sabe que você precisa de um banho?" – Mal perguntou, imitando o tom que usara tantos anos antes, na primeira vez que ouviram Cruela falando daquela forma.

— "Não, ela só está me pedindo para lavar o carro!" – Evie imitou e os quatro caíram na risada.

Por mais que aquelas lembranças fossem dolorosas, zombar dos pais daquela forma, sempre tornou tudo mais fácil para eles. Quem se importava com que seus pais diziam afinal? Que não os amassem ou que os considerassem meras decepções e erros, e daí? Sempre podiam pular por aí, assustando quem cruzasse seus caminhos e rindo juntos.

— É, e tipo... Jafar não sabe só ficar contando dinheiro e esfregando qualquer lâmpada que encontre? Tipo, qual é... – Mal rolou os olhos. — Minha mãe pelo menos não era obcecada com rocas de fiar e coisas do tipo.

— Não, ela era obcecada com poder e em te tratar como a criadinha capanga dela. – Jay riu.

Fazia tempo que Mal não ia visitá-los no Castelo da Evie, mas, de novo, dia da família, não é mesmo? Por que não jantar com a família que encontrou pra si, bem melhor do que aquela na qual nasceu?

— E o seu pai... – Evie franziu a testa. — "Eu coleto almas, você esperava flores?"

Mais risos. Mal deu um petisco para Dude.

— Ele ainda é melhor do que ela.

— Palmas, Mal. Você e Celia provavelmente são as únicas pessoas da Ilha que tiveram ao menos um pai razoavelmente decente. – Carlos comentou, dando um gole em seu suco.

— Acho que a mãe do Gil entra na lista de razoavelmente decentes também. – Evie franziu os lábios. — Ela não era tipo... Uma bobona fofa?

— Bobona demais. – Mal concordou. — Quem escolhe ir para Ilha dos Perdidos, afinal?

Jay fez careta. — Vamos manter a mãe do meu namorado fora do debate, ok? Valeu.

— Tem razão, desculpe. – Evie concordou.

— É, foi mal. Mas, pensa... Pelo menos você não é filho do Aladdin e tem que usar aquelas calças que o Aziz usa.

— Ai, sim, aquelas calças são horríveis! – Jay concordou. — E pelo menos meu pai não sabe que eu já fiquei com a Jordan e com o Aziz. Ele iria pirar se soubesse que eu namorei o Aziz! Tipo, como a Rainha pirou quando soube que a Evie andava por aí beijando o filho do Dunga.

— Ai, nem me lembra disso. – Evie sorriu com pesar. — Deu tanto trabalho convencê-la que o Doug era o cara certo e que eu não precisava de um príncipe pra ter tudo isso. – gesticulou vagamente, se referindo ao castelo.

— Eu vou... – Carlos cantarolou, provocando.

Jay sorriu. — Pra casa agora eu vou!

Evie jogou um morango na cara de cada um enquanto Mal se limitou a rir.

— Mas, tem certeza que ele não sabe? – Mal arqueou a sobrancelha. — Saiu nos jornais... Algum deve ter chegado na Ilha.

— Certeza absoluta, passei meses indo no porto e tirando todos os jornais que mencionavam isso das barcas dos duendes pra não chegarem a Ilha. E Aziz não gosta de aparecer na mídia então nunca passamos na televisão. – Jay sorriu. — Se meu pai soubesse, ele já tinha me deserdado.

— Ou te forçaria a reatar para você roubar Agrabah do Aziz. – Carlos comentou. — Seria uma boa vingança contra o Aladdin.

O sorriso de Jay sumiu. — Cara, às vezes eu esqueço que você era bom em Planos Malignos! Isso é total o que meu pai faria se soubesse!

— Sorte que Aziz nunca te aceitaria de volta. – Evie riu.

— Claro que aceitaria! Eu que não iria querer.

— Vai sonhando que ele aceitaria. – Mal revirou os olhos. — Vocês não tiveram, tipo, uma briga horrenda?

— Mas, mantemos uma amizade, então ele aceitaria. – Jay bufou. — E por que a gente tá falando disso? Eu já tenho namorados demais!

O grupo gargalhou, alegre. Não era hora para preocupações. Era hora para rir lembrando dos velhos tempos e tirando sarro um dos outros ou de si mesmos, era hora de um tempo em família.

***

Uma, Harriet e CJ trouxeram seus navios e suas tripulações para festejar o dia da família na Terra do Nunca (embora a tripulação de CJ se limitasse a Freddie e Celia e elas só tivessem vindo porque já haviam passado boa parte do dia com o pai).

A família Gancho dava risada, relembrando antigas histórias que o pai costumava contar sobre a Ilha do Nunca e tentando ignorar a ausência do velho James Gancho, que estava internado num Centro Psiquiátrico de Fadas em Auradon. Os três filhos concordaram em passar lá à noite para vê-lo, entretanto. Claro, Harriet basicamente só concordou porque os irmãos imploraram, mas... O importante era que ela iria, certo?

Audrey também havia vindo, é claro, tendo se tornado membro oficial da tripulação de Uma. Estava sentada sobre o colo da namorada, rindo enquanto ouvia as histórias de CJ.

Harry tinha certa noção que aquela princesinha cor-de-rosa estava assumindo todas suas funções como imediato já que não estava sendo exatamente presente no Lost Revenge nos últimos meses. Mas, tentava se consolar se lembrando de que, 1- independente de qualquer coisa, sempre seria o imediato da Uma, 2- em breve viajaria com os namorados e seria o capitão, 3- Audrey nem deveria saber que estava como imediata em sua ausência porque Uma nunca deixava seus marujos saber qual oposição exatamente ocupavam na hierarquia, isso, pois assim estariam sempre se esforçando para agradá-la. De fato, Harry era o único que sabia exatamente qual oposição ocupava, mas não sabia a posição dos demais. No que lhe constava, Gil poderia ser o terceiro em comando ou o mais provável a virar isca de peixe.

Ele se ajeitou mais perto do namorado ao pensar nisso, sentados sobre antigos baús do tesouro, formando um círculo em volta de uma fogueira na praia, o oceano do Nunca os encarando com suas ondas suaves e seu tom azul. A brisa salgada trazia um frescor leve e os navios de sua capitã e de suas irmãs estavam ancorados a poucos metros dali.

Observou as tripulações a sua volta. Marujos duelavam amistosamente ou dançavam ou tocavam algum instrumento, cantando baladas do mar e rindo. Podia ver pequenos pontos brilhantes nas árvores, fadas, os observando com curiosidade, mas com muito medo para se aproximar.

Fadas e piratas, uma rivalidade tão antiga...

Gil estava batendo sua antiga gaita sobre a perna, ouvindo atentamente a música.

— Quer ir tocar com eles? – Harry questionou em seu ouvido, observando o olhar ansioso do namorado em direção aos piratas que dançavam e cantavam.

— Faz tempo que não pratico... Melhor não. – Gil negou com a cabeça.

Harry estava para insistir, imaginando que era o tipo de situação que cabia certa insistência já que Gil costumava gostar de tocar, quando Sammy Smee, o irmão mais velho dos gêmeos Squeaky e Squirmy se aproximou deles.

Com cabelos pretos, olhos azuis e uma jaqueta de couro turquesa de detalhes vermelhos sobre uma camisa branca com uma estampa de uma onda em verde-água, Harry se surpreendeu ao perceber o quanto o imediato de Harriet parecia ter crescido.

Realmente, pensou, fazia muito tempo que não o via.

— Algum problema, Sammy? – Harriet questionou, interrompendo a irmã e arqueando a sobrancelha para seu imediato.

— Não, Harriet. Eu só... Hum... – ele parecia sem graça apertando seu gorro vermelho. — Eu queria conversar rapidinho com eles. – apontou vagamente para Harry e Uma, com as mãos trêmulas.

— Melhor não estar querendo trocar de navio.

— Não, senhora. – isso o fez sorrir. — Sou completamente leal a minha capitã.

— Ótimo. – Harriet riu, enrolando uma mecha do cabelo. — Bem, fique a vontade.

Sammy se balançou nos próprios pés, parecendo um pouco nervoso e inspirou fundo antes de voltar a falar, olhando de Harry para Uma:

— Vocês namoram, certo?

— Não um ao outro, mas sim. – a garota concordou.

— Bom... É... Eu queria saber como... Como vocês fizeram pra tipo... Mostrar interesse, sabe? – ele realmente parecia prestes a se jogar no mar e deixar uma sereia afogá-lo de tão constrangido, Harry pensou dando risada.

— Ah, não é tão difícil. – Uma deu de ombros.

— Como? – insistiu.

— Bom, Jay, Harry e eu vivemos roubando as coisas uns dos outros. – Gil comentou. — Acho que é nosso jeito de mostrar que queremos ter ao menos algo um do outro, como se isso significasse que temos mais tempo juntos ou estamos mais próximos. É como eu vejo, pelo menos. Harry diz que é como vilões demonstram amor.

— Audrey e eu começamos a nos interessar depois de um duelo. – Uma contou. — Foi bem do nada, estávamos discutindo no navio porque eu não suportava a ideia de uma princesinha mimada no meu convés. Aí ela pegou a espada do Harry e me desafiou, eu mal tive tempo de sacar minha própria espada! Foi amor!

— Ainda fazemos isso às vezes. – Audrey riu. — Nos desafiar para duelos quando a outra menos espera... É demais! E nem avisamos "pois duele comigo agora", só pegamos as espadas e pulamos em cima uma da outra e quem ganhar que ganhe!

— Sim, normalmente fazemos isso no tédio. É super divertido.

— E muito romântico. – Audrey afirmou, deixando um beijo delicado no canto dos lábios de Uma, que apertou mais os braços em volta da cintura da princesa.

— Jay e eu costumamos nos ameaçar às vezes. – Harry continuou. — Tipo... Nos provocar, trocar farpas, às vezes nos ameaçamos de verdade... Mas, mesmo essas, sempre acabam virando uma insinuação sexual ou uma farpada romântica. É nossa forma própria de demonstrar carinho.

— Eu não gosto muito quando eles fazem isso. – Gil fez careta, ainda olhando o grupo de músicos na praia. — Mas, sim, para eles funciona.

— Ah! Sabe o que Freddie me disse? – CJ riu, se intrometendo, olhando rapidamente sobre o ombro com um suspiro bobo vendo a namorada dançando perto dos piratas que tocavam música. — Ela contou que Ben fez tipo, um quadro surpresa para Mal quando a transformou em lady. Acho que isso é algo que as crianças de Auradon fazem e que é bem fofo, sabe? Pinturas, desenhos, colocam onde você vai encontrar.

— Como grafites? – Sammy questionou, parecendo curioso.

— Sim! Como grafites! Mas, não para marcar território como na Ilha...

— Desenhos bonitos. – Audrey explicou. — Coisas lindas, fofas, ou até referências as histórias dos nossos pais. Achamos bem romântico.

— Certo, certo, vou lembrar. – Sammy sorriu. — Obrigado.

Quando ele saiu, todo sorridente indo se juntar aos piratas que duelavam, Harry pendurou o gancho no cinto e puxou Gil pela mão.

— O que?

— Venha, pegue sua gaita.

— Harry, eu vou passar vergonha... – o garoto protestou, embora estivesse se deixando arrastar até onde os músicos estavam.

— Claro que não vai! Você é muito bom com essa caixinha! – Harry sorriu e deu um beijinho sobre os lábios do namorado. — Vamos, Gil. Tente ao menos.

Ele hesitou antes de concordar se aproximando mais dos piratas. Esperou, pacientemente, a música que já tocavam acabar, se sentindo muito nervoso.

Harry percebeu que ele acabaria dando para trás.

— Qual vocês vão tocar agora? – perguntou, antes que Gil pudesse recuar.

— A da sereia. – Jonas respondeu, abaixando sua flauta. — Querem se juntar a nós?

— Eu não toco nada. – Harry deu de ombros.

— Ora, não seja por isso! – Freddie riu, jogando o cachecol em volta dele e puxando-o para perto. — Pode dançar comigo, cunhado.

— Será uma honra, madame. – sorriu irônico, mas, como o cavalheiro que aprendera a ser, fez uma mesura como convite para dança e Freddie respondeu o cumprimento tão zombateira quanto, antes de rir e segurar sua mão, o puxando para a dança que começava, Bonny e Desiree cantando lindamente:

— Nós sempre contamos histórias do mar para aqueles que vêm navegar! E aos jovens dizemos: cuidado, rapaz, a sereia vai te enfeitiçar!

Gil hesitou ainda um instante, ouvindo bem o ritmo antes de levar a gaita aos lábios e deixar o som se misturar aos demais. Percebeu que soava melhor do que esperava para alguém que tinha ficado tanto tempo sem praticar.

Harry e Freddie riam, girando e dançando, deslizando sobre a areia.

Audrey puxou Uma para dançar com ela e logo CJ também veio, tentando dançar com a namorada e com o irmão ao mesmo tempo.

Harriet permaneceu sentada onde estava, apenas observando tudo e sorrindo. Para ela, momentos bons em família eram tão raros quanto painitas e tão valiosas quanto diamantes. Passara tanto tempo com raiva do pai enquanto tentava protegê-los na Ilha... Até que ficou com tanta raiva que teve de desistir. Ainda não sabia o que fazer com aquele sentimento internalizado, mas, talvez pudesse ser útil para algo.

Sorriu mais ainda, mexendo distraída em sua pulseira preta que imitava espinhos retorcidos, com uma única e reluzente pedra de um tom verde maléfico como de um olho de dragão.

— Rapaz, rapaz, rapaz, rapaz, rapaz, a sereia vai te enfeitiçar!


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