O “felizes para sempre” é complicado, para não dizer questionável. Especialmente quando você vem de uma ilha cheia de vilões. Principalmente quando você não sabe bem o que significa "feliz". E, mais ainda, quando você não tem bem certeza do que tá acontecendo.

Após a quebra da barreira, não havia razão para briga. Bem… Aparentemente não havia. Mas, existiam vilões que não se deixavam dobrar por palavras bonitas. Vilões que estavam dispostos a tudo para colocar Auradon abaixo.

Úrsula, Malévola e o Príncipe Hans eram apenas alguns desses. E eram os que mais vinham fazendo estrago. Apesar disso, a guarda real parecia vir dando conta. Tudo parecia seguro apesar de um ataque aqui e ali de um dragão cuspidor de fogo ou de um polvo gigante. 

Pelo menos era o que Gil tentava se convencer enquanto saía da sala de aula, procurando sua caneta que, por acaso, estava atrás de sua orelha. Harry Gancho apenas observava em silêncio, se questionando quanto tempo levaria para que o amigo notasse isso.

Gil e Harry se conheciam a vida inteira. Eram próximos na infância, pequenos piratas a serviço de Uma, a filha da Úrsula. Mas, as coisas mudaram conforme cresciam. Gil mudou de escola e se afastou deles e, ainda que eventualmente todos tenham se aproximado de novo, era impossível retornar a uma simples amizade de infância depois de tantos anos separados.

Não. Eles já eram bem grandinhos para serem amigos que vão pescar juntos, fugindo de crocodilos e roubando dos capangas da ilha.

Harry Gancho preferia mil vezes roubar moedas de ouro e beijos de lábios rosados, fossem de meninas ou de meninos. De fato, mais de dois meses atrás, ele e Gil tinham chegado a se beijar numa pequena comemoração quando pareceu que Uma iria conquistar Auradon.

Lembrar disso o fez sentir como se estivesse pensando em outra vida. Naquela época, Uma e Mal se odiavam e, entretanto, agora eram quase inseparáveis.

Naquela época, ele e Gil saiam juntos para beber e roubar, debochavam do estilo de vida das boas almas de Auradon e juravam lealdade ao mal supremo.

Naquela época, ele desdenhava da burrice de Gil e o empurrava sempre que podia.

Mas, não estavam mais naquela época.

E no presente, ele admirava os olhos confusos de Gil e a expressão perdida enquanto o garoto loiro procurava pelo lápis.

Gil era tão adorável quanto um gancho novo e brilhante de puro ouro. Harry adoraria ter um gancho de ouro, ou ter Gil para si. Ambas as opções eram agradáveis.

— Ei, Gil! - Harry revirou os olhos para Jay que se aproximava com aquele meio sorriso sedutor de sempre. Os cabelos longos e castanhos soltos, uma touca vermelha na cabeça.

— Oi, Jay. - Gil sorriu erguendo rapidamente os olhos para o amigo antes de voltar a procurar pela sua caneta.

Jay deve ter imaginado o que o garoto estava buscando porque imediatamente tirou a caneta de trás da orelha dele e o entregou.

— Procurando por isso? - questionou sorridente enquanto o loiro agradecia com as bochechas mais vermelhas que o normal enquanto dava um breve selinho no namorado.

Outra vez Harry revirou os olhos. Jay e ele nunca se deram muito bem. Não havia uma razão específica para isso é claro, exceto o fato de que eram de gangues rivais e… Ah, é, também tinha o fato de que Harry ter namorado tanto com ele quanto com a melhor amiga dele, Mal. Mesmo que tivesse sido em períodos diferentes, Jay não gostou muito.

Mas, o que podia fazer? Em uma ilha pequena e dominada pelo caos, as opções eram bem limitadas.

— E aí, Harry? - Jay cumprimentou e tentou conter o riso quando os olhos azuis do filho do Gancho se ergueram para ele, assustados ou surpresos. Era difícil dizer. — Tudo bem?

— Claro. E você? Correndo atrás de alguma bola perdida ou voltou a roubar relógios de principezinho de nariz em pé?

Foi à vez de Jay revirar os olhos. O deboche na voz de Harry Gancho era irritante, mas ele vinha se acostumando. Tinha pra si que talvez Harry tivesse herdado a veia maluca do pai e por isso falar com ele era sempre tão estranho. O garoto com certeza se daria bem com a galera do País das Maravilhas.

— Seguinte… - começou, sem vontade de se estender no assunto. — Vão montar aulas de verão de esgrima e preciso de mais dois no time. Algum de vocês tem interesse?

— Mais aulas de verão? - Harry jogou a cabeça pra trás, sem conseguir evitar o tom reclamão.

Já era difícil demais estarem tendo que fazer aulas no verão, agora queriam que fizessem aulas extracurriculares também? Amaldiçoou o momento em que saiu de Serpent Prep, o colégio da ilha para vilões exímios, para vir estudar em Auradon Prep, o colégio dos príncipes e princesas bobões que se achavam melhor do que todo mundo só porque sabiam multiplicar.

E porque tinham dinheiro.

E castelos.

E fadas madrinhas.

E… Você sabe… Tipo, pais que os amavam.

Afinal, quem precisa dessas coisas?

— Eu quero! Parece divertido! - Gil se pronunciou, sorridente. Ele sempre parecia um cachorrinho ansioso para se exibir quando Jay estava por perto.

Harry achava isso detestável. Quase tanto quanto achava detestável a ideia dele de ir viajar com Jay pelo mundo.

— Beleza, só assina aqui. - o filho de Jafar sorriu, oferecendo para Gil uma prancheta. — E você, Gancho? Vai querer participar?

— Não tô afim dessa coisa toda que vocês fazem aqui, não. - Harry sorriu gesticulando exageradamente. — Tipo, espadas invés de ganchos, desarmar invés de matar… Eu pareço uma piada para você, Jay? Qual é? Eu sou um pirata de primeira categoria!

— Você não perdeu o título de capitão para a Uma numa corrida barcos? - Jay arqueou a sobrancelha. — Isso não me parece coisa de um pirata de primeira categoria.

Harry poderia ter partido para cima dele naquele instante. Estava para fazer isso quando Jay continuou:

— Além do mais, preciso lembrá-lo que você me deve setenta e cinco favores ainda? Por tipo assim… Quebrar a minha moto?

— Foi um acidente!

— Você bateu com ela na parede!

— Porque eu não sabia pilotar!

— Então por que você a roubou pra começo de conversa?

— Por que era sua! De que outra razão eu preciso? - um sorriso provocativo se estendeu pelos lábios de Harry enquanto passava o gancho pelos cabelos. Se não tivesse ciência da própria loucura, poderia jurar que Jay pareceu sem graça. — Além do mais, Gil também roubou uma das motos de vocês, então por que eu sou o único que deve favores?

— Gil já me pagou todos os favores que devia. Ao contrário de você, ele não dificulta.

— O que exatamente ele não dificulta? - Harry semicerrou os olhos, desconfiado. Seu olhar ia de Jay para Gil esperando que um dos dois respondesse.

Gil deu de ombros, parando pra guardar as coisas no armário. — Eu sou prestativo.

— Você nem sabe o que essa palavra significa! – Gancho gritou irritado, batendo o pé e saiu empurrando os dois, parecendo furioso.

Jay se encostou contra os armários, franzindo os lábios.

— Você falou com ele?

— Ainda não. – Gil murmurou timidamente. — Falar com o Harry é... Difícil. Ele não é previsível e... Tem a Uma.

— Você acha que ele gosta dela?

— Não sei, eles são estranhos então talvez. Mas...

— Gil. – Jay segurou a mão do garoto sorrindo de lado.

— Tem certeza que é uma boa ideia? Eu sei que você e o Harry têm uma história complicada e...

— A gente tem. Mas, eu gosto do Harry. E gosto de você. Se pra vocês dois estiver tudo bem...

— Eu vou tentar falar com ele mais tarde. – Gil murmurou por fim, se encostando em Jay e fechando os olhos. — Posso matar a próxima aula? Tô tão cansado!

— Não! – Jay deu risada, apertando a cintura do loiro. — Vem, eu te acompanho até a sala.