— Certeza de que é uma boa ideia ela aqui? — questionou Nedzu, a Toshinori sentado a sua esquerda.

— Mas é claro que sim, Endeavor comentou a condição da garota, não há o que ser discutido. — cruzou os braços irritado.

— O que é que você tem com essa garota All might? Se apegou a ela só de olhar? — Nemuri recostou-se na cadeira.

— Não importa que tipo de pessoa ou que tipo de individualidade ela tenha, o que importa é que ela é alguém que deseja se tornar heroí, não roubaremos o sonho dela assim.

— Tenho que concordar com ele, — suspirou Aizawa, surpreendendo a todos — se ela quer ser heroína que seja, confio em All might, afinal, ele quem testou a garota.

— Já que é assim Aizawa, não irá se importar se eu deixá—la na sua turma, certo? Além do mais, ela tem um irmão na mesma classe. — Nedzu levou sua xícara até seus lábios.

— Aqui a ficha dela. — Toshinori levou até as mãos de Aizawa.

— Não vejo qual é o problema dela... Ah sim... A mudança de humor.

[...]

Levantei-me pisando na manta fria que me cobria nas noites geladas deste mês. Suspirei em meio a tensão que carregava em meus ombros, era a manhã de uma segunda-feira. Natsuo e Fuyumi estão brigando, ao que parece, o mais velho deixou os sapatos jogados pela casa outra vez. Posso ouvi-los daqui, pois quando se perde um sentido, outros ficam mais que aguçados. Tamborilando entre dedos dos meus pequenos e delicados pés,  me apoie na pequena janela deixando que a claridade do sol entrasse revigorando o ar pesado que este quarto carrega. Ao me virar, percebo que Shoto já não está mais aqui, ele já deve estar pronto para a U.A. Meus travesseiros já afofados, estão prontos para mais uma noite de desesperanças.

Me apronto sem pressa, deixo que a água morna transpasse por cada centímetro do meu corpo. Enrolada na toalha, vejo meu reflexo no espelho, mas não consigo enxergar a mim, tudo que eu vejo é ele, pois eu me pareço com ele, eu sou ele. Prendo o cabelo vermelho alto, sinto ele um pouco úmido, mas nada que a brisa fresca da manhã não resolva. Em frente a mesa de centro, abro a segunda gaveta e retiro minhas luvas para esconder as cicatrizes e meu celular carregado 100%. Já que perdi a fala, o único meio de me comunicar "normalmente" é este.

Tudo começou há alguns anos atrás, a família Todoroki inteira sofreu nas garras do cabeça-chefe da nossa família, Enji Todoroki, mais conhecido como aquele que ocupa o segundo lugar, Endeavor. A ambição que ele tinha era descontrolavel, e abruptamente perigosa. Ele maltratava o garoto Shoto, e eu, a menina gêmea do mesmo que herdou sua personalidade e aparência, [Seu nome]. Eram frequentes as agressões, os abusos, tudo. Nós não aguentavamos mais, ninguém aguentava. Com o trauma, tudo que envolva ele, me atinge. Tudo isso, porque eu nasci com sua individualidade de controlar as chamas com as mãos, porém, minha mudança de humor repentina pode ser um problema, pois a cada emoção que eu sinto minha cor de cabelo e chamas mudam, um exemplo, minha cor de cabelo natural é a vermelha, mas quando eu estou com raiva ele fica um vermelho bem mais forte e essas emoções decidem com que intensidade meu poder se encontra. Nunca soube de nenhum parente da família que tivesse essa individualidade, então tudo começou comigo.

— Está pronta? — Vejo a cabeleira meio a meio de meu irmão aparecer a porta. Com um aceno, sorrio para ele.

Sem escadas, cruzo a porta seguindo para os corredores estreitos da casa e não vejo o que sempre quis, fotos. Todas as casas com famílias bem estruturadas ou o que seja possuem essas fotos, é realmente triste.

— Bom dia irmãzinha. — Natsuo me abraça por trás.

“Bom dia”, digito na tela de meu celular, fácil não é?

— Pare de tentar fugir da nossa conversa mocinho, você deveria estar dando exemplo aos seus irmãos, não acha? — Fuyumi disse.

— Ah cara, você tá tão chata hoje...

— Eu, chata? Só quero um pouco de ordem nessa casa, dá pra ser?

— Você não é a mamãe, tá legal? Então para de agir como se fosse uma dona de casa com filhos e tudo mais!

Um clima tenso se instalou no ambiente, todos os dias passávamos pela mesma tortura. Natsuo mais do que qualquer um se sentia reprimido, ele não colocava suas palavras para fora com tanta frequência, e quando colocava... sempre terminava em um silêncio absoluto como esse de agora enquanto eu narro esta história.

— Vamos indo. — Shoto estendeu a mão para mim que eu agarrei sem demora.

Caminhamos nós dois, lado a lado, as vezes é tão simples decifrar as pessoas, coisa que eu não consigo fazer com Shoto, ele é tão distante. Fico pensando, como será hoje na U.A? Apesar de ter entrado por recomendação, poderia ser um problema, já que minha individualidade não é das melhores como a do Shoto.

— Não se preocupe. — o irmão me disse.

“Não estou preocupada”, digitei.

— Seu cabelo está azul, significa que está preocupada, não minta.

Ele tem razão. Sem demora, depois de pegar o metrô chegamos em frente a U.A, eu entrar assim no meio do ano vai ser difícil. Vimos dois alunos trocando socos um com o outro, um era esverdeado e o outro era um loiro apagado.

— Seu Deku de merda!

— Para com isso, eu não quero te bater Kacchan!

— Ei, ei, — Todoroki interviu a briga — deixem pra fazer isso em um lugar que tenha menos gente, vocês não lembram o que o Aizawa—sensei disse depois da briga na área beta?

Com passos pesados o loiro saía a ponto de explodir, literalmente. Shoto, tomava cuidado para ver como o tal Deku estava, gentil de sua parte.

— Midorya, essa é a minha irmã [Seu nome] que eu comentei. — apontou.

— O-ohayo, eu sou Izuku Midorya. — estendeu a mão que eu apertei rápido.

“Eu sou a [Seu nome], mas me chame como quiser Midorya—kun!”, digitei.

— É como dizem então, você não fala mesmo...

Será que me conhecem tanto assim? Cadarços desamarrados, um passo em falso e eu já me via no chão, mas em vez do chão, era algo macio, um garoto!

— Por mais confortável que isso possa ser, pode sair de cima de mim?

Envergonhada eu me levanto rapidamente, em esse instante meus cabelos já estavam cor rosa chiclete e ocilavam pelo ar conforme eu balançava a cabeça com as chamas da mesma cor se formando ao topo.

— Ei, vamos logo, temos que falar com Aizawa-sensei. — a mão quente de Shoto agarra a minha me arrastando até a entrada da escola. Eu queria saber o nome daquele garoto de cabelos roxos...

Que escola grande, está mais para um hotel eu diria, acabo por soltar um riso abafado. A frente, um moreno esperava por nós aparentemente.

— É um prazer conhecê-la [Seu nome], eu sou seu professor Aizawa Shouta, seja bem-vinda a U.A. Antes de entrar, por acaso tem aquela lista que eu pedi por e-mail?

Ah sim, a lista. Esse foi o professor que pediu a lista com todas as cores que posso manifestar em meu cabelo e poder, é pequena, mas acho que vai servir a ele, afinal, nem eu sei quais outras cores mais podem surgir.

— Você não fala mesmo, não é? All might te defendeu muito na nossa última reunião, agradeça a ele depois. — suspirou — Enfim, entre.

Tio might? Eu sempre gostei muito dele. Ao entrar, me sento  a frente de Shoto no fundo da sala atrás daquele loiro explosivo de antes.

— O QUE É QUE VOCÊ TÁ OLHANDO EIN? — o da frente se vira pra mim.

“Não tenho interesse em olhar pra você, o professor é quem está mais a frente”, digitei.

— Ah, então você deve ser a mudinha. — riu — Eu sou o grande Katsuki Bakugou.

“Mudinha?”, perguntei.

— É, você fala por acaso? — riu outra vez, vou jogar esse celular na cara dele.

Meus cabelos começaram a tomar a forma vermelha de raiva e eu já via o olhar do professor sobre mim tentando procurar no papel o que era aquela cor flamejante.

— E ela ainda muda a cor do cabelo, esse é seu poder então? — gargalhou alto.

— Silêncio! — Aizawa gritou alto — Bem, vamos voltar a aula teórica retomando os conteúdos da classe passada.  

  [...]

Sonhos, vontades. É o meu primeiro dia dentro dessa escola e me pergunto como Shoto conseguiu aguentar tanto. Soube de tudo que eles passaram, até no incidente do acampamento. Eles devem ter uma biblioteca por aqui, não tem?

— Gosta de ler? — alguém ao meu lado me assusta e consequentemente caí por cima do mesmo.

— Quando vamos parar de nos encontrar assim? — sorriu maliciosamente.

Tento pegar o celular ao meu bolso o mais rápido que consigo para digitar uma mensagem, vejo meus cabelos voando ao ar com a cor rosa outra vez, que vergonha!

“Me desculpa, não foi a intenção”, mostrei a ele.

— Você gostou de estar em cima de mim, pode falar a verdade. — que sorriso lindo, mas eu ainda estou em cima dele, que idiota eu sou.

Já em pé, sinto que estou toda vermelha e rosa ao mesmo tempo, ele não para de me encarar, é como se ele quisesse que eu dissesse algo.

— Esse fogo rosa no topo da sua cabeça, é normal? — apontou.

“É sim, uma de minhas individualidades”, sorri.

— Certo, de qualquer forma, você deixou isso cair. — estendeu a luva que escorregou da minha mão — E a propósito, eu sou Shinsou Hitoshi.

Pressionei minha outra mão para tampar esta, ninguém quer ver essas cicatrizes horríveis outra vez.

— Ei, você está bem garota? — ao encostar sua mão em mim começo a correr sem parar enquanto olhos suspeitos me encaram com leveza.

— Espera garota, me diga seu nome!