Anastasis escrita por Gabrielle Silva


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Ao imaginar essas linda esperança de vida se tornando realidade e o reencontro com meus parentes adormecidos na morte, me sinto até emocionar. Espero que apreciem a leitura.



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 O vento não estava muito forte. Sua brisa era levemente fresca e agradável, o clima estava perfeito para um piquenique. Pássaros de vários tipos e espécies pairavam no céu limpo de poucas nuvens e suas músicas ecoavam por todo o jardim. Neste local não havia com o quê se preocupar, desde a relva, verde e bem regada, até gama de animais diversos, que partilhavam os seus espaços em paz e harmonia.

No meio deste jardim havia uma enorme árvore. A qual servia de repouso para as aves do céu, sombra para os animais terrestres e fornecia, também, alimento frutífero para saciar aqueles que tinham fome. Abaixo dela, recostada em seu grande tronco repousava uma criança.

 Esta, por sua vez, de tão jovem e bela parecia ter sido criada naquele instante. Seus cabelos longos e escuros balançavam contra o vento e sua pele refletia a luz nobre do final da tarde. Não era visível em seu corpo nenhuma cicatriz ou machucado, sua pele era macia e suave, diferente de outrora.

 A forma como havia sido deixada, morta, com sangue seco saindo de suas narinas e boca, arranhões por todo corpo e largas feridas espalhadas pelos braços e pernas desvalorizava a sua beleza e desonrava a complexidade de sua criação.  A guerra não foi boa com ela, a separou de sua família e a matou. Não pôde nem mesmo dar adeus aos seus pais, ou beijar o rosto de seu irmão; teve de ser deixada para trás. Mas era compreensível, ela podia entender, afinal, eles precisavam fugir, correr para longe e viver!

Rose perdeu os melhores anos de sua vida, sua adolescência mal havia começado e sua vida já chegara ao fim. Mas Ele sentia saudades do trabalho de suas mãos. Sentia saudade da sua bondade e amor para com todos e de sua determinação para executar com zelo e graciosidade tudo que fazia; Rose dava o seu melhor para ajudar a outros e, mesmo sem conhecê-lo,  Ele sentia amor por ela. 

 Era por isso que agora ela estava lá, recostada ao tronco, descansando calmamente. Jeová havia se lembrado dela e a tirado das memórias de um mundo mau. Havia dado a ela a esperança de reencontrar seus familiares, e agora também servos dele, e de viver seus tão sonhados anos de paz e liberdade.

Rose mexeu-se um pouco, passou a mão sobre a grama verde e, ainda de olhos fechados, sentiu o aroma doce que a brisa trazia do sul do horto. Sentiu-se estranha por estar ali, as sensações agradáveis projetadas em seu corpo não eram o que deveria estar acontecendo pois, quando adormeceu na morte, não foram essas suas últimas impressões.

Mas agora ela havia acordado e estava tudo bem. Não sentia mais dores e nem cansaço físico. Seu corpo estava completamente revigorado e Rose estava pronta para abrir os olhos. Mesmo sem saber onde estava, o que havia acontecido ou quem a havia salvado, ela sabia que estava segura.

Um pequeno coelho, morador da toca ao lado, observava a moça. 

Ao acordar, esta foi a primeira criatura que viu. Era tão delicado e pequeno que Rose quis acariciá-lo e protegê-lo. Mas ao tentar pegar o animal, senti-lo e ver se era real, o coelho deu um pequeno pulo para trás, como se estivesse fugindo das boas mãos da garota. E ela tentou segurá-lo novamente, mas não obteve sucesso.

O delicado animal fugiu de Rose mais algumas vezes até que a menina percebesse a real intenção da criatura. O coelho queria que ela o seguisse. A esse ponto, Rose já engatinhava pela grama do jardim, mas ainda não havia notado a beleza do local ao seu redor e nem realmente se levantado para apreciá-lo. 

O coelho se distanciou um pouco mais da garota dando foco ao jardim. Suas flores e árvores tão coloridas balançavam levemente com a brisa e a luz do dia que já estava no fim passava majestosa pelas folhas. Rose levantou-se com cuidado, lembrando a si mesma que tudo ali poderia ser um delírio seu e olhou para o céu. 

O local era tão belo e perfeito… Parecia ser inacreditável que, logo ela, havia sido escolhida para acordar ali. Respirou fundo, abriu os braços e sorriu. Agradeceu pela maravilhosa visão que o jardim a fornecia, rodopiou algumas vezes e começou a correr, correu em direção ao pequeno animal e este seguiu em frente, mostrando o caminho a se seguir. 

Rose foi levada até o final do jardim onde podia ver uma pequena cerca que separava a parte florida de apenas grama, árvores e uma pequena estrada de terra. A separação entre o jardim e o restante do vale era feita não só pela cerca, mas também por um grande arco envolto de flores e trepadeiras. Acoplado nele havia uma placa, seus dizeres explicavam brevemente tudo o que Rose precisava saber e ela se atentou em lê-los.

 

“Quando adormece alguém especial, Jeová jamais esquece.

Cantem alegres, o reino chegou!

Aqui o mal não mais existirá, o reino justo não vai falhar!

Chamará os que estão mortos, à sua voz responderão.

Quem amamos voltará, para sempre viveremos com as bênçãos de Jeová.

 

Ele é Deus, não de mortos, mas de vivos, pois, para ele, todos eles vivem.”

Lucas 20:38

Era melhor até do que havia imaginado. Estava viva novamente pois Ele havia se lembrado mesmo dela! Lágrimas saíram dos olhos de Rose e o fôlego lhe escapou por um momento. Jeová deu a ela a oportunidade de viver novamente, de ser feliz! 

Talvez tivesse ouvido falar de algo parecido antes da guerra, mas não teve o benefício de saber mais afundo do que se tratava. Mas agora ela tinha certeza. Tinha plena certeza de que nada que a ensinaram ou a induziram a acreditar era o correto.  Não havia outro mundo após a morte, continuava a mesma terra e o mesmo aroma fresco de fim de tarde do planeta em que ela cresceu e estava acostumada. Sua alma não vagou durante o tempo em que esteve morta, era como se ela tivesse deixado de existir por um período de tempo, era como se estivesse dormindo e agora estava acordada, revigorada e pronta para recuperar o tempo perdido.

 

O coelho deu alguns pulinhos, chamando a atenção de Rose. Ao notar que o animal a aguardava, apressou-se em ajustar os panos do vestido branco agachou para a criatura e sorriu.

  — Vamos lá, bichinho. Leve-me onde precisamos ir! — pediu com ternura na voz.

O coelho, por fim, voltou a correr, passando pelo arco e permaneceu seguindo a estrada de terra. Ao passo que o acompanhava, o aroma de comida fresca ficava mais forte no ar e enchia as narinas de Rose. Seu coração estava alegre e ansioso para descobrir o que a esperava mais adiante. Apertou seu passo e seguiu em frente.

Carla, por sua vez, estava satisfeita. Tudo estava perfeito, em seus conformes. Seu marido havia acabado de chegar com as uvas e laranjas, para preparar os sucos e Ethan, seu filho mais novo, a ajudava arrumando a mesa do jantar.

 Enquanto lavava as folhas de alface, a jovem senhora levantou seus olhos aos céus e agradeceu à Jeová, seu Deus e Pai, por ter-lhe recompensando com tamanha felicidade após tanto sofrimento e dificuldades que o mundo imperfeito os havia feito passar. 

Durante a guerra ela e sua família sofreram muito, foram espancados e humilhados, passaram anos se escondendo e sobrevivendo com o mínimo possível, perderam membros da família e suportaram muita dor. Quando a situação melhorou, anos depois, numa determinada manhã, quando Carla caminhava até o mercado mais próximo. avistou duas senhoras perto de um carrinho de publicações. O tema das revistas expostas era sobre a morte e a esperança de um mundo melhor. 

Aquelas palavras tocaram o coração de Carla e a instigaram a conhecer e estudar mais sobre essa esperança de vida. Apresentou o que aprendeu a seu marido e filho e eles também tomaram como verdade o que passavam a conhecer. Agora suas vidas pertenciam a Jeová e Ele, com amor, guiou seus passos e os protegeu. Não os abandonou nem um momento sequer, esteve sempre ao lado deles.

Muitas outras tribulações ocorreram após esse fato, mas sua família se manteve unida e, com coragem, seguiram em frente. Não demorou muito para o antigo sistema de coisas cair em ruínas e Jeová, junto de seu filho, o rei, estabeleceram um novo sistema, justo e perfeito em que todos seus filhos, servos, pessoas justas e até mesmo injustas, que não tiveram a oportunidade de mudar e conhecer a Deus, viveriam em paz e harmonia.  

Era lá onde se encontravam, no paraíso terrestre prometido pelo Criador.

Carla terminou seus afazeres da janta, sentou-se em um dos bancos ao lado da mesa e fechou os olhos. Sentiu a brisa fresca bater em seu rosto e sorriu. A paz e alegria que Jeová havia proporcionado era boa demais para ser verdade. Se ao menos sua filha pudesse senti-la também, pensou ela, tudo poderia ficar ainda melhor. 

— Mãe? — chamou Ethan — alguém se aproxima, uma menina, vinda da parte sul do horto. 

— Uma ressuscitada! — exclamou a mãe cheia de amor no coração — Venha, vamos recebê-la. 

Carla levantou prontamente, ajustou sua saia e foi de encontro à menina que corria pela estrada de terra em direção à eles 

Ethan seguiu sua mãe até a garota e quando estavam a cerca de quatro metros de distância ele pôde, então, reconhecê-la. Apesar de ser novo demais para se lembrar, Ethan tinha claramente em sua memória o sorriso doce de sua falecida irmã. Lembrava-se bem de como era aconchegante seu abraço e como se divertiam quando brincavam juntos.

Era ela mesmo, a mesma garota que esteve lá em sua primeira infância. A mesma que tiveram que deixar o corpo nos destroços da guerra. A mesma que fez sua mãe chorar por dias e seu pai perder o sono. Aquela a qual todos pensavam que sobraria apenas a memória. Ela estava lá, seu fôlego de vida havia sido restaurado.

— Rose...? — Sua mãe sussurrou baixinho.

— É, é ela… — Confirmou o mais novo, agora já crescido e sem força de conter as  lágrimas nos olhos.

Rose aproximou-se deles com cuidado, arisca, tentando avaliar se sua visão era mesmo real. Porém, antes mesmo de concluir, Carla agarrou-a e a envolveu num forte abraço. 

— Minha filha! Meu amor! — clamava entre lágrimas e soluços — Jeová trouxe de volta meu bêbê! Obrigada, Jeová!

Agora nada mais era necessário, nada mais era preciso para que estivesse plenamente satisfeita, sua família estava completa novamente e sua amada filha, sua primogênita, estava novamente em seus braços. 

Emocionado, Ethan se ajoelha e junta-se a mãe no abraço a menina. Ambos permanecem em silêncio por um momento, apenas sentindo a garota em seus braços. Nada poderia superar tal alegria.

— Mamãe? É mesmo a senhora? — Rose segura o rosto da mãe com as duas mãos e, com a ponta dos dedos percorre as rugas de Carla, antes desconhecidas para a garota.

— Sou eu sim, meu amor — confirma ainda com lágrimas nos olhos e um enorme sorriso no rosto — você foi ressuscitada, está viva novamente depois de quase sessenta anos!

Sua mãe a havia confirmado. Ela realmente morreu naquele dia, e esteve então como que adormecida até o atual momento. Uma força maior a acordou e lhe deu um novo corpo, esse era Jeová, o Deus no qual sua mãe glorificava. 

Rose olhou então para o moço ao seu lado, os traços eram parecidos com os de sua mãe seus cabelos negros e ondulados estavam bagunçados em cima e o corpo do jovem alto e esbelto o indicava claramente como adulto. A garota repousou sua mão no rosto do rapaz e fixou nele seus olhos, já cheios de lágrimas.

— E este, é Ethan? — perguntou à sua mãe que respondeu acenando a cabeça, emocionada. 

A garota soltou um riso abafado e fez uma careta, duas lágrimas saíram de seus olhos e então ela o abraçou novamente. Era irônico ver que um adulto poderia ser irmão mais novo de uma garotinha; e Rose se divertiu com esse fato. 

— Sempre soube que você ficaria mais alto  — brincou ela ao limpar as lágrimas do rosto do irmão. 

Todos riram e se entreolharam novamente, o amor e a felicidade em seus corações era quase superior a qualquer sentimento já experimentado antes. Mesmo passando por essa benção divina, ainda era difícil de se acreditar. 

  — Venha, vamos contar a novidade ao seu pai! — Carla instigou-os a se levantarem. 

Os dois adultos seguraram as mãos da menina e a levaram até o chalé para se encontrarem com seu pai e enfim desfrutarem da janta. 

Como prometido Jeová recompensou àqueles que o foram fiéis até o fim e deu a devida chance aos bons de coração que não tiveram oportunidade de conhecê-lo. Ele cumpriu seu propósito para os humanos e a Terra. Pois, visto que a morte e o pecado são originados de um só homem, é também por meio de um homem, outro igualmente perfeito, que escolheu dar sua vida por todos e pagar a dívida da humanidade, que esse propósito pôde ser cumprido. — 1 Corintios 15: 21-22


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Notas finais do capítulo

Gostaria de ressaltar que esta é a minha crença e se você não tem a mesma esperança que eu, não há problema algum. No fim, todos um dia adormeceremos na morte, porém cada um tem o direito de acreditar no que vem a seguir.

Se leram até aqui, fico extremamente grata. Por favor comentem o que acharam e se foi possível passar o sentimento com clareza pelas palavras ❤



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