Derek aproveitava a sonolência bem-vinda com a semiconsciência enquanto apertava Stiles com um braço, o puxando para mais perto inspirando profundamente seu cheiro, ouvindo o bater calmo e ritmado de seu coração.

A televisão ainda exibia um filme qualquer com o volume baixo para não perturbar Sam, mas Derek não sabia que horas eram, porém a julgar pelo fato de que já fazia um bom tempo desde que a última criança passara para pedir doces, certamente era tarde da noite. Em algum lugar bem afastado no fundo de sua mente, ele sabia que deveria se levantar e ir para casa, mas a ideia de se desvencilhar de Stiles e se obrigar a acordar propriamente lhe desagrava.

Sua consciência estava à beira de o abandonar em favor do sono quando a porta da frente se abriu com um estrondo, e antes mesmo que pudesse raciocinar, Derek estava empurrando o ainda adormecido garoto para trás de seu corpo enquanto se colocava em posição de ataque, garras, dentes e olhos brilhantes a postos, pronto para proteger seu filho e Stiles.

― Calma filho, sou eu.

Derek retraiu as garras e presas instantaneamente, seus olhos também voltando ao normal. Stiles também acordava, olhando em volta assustado e confuso.

― O que há de errado? ― Derek perguntou olhando para o Xerife, notando seu nervosismo.

― Eu atendi a uma ocorrência agora pouco ― começou o homem. ― Mas acho que isso é um de seus negócios.

Derek franziu as sobrancelhas, mas seguiu o homem para fora da casa, até onde ele estacionara a viatura, com Stiles em seu encalço, cambaleando meio sonolento.

Os grunhidos e rosnados antecederam a visão do aparente homem sentado no banco de trás da viatura. Derek não sabia dizer se sua aparência se devia a uma fantasia de halloween ou a seja lá o que for que o colocara em tal situação feral. Ao se aproximar, pode sentir o cheiro de magia e sangue, e notou os olhos injetados maníacos lhe encarando enquanto rosnava, as mãos algemadas agarravam a grade da viatura. Por todo o seu corpo podia-se ver manchas vermelhas, que cheiravam a tinta principalmente, mas o sangue também estava presente, e as roupas rasgadas revelavam hematomas e feridas que poderiam ser machucados reais ou parte da fantasia.

― Oh meu Deus, eu sabia que o apocalipse zumbi não iria demorar ― Stiles murmurou, chegando mais perto para observar o indivíduo pela janela. ― Tomara que não sejam como os de Guerra Mundial Z.

― O que aconteceu com ele? ― Perguntou Derek, se virando para o pai de Stiles.

― Estou com certeza enrolando arame farpado no meu taco de baseball ― continuou a divagar o garoto, quase colando o rosto na janela, mas recuou assustado com um rosnado do aparente zumbi. ― Os treinos de rebatida com certeza serão úteis agora.

― A ocorrência foi registrada como um homem violento causando confusão em uma festa ― explicou o mais velho, ignorando o filho, se virando para retornar para dentro de casa. ― Eu interroguei seus amigos quando cheguei no local. Aparentemente ele começou a agir estranho depois de tomar alguma droga desconhecida.

― Ele cheira a magia ― declarou o lobisomem. ― E também a drogas humanas normais e álcool.

― Pelo que o grupo de amigos dele disse, ele havia comprado uma nova droga e resolveu experimentar, pouco depois começou o comportamento feral.

― Drogas mágicas? ― Palpitou Stiles. ― Alguma poção?

― Eles disseram onde ele conseguiu essa droga?

― Tudo o que eles sabiam é que havia uma mulher que a vendeu barato ― o homem respondeu, passando a mão no cabelo em um gesto exausto. ― Já pegamos a descrição da mulher e estamos a sua procura.

― Uma bruxa, provavelmente ― disse Stiles. ― Uma com um senso de humor para agir no Dia das Bruxas.

― Será que vocês conseguem resolver a situação do zumbi no meu banco de trás? ― Perguntou o xerife. ― Tenho que levá-lo para a delegacia, mas não podemos deixar que ele fique desse jeito.

― Vou começar a pesquisa ― declarou Stiles antes de bocejar. ― E fazer um café bem forte.

― Vou chamar o bando para ajudar ― o Hale falou, sentando-se no sofá ao lado de seu filho que ainda dormia pacificamente, para então pegar seu celular e começar as ligações.

― Essa cidade não perdoa nem os feriados ― resmungando, o garoto seguiu para a cozinha.

Stiles bocejou novamente e desabotoou o colete apertado de sua fantasia, desgrudando seus dentes falsos e os pondo no bolso enquanto esperava o café ficar pronto, abastecendo duas canecas em seguida, mesmo que cafeína não fizesse efeito no organismo de lobisomem de Derek.

― Não consegui falar com Lydia e Jackson ― Derek falou, largando o celular. ― Mas Boyd, Erica, Isaac e Scott estão a caminho.

― Vou subir e tirar essa fantasia ― declarou Stiles, soltando sua capa. ― Vou pegar também os livros que podem ser úteis.

Quando retornou ao andar de baixo, notou Derek ninando Sam enquanto alimentava-o com uma farta mamadeira de leite.

― Você pode colocá-lo pra dormir no meu quarto, se quiser ― Stiles falou, largando a pesada pilha de livros na mesa de centro. ― Tem um pequeno colchão de solteiro no armário, pode colocar ele no chão pro Sam não cair da cama se rolar.

Derek concordou e subiu assim que tinha o bebê sonolento satisfeito. Aproveitou para trocar suas fraldas e enfim o pôs para dormir tranquilamente em meio a cobertores que cheiravam a Stiles. Ouviu o restante do bando chegar enquanto descia as escadas, cada um com um grau diferente de reclamações.

Sem demora o grupo se acomodou pela sala e cozinha, com Erica, Boyd e Scott na mesa de jantar, e Stiles entre Isaac e Derek no sofá, cada um com seu livro depois de serem ameaçados por Stiles para serem cuidadosos.

Não demorou para que os olhos de todos começassem a pesar, e as posições a se tornarem cada vez mais desconfortáveis.

― Stiles... ― resmungou Derek entre dentes quando o garoto se remexeu inquieto ao seu lado pela milésima vez.

― É difícil manter o foco assim ― resmungou de volta, se mexendo novamente. ― Estou realmente tentado a adiantar minha dose de Adderall. [1]

Stiles ainda resmungou e se remexeu mais um pouco antes de seu celular tocar estridentemente alto, despertando os lobisomens cansados de seus estados sonolentos por um momento.

― E aí, pai, novidades no caso? ― Saudou Stiles, levantando-se para atender.

― Mais três ocorrências do tipo foram registradas ― declarou o homem com um suspiro cansado. ― Todos agindo, aparentemente, de acordo com suas fantasias de Halloween. É como se eles criassem a vida daquilo que estão vestindo.

― Mais alguém relatou a bruxa fornecendo a droga?

― Dos que conseguimos alguma informação com amigos, sim, sempre uma mulher vendendo barato uma droga que ninguém conhecia ― com outro suspiro cansado, o Xerife tornou a falar, um tom mais sério assumindo sua voz. ― Houve uma morte. Um homem fantasiado de Jason retalhou um adolescente com um facão que até então era de plástico.

― O que poderia ser tão poderoso que faz as pessoas se transformarem desse jeito? ― Divagou Stiles, passando nervosamente a mão pelo cabelo enquanto caminhava de um lado para o outro pela sala. ― E aparentemente muda seus acessórios, não só a pessoa.

― Bem, estou contando com a ajuda de vocês. Do jeito que andam as coisas, não devo voltar para casa tão cedo ― suspirando pesadamente um última vez, seu pai concluiu: ― Tenho um Jason, um zumbi, uma fada que não é só brilho e purpurina porque quase me mordeu quando eu tentei algemá-la, e algo meio dragão que está quase cuspindo fogo na cela.

― Vamos trabalhar aqui ― Stiles disse. ― Contatemos Deaton também, ele está ajudando a pesquisar.

Voltando a se sentar no sofá, Stiles pegou seu livro com determinação renovada, sem precisar explicar a situação ao restante do bando, que sendo lobisomens haviam ouvido seu pai pelo telefone.

― Hey! ― Protestou Isaac quando Stiles se virou no sofá jogando suas pernas em seu colo.

― Humano frágil aqui ― resmungou em resposta, acomodando melhor as costas contra Derek.

― Stiles!

― Se eu vou passar a madrugada nisso, eu posso muito bem tirar proveito de algum calor de lobisomem ― falou enquanto se mexia até achar uma boa posição contra Derek. ― Está frio hoje.

A madrugada se arrastava lentamente enquanto o grupo lia livros e livros atrás de algo que pudesse ser útil, e Stiles nem sequer se importou quando ouviu o baque seco da cabeça de uma Erica adormecida bater contra a mesa, nem de Isaac roncando baixinho ao seu lado. Derek e Boyd ainda tentavam se manter firme na leitura, enquanto Scott há muito só conseguia ver as pequenas letras dançarem diante de seus olhos. Stiles piscava lentamente, aos poucos escorregando para a inconsciência.

Derek tentou não reagir quando Stiles simplesmente escorregou de onde estava com as costas apoiadas em seu ombro, caindo deitado em seu colo sobre seu livro. Ninguém pareceu notar, e olhando ao redor, Derek agora suspeitava que Boyd havia adormecido de olhos abertos, enquanto Scott se apoiava em seus braços cruzados sobre a mesa.

Suspirando, o homem puxou com cuidado o livro de debaixo de Stiles, o segurando aberto com uma mão, deixando a outra livre para automaticamente acariciar os cabelos do garoto, que murmurou feliz em seu sono.

― Achei! ― Boy exclamou repentinamente, assustando Derek por um momento, o fazendo acordar Stiles, que constrangido pela posição se levantava corado. ― Acho que é isso!

Levando consigo o livro aberto até os outros dois, Boyd mostrou a passagem que descrevia um encantamento com efeito semelhante ao que acontecera com as pessoas, tendo também a receita da poção que prometia reverter a situação.

Ligando para Deaton, Derek deixou ao encargo do veterinário o preparo de tal poção, uma vez que ele parecia possuir todos os ingredientes necessários, prometendo passar na delegacia quando ela estivesse pronta.

― Acho que é melhor irmos embora ― Derek falou se levantando do sofá.

― Está tarde, é melhor vocês dormirem aqui ― Stiles se apressou em dizer, vendo que já era quase quatro da manhã. ― Tem uma cama de casal no quarto de hóspedes, alguém pode ficar com o sofá e eu não me importo em dividir a cama contanto que me deixem dormir até ao menos meio-dia.

― O sofá é meu! ― Scott se apressou em dizer enquanto se jogava no estofado, com seus pés sobre Isaac, quase instantaneamente caindo no sono.

― Isaac, Erica e eu ficamos com a cama ― Boyd declarou, cutucando então o garoto adormecido até ele acordar e tropeçar sonolento até o andar de cima, seguido pelos outros dois que dividiriam o quarto.

― Então... ― começou Stiles se espreguiçando. ― Sobramos nós dois.

― Stiles, realmente não tem necessidade, eu posso ir para casa sem problemas.

― De jeito nenhum vou deixar você dirigir caindo de sono! ― Insistiu o garoto. ― E ainda mais com Sam no carro. Vamos lá garotão, eu não mordo. A não ser que você peça.

Batendo de leve no ombro de Derek, Stiles apagou as luzes da sala e cozinha antes de subir as escadas, sabendo que o homem o seguia.

Sam dormia profundamente em seu colchão no chão, e Derek parou no meio do quarto sem saber o que fazer. Devia se deitar? Esperar que Stiles se deitasse primeiro?

― Pode pegar algum short ou calça mais confortável, se quiser ― Stiles falou, indo vasculhar seu armário. ― Fique à vontade enquanto vou levar um cobertor para Scott.

Ouvindo o garoto descer as escadas, Derek vestiu um short folgado o suficiente para caber em si, decidindo esperar por Stiles antes de se deitar.

Stiles nunca reparou no quanto Derek parecia maior e estranhamente desajeitado quando não sabia o que fazer, então riu olhando para o homem que alternava o olhar entre si e a cama.

― Vamos dormir, Sourwolf ― murmurou seguido de um bocejo apontando para a cama.

Derek se deitou de costas no canto mais próximo a parede, esperando Stiles se juntar a ele, o que não demorou depois do garoto apagar a luz. Estando ambos exaustos da longa noite de pesquisa, logo estavam perdidos em meio a um sono profundo.

Quando Stiles finalmente acordou, foi lamentavelmente mais cedo que o planejado. Sentindo tapinhas estalados em seu rosto, ele abriu os olhos assustado, imediatamente vendo Sam em pé apoiado em sua cama espalmando sua mãozinha em seu rosto. Resmungando por ter sido acordado, Stiles tentou se mover para uma posição fora do alcance do tapa do bebê, mas se viu impedido pelo braço de Derek, que jogado por sua cintura o apertava firmemente contra seu corpo. Suas pernas também estavam enlaçadas juntas, e a respiração quente do homem batia ritmada contra seu pescoço, onde seu nariz estava enterrado, causando arrepios ao longo do corpo de Stiles.

Suspirou ao sentir mais tapinhas fracos de Sam em sua cara, e fechou os olhos com força antes de se forçar a acordar Derek, porque de jeito nenhum ele conseguiria sair do aperto de lobisomem sobre si sozinho.

― Derek ― chamou baixo, tentando mover seu corpo para acordar o homem. ― Derek, seu filho está me estapeando.

― Hmm ― grunhiu em resposta com a voz impossivelmente mais rouca. ― Sam, deixe o Stiles dormir.

Stiles tentou não gemer involuntariamente quando Derek murmurou ao pé de seu ouvido, precisando morder os lábios para isso, ainda mais quando ele o apertou mais forte, e de maneira sonolenta esfregou seu nariz em seu pescoço, farejando sua extensão.

― O filhote está acordado ― voltou a falar o garoto. ― Tem alguém mais acordado pra ficar com ele? Eu com certeza ainda preciso de mais algumas horas de sono.

― Seu pai está lá em baixo ― Derek resmungou.

― PAI! ― Stiles gritou então, fazendo Derek finalmente abrir os olhos e abandonar um pouco da sonolência.

Em pouco tempo puderam ouvir os passos apressados do homem escada acima, e tão rápido quanto ele, Derek soltava Stiles, deitando-se de costas ao seu lado e falhando miseravelmente na tarefa de parecer inocente com seu rosto corado, enquanto o xerife olhava desconfiado para os dois na cama antes de seu olhar pousar no bebê desperto que agora tentava abrir a gaveta da mesa de cabeceira de Stiles.

― Pode ficar com o Sam até alguém mais acordar? ― Stiles pediu, sonolento. ― Eu definitivamente ainda tenho muito o que dormir.

Acenando positivamente com um suspiro cansado, o que estava se tornando muito comum ultimamente, seu pai pegou o bebê no colo, saindo do quarto e fechando a porta atrás de si.

― Não precisa incomodar seu pai ― Derek começou, fazendo menção de se levantar. ― Eu fico com o Sam.

― Volte a dormir ― Stiles reclamou, espalmando sua mão no peito alheio e o forçando a se deitar novamente. ― Depois eu o deixo comer algum bacon, e estamos quites. Meu pai não se importa em ajudar com o filhote, você sabe.

Somente porque ainda se sentia cansado e a beira da inconsciência, Derek não protestou, se deixando relaxar na cama sob as cobertas. E tampouco reclamou quando Stiles se moveu para se acomodar em seu peito, murmurando algo baixinho sobre “calor lobisomem”. O puxou para mais perto em seu abraço e enterrou o nariz em seu cabelo antes de adormecer novamente, sentindo seu lobo mais satisfeito que nunca.