Corte de Estrelas e Tormento escrita por Black Sweet Heart


Capítulo 9
Capítulo Oito


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801810/chapter/9

Rhaella retornava ao seu quarto depois de conversar com Kallias por horas. Ele explicou sobre sua família. Seu pai, Eidran, o Grão-Senhor da Invernal, era muito rígido referente as regras. Raramente permitiam visitas, mas que ninguém tinha um Solstício tão bonito quanto a Corte Invernal, por isso abriam as fronteiras da corte nesta época do ano.

Um dia, se tivesse o convite, ela adoraria passar um bom tempo na Corte Invernal. Apesar de acreditar que não tinha nenhuma vestimenta para tal visita.

E pensando no guarda-roupa que teria que preparar, Rhaella acabou encontrando um casal se beijando há poucos corredores de seu quarto. “Beijar” era um verbo inocente para o que estavam fazendo. O macho estava de costas, enquanto a fêmea o prendia com sua perna, e fazia uma espécie de dança sob o corpo dele.

Rhaella sabia que era falta de educação assistir tal ato libidinoso, mas o emblema costurado na lapela do homem trouxe o reconhecimento de quem era.

Eris... E alguma fêmea da Diurna a julgar por sua roupa dourada... Ou no caso a falta dela.

A Diurna era conhecida por exibir mais pele que a Corte Noturna. Ela no caso tinha fendas que exibiam suas coxas largas, também um vestido de alça fina que já estava pendurada em seu braço.

—O que está olhando, Gárgula? –Questionou a fêmea abrindo os olhos e percebendo a presença de Rhaella.

Rhaella engoliu seco com o apelido maldoso.

Eris se afastou da fêmea por um momento, e deixou a distância deles ainda maior quando reconheceu Rhaella.

—Eu não queria atrapalhá-los –As bochechas de Rhaella esquentarem.

Eris ficou encabulado pelo flagra, e logo arrumou a camisa dentro da calça de couro. Penteou os cabelos com os dedos e pensou bem no que faria antes de dizer:

—Querida, espere no meu quarto –Eris pediu a fêmea, sinalizando com a cabeça –Logo te encontro.

—É a prima de Rhysand—sussurrou a fêmea escondendo-se atrás de Eris e encarando Rhaella com um profundo nojo.

—Ótimo poder de dedução –Eris falou encarando a fêmea com dureza. –Agora seja mais óbvia em outro lugar.

A fêmea saiu de trás do macho e deu dois passos até Rhaella, ficando bem próxima do rosto da menina quando disse:

—Ele é meu, estrelinha.

—Não tenho nenhum interesse em Eris –Rhaella explicou, os olhos duplicaram de tamanho.  

—Vá pro meu quarto agora, ou então volte pro seu –Aquilo já não era um pedido e Eris ficou impaciente com a implicância da fêmea.

A fêmea diurna não discutiu, e saiu sem olhar pra trás.

Rhaella e ele assistiram a fêmea caminhar lentamente em direção aos aposentos da corte Outonal. Quando escutou os passos dela cada vez mais distante, Rhaella teve coragem de dizer:

—Talvez ela não te espere a noite toda –Rhaella não queria causar nenhuma confusão a Eris.

—Ainda bem, não conseguiria suportar ela gemendo em meu ouvido com essa voz irritante –O macho revirou os olhos.

Rhaella repuxou os lábios em um sorriso tímido. Apesar dos dias que tiveram presos no mesmo lugar, Eris nunca mais falou com ela depois do baile. Ele a via nos jantares, ele assistia quando ninguém se aproximava dela na mesa. Mesmo assim o macho fingia que não se conheciam.

Ele já não era mais o macho gentil que ela conheceu na Corte Outonal.

—Já faz um tempo que não conversamos -Rhaella não escondeu sua mágoa. –Sinto que está me evitando.

—Meu pai não aprovou sua reação na apresentação –Eris respondeu olhando em direção a janela. –Ele não quer que ninguém da Outonal associe a imagem com a sua.

Rhaella estava certa então. Metade a odiava por ser prima de Rhysand, e achavam que ela colaborava com Amarantha tal como Rhys.

E a outra a rejeitava por se opor a Amarantha na cerimonia de coroação.

E todos concordavam que o melhor a se fazer era isolá-la de todo o resto.

—Acho que não receberei um convite pro próximo Equinócio –Ela fez careta.

A maior celebração da Outonal era a festa de Equinócio, sempre no dia 31 de outubro. Todos se fantasiavam de monstros ou animais, e a melhor fantasia ganhava um grande prêmio em ouro. Também contavam histórias aterrorizantes, sobre um mundo antes dos Grão-Feéricos.

Quando participou de um, Rhaella passou a noite inteira no grande salão, ouvindo os contos da Corte Outonal, com os olhos brilhando ao se imaginar vivendo tais momentos sombrios.

E agora estava vivenciando um. 

—Não esperava que fizesse aquilo –Eris a encarou com raiva, se referindo a rebeldia dela em não ajoelhar. –Foi estupido...

—Rhys já deu sermão suficiente sobre isso. – Rhaella rebateu antes que ele continuasse. –Eu fui uma ingênua, estupida...

—E corajosa. Você foi muito corajosa –Eris a pegou de surpresa. O olhar do macho suavizou           –Mais do que qualquer um neste inferno.

—Você não parece estar vivendo em um inferno –Rhaella sinalizou para o final do corredor, onde uma fêmea o aguardava no quarto.

—Precisamos tirar o melhor de situações terríveis, Rhaella –Eris ergueu os ombros  –Vi você dançando com Kallias. Seu pai aprovaria este casamento.

—Invernal, consegue me imaginar lá? –Brincou Rhaella.

Não tinha interesse algum no herdeiro da Invernal, mas era bom poder pensar em qualquer coisa fora daquela montanha.

—Terá que aprender a andar de Urso Polar.

—Então não é só uma lenda? –Rhaella arregalou os olhos.

—Até onde sei não.

—Como sabe sobre isso? –Perguntou desconfiada.

—Dormi com uma invernal que falava bastante.

Rhaella não duvidou disso.

—Andar de urso polar ainda é uma ideia mais interessante do que continuar aqui –Ela olhou ao redor.

A situação precária daquele lugar era uma ofensa a cada um sujeitado a viver preso ali. Eris vinha de uma corte divina, cheia de vermelho por todo canto. Kallias nunca deve ter experimento a escuridão com todo o branco da neve... E mesmo com casas tão deslumbrantes, Amarantha os forçava a aceitar os padrões de seu “palácio”.

—Ouvi que ela se inspirou na Cidade Escavada. Como uma moradora de lá acha que a homenagem é digna? –Eris questionou, acompanhando o olhar avaliador de Rhaella.

—Por dentro talvez. –Ela deu um longo suspiro –Mas ela nunca conseguiria replicar a noite na Corte Noturna.

—Sente saudade?

—Antes o que eu mais desejava era conhecer um mundo diferente. É patético o quanto eu desejo voltar –Rhaella expressou sua saudade com Kallias, e agora com Eris.

Ela queria muito ir pra casa. Ir pra Syrax, pras estrelas...

—Já tentou pedir...

—Meu pai não pediu minha volta e Ela não me deixa ir  –Interrompeu antes que continuasse, pois era obvio que aquela não era uma alternativa pra ela. –Rhys pediu muitas vezes e ela negou todas. Não tenho utilidade pra minha corte, não há necessidade de voltar pra lá.

Também não tinha nenhuma utilidade ali, foi o que disse pra Rhysand, mas nada que ela ou o primo dissesse faria Amarantha mudar de ideia. Além de dominar Prythian e fazer com que todos se humilhassem perante ela, a nova Rainha de Prythian parecia muito determinada em atormentar a vida de Rhaella.

—Sinto muito -Eris pareceu sincero.

—Poderia ser pior –Rhaella lembrou do temor de Kallias. De que apesar dos pesares nenhum herdeiro ou lorde estava sofrendo tanto quanto os mais pobres   –Nossas cortes aceitaram de bom grado o reinado. Mas aqueles que a rejeitam, como o seu irmão...

Sempre foi um enigma a história de Lucien. Keir só contou que o filho mais novo de Beron o desafiou em algum assunto, e depois fugiu com o rabo entre as pernas para a Corte Primaveril. O pai de Rhaella raramente glorificava histórias de pessoas rebeldes, por isso ouviu pouco sobre Mor, sobre Lucien...

Também não sabia se Eris se importava com o irmão caçula. Rhaella queria acreditar que sim, já que o macho ficou em silencio por um tempo.

O que sabia era que ela se importaria com Mor. Mesmo antes, quando pensava que a irmã era culpada de cada tormento que era obrigada a viver com os pais, ela jamais iria querer ver Mor ferida.

—Você se importa muito –Foi o que Eris disse, não mencionado nada sobre Lucien.

—Diz isso de forma tão negativa.

—Porque é. Isso é tolice –Eris deixou explicito sua aversão por tanta empatia que Rhaella possuía –Se chorar por cada vítima que ela fizer terá lagrimas suficiente para encher um rio.

—Se eu parar de me importar, então serei só mais uma lady idiota –Rhaella ergueu o queixo –E me recuso a ser assim.

Algumas das ladys que estavam atrás de um marido, diziam quão abençoada foram com a oportunidade de ter tantos machos disponíveis em um só lugar. Rhaella teria voado em cima de cada uma se tivesse treinamento necessário para feri-las. Aquelas tolas ignorantes.

Era até bom que essas ladys não gostavam de Rhaella, por qualquer que fosse o motivo, não suportaria três segundos sem deixar o autocontrole de lado e jogar algo quente em seus vestidos caros.

—Você lembra tanto sua irmã –Eris encarou-a como um fantasma.

—Na noite do baile você me disse que a conheceu –Rhaella lembrou daquele mesmo olhar que o macho deu no baile -Já que não se importa em fazer sua companheira de noite esperar, quero que me conte a história toda.

—Rhaella –Eris se preparou para sair.

—A verdade –Rhaella colocou-se na frente dele e tocou levemente seu peitoral –Por favor.

Eris ponderou aquele pedido, concentrou-se no olhar profundo de Rhaella e viu ali um desespero para entender a história de sua família, a história que forçou a existência dela.

E ele não podia negar tal conhecimento.

—Eu e Mor fomos noivos –Ele começou.

—Noivos? –Rhaella piscou atordoada.        

—Meu pai chegou com essa ideia, de uma aliança com a Corte Noturna. Seu pai tem um exército notável, apesar de ser contra ao casamento, pensei que isso me traria benefícios no futuro.

—Que benefício?

—É um segredo, e não faz parte da história –Eris não podia entrar em detalhes tão pessoais. –Só tem que saber que eu não me interessei em Mor, nem no poder dela. Uma fêmea forçada ficar comigo não era o que eu buscava, mas meu pai e o seu estava determinado a fazer essa aliança. Eu também era jovem demais pra saber como resistir aos gostos do meu pai.

Isso ela entendia bem. Rhaella viveu todos os dias para cumprir os gostos de Keir.

—A promessa de casamento foi feita, e nós encontramos duas vezes antes da data ser marcada. Na primeira ela estava distante, com cheiro do medo e eu não forcei uma conversa. Na segunda vez nada tinha mudado, era óbvio que ela não queria.  E eu precisava saber se ela queria ir a diante com tudo.

Eris respirou, se afundando nas lembranças. Rhaella aguardou pacientemente até que ele recomeçasse:

—Então após esse encontro encontrei um jeito de ir até a corte Noturna e conversar com Mor. Perguntei, eu perguntei, se ela queria o cancelamento do casamento, mas ela disse não. Então eu confiei que ela cumpriria com seu papel, e mesmo desgosto eu cumpriria o meu. Estamos cientes dos papéis que precisamos cumprir, mesmo odiando eles.

Rhaella anuiu com a cabeça. Ela tinha consciência disso, apesar de odiar.

—Até que... Mor decidiu dormir com aquele bastardo illyriano. Seu pai ficou louco de raiva, ele... –Eris engoliu ceco

Illyriano—Então a informação fez sentido na cabeça de Rhaella. A aversão total do pai aos companheiros de Rhys.

Até ao próprio Rhys, que era meio illyriano.

Keir dizia que illyrianos eram como animais. Brutos, violentos e fedorentos. Bestas aladas que Rhaella sempre deveria manter distância.

Não deveria ser tão ruins já que Mor trocou um herdeiro por um deles.

—Seu pai a machucou. Muito –A ênfase no muito a fez estremecer. –Foi uma noite, pelo que soube. E no final ele pregou.

—Pregou? –A esta altura Rhaella já estava chorando.

—Em sua barriga. Uma nota em madeira de freixo –Freixo, a única madeira que feria feéricos. –Dizendo que ela era meu problema. Depois a jogou em nossas fronteiras... E ela estava nua.

—Para –Rhaella pediu, tocando na própria barriga.

Ninguém nunca contou os detalhes. Ninguém disse o que fizeram com Mor. Sabia que eles a puniram, e esperava alguma violência, mas alguns tapas e uma expulsão da família eram punições esperadas para a situação.

Não aquela brutalidade, a humilhação. Pregada e nua, jogada como lixo em outra corte, pela Mãe!

Rhaella nunca parou pra pensar sob a perspectiva de Mor, porque convenceu-se que sendo uma boa filha eles nunca fariam isso com ela.

Mas o erro nunca esteve em Mor. Estava nos pais.

—Continue, por favor –Rhaella respirou fundo e preparou-se para o final.

—Se eu a pegasse, se sentissem o cheiro dela em mim, ela seria forçada a cumprir com o casamento. Meu pai não perderia a chance de ter Keir como aliado, mas Mor seria tratada com desonra por toda a Corte Outonal. Não somos conhecidos por sermos gentis com fêmeas traidoras –Eris esboçou uma careta desgostosa.

De todas as cortes, a Outonal era a mais rígida com as fêmeas. Elas não tinham posições de honra, nem lideravam exércitos. Nasciam para serem esposas e bastava.

Talvez seja por isso que o Keir quis uma parceira com Beron. Ele concordava com aquele ideal, e não via outro futuro para filha além de ser uma esposa. Mor já era poderosa antes, ela podia muito bem comandar exércitos, ou servir de emissária, mas não.

Pra Keir suas filhas era só um meio dele ter ainda mais influência.

E agora Rhaella sabia o que acontecia quando uma delas se recusou a cumprir o proposito que Keir impôs a elas.

—O que você fez? –Rhaella questionou. Ela já sabia da reação de Keir, de como a Corte Outonal trataria sua irmã.

Agora precisava saber que tipo de macho Eris era.

—Eu dei as costas, e disse... -Eris fechou os olhos. A vergonha de seus atos era tanta que não conseguia repetir suas palavras  -O que foi preciso pra convencer meus irmãos que não me importava com ela, e voltei pra casa.

O que foi preciso, Eris disse, mas Rhaella entendeu que ele fez o que era fácil. Dar as costas a alguém desamparada, nua e praticamente sozinha neste mundo também era um ato horrível. Se não fosse Rhysand salvá-la, Eris teria condenado Mor a morte com sua atitude, ou melhor, com a falta de atitude.

—Você a deixou lá. No frio e sozinha –O coração da garota se compadeceu.

Imaginou a bela irmã mais velha, aos dezessete anos, no início da vida feérica como a própria Rhaella. Que num ato para salvar-se de um casamento terrível entregou a virgindade a alguém. E isso não importaria se ela fosse um macho. Ninguém cobrava virgindade de Eris, ninguém nem questionava isso.

Já a Mor, isso foi um crime. Era uma lei que ainda não foi alterada na Corte Noturna. Por isso Rhysand nunca puniu Keir pelo que fez: porque a lei estava a favor dele. O pai delas tinha o direito de punir as filhas por romper um acordo de casamento, e Eris tinha o direito de rejeitar Mor porque ela se deitou com outros.

Agora nada estava a favor de Mor. Nenhuma maldita lei a protegeu de sofrer tanta barbaridade.

—Seu primo acredita que fui só um maldito covarde por não a ajudar, e ela também pensa assim –Eris tinha o semblante derrotado –Mas eu fiz a única coisa que podia para não deixar seu destino ainda pior.

A justificativa dele pouco lhe importava. Rhaella jamais deixaria alguém desamparado daquela forma.

—O que você está pensando? –Eris não conseguia entender a expressão no rosto dela.

—Eu a odiei porque me fizeram acreditar que ela escolheu dar as costas aos deveres, a família –Rhaella tocou no coração. Cresceu com ódio da irmã mais velha, acreditando que Mor a sacrificou para ter uma vida feliz, quando na verdade Mor foi chutada pra fora da família, foi machucada e humilhada... E Rhaella nunca lhe deu a chance de compartilhar sua história. –Mas ela foi só uma vítima. Eu estava tão errada... E você também.

—Rhaella, o que fiz...

—Só porque não queria se comprometer, não significa que deveria ter a deixado lá. Machucada e sozinha. Foi ela e poderia ser eu –Rhaella se afastou do macho –Também me deixaria na neve? Também me deixaria pra trás?

—Era uma época diferente –Eris justificou. –Éramos jovens e tolos quinhentos anos atrás.

—Nada mudou desde então. Meu pai só teve outra filha pra vender e você não me avisou sobre o que ele fez com a minha irmã. O que poderia acontecer comigo.

—Você é diferente –Eris falou.

—Por que eu sou mansa? –Rhaella questionou –Por que eu nunca desafiaria meu pai como Mor fez?

—Você entende o papel que precisa exercer –Eris agarrou seu braço, tentando fazê-la compreender seu lado –Você sempre foi perfeita, até...

Ela entendeu qual foi o motivo da sua hesitação. Ela foi perfeita até que foi presa em Sob a Montanha, que arrancaram o poder dela, que não a deixaram ir pra casa e tudo o que devia fazer era aceitar de bom grado aquela situação.

—Até me recusar a ajoelhar pra uma rainha tirana –Rhaella soltou um barulho de indignação –Até que eu questione o porquê eu devo me casar só pelos interesses do meu pai. Até eu ser igual minha irmã.

—Então está pronta pra receber a punição que ela teve? –Eris encarou-a com dureza –Não acha que é coragem demais pra alguém que nem poderes tem?

Eris por fim se revelou aquela noite. Apesar de ter sido um macho sorridente, que conversou com uma garotinha tímida na corte outonal e deu a ela sua primeira dança, a verdade é que não tinha gentileza nele. Apenas culpa pela forma que tratou Mor,

—Rhaella, me desculpe –Eris percebeu que passou o nível com a fêmea.

—Obrigada, Eris, por sua honestidade –Rhaella ergueu o vestido e deu as costas ao macho, partindo dali o mais rápido que conseguia.

Não queria escutar mais nada de Eris. Não como ele foi covarde e deixou Mor sofrer aquela barbaridade sem levantar um dedo. O macho era como seu pai, como Beron, como Amarantha...

E ali estava uma lista que Rhaella nunca iria pertencer.

(...)

Rhaella ficou o resto da semana no quarto, e até suas refeições conseguia que enviassem ao quarto. Amarantha estava ocupada e isso era o motivo de alivio.

Porém não ficou todo tempo sozinha Nuala e Cerridwen eram ótima fonte de informação. As espectros andavam com os criados de outras cortes enquanto cuidava dos aposentos de Rhaella e de Rhysand. Enquanto Rhaella fugia de cumprir seu papel de Lady, sentando-se na sala do trono e fingindo adorar assistir Amarantha torturar mais e mais feéricos, Nuala e Cerridwen trabalhavam.

E enquanto trabalhavam, conversavam com outros feéricos iguais a elas. Criados de outras cortes, muitas fontes de informações.

Depois do trabalho, e agora com tempo livre já que Rhysand estava fora, elas perdiam tempo no quarto de Rhaella contando tudo que ouviram.

Infelizmente naquela noite não poderiam fofocar por muito tempo. O jantar com a corte noturna era aquela noite. Rhaella participaria, claro, e encontraria os pais pela primeira vez depois do baile.

E agora, sabendo a verdade sobre Mor... Isso a deixava uma pilha de nervos.

E as gêmeas a distraiam da melhor forma possível: fofocas picantes.

—Não está falando sério! –Rhaella arregalou os olhos pra Nuala, depois de escutar o absurdo que ela contou.

—Grão-Feéricos possuem vitalidade além do comum em seus corpos, é natural que precisem de muitas formas para aplacar tal força –Explicou Cerridwen.

—Mas dez fêmeas ao mesmo tempo? –Rhaella ainda não conseguia acreditar como era possível.

—Não só fêmeas –Nuala sorriu com malicia. –E não ao mesmo tempo, claro.

—Então como seria? –Rhaella não conhecia tanto sobre... acasalamento para imaginar como a dinâmica funcionaria com dez pessoas.

Elas falavam do famoso devasso Grão-Senhor Helion. A Corte Diuna era muito liberal, os membros da corte Diurna aproveitavam o tempo em Sob a Montanha para se relacionarem com outras cortes, sendo o maior aproveitador Helion.

—Acho que precisaríamos participar para descobrir – Cerridwen respondeu erguendo as sobrancelhas.

—Olhe irmã, Lady Rhaella está vermelha como um tomate –Nuala tocou a bochecha de Rhaella com a ponta dos dedos e a irmã gêmea imitou seu ato.

—Pare com isso, suas bobas! –Rhaella tentou se afastar delas, mas a gêmeas continuaram a provocá-la, roubando então gargalhadas da lady.

—Que belo sorriso –Rhysand disse, aparecendo no quarto sem que elas sequer percebessem       –Cerridwen e Nuala estão contando piadas pra vocês quando não estou aqui pra escutar?

—Rhys! –Rhaella o recepcionou com um sorriso iluminado.

Ela iria avançar até ele, mas Cerridwen a empurrou pra trás. Ainda não terminaram o seu cabelo.

Rhaella ficou parada, encarando o primo. Ele já estava arrumado, seu terno preto tinha pequenas bordas de nevoa na altura da cintura, e toda a roupa preta era de um tecido luminoso. Não mostrava as assas em Sob a Montanha, nem ostentava a coroa que ela via ele usar na Cidade Escavada.

Ali ele não era um príncipe da noite. Era só um subordinado da Rainha Vermelha.

—Sobre o que falavam? –Rhys questionou.

—Só estamos fofocando sobre as piores roupas que vimos esta semana –Rhaella trocou um olhar rápido com as gêmeas, pedindo que não contestasse sua mentira. –A Corte Crepuscular está ganhando de lavada.

—Não fico surpreso, além de castelos e assas a crepuscular não tem nada de interessante –Rhys se sentou na cadeira em frente a penteadeira de Rhaella. Ele passou a ajeitar o cabelo pra trás, com a escova de Rhaella.

—Como está nossa corte, Grão-Senhor? –Perguntou Nuala, ainda concentrada na barra de vestido.

Rhaella reparou um olhar longo entre Rhys e Nuala através do espelho. Parecia uma pergunta inocente a da espectro. Rhaella também queria saber sobre a Corte Noturna.

Ou talvez não fosse da Cidade Escavada que estivessem falando. Afinal Rhaella nunca vira as gêmeas antes. Onde elas viviam? Onde Rhys ficava a maioria do tempo que não estava na Cidade Escavada?

—Está como sempre: estrelada –Rhys deu de ombros.

—Você é um sortudo –Rhaella comentou, deixando as questões de lado. A saudade sempre batia quando falavam de casa –Eu daria tudo pra ver aquele céu outra vez.

—Não diga isto aqui –Rhysand dramatizou apontando a escova em sua direção. –Há criaturas espreitando nas paredes, sedentas por uma fêmea disposta a tudo.

—Tomarei cuidado a partir de agora –Rhaella revirou os olhos.

—Fizeram um ótimo trabalho, meninas –Rhysand elogiou, quando Nuala e Cerridwen terminaram de aprontar a prima.

—Não é difícil, milorde –Nuala ressaltou, a espectro olhou para a lady com um sorriso orgulhoso.

—Acho ótimo gostarem uma das outras, mas lembrem-se que nada deve ser demonstrado fora deste quarto, nenhuma emoção –O tom de Rhys era imperialista, uma ordem que garantia a sobrevivência delas.

—Sim, Grão-Senhor –as gêmeas disseram juntas, mesurando ao Grão-Senhor.

—Agora preciso de um tempo com Rhaella a sós, senhoritas.

As gêmeas sumiram tão rápidos como fumaça, o que no caso eram mesmo. Rhaella sentou na cama e Rhys logo veio ao seu lado.

—Você viu Syrax? –Era a pergunta que ficou na mente de Rhaella dês da partida de Rhys.

—Não –Rhys esboçou tristeza. –Onde quer que ele esteja, não é na montanha principal.

Aquilo a preocupo. Onde ele estava afinal? Será que seu pai tinha dado Syrax a alguma família? Syrax era manso com ela, não podia garantir que seria com outros.

—Tente se concentrar essa noite –O primo pediu. –Nossa corte é perigosa demais pra deixar sua mente distraída com este problema.

—Todos vieram? –Quis saber, sentindo o nervosismo já tomando lugar em seu corpo.

—Sim, e seus pais chegaram há duas horas –Rhys assentiu. –A festa está pra começar.

—Eles nem me procuraram –Os olhos dela encheram-se d’agua.

Mesmo sabendo a verdade sobre Mor e conseguindo enxergar a natureza maléfica de Keir, Rhaella não consiga deixar de ter esperança de que os pais se importassem um pouco. Um pingo de consideração, pela filha obediente que ela foi por todos aqueles anos.

—Eu cresci com o erro de Mor sob mim –Rhaella explicou. Algumas lagrimas escaparam de seus olhos. –Eu devia ser a filha que devolveria a glória a minha família, a filha certa. E eu fui, Rhys, em cada maldito dia. Adotei seu ódio por Mor, por você, sempre a melhor nas aulas, sempre a mais perfeita, e pra que?

Rhys retirou um lenço de seu terno e ofereceu a prima. Rhaella percebeu o olhar de compreensão do primo, e também de como ele mesmo sofria em vê-la sofrer.

Ninguém jamais foi tão gentil com ela.

—Eu também quis ser um bom filho –Rhys contou. –Minha mãe sempre me amou por quem eu sou, mas meu pai... Ele era parecido com seu pai em alguns aspectos, principalmente no quesito de honrar a família, seja lá o que eles consideram como honra. E nada era o suficiente pra ele. Então na guerra, quando ele me separou de meus amigos apenas porque podia, entendi que nunca teria sua aprovação, simplesmente porque é impossível se ter a aprovação de alguém quando não há amor.

Rhaella ofereceu o lenço a Rhysand, pois sem perceber o macho também começou a chorar. Ele aceitou e limpou o rosto rapidamente.

—Você poderia contar ao seu pai que viu o Grão-Senhor estava chorando como um bebê, e ele certamente iria te adorar um pouco –Rhys provocou.

—Não vejo um Grão-Senhor –Rhaella segurou a mão do primo e uniu seus dedos. –Vejo alguém que sofreu muito e ainda consegue ser gentil com alguém como eu.

—Você é muito mais do que seu pai queria que fosse –Rhys ajeitou o cabelo de Rhaella atrás da orelha. –E se vale de alguma coisa, eu me sinto muito orgulhoso de você, como Grão-Senhor e como primo.

—Vale! –Ela o abraçou forte, com um sorriso enorme nos lábios. –Vale muito.

Eles ficaram alguns segundos assim, compartilhando aquele momento em silêncio.

Apesar de ser um constante pesadelo, era mais fácil passar pelos dias tendo a companhia um do outro. Rhaella com certeza estaria morta sem Rhys. Mas além da proteção, o primo lhe tardes de conversas divertidas, mesmo que fosse apenas zombando outras cortes. Ele também cuidou para que enviassem as roupas de Rhaella a Sob a Montanha, assim como encaminhou Nuala e Cerridwen para ajudá-la. Ele mostrou como era quando há alguém se importando de verdade.

E Rhaella quase era grata a Amarantha por prendê-la ali, porque teve a oportunidade de conhecer

—Mas eu quero que tente convencer aquele desgraçado do seu pai de te tirar daqui –Rhys disse sacudindo-a pelos ombros. –Não se importe de parecer uma garotinha amedrontada, só consiga uma maneira de escapar deste inferno.

(...)

Rhaella foi para a sala do trono junto com Rhysand. Sua mão segurava o antebraço do primo, e eles receberam olhares durante o percurso. Ela sentia uma mistura de cheiros, medo, nojo, excitação...

E Rhys parecia ler cada um deles.

—Muitos pensamentos interessantes? –Rhaella perguntou em tom baixo.

—Só posso dizer que tem horas que meu dom soa mais como maldição –Rhys rebateu, enquanto encarou duramente um macho da Outonal.

Eles continuaram a vagar pelo corredor até que um pensamento intrigou Rhys.

—Dançou com Kallias? –Rhys a encarou com curiosidade.

—Quem te... – Rhaella deduziu que ele leu na mente de alguém. As bochechas dela por ter sido delatada assim. –Ele foi forçado.

—Dá pra ver que disposição dele era a de um macho que estava prestes a ser enforcado –Rhys      não pareceu muito contente –Sinto muito por ele ter sido grosseiro.

Claro que Rhys não conseguia saber sobre a conversa inteira. Os outros não ouviram quando Kallias foi gentil em lhe dar pequenos flocos de neve. Mas o herdeiro da Invernal também foi duro ao falar de Rhysand, por isso ela mesma afastou a cena de sua mente caso Rhys quisesse espionar.

—Sobre o que conversaram quando foram ao terraço?

—Não é só porque é um bisbilhoteiro de mentes que precisa saber sobre tudo –Rhaella brincou.

—Se um Grão-Senhor ordena que seu súdito fale...

—Nem comece com essas leis ridículas pra mim –Rhaella ainda precisava conversar com ele sobre as leis injustas da Corte Invernal.

No entanto não tinham tempo. Pararam na porta do salão principal. Seria um evento fechado, apenas para membros da Corte Noturna.

—Chegamos –Rhaella disse em voz alta.

Membros que a odiavam antes, e talvez odiavam ainda mais pelo que fez a Amarantha. Membros que tinham inveja e talvez a invejam mais por estar no centro daquela confusão. Seu pai, sua mãe, que apoiavam a rainha tirana que ordenou que a espancassem naquela mesma sala.

—Respire –Rhys via o nervosismo dela. Ele segurou a mão dela e apertou, queria demonstrar que ela não estava sozinha naquela confusão –Lembre-se: você é muito melhor do que eles.

Rhaella deu um sorriso confortador e isso garantiu a Rhys um momento pra ele mesmo se preparar. Rhaella observou como lentamente ele se desuniu dela, e aprumou-se.

Eles não podiam entrar parecendo tão unidos, pois Keir certamente ficaria embravecido com a filha. Rhys não queria prejudicar a chance de Rhaella convencer o pai a pedir pra que fosse embora.

Enquanto se preparava, o queixo ficou rígido e o olhar frio. Ele tinha que encarnar um personagem para lidar com as pessoas naquele salão. E no fundo, o Grão-Senhor da Corte Noturna, também estava nervoso com isso.

—Rhys –Foi a vez dela de acalmá-lo. Ela passou seu braço pelo dele e igualmente aprumou-se. Eles não encarariam aquela situação sozinhos. –Você também é muito melhor do que eles.

 Rhys não respondeu, mas seus olhos brilharam como uma linda noite estrelada.

E juntos eles entraram no salão do pesadelo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Corte de Estrelas e Tormento" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.