State of Happiness escrita por Fanfictioner


Capítulo 1
There's happiness


Notas iniciais do capítulo

Escrever uma fic para minha amiga secreta é um grande (GIGANTESCO) desafio, porque, bem, é como escrever para uma entidade. Miller é aquela pessoa que a gente admira a escrita, o humor, as tiradas e espera algum dia ser capaz de fazer algo que chegue aos pés de Popstar. É áudios rindo e é ser a figura que aparece apenas uma ou outra vez no grupo, e isso é o bastante para fazer todo mundo se animar porque ela está ali. Miller pode sumir por um ano, e continuará sendo aclamada quando postar 19k de Lily Evans bissexual, apenas porque ela é excelente em tudo que escreve. Amiga, saiba que escrever esse presente para você foi especial além do que posso colocar em palavras, você inspira. Tentei colocar um pouquinho do que você gosta aqui e, através da relação do Teddy com o pai, representar Pietro, o baby (não mais baby) fanfiqueiro mais inteligente que acompanhamos por prints no twitter.

‘Millions’ de amor, amiga. Feliz Ever Secret Exchange.



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Parte I: 1996                 Narração: 3ª pessoa

Fazia pouco mais de duas semanas, no entanto, continuava doendo como se Remus estivesse vendo Sirius tombar agora mesmo para trás do véu.

A última noite de lua cheia havia sido na véspera, e ele sentia como se seus ossos tivessem sido quebrados um a um. Havia uma dor de cabeça quase desumana, latejando no fundo do seu cérebro. Foi a primeira vez, desde que começou a tomar a poção, que Remus desejou perder sua consciência para o lado lupino, porque parecia uma alternativa menos dolorosa do que assistir à cena que se repetia.

Tonks desacordada na escada, Harry e Neville tentando fugir, então Dumbledore, a provocação arrogante de Sirius - arrogante até o último segundo! - e então o arco gracioso no ar até sumir. Até se perder no vazio.

Às vezes, Remus pensava em Harry, pensava nos gritos desesperados do garoto, e na apatia que vira nele na estação de King's Cross, alguns dias antes. Pensava na dor excruciante e arrebatadora que ele devia estar sentindo, e se sentia egoísta por não ter vontade de fazer qualquer coisa a respeito.

Às vezes, Remus achava que não existia razão para continuar.

Porque aquela guerra, aquela maldita guerra que nunca tinha deixado de existir, estava tirando dele tudo que valia a pena. Tirara James, Lily, Dorcas e Marlene. Frank e Alice. E agora tirara Sirius.

Às vezes, pensava em sua raiva e mágoa pela imprudência de Sirius. Pensava em como ele era explosivo e passional, e como aquela arrogância convencida da própria habilidade tinha custado a ele a vida.

Mas, na maioria das vezes, ele só pensava em Sirius, e em como era uma merda que ele tivesse ido embora - porque Remus não conseguia falar em morte para alguém que não deixara um corpo para trás.

Pensava em Sirius muito mais do que seria saudável, mas era só o luto e todo aquele vazio que o acompanhava. Toda aquela sensação de que ele precisava se reinventar, só que não havia energia suficiente, ou mesmo sentido em fazer um esforço.

Perder Padfoot era como retornar aos onze anos, com todas aquelas inseguranças e a sensação de estar sozinho. Todas as fragilidades de Remus, todos seus segredos e dificuldades tinham sido divididos com Sirius e, agora, sem ele, era um fardo pesado demais voltar a carregar aquilo tudo sozinho.

Aquele apartamento minúsculo e de localização duvidosa que Remus havia conseguido arranjar não possuía muitas coisas - como um fogão minimamente decente, ou móveis em bom estado -, mas algo que tinha, e Remus estava a dois passos de destruir, era aquele maldito espelho do banheiro.

Porquanto, após o fim daquela infernal semana de transformação da Lua Cheia, a última coisa que Remus queria ver era seu reflexo doentio. Não queria ver todos os hematomas novos, ou as cicatrizes com manchinhas de sangue seco pelas pequenas perdas de controle daqueles dias. Na verdade, ele desejava esquecer a si mesmo temporariamente, porém achava que isso não era exatamente seguir em frente, embora não quisesse, realmente, seguir em frente.

Seguir em frente, de certa forma, era admitir que Sirius tinha ido embora. Era admitir que não haveria Padfoot em outra reunião da Ordem e que não existiria outra conversa saudosa sobre a época de escola; admitir que sua felicidade dos últimos anos tinha ido embora, e que ele voltara a estar sozinho para lidar com sua licantropia e seus fantasmas.

Era admitir que a pessoa que ele amara, e amaria pela sua vida toda, não existia mais.

Não naquele plano, pelo menos. Mas Remus não era exatamente religioso, e nem sabia se acreditava no além, num paraíso ou coisa assim; contudo também achava que não era para onde Sirius iria, se existisse tal lugar.

Ele sabia que, eventualmente, haveria felicidade de novo em sua vida. Haveria coisas para sorrir, a despeito da dor, e sabia disso porque assim fora com a perda de sua mãe, e com a de James e Lily.

Mas também tinha existido uma época muito feliz e doce justamente por conta de Sirius - e James, claro, mas essa era outra dor que Remus não queria revisitar, porque já tinha cicatrizado - e de todo o espírito de aventura e imprudência jovial dele. Havia felicidade naquelas pegadinhas imaturas e tão divertidas pelos corredores de Hogwarts, e em se arriscar pela Floresta Proibida como se fossem viver para sempre.

Não viveriam para sempre, mas havia felicidade em pensar no sorriso arrogante de Sirius, arrumando a cabeleira rebelde e dando um empurrão em Remus. A gravata do uniforme solta demais e a camisa de botões despretensiosamente amassada depois de os dois terem se espremido em um armário de vassouras por alguns minutos.

Havia felicidade e dor em pensar em Sirius, e o jeito meio masoquista de Remus estava se comprazendo em reviver todas as felicidades que tinham tido juntos agora que ele havia cruzado o véu. Agora que restava o vazio, Remus preferia pensar nas antigas felicidades a aceitar que outras existiriam.

Porque essas outras seriam sem Sirius.

***

Parte II: 1997                  Narração: 3ª pessoa

Pessoas diferentes tinham lugares diferentes, e isso sempre fizera mais sentido do que qualquer outra coisa na vida de Remus. Não se referia a lugares físicos, ele demorara um tempo para entender, mas a lugares emocionais.

Remus percebeu isso muitas vezes ao longo daquele ano. Notou, ao tentar oferecer seu apoio a Harry, que podia ser especial e ter marcado a vida do menino, mas nunca substituiria o lugar de Sirius - e nem tinha essa pretensão.

Percebeu que nenhum dos seis filhos de Molly Weasley poderia substituir Percy Weasley e a mágoa que ele deixara nos pais ao abandonar a família, porque cada um dos filhos era único, e foram essas percepções que o levaram a entender que podia amar outras pessoas sem que isso significasse substituir Sirius.

E por outras pessoas, ele queria dizer especificamente Tonks.

Tonks e seus cabelos cor de chiclete, de que Remus sentia falta quando estavam naquele cinza sem graça e sem vida - por mais que fosse por culpa dele. Tonks o fazia perder seu lado amargurado, de quem se achava velho, pobre e cansado, e o fazia trazer à tona seu lado divertido e maroto da adolescência.

O jeito atrapalhado dela o lembrava de James, tropeçando em seus cadarços quando Lily dava atenção a ele, e por mais esforços que seu lado racional fizesse, no fim do dia ele não podia mentir para si mesmo que não a amava. Porque amava.

Sabia que não era mais tão novo, e que vivia na clandestinidade - a mando de Dumbledore, porém agora isso nem importava mais, considerando que ele também se fora. Tinha consciência de que era perigoso com sua licantropia, e que era exatamente o oposto de tudo que desejava para Tonks, e mesmo isso não mudava seus sentimentos.

Na primeira vez que beijou Tonks, Remus se afundou em muitas culpas.

Primeiro, uma culpa dilacerante de estar submetendo-a a ficar com ele, mesmo que soubesse, há tempos, que Tonks estava interessada nele. Depois, houve outra gigantesca sensação ruim, de que estava substituindo Sirius, que não fazia dois meses que falecera.

No entanto, Sirius e Tonks eram tão diferentes que chegavam a ser parecidos e, apesar de um lembrar a Remus do outro, ele jamais conseguiria colocá-los no mesmo lugar emocional. Sirius era teimoso de um jeito rebelde, e carismático em sua irreverência, ao passo que Tonks usava a teimosia como expressão de sua obstinação, e era irreverente dos pés à cabeça, embora não fosse isso que lhe desse o carisma. Tonks era o carisma.

E quando ela o puxou pela gola das vestes, e reafirmou pela centésima vez que não ligava para a licantropia, ou o dinheiro que Remus não tinha, ou a diferença de idade entre eles - “doze anos a mais não é ser velho, Remus!” -, ele percebeu que estava sendo um belo idiota, como diria Sirius.

Porque amava Tonks.

Era uma guerra, estavam matando e morrendo. Sendo torturados e se escondendo, e ele amava Tonks do jeito mais protetor que sabia amar.

E foi só isso que passou pela sua cabeça quando aceitou conversar com ela, quando a ouviu falar de seu cuidado, preocupação e carinho por ele. Tonks o amava apesar de todas as coisas - e ela diria ainda que era justamente por todas as coisas - e isso era mais do que suficiente naquele momento.

Parecia incoerente haver qualquer energia para coisas cotidianas e comuns, como casamento e uma lua de mel, mas Remus fez questão de esquecer, por ao menos um fim de semana, que o mundo bruxo estava ruindo aos seus pés. Durante um fim de semana, toda a obscuridade, todos os comensais, todo o desamparo que era a ausência de Dumbledore - que sempre parecera ter respostas para tudo - deixou de existir, e a única coisa real era Tonks.

A única coisa real, boa e verdadeira, a única coisa capaz de fazê-lo sorrir, era aquela mulher fenomenalmente corajosa, intensa e leal, com seus cabelos cor de rosa que se esparramavam pela cama e faziam soar um prenúncio de uma vida que poderia ser boa.

Quando tudo aquilo passasse, quando não houvesse Voldemort, ou uma guerra do lado de fora da porta deles, seriam felizes. Quando tudo passasse, Remus poderia se dar ao direito de experimentar felicidade.

Fazia tanto tempo que aquela palavra e aquele sentimento tinham estado com ele, que soava imaginário ter aquilo novamente. Felicidade, em suas memórias, tinha cheiro de cerveja amanteigada no Três Vassouras, nos passeios de escola; tinha cara de James e Sirius na enfermaria após uma noite de lua cheia, levando doces e perguntando como Remus estava - como se não tivessem passado a noite correndo com ele pela Floresta Proibida.

Felicidade tinha o gosto de uísque de fogo que ficava na boca de Sirius, durante uma comemoração pós-quadribol, e tinha a sensação dos beijos roubados no dormitório, com a adrenalina de não poderem ser vistos.

E naquele fim de semana, em que tudo foi esquecido, e Tonks era a única coisa real, a felicidade tinha uma cara desastrada, e era metamorfomaga. A felicidade talvez pudesse estar naqueles pequenos momentos todos e ser justamente porque Remus se permitia vivê-los.

Ele não tinha ideia do que era felicidade, nem do seu papel para que ela existisse, mas acreditava piamente que tinha havido momentos de felicidade em sua história.

***

Parte III: 1998       Narração: 3ª pessoa

Primeiro de tudo, havia vergonha. Havia uma vergonha absurda, misturada com um arrependimento lacerante e a certeza de que, se pudesse voltar atrás, faria diferente. A raiva, a mágoa e o orgulho ferido também estavam ali presentes, parecendo uma dor de estômago ardida e persistente.

Aquele era um momento divisor de águas e, por mais que Remus tentasse esquecer o que tinha deixado para trás, não conseguia parar de pensar ou ignorar as palavras duras e as ofensas de Harry. E se sentia novamente com quinze anos, levando reprimendas e detenções após ser pego em uma brincadeira que tinha certeza de ser infalível.

Aquela sensação de ser julgado por uma ação que considerava brilhante, deslumbrado com sua inteligência, era a pior espécie de maceração para seu ego - ainda que tentasse se convencer de que não tinha nada a ver com ego, porém com a falta de respeito que experimentara.

Ser julgado por Harry, que tinha metade de sua idade - nem isso -, usando as ações de James como arma, doía e irritava. O fazia sentir ridículo. Porque, no fundo, achava que sabia que estava errado.

Doía, porque se sentia o vilão e, no entanto, não conseguia acreditar que seria menos ruim ter persistido, ter ficado com Tonks, ter aceitado aquela circunstância. Pessoas como ele não se reproduziam, e ali estava ele, com uma esposa grávida em meio a uma guerra, com uma criança que provavelmente seria meio-lobisomem, e que carregaria um fardo estereotipado durante toda a vida.

Além de um pai pobre, doente, velho e desajustado socialmente.

Remus queria desistir de si mesmo quando pensava no sofrimento que tinha imposto à Tonks. Amor devia ser cuidar, e ele não tinha cuidado de Tonks o bastante para que ela não engravidasse de uma aberração.

Naqueles dias, ele pensava em Sirius.

Fazia pouco mais de um ano e, mesmo assim, era como se não fosse nada. Era como se, a qualquer momento, Sirius fosse aparecer, com seu cabelo cacheado na altura dos ombros, o sorriso arrogante e as tatuagens contrastando com a pele pálida de quem ficara muito tempo sem ver o sol.

Talvez ele quisesse que Sirius pudesse voltar, reaparecer. Como se isso fosse trazer de volta os anos maravilhosos de adolescência, os sete anos no paraíso que tinham sido a época de Hogwarts – ao menos, paraíso comparado ao que tinha vindo depois, e que se estendia até o presente.

Queria, da maneira mais imatura e humilhante, que Sirius voltasse e o acolhesse. Queria que ele o colocasse no colo, velasse seu sono, e o dissesse o que fazer. Porque Remus se sentia perdido, como se tivesse deixado tudo para trás. Mas, no fundo, sabia que, ainda que Sirius pudesse voltar, ainda que Padfoot não estivesse além do véu – morto, como fazia questão de se relembrar para não sofrer mais – não seria esse acolhimento que ele lhe daria.

Harry estava certo, e era por isso que doía admitir, Remus estava sendo covarde. Sirius e James teriam tido vergonha dele.

Naquela noite, em específico, depois de um dia péssimo, afundado em arrependimentos e sem expectativas nem sucessos, como todos os outros últimos tinham sido, Remus sonhou com uma lembrança que nem sabia que possuía, quase tão velha quanto o próprio Harry. Da época em que o mundo bruxo estava exatamente igual ao presente.

“Não tem como confiar em alguém que se esquiva a todo momento, Moony!” berrava um Sirius borrado pelo tempo e defasagem da memória.

“Estou errado por querer proteger vocês?!”

“Não venha com essa! Somos todos grandinhos para se defender, fala sério! Não tente me transformar no vilão aqui!”

“Depois de todos esses anos, eu seria um filho da puta muito ingrato se fizesse isso, Padfoot!” Uma versão mais jovem e mais inconsequente dele mesmo respondeu para Sirius.

“Essa sua mania, esse seu jeito de achar que sempre é um fardo... estamos numa guerra, Moony! Eu preciso poder confiar em você, merda! Olha a situação do Prongs e da Lily! Eu quero confiar em você, mas preciso que me ajude!” Ele exasperou e Remus, magoado, foi incapaz de continuar a conversa.

Aquela tinha sido a última vez que ele vira Sirius antes de James e Lily serem mortos, e ambos tinham encerrado o assunto acreditando que o outro era o traidor. Sirius morrera sem eles jamais terem conversado sobre aquele dia, tinha sido apenas um acordo mútuo e de poucas palavras sobre terem virado a página naquele assunto. Remus nunca tinha aprendido como agir quando havia mágoas e machucados recíprocos em uma relação. E agora havia Tonks, que nunca fizera nada além de amá-lo. Remus estava machucando-a, e se machucando, e o arrependimento de ter se casado com ela trocava constantemente de lugar com o arrependimento de tê-la deixado.

Acordou assustado, com o coração acelerado e destroçado. Era a primeira vez que Sirius surgia em seus sonhos agitados, e era como se viesse apenas para lembrá-lo de que estava sendo imaturo, babaca, ridículo. Era assim que se sentia, muitas vezes.

Seu choro era uma chuva ácida, e ele nem sabia o porquê de chorar. Por quem chorava ou o que fazer para parar. Deitar sozinho parecia errado, e era como se sua cabeça estivesse longe de estar onde deveria. Fisicamente e mentalmente.

— Não sei o que fazer, Pads. Ela provavelmente me odeia, a Dora, e tem a guerra, e Voldemort... nenhuma criança merece isso. Mas não quero que eles sofram, eu os amo. Sei que você deve achar que não, depois das merdas que ando fazendo, mas amo. – falava sozinho, no silêncio da madrugada naquele quarto minúsculo e abandonado que fizera ser seu abrigo temporário. – Ela não vai me perdoar. Eu não mereço, na verdade. Dora sempre foi boa demais para mim, nova demais... Merlin, como sinto sua falta, Pads.

Mas dias depois, quando o patrono de Tonks apareceu, pedindo socorro a qualquer membro da Ordem que pudesse ajudar, Remus soube que daria sua vida para salvá-la quantas vezes fossem necessárias. E quando um jorro de luz verde passou a milímetros dela, Remus não hesitou em usar uma maldição imperdoável.

— Sei que não mereço, mas por favor, me perdoe, Dora. – praticamente sussurrou, sentado no chão ao lado do sofá da casa de Andrômeda, horas depois.

A barriga gestante de Tonks marcava um volume sob o moletom que ela usava e, apesar dos pequenos machucados pelo rosto e braços, ela parecia quase bem. Estava tudo escuro, à exceção do fogo crepitando na lareira, magicamente aceso.

— Não queria que sofresse, não queria que ninguém tivesse que carregar nada da minha vergonh-

— Nunca tive vergonha de você, Remus. – ela o interrompeu, séria.

— Sei que não. Você sempre foi boa demais para mim, Dora. E é por isso que estou aqui, porque sei que foi ridículo, e sei que você me odeia, e que não precisa de mim, depois de tudo que fiz, sumindo... mas eu preciso de você. Preciso que saiba que a amo, que quero cuidar de você, dessa criança. Que quero amar a minha família.

Houve um longo silêncio, e a ausência de luz àquela hora da noite impedia Remus de ler a expressão de Tonks.

— Está errado. Eu preciso, sim, de você. – a voz dela quebrou. – Preciso hoje como precisei há mais de um ano, e em três meses, quando o bebê nascer, vou precisar exatamente como preciso hoje. Mais até! Mas você não me ajuda indo embora! Não vai funcionar se eu precisar de você, e você não estiver aqui...

— Eu vou estar. Eu vou estar, Dora, eu juro. Sei que errei, mas foi por medo. Eu não quero que você sofra, e pensei que me afastando... pensei que me afastando eu estaria protegendo você, mantendo-a segura, e deixando você livre. É claro que eu sei que foi ridículo, e covarde-

— Foi muito covarde.

— Eu sei! Agora eu sei! E não quero jamais errar desse jeito com você, com nosso filho... eu vou estar aqui, sempre que precisar, estarei com você até o fim! Me perdoe, Dora!

Tonks não respondeu de imediato, mas algum tempo depois, quando Remus já estava certo de que a conversa encerrara e que era melhor tentar descansar alguma coisa, ela puxou a mão cheia de cicatrizes dele e descansou sobre o abdome. Algo quicou contra a mão de Remus e ele deu um salto assustado.

— Chutou! O... o bebê... chutou! – exclamou, atônito.

— Começou há algumas semanas. Às vezes, dura a noite toda. Minha mãe disse que crianças metamorfomagas têm uma gestação agitada. – durante longos momentos, ficaram em silêncio, a mão de Remus sobre a barriga de Tonks sentindo a criança se mexer. – Sentimos sua falta, Rem...

A voz dela saiu chorosa, e Remus pensou em quão poucas vezes tinha visto aquela mulher, forte como um rocha, chorar. Ali, diante dele, estava a Tonks frágil. A Tonks grávida, a Tonks jovem, assustada, com um marido que sumira e agora voltava, a Tonks com medo por sua criança, que ia nascer em meio a uma guerra. Ele acariciou a barriga dela e deixou um beijo na cabeça, em meio ao cabelo colorido.

— Não quis machucá-los. Estou aqui, estou aqui agora. E vou ficar aqui. – muito depois, quase adormecendo, ele murmurou: – Eu amo vocês, preciso de vocês. Obrigado por me aceitarem de volta.

 ***

Parte IV: 2015  Narração: 1ª pessoa

— Eu queria que você estivesse aqui para ver isso. – eu digo mais para mim mesmo, olhando a foto antiga que o padrinho tinha me dado. – Tenho várias coisas para contar.

Estavam fazendo um milhão de eventos em homenagem a quem tinha falecido na Batalha de Hogwarts, por conta dos dezessete anos do que tinha acontecido. A última semana de abril estava sendo cheia de mostras, e havia várias fotos espalhadas pelos corredores. A turma do segundo ano de História da Magia tinha feito pergaminhos com relatos de familiares, e James Sirius tinha me feito ouvir a apresentação dele todas as vezes em que eu tinha passado pelo corredor principal.

No sétimo andar, perto do corredor que levava à torre da Grifinória, existia um quadro do meu pai, ao lado de vários outros e, na frente da sala comunal da Lufa-Lufa, havia um da mamãe, o qual eu via todos os dias desde que o haviam pendurado.

Essa mania de conversar com meu pai, como se ele pudesse me ouvir, tinha começado depois de eu vir para Hogwarts, porque o padrinho tinha dito que era óbvio que eles todos me ouviam, de onde estavam. Não sei se acredito, mas gosto de contar as coisas como se ele escutasse.

E é por isso que estou sentado no chão do quarto, conversando com uma foto do meu pai.

— Nosso time de quadribol perdeu a final para a sonserina, mas já era esperado. E estou até animado para as provas, por mais incrível que pareça! Acho que vou me sair bem. Colocaram um quadro seu perto da sala da grifinória, mas, pessoalmente, eu achei que escolheram uma foto ruim. O Harry disse que foi da época que você deu aula aqui... enfim.

“Acho que estou gostando da Toire. É, a Toire do tio Bill. Você ia achar ela engraçada, e muito bonita também. Vivo contando para ela as histórias dos Marotos que o padrinho me contou, e ela acha você o máximo!”

Pensar em Toire – e no cabelo louro dela, ou em como o sotaque dela faz meu nome soar ‘Teddyyy’ – me faz sorrir como um bobo e me esquenta o peito. Por outro lado, meu sorriso murcha um pouco de saudade por não poder falar disso com meu pai, sentindo falta de alguém que nunca nem mesmo conheci. Nesses momentos, é como um vazio. É como sentir a ausência do que nunca tive, saudades de um estranho, mas sempre incomoda como se eu tivesse tido meus pais a vida toda.

“Sinto saudade, pai. Não sei se tem como ter saudade de alguém que eu não conhecia direito, mas é... eu penso muito em vocês. Devem saber, claro. O Harry conta que você era meio... meio sério demais, e preocupado. Que era muito inteligente e que ensinou ele a fazer o Patrono. Vó Drômeda não fala muito de vocês, ela fica triste quando fala, mas eu vou juntando os pedacinhos, e o seu ‘eu’ do mapa do maroto é bem legal de conversar, às vezes... você foi feliz, pai?”

A pergunta surge como se tivesse sempre existido na minha cabeça, e depois que escapa, em voz alta, percebo o quanto eu queria saber a resposta genuína. Nunca tinha pensado naquilo mas, de repente, me dei conta de como queria saber se meu pai foi feliz.

“Não sei, estava pensando. Você sofreu para caramba, com a coisa da... do probleminha. E perdeu seus amigos, e teve a guerra. Eu acho que ia ser bem miserável, se eu fosse você.” Aquele comentário me deu vontade de rir e imaginei meu pai rindo de mim também. “Não, brincadeira. Eu acho que você foi muito forte, e Harry sempre fala como você queria que o mundo ficasse melhor, então acho que você conseguiu. Só… não sei. Fiquei pensando se você foi feliz. No processo, sabe?”

Meu colega de quarto entrou me procurando, porque eu estava atrasado para a mostra de feitiços que os alunos do sétimo ano fariam sobre a Batalha – que somava pontos para as casas –, e eu saí com a reflexão na cabeça.

O resto do dia me peguei pensando sobre meus pais, se tinham sido felizes, se tinham se divertido. Se tinham namorado as pessoas que tinham gostado, antes de se casarem. Se tinham aproveitado a vida deles. Afinal, eles tinham ido embora novos! Uma guerra não parecia uma época em que as pessoas tinham sido felizes, mas quando Harry contava suas histórias, sempre havia algo engraçado, algo bom. Alguma felicidade no meio das coisas. E eu precisava saber se meus pais também tinham sentido isso. De alguma forma, aquilo parecia importante.

— Sua cabeça tá mais na lua do que o normal hoje, Teddy. – comentou Toire enquanto andávamos juntos até a sala comunal dela, depois do jantar. – No que tá pensando?

— No meu pai. Nele e na mãe. – ela ficou me olhando, esperando que eu dissesse mais. – Você acha que eles foram felizes?

— Como assim? Tipo, juntos? Tia Ginny sempre diz que eles se amava-

— Não. Não, tipo, no geral. Na vida. Você acha que eles foram felizes? Porque não tem como ser feliz numa guerra, mas... sei lá, é tão deprimente pensar que eles morreram tão novos, sem nunca terem sido felizes, sabe? Eles não sentiam essas coisas que a gente sente? Jogar conversa fora, sair com os amigos, gostar de alguém legal...

Meu rosto esquentou, e Toire ficou vermelha. Tínhamos acabado de chegar no sétimo andar.

— Eu acho que a felicidade pode estar em, literalmente, qualquer lugar. Mas se está incomodando tanto o seu juízo, por que não pergunta para o tio Harry? Tenho certeza de que ele não vai achar ruim tirar a sua dúvida...

Aquela ideia não tinha me passado pela cabeça, mas, de repente, acendeu como uma lâmpada. É claro! Se havia alguém que tinha conhecido meus pais e podia me contar sobre a felicidade deles, era o Harry.

— Você é um gênio, sabia disso, Toire? – e reunindo dois segundos de coragem, eu deixei um beijo na boca dela e saí correndo, com o rosto em chamas. – Vou escrever para ele agora!

Acabei chamando Harry pelo espelho de duas faces que ele tinha me dado de aniversário no ano anterior, para que pudéssemos conversar de vez em quando.

— Padrinho! Padrinho! Harry, você tá aí? – chamei algumas vezes, escondido no banheiro do meu dormitório.

Pouco depois, a sala do esquadrão de aurores, no Ministério, apareceu, e então o rosto com os óculos redondos e a cicatriz apagada na testa.

— Teddy! Tudo bem, aí? – ele sorriu com a surpresa.

— Tudo sim. Eu esqueci de escrever quando cheguei depois da Páscoa, mas está tudo bem.

— Ginny ficou com ciúmes de saber notícias suas pela Andrômeda. – Harry riu, deixando-me constrangido. – Mas que bom. Estamos bem, também. James Sirius não explodiu a escola com Fred ainda?

— Não esse trimestre. - ele ri. - E desculpe, eu vou escrever mais. – pedi, envergonhado. Meu cabelo mudou para um tom de ruivo.

— No seu tempo… o sexto ano é bem pesado. Posso ajudar com alguma coisa ou você quer só papear?

— Na verdade, Harry... – limpei a garganta, sem saber bem por onde começar. – Você... você acha que meus pais eram... felizes?

Era um pouco humilhante expor meus sentimentos daquele jeito, e eu sentia que era uma pergunta infantil. No entanto, precisava saber a resposta como nunca antes tinha precisado saber nada sobre eles. Era como uma peça que faltava em um quebra-cabeças que eu não sabia que montava.

— Se-seus pais? Cla-claro, Teddy. Claro que eram felizes, eles... está tudo bem?

Eu resumi como a dúvida surgira, colocando a culpa na semana de homenagem à Batalha.

— Sei que é bobo, Harry, mas... não sei, eu queria saber. Porque eles foram embora novos, e nem ficaram muito comigo, e-

— Eu sei. – ele sorriu, complacente. – Não é bobo, é a sua história, Teddy. E você sabe que pode me perguntar deles sempre que quiser. Eles foram, sim, muito felizes, e mais ainda quando você nasceu, independentemente do que estivesse acontecendo naquele momento no mundo.

Concordei com ele, sentindo um pouco mais de tranquilidade, embora não me sentisse saciado. Harry parecia notar.

— Vou escrever para a professora Minerva, e se ela deixar que você saia para vir em casa, comigo, vou mostrar algo a você. Tente não pensar demais, okay? – assenti. – Nós amamos você.

— Também amo você, padrinho.

No domingo, a professora Minerva me chamou em seu escritório, e me deu pó de flu para ir visitar Harry. Eu não tinha ideia do que ele queria me mostrar e, sendo sincero, tinha passado a semana toda pensando naquilo – exceto depois de ontem, em que a única coisa que conseguia pensar era no beijo que Toire e eu tínhamos dado ao voltar de Hogsmeade, para a comemoração de aniversário dela.

— Como vai, Teddy? – Harry me cumprimentou, tomando uma caneca de chá, assim que eu saí da lareira, batendo a fuligem da roupa.

— Ei, Harry! – adiantei para dar um abraço, e ele não tirou o braço de cima do meu ombro depois.

— Sua madrinha está fazendo um bolo, mas venha, vou mostrar uma coisa no escritório.

Quando entrei no escritório dele, uma penseira de pedra flutuava ao lado da mesa, e uma memória deslizava como fumaça líquida sobre a superfície. Harry não me explicou nada, apenas convidou para mergulhar.

— Você não vem comigo?

— Não vai precisar... você vai gostar mais de curtir isso sozinho.

Sem entender coisa alguma, enfiei a cabeça na penseira. A memória foi se desembaralhando, construindo um cenário, e eu reconheci o Chalé das Conchas, a casa de praia dos pais da Toire, para onde já tínhamos viajado em família, no verão. Mas estava diferente, com uma mobília diferente, e não parecia muito menor do que era agora. Tio Bill e tia Fleur eram mais novos, muito mais novos, e Harry devia ter minha idade. Tia Mione estava lá, e Tio Ron também. Ventava loucamente, e eu não tinha ideia de quando aquilo tinha acontecido.

— Quem é? – Bill perguntou para a porta, e só então eu entendi que as caras de espanto eram porque alguém batera.

Devia ser durante a guerra.

— Sou eu, Remus John Lupin! – minhas pernas ficaram moles ao ouvir a voz dele, macia e séria. Eu nunca tinha ouvido a voz dele. – Sou um lobisomem, casado com Ninfadora Tonks, e você, o fiel do segredo do Chalé das Conchas,  me informou o endereço e me pediu para vir se houvesse uma emergência!

Era o meu pai! Do outro lado da porta, meu pai! Eu achei que teria um acesso quando o visse, meu coração galopava, e eu queria desesperadamente que abrissem a porta da casa.

— Lupin!

Bill abriu a porta e meu pai caiu na soleira. Estava pálido, com uma capa de viagem e o cabelo todo despenteado. Então ele se levantou, olhou quem estava na sala e gritou, de repente:

— É um menino! Demos a ele o nome de Ted, em homenagem ao pai de Dora!

Ele estava falando de mim! Era o dia em que eu tinha nascido!

Meus olhos arderam na hora, e eu não fui capaz de acompanhar a conversa ou as reações das pessoas em volta, porque estava concentrado em observar a felicidade que estampava a cara dele. Orgulho, uma alegria que meu pai nem conseguia conter. Estava me dando calafrios de emoção.

— É, é um menino – ele repetiu depois de um pouco, dando a volta na mesa e abraçando Harry. – Você será o padrinho?

— E-eu? – Harry gaguejou, e então eu me dei conta de que, puxa, ele tinha a minha idade, na época, e estava assumindo ser meu padrinho!

— Você, é claro! Dora está de acordo... ninguém melhor...

Harry aceitou o convite, e eu sorri, sentindo as lágrimas descerem. Então Bill serviu vinho e eles brindaram.

— À Teddy Remus Lupin, um futuro grande bruxo! – ele disse e eu sufoquei com meu choro.

Meu pai estava tão feliz, tão orgulhoso de mim, e eu sentia como se aquilo resumisse o sentimento da vida dele. A memória foi se esfarelando e, por mais que eu quisesse ficar ali para sempre, eu me senti voltando para o escritório do meu padrinho. Harry me esperava, com um sorriso acolhedor e, sem conseguir dizer nada, eu o abracei, grato e emocionado.

— Eram outros tempos, outros medos, e outros jeitos de sermos felizes, Teddy. Mas não duvide um segundo, seu pai daria a vida por você e por sua mãe quantas vezes precisasse. Ele morreu para que você vivesse em um mundo melhor, e isso, com certeza, não fez dele alguém infeliz. – Harry murmurou, beijando meu cabelo, que eu sabia que estava cor de areia.

Como o do meu pai.

Eu não era mais uma criança, e não tinha a ilusão de achar que meu pai era um santo, ou perfeito. Sabia que, como qualquer pessoa, ele tinha tido seus defeitos, seus erros pelo caminho, mas ele ainda era uma referência para mim. A ideia de que ele e minha mãe tinham sido felizes, não só juntos, mas como pessoas, me fazia sentir menos sozinho.

Ver as coisas de outra perspectiva, pela memória do padrinho, era estranho - para dizer o mínimo -, porém me fazia sentir, de certa forma, renovado. Porque, quando menor, eu tinha tido a fase da raiva e mágoa, de não entender por que meus pais tinham que ter me deixado. Por que tinham escolhido as outras pessoas a mim.

Tinha tido a fase da indiferença, da neutralidade, em que eu não pensava muito neles. Eu era órfão, e isso era um fato. Nem bom, nem ruim, só era. E agora, mais velho, menos imaturo, eu conseguia entender as coisas de outro prisma. Tinha passado anos associando meus pais à saudade e uma tristeza tremenda, de quem tinha vivido a guerra e me abandonado, e agora eu percebia que, compreendendo as coisas melhor, eu devia a eles uma espécie de perdão.

Porque o mundo era um lugar melhor por causa deles, e a escolha não tinha sido ‘outros à mim’, mas sim eu estava entre esses ‘outros’. As duas coisas eram possíveis: o mundo bruxo estava melhor, hoje, mesmo sem eles, mas, principalmente, também por causa dos meus pais. 

E enquanto estavam aqui, estado comigo, eles foram felizes. Tínhamos sido felizes, em família, em conjunto.

Eu tinha sido feliz com eles, e continuaria sendo apesar da ausência deles. Era hora de trocar a saudade amarga pela nostalgia feliz, eu sabia. De construir a história feliz que tinham partido tentando me dar. Desceram algumas lágrimas, que eu enxuguei no casaco antes que Harry implicasse demais comigo, mas eram lágrimas de felicidade, eu juro!


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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre bem vindos e tal, obrigada por lerem ❤