CATS - Filhotes em sua cabeça escrita por Lino Linadoon


Capítulo 2
Conversa




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   No dia seguinte, a mente de Mistofolees ainda estava tomada por filhotes, o que o incomodava.

   Ele tinha sonhado com filhotes naquela noite, um sonho parecido com o que tinha pensado no dia anterior, sobre filhotes de Maine Coon e de gatos de smoking. Ele se sentiu bobo ao acordar, corando fortemente em baixo do pelo branco, ao se virar e se encontrar cara a cara com a face adormecida de seu companheiro.

  Mistofolees se espreguiçou e se levantou, saindo da toca o mais silenciosamente possível para não acordar Tugger. No ferro-velho ainda escurecido, ele andou por entre os montes de lixo; a luz do sol timidamente tocava o céu em algum lugar no horizonte, escondido pelas altas tocas humanas.

   Tentando ignorar as imagens de filhotes que ainda estavam sua cabeça, Mistofolees se focou em caçar seu café da manhã; ele deixou que os instintos tomassem conta e, em pouco tempo, pegou um rato e o devorou em poucas mordidas, antes de sair em busca de mais um.

  Mistofolees levou o segundo rato para a toca. Normalmente Tugger acordava antes dele e, sempre que isso acontecia, Tugger costumava deixar alguma coisa na toca para o gato mágico comer ao acordar. Mistofolees não deixava de fazer o mesmo quando era o primeiro a se levantar.

   Ele colocou a cabeça para dentro da toca, encontrando Tugger ainda dormindo, estirado nos panos coloridos que serviam de cama e roncando, alto. Mistofolees não conseguiu deixar de observar seu companheiro, um sorriso doce crescendo em seus lábios.

   Tugger era adorável dormindo. As vezes ele rolava para lá e para cá, incapaz de ficar em uma só posição por muito tempo, mas de algum modo sempre acordava bem descansado; ele também fazia outros sons, além do ronco, de pequenos choramingos até grunhidos e suspiros; eram sons estranhos, mas Mistofolees gostava deles.

   O magico deixou o rato perto da entrada e saiu tão silenciosamente quanto antes, decidindo caminhar um pouco, já que estava acordado e sem vontade de dormir. Ele gostava daquele horário, quando o dia ainda não estava pronto para amanhecer e a noite estava começando a sumir.

   “Misto!” Uma voz doce chamou sua atenção e ele se virou, encontrando uma gata de pelo branco e puro sentada no topo de um baú velho de madeira e metal.

   “Vic!” Ele sorriu, subindo no baú. Os dois se aninharam afetuosamente um do lado do outro. “Ei, os filhotes estão dormindo?”

   “Sim. Eu decidi apreciar o silêncio.” Victoria desviou os olhos para a entrada da toca, soltando um bocejo grandioso e esticando as costas. “É uma pena estar tão cedo... Eu adoraria um banho de sol.”

   “Somos dois.” Mistofolees riu, imitando os movimentos da irmã e se deitando com a barriga contra a madeira.

   “E porque você está acordado tão cedo?” Victoria perguntou.

   “Só acordei e não consegui dormir mais.”

   “Sei.” Ela riu docemente. “Se você tivesse filhotes você agradeceria ao Gato Eterno qualquer chance de dormir.”

   “Então porque você não está dormindo?” Mistofolees ergueu uma sobrancelha.

   “Hm... Talvez eu durma logo... Mais cedo ou mais tarde...” Victoria rolou os ombros, deitando na mesma posição que seu irmão, antes de rolar para o lado, suas costas tocando o lado do outro. Mistofolees ergueu um braço e uma perna, envolvendo a irmã e a mantendo ali.

   Os dois se aconchegaram e apreciaram o calor vindo de cada um, ronronando baixinho e indo e vindo do mundo dos sonhos. Isso é, até que miados suaves e abafados quebraram o silêncio da madrugada.

   “Vic?” Mistoffelees se pronunciou, notando que a irmão não se moveu. A orelha esquerda de Victoria, a única que podia ouvir, estava pressionada contra o braço do irmão, o que queria dizer que ela claramente não conseguia ouvir seus filhotes. Ela fez um som. “Um deles está acordado...”

   Victoria grunhiu baixinho, se soltando do abraço aconchegante de seu irmão. Mistofolees a lançou um olhar e inclinou a cabeça, perguntando sem palavras se precisava de ajuda, mas ela simplesmente balançou a cabeça. Mistofolees observou a irmã enquanto essa descia do baú e suspirou, rolando para deitar de costas e encarar as últimas estrelas no céu que clareava.

   Filhotes.

   Lá vamos nós de novo.

   As miniaturas de gatos voltavam a dançar em sua mente. Talvez ele estivesse se tornando obsessivo? Ele nem sabia porque estava pensando tanto naquilo, sobre ter filhotes. Ele nunca tinha pensado muito sobre aquilo antes.

   O som de paços se aproximando fizeram Mistofolees abrir os olhos. Ele não se moveu enquanto sua irmã voltava a sentar ao seu lado.

   “Cayan ou Pettelin?”

   “Na verdade era a Miangellica, mas ela só queria atenção.” Victoria explicou.

   “Hm-hm...” Mistofolees assentiu, fechando os olhos novamente. “Filhotes...”

   “Pois é, sempre querendo atenção.” Victoria riu e então ficou em silêncio.

   As orelhas de Mistofolees prestaram atenção aos sons ao seu redor, captando o cantar dos pássaros que se intensificavam com o nascer do sol, o som vindo das ruas e das grandes tocas humanas enquanto alguns humanos acordavam, se preparando para o resto do dia. Ele estava quase adormecendo quando...

   “Bem, e quando você vai arranjar um ou dois?” Victoria interrompeu o silêncio.

   “É sério?” Mistofolees balançou a cabeça, abrindo os olhos e encontrando a gata branca sorrindo para ele, sua orelha esquerda movendo levemente, possivelmente prestando atenção para caso algum dos filhotes chamasse novamente.

   “Claro!” Ela deu de ombros. “Porque não?”

   “Eu estou com o Rum Tum Tugger.” Mistofolees disse simplesmente, rolando e descansando seu queixo sobre as patas, fechando os olhos mais uma vez.

   “E o que isso tem a ver...?”

   “Você já imaginou o Tugger como um pai?” O gato monocromático bufou.

   “Oh, bem...” Victoria se calou, como se estivesse tentando imaginar exatamente aquilo.

  Mistofolees usou o momento para limpar sua mente, se focando no modo como a madrugada estava ficando mais quente com a chegada do sol. Mas, novamente, seu momento de paz teve curta vida.

   “Ora, seria fofo!” Victoria disse, talvez sem notar ou então ignorando a careta de seu irmão. “Ele sempre foi um ótimo tio para Jemima e Sillabub, não foi? Eu acho que ele seria um ótimo pai!”

   “Hm...” Foi tudo o que o gato de smoking se permitiu dizer.

   Victoria não estava o ajudando com aqueles pensamentos, mas ele não podia culpá-la, ela era uma jovem mãe de três filhotes, é claro que ela queria falar sobre aquilo. E, honestamente, fora era, os únicos com quem Mistofolees poderia falar sobre aquilo eram as gatas mais velhas e Demeter – talvez até Bombalurina; mas a ideia de falar sobre aquilo o deixava desconfortável, como se ele fosse um filhotinho tentando mante ruma conversa com um gato adulto. Como era de se esperar, ele iria acabar se sentindo confuso, envergonhado e na posição errada.

   Se havia alguém que estava em seu nível, ou similar, era sua irmã, ou seu companheiro. E ele não tinha certeza de que queria ir direito para a segunda opção, pelo menos não ainda.

   “Okay, honestamente? Eu estive pensando sobre isso ultimamente.” Mistofolees suspirou.

   “É mesmo?” A expressão de Victoria se iluminou, sua cauda movendo rápido e ficando de pé, com a ponta curvada.

   “Eu culpo você.” Ele adicionou.

   “De nada.” Foi tudo o que recebeu, e ele não conseguiu deixar de rir.

   “Eu estive imaginando como seriam os nossos filhotes...” Mistofolees admitiu, ignorando o calor que tomou conta de seu rosto pálido.

   “Oh! Pequenos Maine Coons pretos e brancos! Que gracinha!” Victoria disse com a mesma animação de um pequeno filhote.

   “É, mas somos ambos machos, então pra que sequer pensar nisso?” Ele disse, tentando se impedir de fazer exatamente isso.

   “Ora, vocês podem arranjar uma barriga-de-aluguel...?” A gata branca olhou seu irmão de lado, erguendo uma pata de modo tímido, embora seu sorriso não fosse nada de timidez. “Eu me voluntario, se você quiser!”

   “O fato de que você tem uma queda pelo meu companheiro é super esquisito, Victoria.” Mistofolees grunhiu, cobrindo os olhos com um braço.

   “Não dá pra evitar.” Victoria riu. “O Plato também ainda tem uma queda por ele.”

   “Que surpresa...” O gato magico bufou.

   Os dois ficaram em silêncio novamente e Mistofolees afastou o braço, abrindo os olhos. Ele ouviu o som de algo se movendo enquanto sua irmã deitava ao seu lado, descansando o queixo sobre as patas como ele tinha feito antes.

   “Se você quer filhotes, você devia falar com o Tugger sobre isso.” Victoria disse, doce e gentil, as piadas e brincadeiras ficando para trás. “Quem sabe? Talvez ele também queria ser um pai.”

   “É, vou fazer isso...” Mistofolees assentiu, desviando os olhos dos orbes azuis de sua irmã. “Talvez...”

—o-

   Esse “talvez” inicialmente demorou um dia inteiro.

   Assim que se despediu da irmã, Mistofolees deixou a conversa para trás e retornou para sua toca, se encontrando com Tugger, que já estava acordado e agradeceu com um sorriso e um beijo pelo café da manhã. E logo Tugger saiu desfilando pelo ferro-velho, com um grupo de jovens machos e fêmeas em seus calcanhares, como costumava acontecer todo santo dia; enquanto Mistofolees encontrou um lugar aconchegante ao lado de Jennyanydots e Skimbleshanks – que ia ficar por mais alguns dias com o resto da tribo, já que o trem do correio ficaria na estação por um tempo. Ele não ousou falar sobre filhotes na presença da gata mais velha, mas, de algum modo, aquele tema foi abordado.

   “É ótimo ver o ferro-velho cheio de vida!” A velha gata Gumbie disse com um sorriso, sem levantar os olhos da peça que tricotava. “Faz um tempo que não víamos tantos filhotes de uma vez!”

   “Não deixe que Jelly e Asparagus te ouçam, meu bem.” Skimbleshanks mencionou e os dois riram.

  Mistofolees sorriu, tanto com o comentário quanto com o casal adorável a seu lado, mas não desviou os olhos do novelo de lã que rolava por entre suas patas.

   “Você está bem, meu jovem?” A pata de Skimbleshank em seu ombro assustou o gato preto e branco e ele precisou de um momento para se recompor.

   “Ah, sim, estou sim.” Disse com um sorriso.

   “Você sempre foi quieto...” O gato da estação de trem disse. “Mas está sendo ainda mais quieto que o normal hoje...”

   “Sinto muito...” Mistofolees murmurou, um pouco desconfortável.

   “Tem alguma coisa te incomodando, meu bem?” Jenny finalmente ergueu os olhos do seu tricô, encarando o menor com um olhar preocupado. “Está... Está tudo bem entre você e Tugger? Precisa de algum conselho de uma velha gata?” Ela adicionou as últimas palavras com um sorriso, como que para esconder o tom levemente acusatório da segunda pergunta.

   “Meu relacionamento com Tugger vai bem, Jenny.” Mistofolees tentou se impedir de revirar os olhos. Ele se forçou a sorrir, rolando o novelo de lã para lá e para cá. “Sá estava perdido em pensamentos. Eu não pretendia ser rude...”

   “Ah, não se preocupe sobre isso!” Os gatos mais velhos disseram rapidamente. “Mas, lembre-se: estamos sempre disponíveis caso você queira conversar. Bem, eu e Jelly na maior parte do tempo.” Jenny adicionou com um sorriso.

  Mistofolees assentiu. Ele continuou calado, brincando com os novelos e os fazendo flutuar no ar, enquanto Skimble e Jenny continuaram sua conversa, vez ou outra interagindo com o gato de smoking que simplesmente respondia com acenos de cabeça e suaves “hms” e “ahs”.

   Foi só quando o nome “Tugger” foi mencionado, que Mistofolees se sentiu sendo puxado para longe de seus pensamentos.

   “Me desculpe, o que disseram sobre Tugger?” Ele perguntou, educado como sempre.  

   “Oh, não nos leve à mal, filhote.” Skimble disse rapidamente, erguendo as patas de modo inocente, e Mistofolees tentou não reagir àquilo, uma vez que não tinha prestado atenção ao resto da conversa. “Só achamos engraçado como ainda não tivemos a chance de ver alguns ‘mini Tuggers’ andando por aí.”

  Mistofolees se lembrava de já ter ouvido aquilo várias vezes antes, as vezes em tom de piada, as vezes em tom de reprovação.

   “Vocês esperam que ele...?” Ele murmurou, antes de notar que sua pergunta não fazia sentido. “Digo, vocês realmente esperam ver Tugger ser um pai?”

   “Talvez não intencionalmente.” Jenny deu de ombros. “Mas, você sabe, baseado no modo como ele vai e vem das tocas das fêmeas...”

   “Ah, claro.” Mistofolees assentiu.

   “Eu tenho que dizer, e eu sei que você fica incomodada quando eu falo isso, Jenny...” Skimble adicionou, recebendo um olhar sério de sua companheira. “Mas Tugger tem um jeito com os filhotes. Um jeito estranho e diferente, sim... Mas ele tem.” E balançou a cabeça, sua expressão se tornando séria e repreendedora, o tipo de expressão que todos os gatos mais velhos mostravam ao falar sobre o Rum Tum Tugger. “Isso é, quando ele não está fazendo aqueles movimentos com a cintura e fazendo as gatinhas gritar.”

   Mistofolees riu baixinho.

   Todo mundo sempre mencionava como Tugger se dava bem com filhotes; de fato o que ele realmente parecia não ter era a responsabilidade para ser o pai de um.  

   Mas Mistofolees conhecia Tugger melhor do que ninguém no ferro-velho. Ele sabia que Tugger era mais do que o gato irresponsável e infantil que parecia ser na superfície; ele era doce e cuidadoso, e podia ser serio quando necessário, agindo como um perfeito gato adulto.

   Poderia Tugger ser um bom pai? Talvez. Sim... Mistofolees diria que sim.

   Mas e ele? E Mistofolees ?

  Mistofolees não era estúpido, ele sabia que filhotes precisavam de muito cuidado e atenção, mas poderia ele cuidar de filhotes?

   Ele não entendia porque estava pensando tanto nisso. Se ele quisesse cuidar de filhotes, ou pelo menos ajudar a criar um, tudo o que ele precisava era visitar sua irmã ou trabalhar com as gatas mais velhas na toca dos filhotes!

   Mas ele ainda imaginava como seria cuidar de sua própria ninhada.

  Mistofolees nem sabia se ele seria um bom pai. Ele não era o melhor em cuidar de filhotes, ele só sabia bem como distrai-los e, de acordo com alguns dos gatos mais novos, ele sabia como falar com eles sem lhes mostrar a típica condescendência que a maioria dos adultos mostravam. Mas aquilo não queria dizer que ele estava pronto para aquela responsabilidade.

  Mistofolees continuou pensando sobre aquilo, até não conseguir segurar mais.

   “Você já pensou em ter filhotes?” Ele finalmente perguntou, enquanto tomava um banho de sol com seu companheiro, no topo de um fogão velho e virado.

   Tugger se voltou para o gato de smoking com uma sobrancelha erguida, surpreso pela pergunta. Mistofolees esperou impacientemente, se sentindo um pouco nervoso com a pergunta, mas se impedindo de mostrar – anos escondendo tanto sobre si mesmo haviam o ensinado a manter sua expressão sob controle.

   “Você ainda está pensando sobre aquela conversa?” Tugger perguntou.

   “Talvez.” Mistofolees deu de ombros, sem querer que o outro soubesse que ele esteve pensando sobre aquilo por pelo menos uns três dias. “E então?”

   Tugger demorou um pouco mais para responder, encarando seu companheiro antes de voltar para a posição de antes, fechando os olhos.

   “Não... Digo, sim... Meio que sim.” Ele bufou com um sorriso torto.

   “Meio que sim?” Mistofolees se inclinou para o lado, se voltando para seu companheiro com interesse.

   “Eu não posso dize que eu já ‘quis’ ter filhotes, mas já pensei nisso, já imaginei, sabe?” O gato monocromático assentiu enquanto o outro continuava. “Como quando Bomba teve Electra e Munk e Demeter tiveram as gêmeas.”

   “Você imaginou como seria ter seus próprios filhotes?”

   “Sim, e também como eles seriam, é claro.” Tugger assentiu, se esticando sobre a luz do sol. “Já imaginei como seria se Bomba e eu tivéssemos ficado juntos, cuidando da Electra e tudo o mais... Ou se a gente tivesse nossos próprios filhotes um dia...”

  Mistofolees fez um som baixo, perdido em pensamentos.

   Ele não conseguiu se impedir de imaginar Bomba e Tugger andando por aí, não só com Electra, mas com sua própria ninhada de filhotes. A imagem de um grupo de Maine Coons com marcas de tortoiseshell era fofa, mas Mistofolees empurrou aquele pensamento para longe antes que começasse a se sentir estranho com a ideia de Tugger chamando outro gato de seu “companheiro” – ou no caso, “companheira”. Ele normalmente não sentia ciúmes, principalmente de Bombalurina, o que só fazia a situação ser ainda mais estranha.

   “Só a Bomba?”

   “É... Não. Eu também imaginei com outros.” O Maine Coon deu de ombros.

   “Até machos?”
   Tugger riu.

   “Não, acho que não...”

   “Então você não imaginou como seria ter filhotes comigo?” Mistofolees inclinou a cabeça para o lado, sorrindo torto.

   O Maine Coon abriu os olhos, encarando seu companheiro com um olhar curioso. O gato de smoking simplesmente o encarou de volta, sem realmente esperar uma resposta, apenas querendo brincar com o outro.

   “Eu não diria isso...” Tugger admitiu, rolando os ombros de modo indiferente, segurando uma risada e de algum modo sabendo que o gato ao seu lado estava corando em baixo do pelo branco. “Eu acho que... Talvez eu tenha pensado sobre isso em algum momento, quando a resolvemos ficar junto. Seria estranho se fosse antes, quando a gente era só amigos...”

   O gato magico assentiu, desviando o olhar.

   “Claro.” Diferente de sua expressão, sua voz continuou indiferente.

   Houve uma pausa na conversa enquanto os dois aproveitavam a luz quente do sol, pensando em silêncio. Tugger manteve seus olhos presos em Mistofolees, como se tentasse entender o que se passava pela mente de seu companheiro; mas o gato monocromático era difícil de ler, sendo sempre um grande mistério – bem, na maior parte do tempo.

   “E você?” Ele finalmente perguntou.

  Mistofolees não respondeu por alguns segundos, nem mesmo se voltou para o outro gato; mas o modo como suas orelhas se moveram e o leve vai e vem de sua cauda mostrava que tinha escutado a pergunta.  

   “Eu... Não posso dizer que já imaginei muito sobre isso, além da ideia de adoção...” Ele respondeu, decidindo não admitir a verdade. “Eu sempre me senti atraído só por machos, então...”

   “Fora de questão, né?”

   “Praticamente.” Misto deu de ombros, se voltando finalmente para seu companheiro com um sorriso.

   Tugger assistiu, examinando o outro com interesse.

   “A não ser que mágica estivesse envolvida?”

  Mistofolees se surpreendeu com a pergunta, mas logo se recompôs, soltando um bufado.

   “Eu duvido que mágica possa criar filhotes do nada.” Ele balançou sua cabeça.

   “Mas você já fez isso uma vez.” Tugger brincou com um sorriso torto.

   “Gatinhos de pelúcia!” Mistofolees revirou os olhos. Ele ainda não entendia porque Tugger gostava tanto de mencionar bem aquele truque de mágica.

   Tinha acontecido já fazia um bom tempo. Com Tugger como o único gato na plateia, Mistofolees decidiu praticar um truque, em que faria um gatinho de pelúcia que pertencia ao filhote mais novo da sua família humana aparecer e desaparecer dentro de uma cartola. Mas, de algum modo, quando o gato monocromático tirou a pelúcia de dentro do chapéu, outro gato felpudo apareceu, e mais um, e mais um, e mais um... Até que ele se viu segurando sete gatinhos de pelúcia que haviam aparecido sabe-se lá de onde.

   E não importava quantas vezes Mistofolees dissesse que o truque não tinha dado certo, uma vez que ele não tinha planejado criar mais de uma pelúcia, Tugger sempre mencionava como aquela “falha” havia feito o truque ainda mais incrível; exclamando sobre como aquilo era um grande exemplo de como a magia de Mistofolees era ainda mais poderosa do que ele acreditava ser.

   Mais tarde, eles levaram as pelúcias duplicadas para os filhotes do ferro-velho, que receberam o presente com alegria.

   Ainda assim, Mistofolees se surpreendeu ao ouvir o incidente ser mencionado na música que Tugger havia cantado no baile Jellicle do ano anterior.

   “Bem... É possível, não é?” Tugger deu de ombros com um sorriso.

   “Talvez...” Mistofolees assentiu, sem prestar muita atenção. “Mas não é como se eu fosse descobrir de um modo ou de outro.”

   Tugger riu com o comentário e Mistofolees sorriu para ele. Estava se sentindo mais calmo uma vez que Tugger não tinha perguntado se o mágico havia imaginado ter filhotes com ele ou não.

   Magia. Gatos criados por mágica. Ele não tinha pensado nisso antes. Seria sua mágica poderosa o bastante para criar filhotes de verdade, assim do nada? De algum modo ele havia conseguido multiplicar um gato de pelúcia seis vezes e também havia conseguido mover um gato grande como Bom Deuteronomy de um lugar para outro, mas aquilo era totalmente diferente de criar vida do nada.

   A pata larga de Tugger contra sua cintura surpreendeu Mistofolees.

   “Mas sabe, se você quiser ter filhotes, nós podemos arranjar alguns...” Tugger sorriu.

   “Sério?” Mistofolees perguntou, e quase não notou como sua cauda havia se levantado, mostrando interesse.

   “É...” Tugger notou também, antes que o gato pudesse abaixar a cauda. Ele deu de ombros, de repente menos confiante. “Claro...”

   “Você não tem certeza se é isso que você quer.” Mistofolees disse simplesmente, se movendo para deitar de modo a ficar face a face com seu companheiro.

   “Talvez eu seja jovem demais para ser um pai.” Tugger sorriu novamente.

   “Uhum, sei.” Mistofolees conseguia ver através daquelas palavras.

   Tugger não queria ter filhotes, pelo menos não ainda. Talvez ele não tivesse certeza de que queria tal coisa, ou talvez simplesmente não se sentisse pronto. Fazia sentido e Mistofolees respeitava aquilo; não era como se ele estivesse numa posição muito diferente.

   Os pensamentos do gato mágico foram deixados de lado quando duas patas agarraram sua cintura, o puxando para cima do gato maior. Ele obedeceu ao puxão, sentando no colo do Maine Coon e o olhando de cima.

   “É uma pena que a gente não pode simplesmente criar alguns...” Tugger estava sorrindo, daquele modo insinuante de sempre, enquanto acariciava a cintura de Mistofolees. “Eu não teria problema fazendo tal coisa.”

   “Realmente uma pena...” Mistofolees revirou os olhos, mas não conseguiu deixar de sorrir também. Tugger sempre estava pronto para transformar tudo em uma piada ou um flerte.

   “Mas porque a gente não tenta?”

   “Oh, tentar?”

   “Não há nada de mal em tentar, não acha?” Tugger deu de ombros, antes de puxar seu companheiro para baixo, para que seus lábios pudessem se encontrar.

   Era um pensamento bobo, ambos sabiam que, mesmo que tentassem por dias, aquilo nunca daria certo; mas Mistofolees riu contra o beijo, deixando-se acreditar, só por um momento, que aquilo era possível.

   Era uma sorte que o velho fogão ficava numa área mais vazia, por onde os gatos raramente passavam e onde os dois podiam aproveitar seu tempo sozinhos e em paz, porque Tugger não ia parar e Mistofolees nem pensava em tentar pará-lo.


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Notas finais do capítulo

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