One Shot - Papai? escrita por Camí Sander


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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O barulho dos carros me incomodava, mas fazia com que me sentisse parte da Terra.

Estava na sala de reuniões, no 15º andar, e o eco das centenas de estudantes conversando acabaram por me chamar atenção.

Em meus quase 40 anos de idade, nunca pensei que a falta de família pesaria tanto.

Como futuro herdeiro de um império, sempre levei a carreira muito mais a sério do que a vida amorosa. Na verdade, até aquele final de semana, eu não tinha cogitado ingressar em um relacionamento, contudo, a pressão dos meus pais com relação a netos me fez perceber que estive negligenciando aquela parte importante da carreira.

Como filho único, para quem eu passaria o bastão ao me aposentar?

O riso infantil seguido de uma reprimenda feminina chamou minha atenção. Ali, do outro lado da rua, uma garotinha corria da babá para que não fosse torturada com cócegas. Era uma cena que eu já vira antes, naquela mesma semana.

As duas fariam o percurso até o Café mais próximo entre risos e brincadeiras. A menina seguraria a mão da moça e esperaria para atravessarem a rua, então correria até a porta da cafeteria e a manteria aberta para sua acompanhante. A jovem lhe beijaria a testa e as duas desapareceriam por trás da porta que se fechava.

A cena se desenrolava enquanto eu cogitava, pela quarta vez naquela semana, em ir tomar um café naquele estabelecimento.

— Senhor Cullen? — chamou minha secretária. — Estou com o senhor McCarthy na sua sala.

Suspirei. Amanhã. Amanhã eu ficaria livre para ver a garotinha mais de perto.

Emmett me esperava com aquele sorriso comedor de merda que não combinava em nada com seu porte físico e o terno caro que vestia. Ele lançou uma piscadela para minha secretária antes da mulher fechar a porta com vergonha.

— Você devia parar de jogar charme para as minhas funcionárias, seu puto.

O rapaz riu e cumprimentou-me com tapinhas nas costas.

— Você tem essas gostosas fazendo tudo o que pede e não aproveita.

Rolei os olhos e sentei-me para dar início a mais um relatório enfadonho sobre a produtividade das filiais. Vez ou outra, meus olhos pousavam no relógio e meus pensamentos faziam o caminho até o Café perguntando se elas já teriam saído.

— Está atrasado para se encontrar com o seu namorado? — indagou meu gerente em dado momento. — Porque, pelo tanto de vezes que verificou as horas, só pode ser compromisso.

— Não é nada. Continue.

O restante do dia foi igualmente enfadonho. No final do expediente, vi-me pedindo para minha secretária limpar minha agenda do dia seguinte depois das três e meia. Era algo que prolongara até a sexta-feira porque sabia que a moça desconfiaria se eu passasse a frequentar Café de repente.

A manhã seguinte foi quase improdutiva.

Estava nervoso e não sabia a razão.

Quer dizer, não era como se eu fosse conversar com a menina ou coisa parecida. Eu só queria conhecer aquela princesinha; descobrir por que ela era tão encantadora.

Esperei com impaciência até às três da tarde e decidi que todo o resto poderia esperar até segunda-feira. Deixei um aviso para a secretária e saí apressado dali.

— Olha, mamãe! — a voz da pequena ecoou pelo espaço.

— Que lindo, meu amor! — comentou a moça.

A menina pulava contente ao lado da mãe enquanto segurava uma folha branca cheia de rabiscos coloridos. A moça do balcão sorria contente enquanto via a cena.

Eu estava maravilhado com a inteligência e a graça da pequena. Perguntava-me se a conversa com meus pais surtiu efeito e agora imaginava se um filho meu seria assim.

— É o desenho mais grande que eu fiz!

— É o maior desenho, sim — corrigiu afavelmente a jovem mãe. — Agora, por que você não se senta para decidirmos sobre nosso lanche?

Imediatamente, a garotinha se sentou na cadeira ao lado da mãe e passou os olhos no cardápio. Perguntei-me se ela já sabia ler.

— Mamãe, hoje podemos ter panquecas?

— Amor, nós deveríamos comer algo mais saudável, não acha?

— Pode ser com morangos, cream cheese...

— Isso não é a definição de saudável que eu estava pensando, Charlotte.

— Por favor, mamãezinha!

— Oh, meu amor, só se as panquecas forem integrais.

— Ah, não!

— É isso ou vou pedir algumas fatias de torta de brócolis e palmito.

— Panquecas integrais e suco de morango.

Diante daquele diálogo, não consegui evitar de rir e acabei chamando atenção das duas. Charlote colocou-se de pé e veio ao meu encontro.

— Olá!

Sorri para ela. Parecia tão pequena, com aquele uniforme escolar e os cabelos presos em uma trança quase desfeita... ainda assim, agia como se fosse adulta.

— Olá, pequena.

— O que o senhor está comendo?

Olhei para o meu prato e dei de ombros ao fitá-la outra vez.

— Ah, é apenas petit gateau de chocolate com sorvete de creme e calda de chocolate.

— Legal! — exultou ela e virou-se para a mãe. — Mamãe, posso ter o mesmo que ele?

Com um suspiro, a mulher deu um meio sorriso para a menina.

— Bem, quem sabe na próxima?

Então Charlotte voltou para abraçar o pescoço da mulher e fez um beiço.

— Ah, eu vou esquecer esse nome, mamãe — choramingou.

— Não vai. Tenho certeza de que você vai dar um jeito de se lembrar. Você é a menina mais inteligente que eu conheço, Charlie.

A pequena revirou os olhos muito verdes.

— Você tem que dizer isso. Você é a minha mamãe!

A adulta riu e eu segui com uma risada baixa. Certamente o pai daquela criança estaria de cabelos em pé todas as vezes que ela soltasse uma de suas respostas sagazes.

— Bem, se eu não fosse, você ainda seria a menina mais inteligente que eu conheceria.

— Mas isso não me ajuda a lembrar o nome — lembrou-a.

Decidi salvar a mãe daquele olhar torturado. Tirei um de meus cartões e minha caneta do bolso do paletó e chamei a menina com um “Ei, pequena”.

— Que tal se eu colocar em um papel para você entregar à atendente da próxima vez?

Exultante.

Foi assim que Charlotte ficou quando pegou meu cartão com o nome do doce rabiscado no verso. O olhar de gratidão da mãe pagaria por minha conta naquele final de semana e eu saí do estabelecimento deixando pago o petit gateau da menina.

Passei o final de semana inteiro lendo e relendo relatórios que deixara acumular na sexta. Todas as vezes que senti fome, olhei para minha cobertura e suspirei. Realmente, era solitário por aqui. Imaginei a pequena Charlotte brincando com seus gizes de cera em cima da mesinha de centro ou empoleirada no sofá, brincando com algumas bonecas. Seria maravilhoso.

Então lembrei-me de sua mãe.

A moça era muito encantadora. Aqueles profundos olhos castanhos que conseguiam manter a pequena na linha e feliz. As curvas suaves de seu corpo me deixaram desejoso e aquela boca... porra! Se ela fosse apenas sua babá, eu investiria. Nunca me perdoaria se tentasse acabar com um casamento. Charlote não merecia ter a vida destruída por mim.

Outra semana se passou até que eu pudesse me comprometer em estar no Café às três da tarde naquela sexta-feira. E, ainda assim, não estava completamente sozinho.

— O que viemos fazer aqui? — resmungou Emmett.

— Você queria uma reunião e eu quero um café.

— Poderia ter pedido para a gostosa da Alice trazer a porra do teu café.

Revirei os olhos.

— Minha secretária tem coisa melhor para fazer, seu otário. E para de chamar ela de gostosa, isso já está me irritando.

— Ah, você quer comer ela, não quer?

— Foda-se, Emmett. Quer falar de negócios ou eu posso chutar a sua bunda para fora daqui?

E começamos a conversar sobre os relatórios até que elas passaram pela porta.

— Cheguei primeiro, mamãe! — gritou Charlotte.

Minha atenção imediatamente foi parar na menina que segurava a porta, saltitante, para a mãe que se aproximava com um sorriso enorme no rosto. Era evidente o amor que tinham.

— Caralho! — soltou Emmett assim que elas passaram por nós.

— Olha a boca, imbecil! — rosnei.

Meu gerente ergueu as mãos em sinal de desculpas e seguiu com os olhos as recém-chegadas. Suspirei e bati as mãos na mesa sem muita força.

— Reunião encerrada.

— O quê? — Ele voltou a atenção para mim. — Ainda não decidimos nada!

— Decido amanhã. Tenha boa viagem — comentei dispensando-o.

— Oi, moço! — cumprimentou Charlotte atrás de mim. — Que bom que eu te achei!

Sorri antes mesmo de encará-la.

— Senhorita Charlotte, como vai?

— Mamãe disse que eu precisava agradecer pessoalmente pelo bolo — falou apontando para a morena que não tirava os olhos da filha. — E ela disse que vai te bater da próxima vez que você pagar meu bolo, porque eu tenho que comer saudáveis.

Eu ri e Emmett gargalhou assustando a menina que logo se recuperou e sorriu para ele.

— Olá! Eu sou a Charlie.

— Muito prazer, Charlie — galanteou o homem. — Eu sou Emmett, mas pode me chamar de tio Emm.

— Tudo bem, tio Emm, você também vai me dar um bolo com sorvete, igual o moço?

— Charlotte! — guinchou sua mãe do outro lado do recinto.

Emmett e eu não conseguimos evitar a risada.

— Você pode me chamar de tio Edward, pequena — observei e lancei um olhar para a morena. — E sua mãe tem razão sobre as coisas saudáveis. O que acha de combinarmos de sobremesa só nas sextas?

— E eu vou poder pedir o que eu quiser? — entusiasmou-se.

— Bem...

— Claro que vai! — intrometeu-se Emmett. — Se esse cara aqui não quiser te dar, você pode me ligar que eu pago!

Os olhos da mãe da menina arregalaram-se e ela fez seu caminho até nós.

— Senhores, agradeço a gentileza, mas não somos mendigas para ficar aceitando doces de vocês. Minha filha e eu não vamos incomodá-los. — E segurou no bracinho da menina. — Foi muito gentil comprar o petit gateau para ela, mas uma vez já foi o suficiente. Com licença.

— Claro, senhora — respondi, mesmo que elas já fizessem seu caminho até a mesa. — Emmett, você é um imbecil.

—Eu?!

Então passei a acompanhá-las apenas de longe outra vez, porque senti vergonha em ser repreendido pela bela morena e sua filha. Fiz uma média do horário que elas levavam lá dentro e me programei para voltar sempre quando estivessem prestes a sair.

Coloquei aquele plano em prática duas semanas depois.

Assim que passei pelas portas do café, uma voz infantil alcançou meus ouvidos e sorri em direção da pequena que gesticulava com as mãos.

— Tio Edward! Aqui!

— Charlotte! — repreendeu sua mãe. — Contenha-se!

Lancei uma piscadela para a menina e fui até o balcão. Pedi alguns cupcakes para viagem e um grande copo de café.

— Algo mais, senhor? — indagou a atendente.

— Você conhece o gosto da pequena Charlotte ali? — indaguei baixo o suficiente para a mãe da menina não escutar.

— Sim, senhor.

— Pode fazer uma bandeja com seis cupcakes à gosto da pequena e da mãe dela, por favor. E uma bebida para cada.

A atendente riu.

— Bella vai querer cortar o seu pescoço fora, senhor. Tem certeza de que quer fazer isso? Digo, eu amo Charlie com a minha vida, mas se você quer conquistar a confiança da mãe dela, esse não é o caminho a ser percorrido.

Ergui uma sobrancelha.

— Bella?

E a mulher — Angela, como estava escrito em seu uniforme —, ruborizou.

— Sim, senhor.

— Obrigado pela preocupação, Angela. Não tema, eu nunca usaria a menina. Ela, apenas, me cativou de uma forma inexplicável e, se acredita que Bella não vá usufruir do meu presente, diga que é seu. — Sorri torto.

Rubra, a moça assentiu.

Então fiz meu caminho até a mesa das meninas e passei os minutos restantes conversando com a pequena enquanto a mais velha terminava sua refeição. Assim que meu pedido chegou, beijei o topo da cabeça de Charlotte e saí dali escutando Angela tentar convencer Bella a aceitar os cupcakes.

O acaso se repetiu até o final da semana seguinte.

Charlie já ganhara meu coração e me abraçava como cumprimento. Emmett, meu gerente e melhor amigo linguarudo, chegou a falar sobre as meninas com meus pais e fui forçado, na segunda-feira seguinte, a levar minha mãe para conhecê-la. Decidi chegar antes delas porque conseguiria conversar com Angela primeiro.

— Esse lugar é adorável, querido! — exclamou dona Esme antes de bater em meu braço. — Como você nunca me trouxe aqui antes? Todos aqueles restaurantes finos que fomos não se comparam ao aconchego daqui!

— Mãe! — repreendi baixinho e a conduzi até uma mesa próxima ao balcão.

Rapidamente, minha atendente preferida apareceu para trazer-nos o menu.

— Olá, senhor Cullen! Seja bem-vinda, senhora.

— Angela, essa é minha mãe, Esme Cullen. Mãe, essa é a minha atendente preferida por salvar meu pescoço todos os dias, Angela.

A moça ruborizou forte e minha mãe riu.

— Eu sinto muito que tenha que fazer isso por ele, meu bem.

— Oh, não. Eu fico feliz em ajudar. Charlie tem sido muito mais alegre com os presentes nada saudáveis que seu filho compra para ela. Bella apenas não quer que a menina se estrague. Mas, então, o que posso fazer por vocês hoje?

Esperei minha mãe pedir antes de solicitar torta de brócolis com palmito e café.

— Charlie vai te odiar para sempre se você tentar entregar isso para ela mais tarde! — comentou Angela rindo. — Logo trarei seus pedidos. Com licença.

Engatei em uma conversa trivial com dona Esme e esperei ansioso pela chegada da minha pequena. Quase não toquei na comida até que aquele “Cheguei primeiro, mamãe!” surgiu da porta da frente.

— Oh, meu Deus! — exclamou minha mãe.

Depois do ritual de beijos que ela e a mãe trocavam, começaram a andar pelo local até que a pequena parou de súbito e virou a cabeça de um lado para o outro.

— Mamãe, o tio Edward já chegou — constatou antes de me encontrar e correr para os meus braços. — Tio! Que saudade! Achei que só ia te ver um pouquinho e agora podemos conversar um montão! — e sussurrou em meu ouvido: — Eu sei que é você que deixa meus doces maravilhosos, mas não falei para a mamãe, senão ela vai te bater.

Eu ri contra seu cabelo solto e beijei sua testa.

— Charlie, quero que conheça uma pessoa.

De súbito, ela me soltou e encarou minha mãe com olhar analítico.

— Você não vai me dizer que ela é a sua namorada, né? Porque, tio, ela não serve!

— Charlotte! — repreendeu Bella a poucos metros de nós. — Mil perdões, senhora, eu juro que tento colocar algum filtro nela, mas tem sido cada vez mais difícil. Peça desculpas à senhora, Charlotte. Agora!

A menina baixou os olhos para o chão.

— Desculpe, senhora. Eu sou Charlie e gosto muito do tio Edward.

Minha mãe sorriu.

— Então, você é a princesinha que meu filho tanto fala? Muito prazer, Charlie. Eu sou a mãe do seu tio Edward. Você pode me chamar de vovó Esme.

Aturdidos. Assim estávamos Isabella e eu.

Não só pela reação de Charlotte, que correu e abraçou o pescoço de minha mãe, mas pela implicância que aquelas palavras tinham. Era como se minha mãe estivesse dando sua aprovação para que eu destruísse o lar delas.

Passamos o restante da tarde com as duas. Minha mãe e Charlotte conversavam sobre casinha e bonecas como se fossem melhores amigas. Eu e Bella quase não tocamos no assunto que nos chocou, apenas pedi desculpas e ela banalizou o caso.

Quando fomos embora, minha mãe fez questão de comprar um doce para as duas e estragou meu disfarce com a frase “Bobagem, querida, Edward faz isso todos os dias, então deixe-me fazê-lo também”.

O restante da semana, foi caótico e fui obrigado a restringir meu aparecimento no café apenas no final do expediente, que era quando as meninas já não estavam lá. No entanto, deixei avisado para Angela que prometeu repassar o recado.

“Senhor Cullen, estará ocupado amanhã depois das três da tarde?” foi a mensagem que recebi na sexta-feira de um número desconhecido.

“Boa tarde, com quem falo?”

“Ah, sim. Aqui é Bella Swan, a mãe de Charlotte. Minha filha tem perguntado sobre o senhor por vários dias e está começando a ficar febril. Imagino que seja emocional.”

Desesperei-me.

Charlie estava doente?

Charlie estava doente e a culpa seria minha?

Imediatamente, disquei o número de Bella.

— Bella Swan — ela atendeu.

— Como está Charlie? — indaguei.

Ela riu baixinho e suspirou.

— Charlie está bem, senhor Cullen. Acredito que seja apenas por sentir sua falta.

— Tem certeza? Não é melhor levá-la a um hospital? Eu pago a consulta, se for necessário. Apenas, por favor, não espere o problema se agravar.

— Só um minuto, senhor — pediu e ouvi alguns barulhos antes de sua voz soar ao longe: — Filha, bebê, ei! Seu tio quer saber como você está. Quer falar com ele?

— O tio Ben? Será que ele pode trazer umas rosquinhas?

Bella riu.

— Fale com ele você mesma, bebê. Eu não sou tão cara-de-pau assim.

— Alô? Tio Ben? — resmungou ao telefone.

— Não, princesa, é o tio Edward. Você está bem?

— Tio Edward? — sua voz soou um pouco mais alegre. — Eu tô bem sim. Só dói um pouquinho a cabeça e minha barriga e quando eu respiro, mas a mamãe disse que é febre e que é normal. Ela disse que é culpa dos não-saudáveis que o senhor me dá.

Eu ri.

— E ainda assim você iria pedir rosquinhas ao tio Ben?

— Ah, papai, sabe como é, né?

Papai?

— Ops! — ela disse rapidamente. — Desculpa, tio Edward. Eu confundi tudo.

— Tudo bem, pequena. Eu não me importo. Só não conte para o seu papai, sim?

— Tá bom! Você vai me ver amanhã? A mamãe disse que ia perguntar porque eu quero ir no parquinho e queria te ver no Café, mas amanhã o Café não abre.

Não abre? Sábado, geralmente, é um dia bastante movimentado. Por que não abriria?

— Eu vou te encontrar onde você quiser, pequena.

— E vai levar umas rosquinhas?

Ri de sua esperteza.

— Que tal fazermos um piquenique? Assim posso levar algumas rosquinhas e as comidas saudáveis que a sua mamãe tanto insiste em te dar.

— SIIIMMM!!! — gritou Charlotte do outro lado da linha. — Quero!

— Então estamos combinados? Você precisa melhorar se quer tanto um piquenique no parque amanhã. E, por favor, deixe-me conversar com a mamãe para explicar nossos planos.

Ouvi sua comoção chamando pela mãe e pulando pela casa ao fazer planos para o dia seguinte. Combinei com Bella o local, o horário e alguns alimentos. Eu nunca teria imaginado que minha pequena Charlotte era alérgica a nozes, mas, como eu também era, garanti que não seria problema.

A tarde seguinte demorou para chegar e, tudo o que pensei até ali, foi que perdi vários anos da minha vida ao não me empenhar em ter uma família.

Enquanto via Charlie correr para os brinquedos depois do abraço mais apertado que já recebi dela, minha mente voltou há mais de 15 anos, quando eu estava na gincana da faculdade e quase fiz a equipe perder por causa de sêmen.

— Ela me chamou de papai ontem — comentei quando Bella agradeceu por minha disponibilidade. — Agora estou me perguntando como ela pôde nos confundir.

Bella mordeu o lábio inferior.

— Charlotte não tem pai.

— O quê? O bastardo te abandonou grávida?

Ela riu.

— Não. Eu que o abandonei grávida.

— Como assim?

E a morena suspirou.

— Eu estava em um relacionamento abusivo. Meus pais eram aqueles que pagavam as minhas contas e meu noivo foi escolhido por eles. O idiota era um bastardo, como você diz. Vivia me perseguindo, não gostava que eu saísse com minhas amigas ou que terminasse a faculdade. Em uma discussão, ele disse que não teria filhos tão cedo e vi ali a minha oportunidade. Meus pais não aceitariam que eu acabasse com aquele noivado, então juntei dinheiro e procurei por uma clínica. Se eu tivesse um filho de outro homem, talvez fosse expulsa de casa, mas Mike nunca mais olharia para a minha cara.

Meus olhos não deixaram o rosto dela por um segundo sequer.

— Quantos anos você tem? E quantos tinha quando Charlotte foi uma opção para você?

Bella sorriu e procurou a filha com os olhos.

— Eu tinha dezenove anos quando decidi juntar dinheiro e vinte quando consegui encontrar uma boa clínica para fazer a inseminação, longe o suficiente de casa.

Sorri e busquei sua mão para apertar gentilmente.

— Você fez uma ótima escolha, Bella Swan. Charlie é uma menina maravilhosa.

E a moça riu.

— Mesmo quando está te pedindo rosquinhas pelo telefone ou se metendo na sua escolha de encontros? Porque, deixe-me dizer agora, Charlotte está convicta de que você precisa de uma esposa... e ela se julgou apta a decidir quem merece o posto.

Juntei-me ao seu riso.

— Charlotte é bem-vinda a tentar. Eu mesmo já estou quase desistindo de construir minha família. É muito difícil conhecer alguém quando se dá prioridade ao trabalho.

— Você esteve tirando vários minutos do seu dia para conhecer a minha filha — assinalou. — Não deve ser tão difícil assim procurar uma mulher com idade para se casar.

Bufei.

— Tente ver assim: Estou procurando uma esposa que me dê um lar, um herdeiro e um propósito. O que me aparece são mulheres à procura de um idiota para bancá-las. Vai por mim, conhecer sua filha é muito menos problemático.

— Se o que você mais quer é um herdeiro, já cogitou a ideia de adotar?

— Já... A sua filha — completei e ri da careta que ela fez. — Na verdade, a sua história de vida me fez lembrar de que devo ter algum filho perdido no mundo.

— Você abandonou uma mulher grávida? — guinchou atordoada.

— O quê? Claro que não! Eu fiz uma doação pela faculdade há alguns anos.

Quando a compreensão de minhas palavras chegou, sua postura relaxou consideravelmente e ela sorriu.

— Você já tentou imaginar como seriam seus filhos?

Sorri, neguei com a cabeça e olhei para a menina que voltava correndo.

— Mamãe! Estou morrendo de sede! Podemos comer rosquinhas? — foi o que ela disse ao se jogar ao lado da mãe. — Você trouxe as minhas rosquinhas, não trouxe, tio Edward?

Fechei os olhos apertados e bati com a mão na testa.

— Era isso que eu estava esquecendo! Caramba!

— Ah, eu não acredito! — reclamou a menina e bateu em meu joelho. — Você tá igual a mamãe que só lembra de trazer as saudáveis!

Eu ri e remexi na cesta até abrir o pacote de rosquinhas que Angela tinha arrumado.

— Soube que eram as suas preferidas, pequena.

Contudo, antes que ela conseguisse pegar o saco, sua mãe colocou uma garrafa de água na mão da criança.

— Você está morrendo de sede, lembra?

A história de Bella ficou martelando minha cabeça pelo final de semana inteiro, então, logo no início da segunda-feira, pedi à Alice que marcasse uma visita para a manhã seguinte, na clínica de reprodução in vitro que eu fizera a doação tantos anos antes. Não expliquei o motivo da visita à minha secretária, mas acabei comentando sobre aquilo com Emmett e ele decidiu ir junto.

Ao que parecia, não tínhamos acesso aos dados pessoais de quem fez uso do material, mas conseguiríamos ver quantas vezes foi utilizado. O meu estava em análise e o de Emmett já fora quase que esvaziado. Sugeriram que o homem fizesse outra doação... e ele perguntou se a recepcionista lhe ajudaria na coleta.

— Imbecil — repreendi batendo em sua cabeça e voltei para a mulher. — Eu estou confuso. Por que essa coleta está em análise? Significa que não foi usada?

— Não, senhor. Significa que o senhor permitiu que a mãe decidisse sobre novas concepções.

— Eu não permiti porra nenhuma! — esbravejei. — Na verdade, ordenei que fosse feito apenas um procedimento e o restante fosse jogado fora!

E minha memória voltou àquela tarde:

Cheguei a ligar para Nicholas, meu tio de coração, padrinho e melhor amigo do meu pai, para desabafar todas as razões pelas quais eu foderia com o primeiro lugar da equipe.

— Eu ainda não entendi por que você acha que isso é uma grande coisa, Edward.

— Tio, acho que isso vai dar merda.

— Não — zombou ele. — É só um pouquinho de material.

Ele só poderia estar zoando com a minha cara!

— Sabe quantas crianças esse “pouquinho de material” pode gerar?

— Restringe o uso, moleque. Você é a porra de um Cullen. Beneficie-se com isso!

A menção do sobrenome que eu carregava — e do império que vinha com ele — me fez estremecer e choramingar. Aquilo não ia dar certo!

— Meu pai vai me matar! — gemi.

— Ele nem vai ficar sabendo. Relaxa e goza. — Riu tio Nick.

— Rá, rá, engraçadão.

Meia hora depois, eu estava segurando um recipiente cheio de esperma, na frente do balcão, enquanto discutia com Emmett.

— Eu vou entregar essa merda só se for possível que seja usada apenas uma vez!

— Mas, cara, você é um rapaz bonito e saudável. As mulheres choram por bebês com o seu gene. Vai fazer as pesquisas se espalharem — E para comprovar seu ponto, ele fez um gesto para as mulheres ali perto. — Você pode ser o novo Adão e povoar a Terra!

— Não! Eu concordei com isso, mas tem que ser nos meus termos! — Voltei-me para a recepcionista e coloquei o frasco em cima do balcão. — Moça, pode deixar esse esperma como particular?

Atrás de mim, meu amigo bateu a palma da mão na testa. Imaginei que estivesse negando com a cabeça também. À minha frente, a mulher me olhou como se eu tivesse duas cabeças.

— O que quer dizer com isso, senhor?

Respirei fundo e olhei em seus olhos, tentando jogar charme para ela.

— Preciso que apenas uma mulher seja receptora. Todo o resto deve ser jogado fora. Sei que não terei notícias da criança, mas, por favor, eu não posso ter uma penca de filhos bastardos na porta dos meus pais. E não quero que as crianças possuam características tão diferentes umas das outras. Portanto, preciso que apenas uma mulher seja receptora.

— Edward, isso é um absurdo, cara! — comentou meu amigo.

Expirei e virei para encará-lo com raiva.

— Eu sou a porra do herdeiro de uma multinacional, seu imbecil. Imagina se essa merda se espalha?! “O grande Edward Cullen não dá conta de cuidar dos filhos”! Ou pior, se eu tiver casado e aparecer um pirralho dizendo ser meu filho. Como acha que a minha esposa vai encarar a situação até que eu tenha tempo de falar sobre a campanha da faculdade? Se não for do meu jeito, eu não farei nada!

— Caralho, é verdade. Tio Carlisle vai te matar se aparecerem milhares de pirralhos querendo mesada.

— Ah, sério?! Nem tinha pensado nisso! — exclamei irônico e voltei-me para a recepcionista. — Eu pago o por cinquenta procedimentos à vista, se essa porra ficar particular.

— Verei o que posso fazer, senhor.

— Acalme-se, senhor. O material fica em análise por cerca de cinco anos, para o caso da primeira concepção apresentar falhas genéticas. É o procedimento normal.

— Então a mãe do meu filho fez essa inseminação há menos de cinco anos?

— Não, senhor. Foi há quase dez anos. Consta que a receptora optou por manter o material por mais uma década. Assim como o senhor, ela parece não querer que seus filhos sejam muito diferentes um do outro.

Enquanto a recepcionista falava, a médica responsável pelas consultas apareceu e sorriu.

— Algum problema, senhores? Vocês procuram uma barriga de aluguel?

Olhei para Emmett com nojo e neguei com a cabeça.

— Eles fizeram doações há dezesseis anos e queriam verificar o uso do material.

— Eu sou o novo Adão da Terra! — gabou-se Emmett.

E as duas riram.

Uma olhada no monitor e o cenho da doutora se franziu.

— Você está querendo saber por que essa amostra está armazenada?

— Exato — respondi sério. — Paguei por cinquenta procedimentos para que a amostra fosse destruída assim que completasse a primeira concepção. Agora estou descobrindo que ela está armazenada porque a mulher decidiu ter mais de um filho? É uma brincadeira idiota?!

— Senhor, acalme-se. Aqui consta que o senhor solicitou que “apenas uma receptora” poderia usufruir desse material. Nunca pediu por exclusividade de concepção.

— Caralho — murmurei passando a mão nos cabelos.

— Isso significa que...

— Que a vadia pode ter quantos herdeiros Cullen ela quiser — completei. — Que merda! Agora, sim, meu pai vai me matar. Porra!

— Senhor, por favor, se acalme.

Ri sem humor e assenti com os olhos fechados e os dedos pressionando a ponte do nariz.

— Eu mesma fiz o procedimento na menina. Ela parecia desesperada e estava convicta de que seria a única chance de ter um filho.

— Uma menina?! — repeti. — E, por acaso, essa menina tinha alguma deficiência para não ter filho de forma tradicional?

— Não, senhor, a paciente é perfeitamente saudável.

— Então, que porra aconteceu aqui? Se a doutora puder me explicar...

A senhora expirou com força, controlando qualquer que fosse o temperamento que crescia, e convidou-me a acompanhá-la para seu consultório.

— A jovem que fez esse procedimento estava tentando fugir de casa — começou a doutora Lilian. — Meu pai, dono da clínica, já havia comentado sobre o herdeiro da Cullen Enterprise fazendo uma doação e pagando por particularidade. Quando aquela menina apareceu chorando, tentando desesperadamente fazer uma inseminação a baixo custo para se livrar de uma vida de sofrimento, eu soube que era por causa dela que a sua amostra era necessária. Entenda, senhor Cullen, eu já fui abusada quando mais nova e pude notar o mesmo olhar aterrorizado naquela jovem. Ela tinha pouco mais de vinte anos e queria mudar de vida.

Tentei assinalar o que a médica falava, mas, tudo o que me vinha à mente, era uma Isabella desesperada.

— Eu me comprometi a pagar pela inseminação dela e fui eu quem deixou sua amostra na análise. Sei que, se ela foi mesmo abusada sexualmente e psicologicamente como eu fui, ela nunca conseguiria se doar para um homem. E, se ela quisesse ter outros filhos, imaginei que não gostaria de ter que explicar a razão de uma criança não ter nada a ver com a outra.

— Tudo bem, isso faz sentido até certo ponto — concordei. — A recepcionista disse que a mulher escolheu guardar a amostra para ela. Agora a senhora diz que não foi ela?

— Senhor Cullen, como médica ginecologista e obstetra, além da inseminação, eu acompanhei toda a gestação da moça e estava claro para mim que ela nunca procuraria pelo pai das crianças, assim como o senhor nunca procuraria por algum herdeiro. Uni o útil ao agradável porque ela virou uma de minhas melhores amigas.

— Então a doutora conhece meu filho — afirmei e ela assentiu com a cabeça. — E sabe que estou cogitando encontrar a criança, imagino.

— Imaginei quando soube quem estava na recepção. Sabe que não posso dar-lhe essa informação e não vou me corromper com nenhuma quantia que o senhor esteja disposto a doar.

Sorri torto.

— Eu não tinha chegado a cogitar isso, doutora.

Ela bufou.

— Conheço o seu tipo, senhor Cullen. Você não vai me ganhar com suas moedas. Eu amo Charlie com toda a minha vida e nunca deixaria o senhor se aproximar para lhe fazer mal.

Sorri mais abertamente.

— Então o nome do meu filho é Charlie? Obrigado, doutora Lilian.

— Você é um demônio — rosnou ela, perdendo a compostura.

Ri de sua expressão sombria e apertei-lhe a mão.

— Por favor, contate-me se Charlie precisar de um pai, algum dia, sim?

Eu não aguentaria um dia inteiro de trabalho, portanto, fui direto para o Café, conversando com Emmett pelo caminho. Descobri que o idiota tinha dado o número do telefone para a recepcionista e dito para que ela deixasse visível para as mulheres que quisessem o “seu material” mais fresco. Apenas bati com a cabeça dele na porta.

— Caralho, Cullen! — reclamou me empurrando.

— É para ver se pega no tranco — dei de ombros e fiz meu trajeto até uma das mesas.

Esperei pacientemente pela minha pequena.

Foram horas ali, desfrutando de café, almoço e alguns pedaços de bolo enquanto lia relatórios e respondia a e-mails pelo celular. Emmett saiu antes mesmo do almoço para uma das filiais e desejei boa sorte para o funcionário em problemas.

Minha cabeça ia de Isabella à doutora Lilian de hora em hora e eu queria saber por que estava tudo se encaixando com tanta perfeição. Quer dizer, quais as chances? E, se fosse assim, eu tentaria entrar em um relacionamento com Bella apenas pela filha? Embora eu já estivesse aos pés da pequena, sabia que isso não era base para uma relação.

— Daqui a pouco teremos que chamar os bombeiros — comentou Angela ao trazer uma nova rodada de café e aperitivos. — Seu cérebro parece estar pegando fogo.

Revirei os olhos e cruzei os braços, recostando-me na cadeira.

— Diga-me, Angie, o que você faria se soubesse que eu sou o pai do seu filho?

Ela piscou várias vezes.

— Provavelmente, entraria em contato com você, afinal, além da parte financeira que você pode proporcionar à criança, você tem o direito de saber que é pai.

— Mas... e se você descobrisse isso por mim?

— Eu acharia que drogaram o seu café — ela riu e puxou a xícara da mesa. — Acho que está na hora de beber outra coisa, senhor Cullen.

Apoiei os braços em cima da mesa e cruzei os dedos.

— Há alguns anos, fui doador numa clínica de inseminação. Hoje descobri que tenho um filho com uma moça que sofreu abuso. Agora quero conhecer a criança. Faz sentido?

— O senhor está preocupado que a mãe não tenha condições psicológicas para cuidar de um bebê? — indagou franzindo o cenho.

Puta merda. Eu nem tinha cogitado isso antes!

— Porra, não tinha pensado nisso, mas agora estou me perguntando se ela cuidou bem do meu filho. E se ele está sendo maltratado? Porra! O que eu faço?

Ela pousou a mão livre em meu ombro.

— Edward, você acha que a clínica em questão não faz exame psicológico com a paciente antes e depois do procedimento? Bella se submeteu a isso por tantas vezes que não sei como ela ainda vai até lá.

— Ela vai até lá? Lá na clínica? Mas ela disse que não voltava para a cidade natal há anos. Como vai até a clínica?

Angela abriu a boca para responder, mas foi interrompida por uma risada gostosa.

— Cheguei primeiro outra vez, mamãe! Você precisa comer mais saudáveis! Tio Edward! Você já está aqui!

Abri um sorriso para Charlotte e abracei seu corpinho com cuidado.

— Charlie, você sabe que deve esperar a mamãe para entrar no Café! — repreendeu Bella e sorriu para Angela e eu. — Olá, pessoal.

Seu sorriso contagiou o espaço.

— Olá, Bella. Vocês vão me fazer companhia, não vão?

Charlotte sorriu e pulou no lugar, mas esperou que a mãe respondesse.

— Hoje terei alguns exames para fazer e achei que Charlie pudesse ficar aqui...? — Ela olhou sugestivamente para Angela que assentiu. — Ótimo, então vamos às orientações.

E a menina gemeu em frustração.

— Ah, mamãe! De novo?

— De novo — ordenou a morena.

— Eu não posso sair da vista da tia Angela. Eu não posso pedir para o tio Edward comprar rosquinhas... — citou entediada, até que se lembrou de algo e olhou esperançosa para a mãe. — Posso pedir aquele bolo com sorvete?

— Não.

— Eu tenho que obedecer a tia Angela e não posso falar com gente que a mamãe não conhece. Também não posso sair daqui sem a mamãe ou a tia Angela.

— Muito bem. E se você obedecer a tudo isso...

— Eu posso ter um irmãozinho?

Bella suspirou frustrada.

— Ainda não, bebê. Você sabe que não é assim. A mamãe precisa encontrar um papai para o seu irmãozinho primeiro.

— Mas eu não tenho papai, por que ele precisa de um?

Bella ergueu os olhos em busca de algum auxílio da atendente, mas Angela apenas encolheu os ombros. Puxei Charlotte para meu colo e a fiz olhar para mim.

— Ei, pequena, você já viu como a mamãe se cansa fácil? Ela nem consegue correr igual a você! Se ela tiver um irmãozinho para você agora, sem um papai, ela não vai poder te trazer aqui todos os dias, porque um irmãozinho bebê precisa de silêncio e aqui é barulhento.

— Mas por que ele precisa de um papai e eu não? — indagou quase chorando.

— Todo mundo precisa de um papai, princesa. Até mesmo você. Acontece que a maioria das crianças não podem escolher o papai delas, mas você pode.

Seus olhos brilharam de esperança.

— Eu posso escolher o papai que eu quiser?

— Sim — respondeu Bella. — E ele vai ser o papai do seu irmãozinho também. Agora, por que não discutimos isso depois? A mamãe precisa ver a tia Rose.

Charlie fez uma careta.

— De novo?

— De novo — riu Bella e beijou sua testa. — Eu amo você, meu bebê. Até mais tarde.

Ficar com Charlie o resto da tarde foi incrível. Senti-me como um verdadeiro pai rindo e brincando com a filha que contava peripécias da escola. Também contei algumas loucuras que fiz na sua idade e ela fechou os olhos com as duas mãos quando falei que já fiz xixi na árvore perto da escola.

— É por isso que você não deve se aproximar dos meninos — expliquei.

Atrás do balcão, Angela riu.

— Você não faz mais xixi na árvore da escola, faz, tio Edward? — perguntou a menina.

— Não, pequena. Eu cresci e parei de fazer essas coisas.

— Então eu tenho que esperar até os meninos crescerem para chegar perto deles?

Engasguei.

A imagem de uma Charlotte adolescente se aproximando de garotos cheios de hormônio fez meu sangue ferver. Porra, não! Ela era tão pequena e indefesa!

— Por que você não espera até os meninos terem mais de trinta anos?

— Você tem mais de trinta anos, tio Edward?

Assenti.

— Mas você não pode chegar perto de qualquer homem com essa idade, Charlie. Tem homens muito maus que roubam criancinhas. Você não quer perder a mamãe, quer?

Ela negou veemente e eu sorri.

— Eu só queria que a mamãe casasse logo com o tio Jake, mas ela acha que ele não gosta muito de mim — suspirou a menina. — Ele me deu um pirulito outro dia, quando eu deixei ele me dar um beijo aqui — e apontou para o canto da boca.

Merda!

— Escuta, princesa, o tio Jake quer te roubar da mamãe.

— Mas ele quer casar com ela. Ele me disse. E disse que a gente brincaria de casinha todos os dias... a mamãe não brinca comigo todos os dias! — queixou-se.

Respirei fundo e puxei-a para um abraço.

— Você é muito pequena ainda, princesa, mas um dia vai perceber que a mamãe está certa em ficar longe do tio Jake.

Eu precisava falar com Isabella.

— Você não vai dizer isso para a mamãe, vai? O tio Jake disse que, se eu quisesse um irmãozinho, não era para falar para a mamãe.

Porra!

— Não vou falar para a mamãe, princesa, mas, o que você acharia se eu perguntasse para a sua mamãe sobre te dar um irmãozinho?

— Você disse que ele ia precisar de um papai.

— Eu seria o papai dele.

Seus olhos brilharam por um momento antes de seu semblante entristecer e ela mexer no sorvete de seu petit gateau que derretia.

— Eu acho que não, tio Edward. Deixa assim. A mamãe vai achar um papai para o meu irmãozinho. O senhor não precisa falar com ela. Ela não vai aceitar.

Suspirei.

— Um dia, princesa, vamos achar um papai para você e o seu irmãozinho. Eu prometo.

E ela sorriu.

Semanas se passaram.

Embora Charlotte tenha pedido para que não falasse com a mãe sobre as investidas do tal Jake, não cumpri aquele acordo. Nunca deixaria minha menina ser abusada por um homem que, claramente, tinha idade para ser seu pai. Ela só tinha 8 anos, pelo amor de Deus! E Isabella me garantiu que se afastaria completamente do rapaz.

Acabamos nos aproximando depois da denúncia. Não sabia dizer se por Charlie ou por familiaridade, já que descobrimos várias coisas em comum. E, depois de várias trocas de mensagens e telefonemas, percebi que conseguia imaginar uma vida inteira ao lado das duas.

— Bella, eu acho que estou me apaixonando por você — confessei numa noite, depois de ouvir o ressonar baixinho dela. — Bons sonhos.

Dias depois, chamei a moça para sair.

— Você vai ser o meu papai? — indagou Charlotte na porta.

Eu sorri e pisquei para ela antes de estender a caixa de cupcakes. Bella passou pela menina fuzilando-me com os olhos, beijou a pequena na testa e orientou que fosse com a tia Rose para o quarto, assistir algum filme novo da Disney.

— Sinceramente? Você vai estragar a minha filha e eu vou chutar as suas bolas — rosnou Bella assim que a menina correu para dentro.

Beijei-lhe a bochecha.

— Só estou garantindo meu lugar no coraçãozinho dela — brinquei.

— Sim, e ela te ama, agora pare de bajular Charlotte antes que eu fique enciumada!

Sorri mais largamente.

— Há espaço para ambas no meu coração, senhorita Swan — garanti. — Falando nisso, está muito bonita, Bella.

E a moça ruborizou.

Mais encontros aconteceram. Alguns jantares e passeios foram feitos na companhia de Charlie porque ela era parte importante dessa relação. Até que decidi pedir a mão de Isabella em namoro e a pequena ficou exultante.

— Você vai ser o meu papai? — gritou Charlotte no meio da cafeteria.

— Só se você aceitar, princesa — expliquei lançando um olhar temeroso à Bella.

— Tenho duas condições.

Franzi o cenho e sua mãe riu, escondendo o rosto.

— Você vai brincar comigo, me dar todos os não-saudáveis que eu quiser e me dar um irmãozinho! — ordenou cruzando os braços.

Ponderei por alguns segundos.

— Posso brincar com você todos os dias, mas só posso te dar não-saudáveis se a mamãe concordar... e sobre o irmãozinho...

— Você disse que eu podia escolher o meu papai e ele ia ser papai do meu irmãozinho!

Acabei rindo.

— Sim, eu disse, mas, Charlie, não sou eu quem deve saber quando te dar um irmão. Aliás, você disse que eram duas condições, mas falou três coisas, então posso me desfazer de uma delas, não acha?

— Não! Você quer ser meu papai, tem que aguentar todas as condições!

— E foi assim que Edward Cullen descobriu que não devia ter estragado a minha filha! — Riu Isabella.

Revirei os olhos, peguei sua mão e beijei o dorso antes de puxar a princesinha para o meu colo e beijar-lhe a face.

— Ela é nossa filha agora, Isabella — corrigi.

— Oh, meu Deus! — arquejou doutora Lilian da entrada do Café.

A loira estava acompanhada de meu amigo que segurava na base das costas dela. Assim que olhamos para a mulher, ela tentou se recompor e sorriu.

— Bella, não sabia que estaria aqui! — falou ao se aproximar. — Olá, senhor Cullen.

— Doutora.

— Tia Rose! Você veio com o tio Emm? Ele prometeu me dar todos os não-saudáveis que o tio Edward não quisesse me dar. Você vai casar com ele?

A loira sorriu para o McCarthy e voltou os olhos para Charlotte.

— Quem sabe, Charlie? Mas, se eu casar com ele, você não vai poder ter todos os doces que quiser, porque já conversamos sobre os alimentos não-saudáveis.

Ouvi-la pronunciar Charlie com tanto carinho, me fez lembrar daquele momento no escritório. E meus olhos dispararam entre a loira e a minha pequena.

— Puta merda! — soltou Emmett chegando à mesma conclusão que eu.

— Olha a boca, imbecil! — soltamos Bella, Rose e eu.

Charlote riu.

— Tio Emm vai ficar sem sobremesa.

Tremendo ante o olhar indagador de Bella, fitei meu amigo sugestivamente.

— Ah, não! — reclamou ele. — Charlie vai ficar com a minha sobremesa? Ah, não! Eu aposto duas sobremesas que chego no balcão antes de você, pentelha, e, se eu ganhar, você vai dar a sua para mim! Se você ganhar, eu deixo você escolher!

Imediatamente, Charlotte se desvencilhou de mim e correu até Angela, rindo da demonstração fracassada de meu amigo para corrida. A doutora aproveitou a oportunidade e sentou-se ao lado da amiga.

— Bella, você lembra que eu disse, há uns meses, que o doador da Charlie tinha passado lá na clínica?

— Caralho, então é verdade? — perguntei.

A loira assentiu.

— Porra!

— Olha a boca, imbecil! — ordenou a Swan com um olhar duro, antes de voltar-se para a doutora. — Diga, Rosalie, diga que ele não voltou. Diga que ele não quer tirar minha filha de mim. Ele não pode! Ele nunca poderia ir atrás... os dados são confidenciais e... — Ela soluçou.

— Bella, acalme-se.

— Me acalmar? — guinchou. — A minha Charlie é minha vida, Rose! Eu não sei viver sem ela! Ela é tudo o que eu tenho e, se ele tem todo esse dinheiro, ele vai conseguir tirar ela de mim e... eu não posso, Rosalie. Eu não posso perder a minha Charlie.

— Bella, por favor, fique calma — pedi apertando sua mão na minha.

— Você não entende — chorou ela. — Você não sabe o que é se sentir sozinha durante tanto tempo e perder tudo o que te faz feliz. Você não tem filhos. Você não sabe como é!

— Porra, babe, eu nunca tiraria a Charlie de você!

— Vo-você não, ma-mas o pa-pai dela pod-de.

Levantei-me e fui abraçá-la com força. Beijei seus cabelos, sua orelha, o pescoço e o ombro enquanto afagava suas costas.

— Vai ficar tudo bem, amor. Estaremos todos juntos, se você me aceitar. Charlie é nossa filha e ninguém vai tirá-la de você.

— Me cham-chamou de-de a-mor — murmurou contra mim. — Vo-cê nu-nunca me cham-mou de a-mor a-ant-tes.

Sorri, afastei-a um pouco para olhar em seus olhos, e afaguei seu rosto enquanto limpava suas lágrimas com os polegares.

— Quando eu tinha dezessete anos, fiz uma doação de esperma para cumprir uma prova da gincana que participava.

— E-eu se-ei. Você já di-disse isso ant-tes.

— Acontece, Bella, que essa doação foi usada apenas uma vez — comentou Rosalie. — E gerou a Charlie. A sua Charlie.

Sorri orgulhoso da menina incrível que, agora eu sabia, era minha filha. No entanto, a morena se afastou de mim com assombro.

— Você sabia? Você está me usando, não é? Você queria adotá-la porque sabia que era sua e, quando viu que não conseguiria, tentou me seduzir para criar a “família perfeita”?

— O quê? Não! Eu não sabia. Eu nunca... nunca imaginei que poderia ser ela.

Bella soltou uma risada sarcástica.

— Claro. Porque você teve a coragem de comprar doces e todas as guloseimas que a minha filha queria apenas porque estava com vontade. Não foi para ganhar seu coraçãozinho. Desde o começo foi assim, Edward. Desde o primeiro dia, você veio tentando comprar a minha filha. Deixe-me dizê-lo: ela não é sua. Charlotte pode ter o seu DNA, mas ela é minha! Eu carreguei por nove meses. Eu passei noites acordada. Eu quase me matei para alimentá-la. Eu! Você apenas doou um pouco de sêmen.

— Bella, eu nunca disse que tiraria a menina de você. E, não, não foi desde o primeiro dia. Talvez possa parecer para você, mas não foi. Eu observei vocês da sala de reuniões do meu escritório durante uma semana inteira. Não conhecia vocês. Na verdade, achava que você era babá de Charlie e me encantei pelas duas desde o início. Aquelas brincadeiras na rua? Aquilo me fez pensar que estava na hora de investir em uma família. No parque, quando você me contou a sua história, lembrei-me de que, talvez, eu tivesse sim um herdeiro, mas não era uma família porque, porra, imaginei que a clínica só fazia procedimentos em mulheres casadas! Eu fui procurar a clínica e descobri que a amostra já tinha sido usada, mas não foi destruída. A recepcionista disse que era uma moça solteira que planejava ter mais filhos. Porra, Bella, me perdoe! Eu... eu julguei você tão mal, naquele dia! E não sabia que era você. A doutora disse que a mãe do meu filho tinha sido abusada e, provavelmente, nunca mais deixaria um homem chegar perto dela. Porra, eu juro que deixei aquilo de lado. Quem sou eu para impedir uma mulher de ter filhos? Até falei para a doutora que, se o menino precisasse de um pai, era para me contatar. Eu achei que era um menino!

— Você queria que fosse um menino? — sussurrou a morena.

— O quê? — ri incrédulo. — Bella, eu sou apaixonado pela Charlotte! Não trocaria minha princesa por nada nesse mundo!

— Acho que eu fui a responsável por quebrar o código da clínica — comentou Rose. — Assim que vi o senhor Cullen segurando a filha e sorrindo, pensei que ele já sabia, mas o olhar chocado e os palavrões me confirmaram que ele não sabia de nada até agora.

Sorri agradecido para a loira e procurei os olhos chocolates de Isabella outra vez.

— Bella, esses meses todos com vocês me fizeram um homem melhor. Eu consigo ver um futuro para nós há muito tempo. Me apaixonei pela maneira como você e a Charlie brincam na rua e como se amam. Aprendi a amar todas as ameaças que ela sussurra no meu ouvido quando sabe que vou comprar algo que não devia. Porque “eu sei que é você que me compra os não-saudáveis, mas não vou falar para a mamãe porque ela vai te bater” — imitei a pequena. — Eu não quero separar as duas porque sou apaixonado pela relação de vocês e nunca faria nada para interferir nela. Talvez eu não tenha dito isso antes, Isabella, mas eu te amo. Aprendi a te amar enquanto me encantava com cada olhar terno e cada palavra de bronca que você dirigia à Charlotte. Aprendi a te amar em cada mensagem trocada por preocupação da saúde de vocês. E meu amor se tornou ainda mais profundo a cada sorriso seu, cada conversa, cada olhar... está cedo ainda, mas tenho certeza de que, um dia muito em breve, pedirei você em casamento. E não vai ser porque quero a nossa filha por perto. Vai ser por você. Por nós. Pela nossa família!

— Mamãe! — A voz de Charlotte nos alcançou. — O tio Emm vai me dar dois potes de sorvete e disse que vai me levar no parquinho amanhã!

Olhei ansioso para a morena que enxugava as lágrimas e sorria ao ouvir a voz da filha.

— Você estava chorando, mamãe? — indagou a pequena abraçando a mãe. — O tio Edward fez você chorar? Quer que eu brigue com ele? — E virou-se para mim com a face séria e o dedo em riste. — Você não pode namorar a minha mamãe! Você fez ela chorar e eu vou te bater se você fizer isso de novo!

Assenti solene.

— Charlie, você mal me deu um oi hoje! — reclamou a doutora sorrindo.

A menina soltou a mãe e correu para abraçar a outra mulher rapidamente. Então, voltou a se empoleirar no colo da morena e beijar sua bochecha repetidas vezes.

— Pronto, mamãe, eu já briguei com ele e ele prometeu que não vai fazer você chorar de novo. Agora pode contar para a sua filhinha mais querida o que ele disse para te fazer chorar.

— Ele disse que quer ser o seu papai de verdade, meu amor.

A menina arfou e olhou para mim atordoada. Engoli em seco.

— Só se você quiser, princesa.

— Você vai me levar para longe da mamãe?

— Nunca! Eu gosto muito da sua mamãe e acho incrível ver vocês duas juntas.

E ela sorriu.

— E eu vou poder te chamar de papai?

Sorri para ela, segurando as lágrimas, e assenti. Bella riu enquanto novas lágrimas caíam de seus belos olhos. Aproximei-me novamente e segurei a mão da minha filha enquanto afagava o rosto de Isabella com a outra mão.

— Você vai ser o melhor papai de todos, não vai?

— Eu prometo, minha filha.

Diante dos olhares marejados de Rosalie e Angela, e do olhar orgulhoso de Emmett, senti os braços finos de Charlotte apertar meu pescoço com toda a força que ela tinha.

— Eu soube desde que vi aquela menina entrando pela porta — comentou minha mãe. — Ela gritava “Sou uma Cullen” de todos os poros do corpo, meu filho.

Sorri e beijei a mão de Isabella.

Estávamos na casa dos meus pais. Charlotte e meu pai brincavam no jardim enquanto eu e Bella contávamos sobre nossa história para Esme no sofá da sala. Meus pais reagiram bem com meu relacionamento. Não que eu precisasse da aprovação deles, mas isso significava que Bella agora tinha uma família para apoiá-la — uma vez que seus próprios pais não o faziam.

— Bem, se a senhora tivesse me dito naquele dia, eu teria pedido um exame de DNA e já estaríamos com toda a papelada de reconhecimento pronta — retruquei divertido.

— E perder a oportunidade de ver você se apaixonar pela mãe da minha neta? Nunca!

— Você nem mesmo sabia que Isabella era solteira, mãe.

Esme riu.

— Uma mulher sempre sabe, filho. Agora, se me dão licença, preciso fazer alguns cookies para a minha pequena Charlie — e, sem mais, se levantou e saiu.

Bella riu, enxugou algumas lágrimas, e deitou a cabeça em meu braço.

— Agora mesmo é que perco o controle da minha filha.

Nossa filha, meu amor.

— Isso soa maravilhoso, papai.

— Sim. Soa perfeito.

 

~FIM~


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram?! Comentem! E deem sugestões para um bônus... se quiserem!