(Des)Encontros escrita por Karry


Capítulo 1
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Bem-vindos a minha primeira (e última) fic do Maio Weasley, espero que gostem! Gostaria de dedicar e agradecer as adms do projeto e também a Mari e a Ju que me incentivaram até o último segundo a escrever essa fic, mesmo que eu tivesse muitas dúvidas a respeito dela haahhaha boa leitura ♥



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A vida no Chalé das Conchas era boa e calma. Bill sabia que seu estado de serenidade não só se devia pelo fato de ter uma bela esposa e filhos maravilhosos, mas também pelo fim do ciclo de lua cheia. Desde a horrível ferida que havia ganho de Fenrir Greyback, sentia-se perturbado nessas épocas. 

Fleur fazia tudo o que podia em prol de deixá-lo mais tranquilo e Bill tentava não aparentar todo o seu desconforto em frente a ela, já era um ritual marcado em sua rotina tão despreocupada que nem se davam conta mais de que o faziam. 

Naquela manhã, entretanto, Bill acordou com um leve desconforto do lado esquerdo do peito. Era um desconforto tão característico da lua cheia que teve de olhar o calendário próximo a sua mesa de cabeceira, ao lado da cama, para ter certeza de que essa fase da lua já havia passado. Ele foi em direção a cozinha, pronto para preparar um café quando ouviu um baque leve e ritmado na janela. 

Era uma das corujas da mãe. Sabia que era uma das corujas dela porque Rony a havia dado a ela no natal passado, o animal havia crescido bastante desde a última vez que o vira, mas não havia como confundir aquela coruja com qualquer outra. 

Bill abriu a janela e permitiu que o animal entrasse, amarrada a sua pata estava uma carta com a caligrafia de sua mãe. Aquele incômodo no peito de Bill se intensificou, sua mãe não acordava cedo daquele jeito havia anos, não havia filhos para aprontar para Hogwarts então se dava ao luxo de dormir até mais tarde. De alguma maneira, o subconsciente de Bill tentou alertá-lo e prepará-lo para o que havia naquela carta, mas o veneno da licantropia o deixava tão perturbado tantas vezes que ele simplesmente preferia não confiar em nada que seu corpo lhe dissesse.

As crianças ainda estavam dormindo quando Fleur apareceu na cozinha e encontrou seu marido chorando, debruçado sobre a mesa, diante de uma carta amassada e uma coruja marrom. Fleur soube o que havia naquela carta no momento em que os olhos de Bill se encontraram com os seus. 

— Sinto muito — ela sussurrou, colocando seus braços ao redor do marido, sentindo seu corpo tremer abaixo de si, deixando que Bill encaixasse seu rosto entre a curvatura de seu pescoço, que ele conhecia tão bem. 

Fleur não se permitiu chorar em frente ao marido, precisava ser forte, então simplesmente fez o que sempre fazia quando Bill delirava em meio a alucinações muito fortes do veneno da licantropia: o abraçou com toda a força, depositou um beijo no topo de sua cabeça e sussurrou ao pé de seu ouvido:

— Eu estou aqui!

*

Rony não estava em casa quando Hermione abriu a carta que Molly havia escrito destinada a eles. Por um breve momento, Hermione se sentiu arrasada e culpada por ter aberto uma carta que dizia respeito a algo tão importante para Rony, mas percebeu que, de alguma forma, iria sofrer tanto quanto ele. 

Arthur e Molly a receberam e cuidaram dela quando era apenas uma menina e antes mesmo de serem seus sogro e sogra ela já os considerava como sua família. Molly também sabia disso, e se não pensasse da mesma forma, não teria dado a liberdade a Hermione de abrir a carta que dizia que Arthur estava morto. 

Hermione se deu a liberdade de soluçar e chorar, seus filhos ainda estavam dormindo e a coruja havia acabado de deixar a carta para trás. Ainda era difícil para ela, aquela vida pós-guerra, mesmo após tantos anos. Como contaria a Rony? Como Hermione olharia nos olhos do marido e diria que abriu a carta enviada por sua mãe que dizia que seu pai estava morto? Ela não conseguiria, nunca nem em um milhão de anos. 

Mas Rony estava trabalhando e, se não fosse por suas férias, eles só saberiam desta notícia no final do dia. Ela precisava contar para ele! 

Hermione subiu as escadas correndo, separando a primeira roupa que encontrou pelo caminho e, depois de um banho para espantar as lágrimas, ela se trocou. Ronald provavelmente estaria com George, abrindo a loja das Gemialidades Weasley naquele exato momento. 

Diante do espelho, Hermione parou novamente. Ela teria de contar a George também. 

— Mamãe? 

Hermione saiu do transe em que estava para fitar a filha parada diante da porta. Rose a fitou de cima a baixo, como quem tenta adivinhar o que está acontecendo logo tão cedo. Mas Hermione ainda não conseguia convencer nem a si mesma de que Arthur estava morto, como poderia dizer aos outros? 

Ela apenas engoliu em seco e sorriu.

— Preciso ir atrás do seu pai, mas vou voltar rapidinho!

— E-eu li a carta que estava na mesa — murmurou Rose, incerta — Posso ir com você?

Um tremor percorreu o corpo de Hermione, deixando as pontas de seus dedos absurdamente gelados.

— Querida, venha aqui — indicou, Rose caminhou em sua direção, deixando a mãe abraçá-la com força — Seu pai e seu tio George provavelmente ainda não sabem e é por isso que preciso contar a eles, mas alguém precisa ficar com seu irmão. Pode fazer isso por mim? 

Rose assentiu, deixando Hermione levemente aliviada (se é que poderia ficar aliviada de alguma forma, após uma notícia como aquela) e voltou a se arrumar, aparataria o mais rápido que pudesse em direção a loja e, bom, contar aquela notícia seria um problema para uma Hermione de um futuro bem breve.

*

Charlie estava terminando de polir as garras de um filhote de Focinho-Curto Seco quando uma das secretárias do Centro de Cuidado a Animais Mágicos bateu à porta. Normalmente, Charlie não era interrompido durante seu turno de trabalho, então não se deu ao trabalho de levantar a cabeça.

O pequeno dragão ergueu os enormes olhos verdes na direção da garota e soltou um grunhido baixo. Charlie seguiu o olhar do animal e a viu.

Charlie acreditava que o nome dela era Clary, mas não tinha certeza, ele sorriu amigavelmente para ela e soltou o dragão. O pequeno animal voou em direção aos poleiros de metal presos no teto, junto dos outros filhotes de dragões de diversas espécies.

— Sinto muito por interrompê-lo, Sr. Charlie — murmurou a garota — Sua mãe enviou uma carta. 

A mesma ergueu o pequeno envelope cor de creme em sua direção.

Suas mãos estavam sujas de fuligem de poeira, então Charlie agarrou a carta com um pedaço de pano meio úmido que encontrou em sua mesa. O sorriso da garota não diminuiu nem um pouco, o que deixou Charlie um tanto encabulado com a sua insistência, era nítido que ela queria lhe dizer mais alguma coisa, mas não o faria até que Charlie perguntasse.

— Mais alguma coisa, Clary?

— Jane — respondeu ela, subitamente desconcertada.

— Mil desculpas, Jane — sorriu, agora era ele quem estava desconcertado — Precisa de mais alguma coisa? 

Jane escondeu as mãos atrás das costas e baixou os olhos.

— Na verdade… Eu e uma amiga íamos ao show d'As Esquisitonas amanhã a noite, mas ela teve um compromisso de última hora e não vai poder ir… — Charlie limpou as unhas distraidamente com o pano e murmurou um 'hmmm' para que ela continuasse. A essa altura, Jane nem estava mais tão afim de continuar pois tinha a plena certeza de que Charlie estava ignorando-a deliberadamente, mas continuou mesmo assim: — Se você não tiver nada importante para fazer, nós dois poderíamos ir juntos…

— Ao show?

— Sim.

— Eu não sou muito fã de shows — deu de ombros — Mas você ainda pode pedir o reembolso dos ingressos, não é?

Jane inspirou fundo e assentiu, Charlie não havia percebido que ela estava tentando segurar o choro da humilhação, então sorriu para ela, que logo lhe deu as costas e foi embora. 

Charlie já tinha se esquecido do motivo pelo qual Jane havia entrado em sua sala: a carta, e demorou alguns poucos segundos para entender que o envelope em sua mesa deveria ser aberto. 

Sua mãe não lhe mandava mais cartas com tanta frequência, o que inicialmente havia deixado Charlie um tanto inquieto. Quando morava na Romênia, sua mãe lhe mandava uma carta toda a semana. 

Charlie costumava esperar por estas correspondências ansiosamente, pois sabia que haveria ao menos uma dose humilde de nostalgia que mataria suas saudades da família toda. Estar cercado por estudiosos de animais fantásticos e (especialmente) dragões de todas as raças que já havia visto era um sonho, mas seu peito sempre se retorcia de saudade quando se lembrava d'A Toca e de seus seus irmãos lhe esperando, se ainda decidisse voltar. 

Mas quando voltou para casa e a guerra terminou, as coisas mudaram tão subitamente que Charlie simplesmente se acostumou com a nova rotina. Era um dos funcionários de um centro de cuidado e resgate de animais mágicos e, mesmo que sua especialidade fossem os dragões, as outras feras também tinham um lugar especial em seu coração. Era um emprego estável e um tanto monótono, Charlie o aceitou com a desculpa de que precisava estar perto da família, precisava estar ali com eles já que Fred não estava mais, como se pudesse tapar um buraco em que ele nem mesmo conseguia se encaixar.

Mas ninguém substituiria Fred e Charlie se achava um idiota por algum dia ter pensado o contrário, só o fato de estar sozinho n'A Toca na presença dos pais que tentavam-no confortar já era algo insuportável. Charlie já nem se sentia mais um Weasley, não pertencia mais, e pensar o contrário era um erro tremendo.

Ainda assim, Charlie continuou visitando os pais três vezes na semana, até que uma emergência no escritório o fez trabalhar até mais tarde numa cirurgia complicada em um Grindyllow, e logo, outras desculpas fáceis surgiram e Charlie agarrou a chance de usá-las. Ele nem mesmo se lembrava da última vez em que visitara A Toca. 

Ele já havia se acostumado a não receber cartas da mãe, mas agora estava ali diante de uma delas. Charlie tentou se lembrar se era alguma data especial da qual ele não se recordava, talvez fosse um convite de aniversário de algum de seus tantos sobrinhos (ele nem mesmo se lembrava quantos deles tinha). Charlie terminou de tirar a maior parte da sujeira das mãos e se sentou, apoiando os cotovelos na mesa, pronto para rasgar o envelope.

E a última coisa que imaginou ao abrir a carta, foi que se separaria com um convite para o velório do próprio pai.

*

Percy não recebeu uma carta naquela manhã e nem receberia. Na verdade, fora Percy quem as escreveu quando as mãos de Molly já não conseguiam mais escrever coisa alguma. 

Enquanto sua esposa se certificava de que as crianças estariam com os avós maternos, Percy decidiu que aquela era uma das manhãs em que Molly (sua amada mãe) não deveria fazer café, então ele comprou pães, suco, leite entre diversas outras coisas que sabia que seus pais adoravam e tirou o dia de folga. 

Para algumas pessoas, a guerra havia tomado tudo; para outras, a guerra fora o fim, mas para Percy fora apenas mais um início, e assim que ela chegou ao fim, ele se viu morando com os pais mais uma vez. 

Não era a mesma coisa sem Fred e a parte mais dolorosa era ter de viver como se nada tivesse acontecido, seus irmãos se mantiveram firmes na promessa silenciosa que fizeram ao falecido irmão de continuar a viver suas vidas. Percy, entretanto, se permitiu viver o resto da adolescência que não aproveitou quando era mais jovem. Cada segundo que lhe foi permitido ao lado dos pais foi aproveitado e ele fora o último a sair de casa (e só o fez porque Audrey o intimou a sair da Toca e, de fato, viver uma vida matrimonial). 

Ainda assim, Percy continuou a visitar os pais toda a semana e, em momentos de saudade extrema, os fazia companhia durante o desjejum. No começo, Percy não imaginou que sua vida ao lado dos pais seria agradável novamente, principalmente quando se colocava a pensar a respeito da morte de Fred, mas as coisas foram acontecendo tão naturalmente que não havia como não ser feliz, não havia como não sustentar esse vício tão saudável que havia criado. 

E talvez fora por estes tantos motivos, nunca antes havia passado pela cabeça de Percy que, um dia, ele teria de superar um luto tão doloroso quanto a morte de Fred: a morte de um de seus progenitores.

Percy não conseguiria se recordar nas próximas duas semanas com muita clareza o que aconteceu naquela manhã de segunda-feira quando bateu a porta da casa de seus pais. Lembrava-se vagamente de ser arrastado para o quarto e de encarar o rosto pálido e gelado do próprio pai, não conseguia se lembrar de escrever cartas (e nem de ter assinado-as com o nome da mãe), tudo havia se tornado um borrão confuso e indecifrável em sua mente. 

Ele havia se acostumado tanto em se drogar de felicidade, que não se preparou para uma desgraça tão monumental.

*

Nos momentos mais vagos de sua vida, George sempre se pega tentando adivinhar como Fred reagiria a determinadas situações. Quando ele vê pessoas com roupas engraçadas pelas ruas, se pergunta se Fred gargalharia ou riria educadamente, apenas para que ele pudesse ouvir.

Às vezes George tentava pensar em piadas que fariam Fred rir quando eram mais novos, e quando começava a ter alguma ideia de produto novo para a Gemialidades Weasley, se perguntava se Fred gostaria tanto quanto ele.

George nem mesmo se dava conta mais do que fazia, aquele já era um pensamento natural em seus dias, mesmo depois de tantos anos da morte de seu irmão. 'Será que Fred iria gostar desse chocolate?’, ‘Fred detestaria essa música' ou então 'Essa camiseta ficaria perfeita em Fred'. Ainda assim, mesmo que George tentasse deixar o irmão vivo em sua memória todos os dias, alguns dos mais importantes detalhes sobre Fred estavam sendo esquecidos. O tom de sua voz, que mesmo sendo muito parecido com o seu, era um pouco mais grave, e a aparência deles (apesar de muitos acharem idênticos) tinha sim sua peculiaridade. Fred sorria de um jeito completamente diferente do de George e fazia um barulho esquisito com o nariz que irritava Percy quando gargalhava muito alto.

Eram detalhes que só George conhecia, pois ele e Fred haviam divido algo que não dividiram com nenhum outro de seus cinco irmãos. Agora, depois de tanto tempo que ele havia morrido, George desejava ter dividido esses momentos raros com seus outros familiares, pois sabia que os esqueceria a qualquer momento.

A verdade era que em muitos momentos - principalmente quando parava para observar Ronald enquanto trabalhavam -, George se sentia ridículo. Ele não via mais ninguém ainda tentando digerir o luto da morte de Fred ou tentando mantê-lo ‘vivo’, ninguém mais sequer tocava em seu nome, e às vezes, ele se sobressaltava quando ouvir a voz da esposa gritando o nome de seu filho - que havia batizado em homenagem a ele -. 

Porque ele deveria ser o único a continuar sofrendo com uma morte? Ele nunca sabia responder a essa pergunta, nem mesmo quando Angelina era quem a fazia. 

— Você não acha que já está grandinho para ficar remoendo a morte dele, George? — berrava Angelina quando eles estavam sozinhos e podiam extravasar tudo o que quisessem sem incomodar as crianças — Fred não gostaria de ver você jogar o próprio futuro no lixo.

— E o que você sabe sobre Fred? — ele berrava em resposta — Fred era meu irmão e não seu! 

George já havia perdido as contas de quantas vezes havia discutido com Angelina ao longo dos anos, ele nem mesmo sabia por qual razão ainda estavam casados, ela sequer fazia questão de esconder dele que estava tendo um caso com outra pessoa. Em algumas ocasiões, Angelina e ele brigavam tanto que ele agarrava um dos edredons da cama e se deitava no sofá. 

Mas a pior parte disso era ter de mentir para os próprios filhos. George nunca fora fã das mentiras mais sérias, mas se tornou um adepto delas quando se viu incapaz de dizer a seus filhos que ele estava dormindo no sofá porque ele e a ‘mamãe’ haviam brigado. Ele agora se considerava um mestre das mentiras deslavadas para crianças.

“Só estou dormindo no sofá porque estou com dor” ou então “Eu estava roncando muito alto e incomodei a mamãe” ou “Consigo ver as estrelas da janela da sala, por isso estou dormindo aqui” e ninguém nunca o confrontou a respeito dessas mentiras, nem mesmo Angelina. 

Doía saber que seu casamento estava desmoronando, George sentia como se estivesse segurando areia e, mesmo ao assistir em tempo real os grãos lhe escorrerem pelos dedos, ele não era capaz de impedir. E mesmo que ele quisesse reverter a situação, a quem ele pediria conselhos? Fred estava morto, os casamentos de Ron e Ginny eram como os de contos de fadas, Bill morava longe, Percy era um idiota e Charlie… Bem… Charlie nunca esteve com ninguém na vida. 

George estava só.

George era só. 

E até mesmo sua própria imagem no espelho parecia uma piada. O que sobrou de sua orelha direita parecia debochar dele, como se dissesse “olhe só para você, parece uma cópia piorada do que foi Fred”. E ele se pegava pensando: “Se eu tivesse morrido em 1998, Fred estaria tão deplorável quanto eu estou?” - entretanto, no fundo, ele sabia que Fred seria melhor que ele, eles eram um equilíbrio perfeito -. 

E a cada dia que passava ele se sentia mais e mais ridículo. Como se a única solução fosse largar tudo para trás e se reunir com Fred onde quer que ele estivesse. 

A questão é que ele não podia se juntar a Fred, pois Fred estava morto e ele, George, estava vivo. Além de vivo ele também se encontrava em outras condições: casado, pai, dono de uma loja, filho. Ele não possuía o privilégio de abandonar tudo para trás, muita coisa dependia dele.

— George? 

Ele despertou de seus devaneios. Havia acabado de entrar no enorme prédio da Gemialidades, carregando dois copos grandes de café e alguns pães que Ron gostava (a rotina deles consistia em Ronald abrir a loja e o conferir o caixa e George comprar café e o encontrar na loja já aberta para começar a atender os clientes após tomarem café). Hermione estava debruçada sobre um dos balcões, George não era idiota, sabia que os olhos vermelhosde Hermione indicavam que ela estivera chorando.

George olhou para o irmão, que também estava com os olhos avermelhados.

— Erm… — George parou a uma distância segura dos dois, sem saber o que fazer com os cafés e os pães — Vocês querem privacidade? Eu posso ir para o escritório…

— N-não — murmurou Hermione, com um sorriso melancólico nos lábios. 

— Eu não sabia que você estaria aqui — respondeu ele, murmurando desconcertadamente feito um otário.

— George — começou Ron, o mesmo indicou a cadeira ao seu lado — Venha se sentar aqui, sim?

George caminhou em direção a cadeira. Não queria estar no meio de uma discussão de casal, já tinha uma quantidade absurda delas em casa, mas não poderia negar um pedido desses a Ron quando sabia que Hermione também o queria ali.

Uma ideia lhe passou pela cabeça, se de fato se tratasse de uma briga que desrespeitasse somente a eles dois, não iriam querer sua presença ali. Só podia se tratar de algo que também o interessava. 

Somente este pensamento o fez estremecer.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou ele temeroso. 

— Sim — sussurrou Hermione. A mesma tirou um papel surrado do bolso de seu casaco e o colocou no balcão diante dos dois. George não sabia do que se tratava, mas pôde ver o nome de Molly. — Esta carta chegou hoje de manhã — continuou ela — Ron já havia saído de casa e como também tinha o meu nome aqui eu a abri e… — Hermione soluçou mais uma vez, Ron agarrou sua mão trêmula num gesto de ternura que fez George se sentir nauseado.

— Papai está morto — balbuciou Ron.

George sentiu uma descarga elétrica percorrer toda a sua espinha e, em reflexo, soltou tudo o que carregava em suas mãos. Os copos de plástico se abriram ao cair no chão, inundando o chão da loja com um cheiro adocicado de café, açúcar e creme. 

— Desculpe — berrou George ao perceber o que havia feito — Desculpe, desculpe, desculpe.

— Me deixe que eu limpo — Ron se ajoelhou ao seu lado e agarrou suas mãos, o mesmo gesto que havia feito a minutos atrás com Hermione. 

George voltou a sentar enquanto Ron realizava uma série de feitiços para limpar o café. 

— Como? Quando? Eu não…

Hermione agarrou a mão de George. 

— Eu sinto muito.

George já não sabia o que dizer, então permaneceu calado. Tudo parecia apenas uma grande piada de mau gosto. 

Era melhor que alguém tivesse mentido para ele, exatamente como ele costuma fazer com os próprios filhos, porque a verdade é muito dolorosa.

*

Tudo virou um borrão vermelho. Vermelho como sangue, vermelho de ódio e raiva, tão vermelho quanto seus cabelos. 

Ginny se trancou no banheiro e gritou o mais alto que pôde, fazendo sua garganta arder como fogo. A pressão em sua cabeça ficou mais forte e ela sentiu o mundo girar ao seu redor. 

Ao se apoiar sobre o balcão percebeu o quão rápido seu coração batia, tão acelerado e louco que o mundo ao seu redor parecia em câmera lenta. Quando tudo parou de girar em torno dela, Ginevra se olhou no espelho.

Seu rosto também estava coberto de vermelho. Mas era um vermelho pálido e um tanto tímido escondido sob as sardas salpicadas em seu rosto. Ginny estava consciente de que estava com raiva.

Porquê com a sua família? Porque com eles? Quantas vezes mais teriam de passar por aquilo?

Ginny soltou as bordas da pia e encostou a cabeça na parede atrás de si, suspirou o máximo que conseguiu e tentou fazer seu coração se acalmar. Sua vontade era de destruir o banheiro inteiro, chutar, esmurrar, socar e quebrar tudo que aparecesse em sua frente.

Arthur sempre dizia que Ginny era muito temperamental, ele sempre usava um tom de censura doloroso quando Molly estava perto, mas assim que ela lhes dava as costas ele sussurrava: 'continue assim, senão os meninos vão acabar com você' e lhe dava uma piscadela. 

Somente a menção da simples lembrança lhe fez soluçar, e só quando voltou a encarar o próprio rosto no espelho é que Ginevra percebeu que já estavam escorrendo lágrimas quentes e pesadas de seus olhos. 

Ela sentiu o próprio corpo deslizar até o chão. 

Harry havia levado-a a um cinema trouxa uma vez e Ginny gargalhou quando a protagonista chorou no banheiro até deslizar e se sentar no chão do quarto. Mas agora ela sabia que não se tratava de uma performance de choro dramática e sim de que suas pernas haviam perdido a força e não conseguiam mais sustentar seu peso em pé.

Ginny manteve os olhos fechados por um longo e silencioso momento, até perceber que a porta ao seu lado estava se abrindo. Ela não precisou erguer os olhos para saber que se tratava de seu marido.

Primeiro ela sentiu as mãos geladas de Harry tocarem as suas com ternura, em seguida percebeu que estava se aninhando a ele como costumava fazer em noites muito frias.

Harry acomodou sua cabeça sobre o ombro dele, envolvendo seus ombros com seus braços longos. Ginny sentiu os lábios macios de Harry depositarem um leve beijo no topo de sua testa e um breve roçar de sua barba que agora crescia num ritmo absurdo.

— Sinto muito — ele sussurrou, tão baixo que Ginevra quase não foi capaz de ouvir. Ela não se deu ao trabalho de responder, apenas se aninhou mais a ele, passando suas mãos sobre a barriga lisa de Harry que estava escondida sob a camiseta.

Harry beijou sua testa novamente.

— Como você abriu a porta? — sussurrou Ginny em resposta, muito tempo depois. 

— Talvez venha a ser um choque para você, mas eu sou um bruxo! — Ginny sorriu, mas não se atreveu a respondê-lo.

Eles ficaram ali por tanto tempo que Ginny teve medo de já ter se passado um dia inteiro, mas Harry estava usando um relógio de pulso, e ela percebeu que haviam se passado apenas quarenta minutos.

— Preciso ir para lá — murmurou ela.

— Você quer que eu vá com você? Posso pedir que Andrômeda fique com as crianças.

— Não — Ginny esfregou os olhos, agora sua cabeça estava começando a latejar — Não, Andy já é uma mulher de idade e essas crianças são impossíveis, você sabe disso, Harry! Fique com eles, se eu precisar de alguma coisa aviso você. 

Harry assentiu, mas não a soltou, então continuaram ali sentados sobre o chão do banheiro, em silêncio, até Ginny estar pronta para encarar sua própria família.


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