Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 22
Novo ponto de partida


Notas iniciais do capítulo

Oie! Desculpem pela demora para postar, houveram problemas técnicos!
Tenham uma boa leitura.



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Tinha gosto de chiclete de hortelã, o mesmo sabor que ela me ofereceu no ônibus.

Não esperava que acontecesse daquela forma. Na verdade eu nunca parei para pensar de que forma aconteceria, mas antes que me desse conta, Amanda segurava a gola de minha camiseta e tinha seus lábios colados aos meus.

Meus olhos se negaram a fechar e o coração disparou. Sua língua enroscou-se na minha de modo desajeitado e um mínimo movimento fez nossos dentes se chocarem. Mesmo assim continuamos ali por mais alguns segundos.

Amanda afastou-se rapidamente, o peito subindo e descendo ao arfar. Reparei em suas bochechas e orelhas vermelhas, sabendo que as minhas não deviam estar diferentes.

Foi meu primeiro beijo. Esquisito, desastrado e molhado.

Eu não tinha palavras. Talvez tivessem ido parar na língua de Amanda, a qual ela voltou a colocar em minha boca uma segunda e uma terceira vez. Na quarta nossos narizes se encaixaram perfeitamente, entretanto, eu toquei seu ombro e a afastei. 

Respirei fundo e revelei o que me perturbava:

— Escuta, Amanda… Quando eu disse que não gostava de ninguém, foi realmente isso que eu quis dizer.

Seus grandes olhos de cor mel piscaram lentamente como se estivesse processando a informação. Ela puxou o ar e espalmou as mãos nas bochechas.

— Me desculpa. – balbuciou. – Me desculpa, eu não devia… É só que eu, ah… Droga, que vergonha.

Ela ergueu-se repentinamente, cabisbaixa e de punhos cerrados. Sem dizer mais nada, correu para o meio das árvores e a luz amarelada de sua lanterna rodopiou pelas copas até desaparecer de meu campo de visão.

Se eu tivesse forçado um pouco mais a vista, veria a bandeira vermelha entre duas pedras a poucos metros de distância de onde estávamos sentados. E se Amanda demorasse trinta segundos a mais para fugir, teríamos sido encontrados juntos por Eduardo e Yara.

Levantei-me de modo súbito e agitei a lanterna para que me notassem. Ambos correram ao meu encontro, animados pela conquista da bandeira. Talvez minha expressão e a ausência de minha dupla tenham denunciado tudo. Sem conseguir me conter e sabendo que precisaria de ajuda para achá-la, confessei tudo em poucas palavras.

— Você é um idiota mesmo. – Yara disparou assim que terminei de contar.  

— Ei! – rebati ofendido.

— Mas ela tem razão. Você é um idiota – Eduardo deu um peteleco em minha testa. – Estava óbvio que a Amanda gostava de você. 

— E o que eu tinha que fazer? – massageei o local atingido. 

Eduardo suspirou e colocou as mãos na cintura.

— O que tinha que fazer, eu não sei. Mas o que deve fazer agora é procurá-la. Vamos.

Levou menos de vinte minutos para que todo o acampamento soubesse do sumiço de Amanda. Não era para ser um sumiço, mas se tornou um ao não encontrarmos-a em lugar nenhum. Victor que mal conseguia se manter de pé ameaçou quebrar minha cara (e olha que ele nem ficou sabendo sobre o beijo).

— Muito bem, nada de pânico! – Fábio abriu os braços em um gesto exagerado. Sua expressão dizia totalmente o contrário de sua fala.

— Perdemos uma criança, perdemos uma criança, perdemos uma criança. – Miguel murmurava com a cabeça entre as mãos enquanto andava de um lado para o outro.

— Ela não pode ter ido tão longe. – Heitor trocava as pilhas de seu megafone. – Aliás, por que ela fugiu?

— Ei, aquela não é uma bandeira vermelha? – Érica apontou para o baixinho que tentava a todo custo enfiar um pedaço de pano vermelho no bolso de sua calça.

— Ah, seu... – Ienaga cerrou os dentes e fez menção de confrontar Felipe.

— Vocês duas podem manter o foco? – Eduardo bufou preocupado. – Alguém tem alguma ideia de para onde ela possa ter ido?

— Sei lá, nunca viemos aqui. – a líder roeu a unha do polegar. – Aonde eu me esconderia se…

— Tantas cabeças e nenhuma solução.

A voz era familiar, debochada e vinha do alto de uma árvore. Sentado em um galho, Kaíque observava a todos com o sorriso presunçoso maior do que o normal.

— Vocês pensam pequeno mesmo. – ele desdenhou. – Me surpreende que Victor não tenha pensado nisso antes de mim.

Victor limitou-se a mostrar o dedo do meio para o garoto.

— Uma garota como ela não iria muito longe. Não sozinha. – Kaíque amarrou seu cabelo em um rabo-de-cavalo. – E todos seus amigos estão aqui. Ou seja, Amanda Dias está debaixo do nariz de todo mundo.

Automaticamente, cabeças viraram-se para diferentes direções e os murmúrios de indagações misturaram-se.

— Onde? – Bianca questionou.

— Ah, não podemos vê-la enquanto estiver debaixo. Precisa estar acima. Ei, pode me emprestar o megafone? – ele esticou o braço.

Heitor fechou o compartimento de pilhas bruscamente e jogou o aparelho para o garoto. Estando na posse de suas unhas roídas e pulseiras de corda, Kaíque levou o megafone à boca de maneira lenta, como que para torturar a todos. Ele sorriu maliciosamente e pronunciou:

— O chão é lava.

Seu timbre ressoou grave e preciso por todo o acampamento. Subitamente nos calamos e escutamos sua contagem de 5 segundos. O ar foi cortado pelo som de um galho se partindo e chamando nossa atenção.

Ali, em uma árvore distante, Amanda Dias esforçava-se para alcançar um vão entre os galhos usando um de seus pés. Ela paralisou ao perceber que todos a haviam achado.

— De nada. – Kaíque falou pelo megafone.

Uni toda a coragem que existia dentro de mim e atravessei o acampamento a passos largos, parando ao chegar na árvore em que Amanda segurava-se. Ela fechou os olhos fortemente e virou o rosto.

— Amanda. – chamei baixinho. – Você pode descer?

— Ainda não. – sussurrou contida.

— Tudo bem, então eu subo. – suspirei e coloquei os pés onde julguei seguro enquanto agarrava um galho ou outro, conquistando um metro de distância do chão.

— Todos estão olhando, né? – Amanda balbuciou.

— É, estão. – eu não precisava me virar para conferir. – Mas vou dizer apenas para você ouvir. – aproximei-me de seu ouvido. Engoli em seco a frase que virou uma bola de saliva em minha garganta. – Me desculpe por não ser o garoto que… O garoto que vai corresponder seus sentimentos.

Se tudo aquilo dito nos livros, séries e músicas são verdade sobre sua alma gêmea, então a garota na árvore não era a minha.

Ela abriu um de seus olhos e a cor voltou ao seu rosto pálido. A expressão de constrangimento mudou para uma aceitação dolorosa.

— E me desculpe se desperdiçou seu… Primeiro beijo. – desviei o olhar, envergonhado.

Amanda abaixou a cabeça deixando que os cabelos ondulados cobrissem seu rosto.

— Eu quem devia te pedir desculpa, eu te beijei. – bateu a mão em sua testa.

— Tudo bem. Não foi ruim. – olhei para baixo onde os alunos amontoavam-se para presenciar a cena. – Mas agora vamos descer, por favor?

Por fim, o Nova Era venceu à caça à bandeira (por mais que tenham roubado uma nossa) e Amanda me evitou pelo resto do acampamento. Não posso negar que foi justo.

Na última noite na floresta, eu não consegui dormir. Me vi obrigado a deixar a barraca e dar um passeio perto dos banheiros. Acomodei-me em uma pedra alta, áspera e gélida que da posição em que estava me proporcionava uma visão ampla do céu estrelado.

A brisa noturna me fez refletir sobre tudo o que aconteceu nos últimos meses. Relembrei a imagem de meu uniforme com quatro adesivos amarelos (e um vermelho, já que fui o suposto culpado pelo sumiço de Amanda), os quais me davam permissão para ir para casa nas férias. Meu estômago embrulhou-se ao imaginar aquilo. Finalmente estaria onde queria estar, porém, por que isso não me deixava alegre?

— É um bom lugar para ver o céu.

Usando uma camiseta larga por cima do short e tendo os cabelos presos em um coque bagunçado, a garota arrastou os chinelos na terra e sentou-se ao meu lado, deixando-nos próximos a ponto de nossos ombros se encostarem.

— Idiota. – resmungou.

— Argh. – cerrei os dentes.

Ficamos em um silêncio confortável, ora ou outra sendo presenteados pelos sons da natureza.

— Pronta para as férias? – questionei acanhado.

— Para as férias, sim. Para o que vem depois, não. – Yara encarou o céu.

— Eu também. – abracei meus joelhos.

— Eu vou para o Amazonas.

Demorei um segundo para registrar a frase.

— Você o quê?! – arregalei os olhos. Como ela podia dizer aquilo tão repentinamente?

— A família da minha mãe mora lá. A família do meu pai que é de São Paulo. – Yara contou. – Minha mãe quer que fiquemos em Manaus durante as férias e…  Depois que eu me formar.

O aperto em meu peito me deixou sem ar.

— E fora essas datas? – minha voz vacilou.

— Ela tem uma casa aqui. Vai morar nela enquanto eu estiver na API.  – deu de ombros.

Não consegui pensar em nada para responder, então preferi juntar os dedos e deixar o rosto inclinado para o alto até cansar. 

— Espero que se divirta. – foi o que eu disse.

Ela retribuiu com um simples aceno de cabeça que não demonstrava nem um pingo de entusiasmo.

— O céu é bem mais bonito sem as luzes da cidade ou da academia.  – sussurrou.

Minha boca se entreabriu para concordar, todavia, fui interrompido pela esfera brilhante que cortou o céu com sua longa cauda. Esfreguei os punhos nos olhos para ter certeza do que estava vendo e inevitavelmente um sorriso surgiu junto a emoção de ver uma “estrela cadente”. Conferi a reação de Yara, surpreso por vê-la de olhos fechados e dedos cruzados.

— Fez um pedido para a estrela cadente? – perguntei surpreso.

— Fiz.

Ela saltou da pedra e deu uma batidinha em seu short para retirar a sujeira.

— Apesar de não ser uma estrela. – acrescentou.

>>>

A volta de ônibus para a academia foi cansativa e composta por curtos cochilos e muitos solavancos. Chegamos na hora do almoço, mas ninguém realmente tinha espaço no estômago, o que fez com que a maioria dos alunos se trancasse em seus quartos e dormisse pelo resto da tarde.

Eu tinha queimaduras de sol por todo rosto e braços, dores nos pés e costas e indigestão. O pacote completo após passar três dias no mato. 

Acordei grogue e ainda mais dolorido, ingeri uma garrafa inteira de água e peguei o celular que até então estava sendo carregado. Mensagens de minha mãe e Stefanie brotaram na tela quando liguei a internet. Avisei que havia chego bem e sem mais tempo para esperar, abri a conversa de minha irmã.

Arregalei os olhos ao ler os balões brancos recebidos enquanto eu dormia. Levantei-me bruscamente, troquei de roupa e corri para fora do quarto, assustando-me ao ser barrado por Miguel que carregava uma prancheta.

— Norte!  – ele estava visivelmente acabado.  – Veja, todos os alunos devem se reunir no auditório antes do jantar.

Conferi o horário em meu celular, havia passado seis horas na cama desde que voltei do acampamento.

— Agora? – mordi o lábio inferior.

— Sim, o diretor precisa falar sobre as férias. – Miguel analisou sua prancheta.

Olhei para trás de seu corpo, vendo que o restante dos alunos sonolentos deixavam seus quartos e desciam as escadas em meio a burburinhos arrastados. Ao longe, Yara e Érica chegavam aos degraus, os rostos inchados e os passos lentos.

Bufei indignado, me despedi educadamente de Miguel e fiz um esforço para alcançá-las, o que foi difícil já que todo o andar resolveu usar a escada naquele instante. Perdido no mar de cabeças, fui levado pelos inúmeros degraus, afobado para encontrar alguém da União logo.

Foi a primeira vez que pisei no auditório. Fiquei boquiaberto diante do palco preto erguia-se em frente a fileiras intermináveis de cadeiras dobráveis de estofado azul e luzes amarelas que intercalavam-se nas paredes lustrosas.

Sentei-me no primeiro lugar vago que achei, percebendo então que o ar condicionado não conseguia fazer bem seu trabalho em uma sala com todos os alunos da API falando sem parar. As vozes mescladas, as cabeças movendo-se de um lado para o outro e toda a agitação fizeram meu estômago se revirar.

No palco, o pedestal foi tomado por Heitor que agarrou o microfone bruscamente, provocando um ruído agudo que fez todos cobrirem seus ouvidos e reclamarem. Atrás de si, sua equipe, inspetores e professores mantinham-se em fila com as mãos na frente dos corpos.

— Testando, testando. – a voz do diretor ecoou por todo o local. – Ótimo. – pigarreou. – Agora fiquem quietos.

Os burburinhos cessaram pela metade. As pessoas sentadas ao meu lado continuaram trocando cochichos e risadinhas.

— Eu mandei ficarem quietos. – Heitor apertou o microfone, apavorando os que ousavam seguir conversando.

O auditório mergulhou-se no mais profundo e tenso silêncio pelo minuto que se estendeu. O diretor balançou alguns papéis e os ajeitou batendo-os no pedestal. 

— Já temos os resultados do acampamento. – o homem disse por fim. – Aos que passaram, meus parabéns. Seus pais poderão buscá-los a partir de amanhã. Quanto aos que ficaram de recuperação por mau comportamento ou notas baixas, vocês passarão novembro e dezembro aqui, podendo sair em janeiro.

As vozes voltaram a se espalhar pelo auditório exalando nervosismo e ansiedade. Apertei o celular dentro do meu bolso e roí uma das unhas.

— Vocês podem ver a lista de aprovados e reprovados no mural próximo à porta.  – Heitor apontou para a direção de onde viemos. – E enviaremos uma lista de especificações para seus responsáveis sobre como cuidar de vocês fora daqui.

— Como se eles tivessem de dizer aos nossos pais como cuidar de nós. – uma garota à minha direita resmungou.

— Por ora, pedimos que não saiam de casa à noite, não conversem com estranhos e não se exponham demais. Preservem suas identidades e poderes. – Heitor bocejou.

O diretor falou mais algumas coisas que o zunido em meu ouvido não me deixou prestar atenção. Alguns professores tomaram a palavra depois dele e ao final todos os funcionários nos desejaram boas férias ou boas recuperações.

Apenas percebi que acabou quando todos deixaram seus lugares e bateram palmas. 

Aproveitando que estava em uma das fileiras próxima da porta, cambaleei pelo corredor e me infiltrei no grupinho que rodeava o mural de avisos como se estivesse vendo uma celebridade. O papel extenso e de letras grandes cobria toda a superfície bege, preso por quatro alfinetes coloridos. 

Uma garota passava o indicador pela folha, virava-se e gritava o resultado para as amigas. Dois garotos faziam o mesmo e comemoravam a cada nome dito. Já eu me sentia cada vez mais apertado e sufocado naquele calor.

Foi quando avistei meu nome em uma das inúmeras linhas. Ali, em ordem alfabética no preto e branco. Na coluna de aprovados.

— Ei, campeão.

O peso extra em meus ombros me trouxe de volta a realidade. Pisquei perplexo e assimilei a forma de Eduardo apoiando-se em mim e sorrindo.

— Me deixe te levar para um lugar, sim? – ele me puxou para longe do amontoado de alunos. 

Descemos para o almoxarifado, caminho que eu havia feito diversas vezes naqueles meses, acompanhado ou não. Eduardo cantarolava alegremente e não deixava de me puxar, parecendo não se incomodar com o suor de nossas mãos.

— Eu trouxe um gatinho perdido e os resultados, pessoal! – ele anunciou ao abrir a porta do esconderijo.

As cadeiras foram viradas de cabeça para baixo e colocadas sobre os balcões, deixando o piso totalmente livre e visível. Os membros reunidos em um círculo no chão olharam para nós e nos cumprimentaram.

— Eu só devo dizer que essa é a União dos Aprovados. – Eduardo assentiu satisfeito e mostrou o visor de seu celular para a roda.

— Não brinca! Todo mundo passou? – Ienaga exclamou animada.

Confesso que não tinha certeza de que ela seria aprovada. Incentivado por Eduardo, juntei-me ao círculo e me sentei entre Érica e Yara. Amanda tratou de distrair-se com uma mecha de seu cabelo e Victor fez um muxoxo de insatisfação.

— Eu queria fazer uma última reunião.  – a líder respirou fundo. – Vou ser direta, ok? – adquiriu uma expressão séria. – Esse não é mais o nosso esconderijo.

— O quê?! – gritamos em uníssono.

A líder esperou que voltássemos a ficar em silêncio para continuar.

— O Felipe veio aqui para trancar o Norte e a Yara. Nada vai impedir ele de vir outra vez ou de contar para os inspetores. – ela explicou de braços cruzados.

— Mas não se preocupem, vamos achar outro lugar quando voltarmos das férias. – Eduardo afagou os cabelos da garota e acomodou-se ao seu lado.

A líder corou e balbuciou alguma coisa. Confesso que senti uma dorzinha no peito ao pensar em abandonar o esconderijo. 

— Eu também tenho algo para dizer. É sobre a Hanna Sato. – revelei.

Em um segundo, toda a atenção concentrou-se em mim. Os olhos dos outros membros sequer piscavam de tamanha incredulidade e os rostos tornaram-se pálidos de apreensão.

Retirei o celular do bolso e o coloquei no centro do círculo.

 

Stef: Não achei nada na internet além de duas notícias. Então eu perguntei para todas as mulheres que passaram no salão. [14:01]

Stef: Uma mulher, a dona Marília, jura que viu a Hanna depois da data do acidente. [14:02] 

Stef: Porém, a tia e as outras clientes me contaram que Marília é considerada “doida” e está sempre vendo pessoas que já morreram. [14:02]

Stef: Agora você decide o que fazer com essa informação, mané. [14:03]

 

— Eu sabia que ela não estava morta! – Ienaga ergueu-se extasiada. – Estão vendo isso?! – sorriu de orelha a orelha e gesticulou exageradamente.

— É, mas quem falou foi uma doida que vê espíritos. – Victor protestou. – Vai mesmo acreditar nisso?

— Sim, eu vou! – a líder estufou o peito.  – Jurei me agarrar a qualquer pista e é isso que farei!  – ela praticamente gritava de animação.

Eduardo sorriu em uma visível demonstração de que sua amiga não tinha jeito.

— E tem jeito de falar com essa dona Marília? – Yara levantou as sobrancelhas.

Rolei o dedo pela tela e apontei para a penúltima mensagem.

 

Stef: Faz pouco tempo que Marília se mudou para a cidade vizinha, mas ainda vem aqui para cortar o cabelo, então a tia sempre faz as cobranças dos cortes pelo e-mail do neto. Parece ser a única forma de contato. [14:05]

 

Abaixo estava o e-mail do neto da Marília.

— Um e-mail! – Ienaga soltou o ar que tanto prendia. – Céus, isso vale ouro! – abriu os braços, contudo, abaixou-os bruscamente. – Espera, Norte, não contou nada para essa tal de Stef, contou?!

— Não. – neguei com a cabeça.  – É minha irmã, apenas pedi para descobrir mais sobre a Hanna Sato. – fui tomado pelo medo de ter feito besteira.

— Menos mal. – a líder limpou o suor da testa e colocou as mãos na cintura.  – Bom, União, parece que enfim temos um novo ponto de partida. – afirmou determinada.

— Tsc, bando de malucos.  – Victor cruzou os braços e virou o rosto. 

— Então, o que faremos? – Érica terminou de ler e me devolveu o celular.

— Simples, vamos mandar uma mensagem para essa velha! – Ienaga puxou a bolsa do notebook de um dos balcões e ligou o aparelho.

O barulho das teclas sendo apertadas foi a única coisa ouvida por pelo menos cinco minutos. Parte de minha apreensão sumiu e eu me permiti rir de uma piada que Érica contou durante esse tempinho e pude trocar um curto olhar com Yara.

— Pronto. – a líder virou o computador portátil para que nós pudéssemos ler o texto na caixa de e-mail.

Cara Marília (ou neto dela),

Recentemente, alguém te perguntou sobre uma mulher chamada Hanna Sato e você disse tê-la visto mesmo depois do acidente que supostamente a matou. Eu quero dizer que acredito em você e gostaria de saber mais sobre essa possível aparição. Por favor, responda a esse e-mail!

Atenciosamente, uma União.

Nossa última noite antes das férias foi marcada pelo calor do que costumava ser nosso esconderijo, conversas sem pé nem cabeça, partidas intermináveis de Uno e promessas de que trocariamos mensagens durante as férias. 

Não podia ser melhor.

>>>

Assim que o sol nasceu, as camas estavam devidamente arrumadas ou no máximo tinham seus donos e donas batendo os lençóis e dobrando os cobertores apressadamente. Alunos vagavam pelo andar falando exageradamente alto, entravam e saiam de seus quartos para conferirem se tinham pego tudo e até mesmo choravam por estarem finalmente saindo da academia. Fechei minha última caixa com fita adesiva (a de mangás) e a arrastei porta a fora usando o pé.

Pensei ainda estar dormindo quando vi adultos desconhecidos nos dormitórios e ao vê-los abraçando os alunos, me dei conta de que eram seus pais ajudando-os com as malas e caixas. Risadas derivadas, palavrões pelas mochilas não fecharem e choramingos dos que ficaram de recuperação compunham aquela manhã.

— Como vai ser o ano que vem?

Kaíque encostou-se no batente da porta e observou a bagunça que o andar virou. Soube que ele ficou de recuperação por mau comportamento, o que não era surpresa para ninguém.

— Nos vemos, garoto espirro. – me mandou uma piscadela quando passei pela porta.

Ao pisar no corredor, reparei em uma mulher baixinha e uma garota de cabelos azuis claros que praticamente rosnava para quem encostasse nela. Meus olhos encheram-se de água com essa visão. 

— Norte! Norte! – mamãe acenou ao me ver.

Puxei todo o ar, acumulando-o no peito junto ao peso que ali estava. Dei um sorriso de canto e agitei a mão em um aceno. Ambas me alcançaram após esbarrarem em alguns pais e pedirem desculpas (Stefanie não pediu). Mamãe não hesitou em me envolver em seus braços calorosos. 

Retribui seu ato sem saber que precisava tanto abraçá-la. Funguei na manga de sua blusa, sentindo o cheiro de sabão em pó que usávamos em casa. Ela trouxe consigo o que eu era antes dali, um pedacinho do meu lar e do que eu chamava de normalidade. E por algum motivo, isso doeu. 

Stefanie deu um tapa em minha nuca e logo em seguida afagou meus cabelos em um gesto que pareceu mais de provocação do que carinho. 

— Bom te ver, cabeção. Vamos logo, esse lugar está cheio de gente. – minha irmã resmungou e entrou em meu quarto sem cerimônias, ignorando completamente a presença de Kaíque. – Cruzes, que horror.

— Não ligue para a Stefanie. Ela está feliz em te ver, só não vai confessar. – mamãe riu e enxugou os olhos marejados. – Ah, filho, eu senti tantas saudades.

— Eu também, mãe. – sussurrei timidamente.

— Bom, o que eu posso carregar para você? – ela questionou com um enorme sorriso e o nariz vermelho. Tudo bem, meu rosto não devia estar tão diferente do dela.

Nos ocupamos em equilibrar meus pertences nos braços de cada um. Me despedi brevemente de Kaíque e certifiquei-me de deixar minha cópia da chave na fechadura como nos foi instruído. 

— Vamos logo. – Stefanie repetiu atrás de mim.

— Por que está tão apressada? Não era você que estava presa aqui, sabia? – bufei e ajeitei a caixa em meus braços.

— Porque vamos comemorar, mané. E eu estou com fome. – ela me ultrapassou.

— Comemorar o quê exatamente? – indaguei para mamãe que arrastava minha mala.

— Meu novo emprego. – a mulher ruborizou. – Auxiliar de costura na Cortecos. Sabia que também fazem os uniformes do R.C.E lá?

Momentaneamente, fiquei extremamente feliz pelo novo emprego de mamãe, mas algo me deixou confuso.

— O R.C.E. não usa uniforme. – franzi as sobrancelhas. Heitor e Miguel viviam mal vestidos.

— Eles usam. Para questões formais. – Stefanie respondeu ao longe. 

— E, bem… Talvez tenhamos companhia. – mamãe pigarreou e eu entendi tudo.

Em outras circunstâncias eu teria agido de maneira infantil, mimada e enciumada, entretanto, as palavras de Yara pesavam cada vez mais em minha mente e vê-la próxima da escada com suas malas me fez tomar uma atitude.

— Tudo bem, mãe. Pode ser legal ter o Fábio com a gente. – falei sinceramente. – Eu preciso falar com uma amiga, vai na frente.

Mamãe arregalou os olhos e procurou pelo ponto que chamava minha atenção. Assim que o viu, soltou um “ah”, deu uma curta risada e avisou que estaria me esperando no hall de entrada.

Pigarreei ao me aproximar de Yara, os braços fraquejando pelo peso da caixa e as batidas de meu coração começando a ficar descompassadas.

— Seus mangás? – ela perguntou.

— Ou o que costumavam ser. – dei de ombros e procurei algo para falar. – Alguém vem te buscar?

Burro, é claro que alguém ia.

— Minha mãe. – a garota guardou o celular que tanto olhava. 

Seríamos castigados por um estranho silêncio caso o andar não estivesse tão barulhento. Yara colou as costas à parede e eu fui obrigado a manter um único passo de distância dela, tendo em vista o tráfego pela escada.

— Preciso ir. – ela balbuciou e apontou para o final da escada onde uma mulher alta de pele vermelha e longos cabelos pretos gesticulava impaciente. Todos que passavam por ela se impressionavam.

Ali entendi de onde Yara puxou sua beleza.

A garota não esperou por minha resposta, puxou suas malas e desceu os degraus cuidadosamente, pedindo licença aos demais. Senti que sua mãe me lançou um olhar interrogativo, contudo, pouco me importei, aquilo que estava preso em minha garganta faria eu me engasgar mais tarde se não o libertasse naquele momento.

— Ei! – berrei.

Yara virou o rosto por cima do ombro, a feição neutra como sempre.

— Quando você voltar, fundaremos nosso próprio grupo! 

O que saiu depois disso foi somente idiotice, a fim de disfarçar minha verdadeira intenção. A intenção de dizer que queria vê-la novamente e que mensagens com pontos finais tão frios não seriam o suficiente.

— E como vai se chamar? – Yara parou na metade da escada.

— Que tal grupo dos “Sem grupo”? – sorri sem jeito.

— Continuaria sendo um grupo. – arqueou uma sobrancelha.

— É, não pensei muito bem nisso. Esquece. – corei e dei de ombros.

Ela balançou levemente a cabeça e deu uma risada abafada.

— Até mais, bobão. 

— Até mais, bobona. 

E até mais, Academia de Poderes Inúteis.

 

2019, em algum lugar do estado de São Paulo

de: sgonçalves.pedro@gmail.com

para: laura_ienaga2003@gmail.com


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Notas finais do capítulo

Marília realmente viu Hanna Sato? O que vai acontecer depois das férias? Qual foi a resposta do e-mail?

Até o próximo capítulo: "O fim do começo"
Beijos.
—Creeper.



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