Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 21
Temos uma fofoqueira entre nós


Notas iniciais do capítulo

Oie! Domingão e esse calor de matar um, hein?
Com vocês, mais um capítulo, tenham uma boa leitura!



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Esperar que adolescentes de 15 anos com poderes se mantivessem comportados em uma trilha era o mesmo de acreditar no Papai Noel. Só funcionava nos primeiros momentos até você ganhar consciência ou alguém te avisar.

Aparentemente, uma garota do Deslocados chamada Nathalia possuía o poder de reviver insetos e usou isso para atazanar as outras garotas à sua volta. Garotos empurravam os colegas ao ponto de sair da trilha, caindo entre os arbustos e iniciando lutas na terra. O restante tentava subir nas árvores, percebendo ser uma má ideia quando um galho se partia e os joelhos se ralavam. Por fim, uma minoria aproveitava o passeio e tirava fotos.

Vitória apitou e rodopiou a mão ordenando que fizéssemos o caminho de volta para a próxima atividade. Coloquei a mão na testa para proteger os olhos da luminosidade, sentindo-me levemente mal por Ienaga e seu visível desconforto debaixo do sombreiro, óculos, jaqueta e uma grossa camada de protetor solar.

Ao chegarmos na área das barracas pudemos finalmente largar nossos corpos nos troncos e acabar com a água de nossas garrafas. Eu realmente não deveria ter usado All Star para caminhar sobre terra, pedras e gravetos e concluí isso pela dor nas solas dos pés. 

Tivemos menos de dez minutos para nos recompormos e Vitória anunciou uma nova tarefa: arranjar gravetos para fazer algumas fogueiras. 

— Por que acender uma fogueira de dia? 

— Pois faremos o almoço nelas. Ao trabalho! – estufou o peito.

Pensei em chamar Yara para ir comigo, mas ela e Érica estavam conversando e seguiram juntas para um lado. Amanda misturou-se a um grupinho como seu irmão e Ienaga e Eduardo optaram por procurar em um lugar onde a sombra batia. Tentei não ficar chateado e me convencer de que um tempo a sós com a natureza seria bom.

Não funcionou, eu me senti extremamente sozinho.

Suspirei algumas vezes ao voltar para o acampamento carregando o maior número de galhos minimamente secos que consegui, largando os úmidos para trás. Depois de jogá-los em uma pilha, notei a inquietude em minha frente e pisquei rapidamente os olhos, assimilando a figura de cabelos azuis e a ausência de sua colega de quarto.

— O que foi? – indaguei desanimado.

— Hã? Nada. – Érica sorriu nervosamente e abriu os braços largando seus gravetos no chão. –  Por que você acha que “foi” alguma coisa?

Seus pés não tocavam o chão ao mesmo tempo, pois suas pernas não paravam de dar pulinhos jogando o peso do corpo de um tornozelo para o outro. As mãos agitaram-se e brilharam de suor. Yara havia me contado algo sobre aquele comportamento.

— Você está me escondendo alguma coisa. – acusei.

— E-Eu? Por que estaria? – Érica arregalou os olhos. 

Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha. Observei os arredores de soslaio, percebendo que estávamos consideravelmente sozinhos.

— Érica. – chamei.

— Oi? – ela endireitou-se abruptamente.

— Não vai me contar? – ultrapassei o banco de tronco que nos separava.

Ela prendeu o ar e recuou um passo evitando o contato visual. A garota apertou os dedos, estralando-os e deixando os nós brancos. 

— Ah, droga. – praguejou. – Não pode contar que eu te contei.

— Não vou contar que me contou. – bufei.

Érica respirou fundo, conferiu todos os lados e aproximou-se minimamente, sussurrando em uma velocidade absurda:

— Eu e Yara nos separamos em certo ponto do caminho. Eu estava pegando os gravetos até ouvir uma conversa atrás do arbusto e… Era uma voz conhecida, então quis conferir. 

Parou por um segundo para retomar o fôlego.

— A Amanda estava com outras garotas. E disse para elas que tinha certeza que perderia o BVL hoje. É boca virgem de língua, caso você não saiba.

Demorei um pouco para registrar a informação, mas assim que o fiz, respondi revirando os olhos:

— Eu sei o que é BVL. Por que isso te deixou tão nervosa?

— Porque ela disse que perderia com você.

Meu coração saltou uma batida. 

— Ela o quê?! – berrei, atraindo os olhares dos inspetores.

— Fale baixo! – Érica me repreendeu afobada.

— Tem certeza de que ouviu direito? – sussurrei.

— Absoluta! – ela engoliu em seco.

— Não, não, não… – passei as mãos pelos cabelos e lhe dei as costas.

— O que foi? Achei que gostasse dela. – Érica argumentou. Tenho a impressão de que seu tom foi levemente zombeteiro.

A fitei por cima do ombro, boquiaberto demais para pronunciar alguma coisa. Ou sem palavras, para falar a verdade. Amanda era legal comigo, além de ser linda e inteligente, entretanto, isso estava longe de me fazer gostar romanticamente dela. Talvez uma queda idiota ou menos que isso.

— Não, eu não gosto dela desse jeito. – balancei a cabeça e um sentimento inexplicável de culpa me preencheu repentinamente. 

— Isso é ruim então. – Érica desviou o olhar, focando-se em uma borboleta amarela que voava acima de nossas cabeças.

As palmas de minhas mão ficaram frias de suor e eu as bati nas laterais da calça, nervoso e sem reação. Engoli em seco e olhei para cima, pedindo que alguma solução caísse do céu, mas do jeito que eu tinha sorte, seria acertado por uma segunda chuva de “calangos”.

— Érica, o que eu faço? – apertei os ombros da garota e a chacoalhei.

— Hum, certo, deixe-me pensar. – ela ergueu as sobrancelhas. – Já sei! – estalou os dedos após um minuto agonizante. – É só evitar a Amanda pelo resto do dia, assim ela não terá oportunidade de te beijar.

— Evitá-la? – ponderei. Parecia cruel.

— É o que temos para hoje. –  Érica deu de ombros. – Pode deixar, eu te ajudo. – ergueu o polegar em um sinal de cumplicidade.

Larguei-a e soltei um longo suspiro. 

— Tudo bem. – balbuciei inseguro.

Não tive tempo para colocar as ideias em ordem ou voltar o compasso da respiração, a voz de Amanda assustou-nos do mesmo modo que alguém anunciando um assalto.

— Norte! Eu estava te procurando! – a garota sorriu radiante.

Olhei para Érica de maneira apavorada e quase suplicante.

— Vixi, Amanda, foi mal! – ela entrelaçou seu braço ao meu. – Eu e Norte vamos pegar mais gravetos. –  sequer terminou a frase para me puxar para longe.

Resolvemos nos esconder atrás de algumas árvores e observar o movimento pelo acampamento. Amanda aparentou ficar abalada por alguns segundos, todavia, se recompôs e voltou a atenção para seu grupo de amigas.

— Essa foi por pouco. – Érica sussurrou.

— O que estão fazendo? 

Gritamos simultaneamente e nos viramos em um sobressalto. Yara nos espiava de braços cruzados e feição interrogativa. Não deixei Érica processar o questionamento e prontamente respondi:

— Nada.

— Se estão “fazendo nada”, venham ajudar.

— Ajudar em quê?

— Os líderes querem fazer uma competição de quem acende a fogueira mais rápido. Pedimos para Amanda te procurar, mas você está aqui. 

Eu e Érica trocamos olhares de culpa e tossimos para disfarçar. Sem ter o que dizer, fomos guiados por Yara até uma distância segura das barracas onde troncos cortados formavam quatro quadrados no chão, rodeando um amontoado de gravetos. Em cada quadrado, um líder e um vice-líder posicionavam-se.

— Estejam prontos para perder. – Ienaga discutia com Felipe e Bianca.

O baixinho e a garota de cabelos rosas desviaram o olhar de nossa líder e fitaram-me pasmos.

— Ei, não é justo! Eles têm poder de fogo no grupo deles! – Bianca reclamou para Letícia, a secretária.

Burburinhos descontentes espalharam-se rapidamente, deixando-me constrangido. Até diria que meus espirros não eram um poder tão grande, mas lembrei-me do cinto da professora na aula de meditação.

— E então, Bárbara, o que acha? – Letícia deu um sorriso torto.

— Façam o que quiserem. – Bárbara, a vice-chefe, folheava uma revista despreocupadamente.

— Vamos deixar a moeda decidir. – Letícia pegou uma moeda no bolso. – Se der coroa, o grupo pode usar o poder do garoto. Se der cara, ele fica de fora.

— Isso continua não sendo justo! – Felipe esbravejou. Em poucos segundos, um grupo de pombos pousou em sua cabeça e ombros. – Que saco, saíam de perto de mim! – chacoalhou as mãos.

— Você só está com medo de perder. – Kaíque cruzou os braços atrás da cabeça. 

— Não estou não! – o baixinho ruborizou.

— Lá vai… – Letícia jogou a moeda no ar em um peteleco e a pegou agilmente. Espalmou seu antebraço e retirou a mão, revelando o resultado. – Coroa. O garoto pode usar seu poder. – piscou para mim.

Os membros da União Rebelde comemoraram (exceto Victor, claro). Amanda chegou em meio aos gritos animados e eu não pude evitar o nervosismo.

— Porém! – a secretária pigarreou. – O grupo do garoto terá metade do tempo dos outros grupos.

— Vem cá, você percebeu que isso não é justo em nenhum aspecto? – Felipe cerrou os dentes. Seu grupo concordou, as vozes aumentando e misturando-se ao protestarem.

— Não existe justiça do lado de fora, crianças. – Letícia puxou o cronômetro pendurado em seu pescoço por um cordão. – Estamos treinando vocês para isso, acreditem. Um minuto para os grupos restantes e trinta segundos para o do garoto. Comecem!

Fui imediatamente puxado para o quadrado da União Rebelde, sendo obrigado a me ajoelhar diante do amontoado de gravetos e tendo Ienaga ordenando entusiasmada:

— É o seu momento, espirre!

— Não pode me pedir para espirrar tão facilmente. – franzi o cenho.

— Você vive espirrando quando não deve, bobão. – Yara ajoelhou-se ao meu lado.

Funguei e torci o nariz.

— Não estou com vontade de espirrar. – confessei.

— Já foram dez segundos só de papo. – Eduardo alertou olhando para seu relógio.

— Vamos, Norte, você consegue! – Amanda torceu.

Escutei a animação do Deslocados. A garota dos insetos girava um graveto dentro do buraco de um tronco, produzindo uma pequena fumaça. 

— Esses galhos estão molhados demais! – Felipe arremessou um graveto para longe, irritado. Ana Carolina abaixou-se para consolá-lo.

— Que pena que vocês não podem desintegrar os resquícios de água, não é mesmo? – Kaíque sorriu travesso e esfregou o polegar no indicador, soltando um pouco de poeira.

— Canalha. – Ienaga emitiu um riso sarcástico. – Norte, não podemos deixá-lo vencer!

— Dezenove segundos… – Eduardo contou.

Encarei a pilha de gravetos e uma gota de suor escorreu por meu queixo. 

“Concentre-se, concentre-se!”, arfei. 

— Entrou uma farpa no meu dedo! – alguém do Super Gatinhas choramingou.

O grupo Deslocados vibrou, anunciando que a fogueira estava quase pronta. Funguei outra vez e respirei fundo, contudo, de nada adiantou. Ienaga me incentivava de um lado e Eduardo continuava a contagem do outro, pressionando-me.

Minha cabeça latejou e eu aceitei que não venceríamos. Meus ombros caíram e antes que eu desistisse por completo, uma mecha de cabelo preto invadiu meu campo de visão, sendo empurrada em meu nariz e me obrigando a inalar seu cheiro forte e adocicado. Os fios fizeram cócegas em minhas narinas, iniciando a queimação em meu interior.

A boca abriu-se, puxou todo o ar ao redor e jogou-o de volta para fora em uma forma alaranjada que se alastrou pelos gravetos como pequenos pontinhos. A fumaça e o cheiro de queimado subiram pelo ar.

Ienaga jogou-se na frente dos gravetos criando uma barreira e soprando para aumentar as chamas. Esfreguei os olhos que lacrimejaram e, ao abri-los, vislumbrei uma mecha de cabelo chamuscada e uma pequena fogueira que esforçava-se para crescer.

— Tá feito! – Ienaga berrou erguendo os braços.

— Trinta segundos! Conseguimos! – Eduardo agitou o braço do relógio.

— Também acabamos aqui! – Nathalia gritou, sua fogueira minimamente maior que a nossa.

Felipe grunhiu de descontentamento e esfregou um galho no outro raivosamente. Bianca, por sua vez, colocou as mãos debaixo do amontoado de gravetos e ativou suas unhas luminosas, garantindo que era a luz do fogo.

— Parece que temos nossos vencedores. – Letícia apertou o cronômetro. – Grupo da Rebeldia e Desolados!

As reclamações do Nova Era espalharam-se junto a gesticulações e expressões de raiva. Ienaga riu ao chamar todos de maus perdedores.

— Podem se redimir na caça à bandeira de hoje. – a secretária assentiu. – Agora, cada grupo terá uma tarefa no almoço. – entregou uma lista para os líderes.

Ienaga ocupou-se em murmurar o conteúdo do papel amarelado para Eduardo, apontando ora ou outra para algum lugar ou objeto. Somente então consegui entender a situação.

Yara tinha metade do cabelo solto e a outra metade presa em um coque. Reparei o ressecamento de suas pontas, recordando-me do cheiro forte e adocicado que senti. O mesmo do dia em que invadimos o quarto de Felipe.

— Não esperava que fosse queimar meu cabelo. – Yara girou a mecha, formando um outro coque. – De qualquer modo, ganhamos.

— D-Desculpe. – falei baixinho, um pouco envergonhado.

Por um instante, achei ter visto um sorriso em seus lábios. 

Ienaga separou as tarefas da lista para cada membro e Érica tratou de grudar-se em mim, barrando os favores que Amanda me pedia. Ao fim, lavamos e cortamos legumes juntos, depois colocamos-os para cozinhar em uma panela pendurada sobre nossa fogueira. O almoço ficou pronto em duas horas com direito a refogados, saladas e peixes diretamente do riacho que havia por ali. Fábio gabou-se ao dizer que os pescou, mas Miguel tratou de desmenti-lo, dizendo que foi um tratador local.

Confesso que ri de boca cheia.

>>>

O resto da tarde foi livre. Alguns dormiram, outros jogaram entre si e o restante apenas aproveitou o tempo ao ar livre. Logo a fila para o banho se formou e a noite caiu, dando início à caça à bandeira.

Nos reunimos em volta do toco de madeira para escutar as regras. Heitor finalmente deu o ar da graça, sua expressão e postura denunciavam que passou o dia dormindo.

— Escondemos quatro bandeiras para cada grupo. O primeiro a trazer as quatro, ganha! – ele ditou em seu megafone. – Miguel, as cores das bandeiras.

Miguel posicionou-se na dianteira, usava sua camisa estampada de sempre e tinha queimaduras de sol.

— Verde para Nova Era, amarelo para Super Gatinhas, azul para Deslocados e vermelho para União Rebelde. – o estagiário anunciou.

Alguém levantou a mão no meio dos grupos. Heitor estendeu o braço, dando permissão para falar.

— E se encontrarmos uma bandeira que não é nossa?

— Tudo é permitido menos soco no olho, chute na canela ou bolada no rosto. – o diretor bateu a palma na lateral do megafone.

Miguel afundou o rosto nas mãos e balançou a cabeça em desaprovação. 

— Ele sabe que acabou de dar brecha para os trapaceiros, né? – Kaíque comentou do alto de uma árvore (por mais que Vitória já tivesse o mandado descer dezenas de vezes ao dia).

“Tipo você?”, pensei.

— Ah, vocês não precisam estar em grupo a todo momento. Podem dividir-se em trios ou duplas. Apenas não andem sozinhos, pode ser perigoso, okay? – Fábio tomou a palavra. – A brincadeira vai durar uma hora. Preparem-se. – apontou para o relógio em seu pulso.

Nosso grupo reuniu-se em um círculo para ouvir o que Ienaga tinha a dizer. Ela riscava a ponta de seus dedos com uma caneta permanente, concentrada.

— Acho que teremos mais chances se nos dividirmos em duplas. – contou.

Um arrepio subiu por minha espinha e soltei sem pensar:

— Mas nosso grupo é número ímpar.

A líder ergueu a cabeça e fechou a caneta.

— Ah, não, Victor está passando mal. Ele não vai participar. – apontou para o garoto sentado em um tronco com o rosto pálido e os braços cruzados em frente à barriga.

— Talvez eu devesse ficar com ele? – Amanda sugeriu preocupada.

— Aí sim estaríamos em número ímpar. – Ienaga argumentou. – Ele vai ficar bem, além de que nossa vitória irá curá-lo rapidinho. – sorriu convencida. – De qualquer forma, vamos sortear as duplas.

Estava tudo bem até ela dizer que iria sortear. Minhas costas e ombros ficaram rígidos e o suor pingou da testa ao queixo.

— Eu coloquei minhas iniciais, as de Yara e as de Amanda na ponta dos dedos.  – Ienaga estendeu a mão no ar de modo que a palma estivesse virada para baixo e não pudéssemos vê-la. – Eduardo, Norte e Érica, escolham algum dedo. – escondeu o polegar e o mindinho.

Érica respirou fundo e tocou o médio. Eduardo indicou que eu podia escolher antes dele, deixando-me estranhamente nervoso. As opções de dupla eram Ienaga, Yara e Amanda, uma delas já tendo sido tirada por Érica. 

Respirei fundo e cantarolei um breve “mamãe mandou”, rezando para não ficar com Amanda a sós em uma caça à bandeira à noite depois de todo meu esforço para evitá-la durante o dia (na fila do almoço, no caminho para o banheiro, nas brincadeiras e nas conversas).

Relei no anelar de Ienaga e Eduardo ficou com o indicador. A líder virou a mão para cima para revelar as iniciais. “LI” no médio, “YC” no indicador e “AD” no anelar. 

Droga.

— Duplas formadas! – Ienaga agarrou o braço de Érica, animada. – Vamos conseguir essas bandeiras rapidinho! – usou a mão livre para jogar seu sombreiro e óculos escuros longe. 

Yara e Eduardo deram um toque com os punhos ao se posicionarem lado a lado. Engoli em seco, reprimindo a vontade de pedir por uma troca de duplas, já que Amanda esboçou um de seus melhores sorrisos ao juntar-se a mim. Érica notou meu desespero e ergueu os polegares em uma tentativa de me consolar.

— Todos prontos? – Fábio bradou empolgado. – Então, um, dois, três e já! 

Os grupos maiores podiam escolher entre dividir-se em inúmeras duplas e trios, além de seguir para diversas áreas. A União Rebelde contentou-se em designar mais de um local para cada dupla, a fim de compensar a desvantagem por falta de membros. Eu e Amanda ficamos responsáveis pela trilha e o riacho. 

Fomos rodeados por outras duplas enquanto seguíamos no caminho principal da trilha, mas logo fomos deixados sozinhos quando os outros alunos perceberam que a bandeira não estaria exposta em um lugar tão fácil.

— Para onde agora? – Amanda apontou sua lanterna para duas direções.

Eu estava atordoado demais para responder. As palavras de Érica ficavam dançando em minha cabeça.

— Norte. – ela agitou a mão diante de meus olhos. – Está tudo bem? Você parece distraído.

Engoli em seco e recuei um passo por impulso. As bochechas ferveram e eu pedi mentalmente para que o escuro não deixasse Amanda ver a vermelhidão estampada em minha face.

— E-Está. – balbuciei. 

— E se formos por aqui? – indagou.

Ela se referia a uma parte da trilha que não fizemos durante o dia. E eu sequer vi algum aluno ousar ir por ali. 

— Tem c-certeza? – fechei o maxilar.

— Na pior das hipóteses, voltamos rapidamente. É só decorar o caminho. – Amanda afirmou. – Acho importante conferir cada lugar.

Não tive tempo para protestar, a garota correu pela direção que sugeriu com o rabo-de-cavalo balançando e a luz da lanterna oscilando nos pontos que iluminava. Suspirei e a segui.

Na pior das hipóteses, voltamos rapidamente”. O problema era que não sabíamos voltar. Tentamos seguir nossa intuição e isso apenas nos deixou mais perdidos.

— Não acredito nisso. – Amanda limpou o suor da testa e apoiou as mãos nos joelhos.

— Precisa descansar? – ofeguei. Havíamos dado voltas e voltas.

— Cinco minutos. – ela sentou-se no chão. Acompanhei-a a certa e segura distância.

Nossas costas foram rodeadas por árvores altas e a dianteira deparava-se com uma clareira sob a luz do luar. Se forçasse a vista, não via-se muito mais do que outras árvores e pedras ao longe. Se não fosse pelo cricrilar dos grilos, o lugar estaria adormecido no mais puro silêncio. 

A apreensão me consumiu e me obrigou a morder os lábios. Se não conseguíamos escutar as vozes e gritos de nossos colegas, significava que estávamos mais longe do que deveríamos.

— Desculpa, eu sou uma anta. – Amanda bateu a mão na testa. – Fiz a gente se perder e não encontramos nenhuma bandeira. 

— Não foi só culpa sua. Eu também não tenho senso de direção. – dei uma risada abafada.

Uma brisa fresca bateu em nossos rostos, assim secando o suor e afastando nossos cabelos.

— Já acampou antes? – ela olhava para o céu de maneira que suas írises refletiam o brilho das estrelas. Fiquei quieto por um minuto, perguntando-me se era errado achá-la tão bonita.

— Uma vez. – comentei. – No aniversário de quinze anos da minha irmã. As garotas da turma dela preferiram festas de debutantes, mas ela quis nos arrastar para o meio do mato. – afastei um mosquito. 

— Quem me dera um aniversário assim. – Amanda franziu levemente as sobrancelhas. – Minha tia contou que meus pais gostavam de acampar.

— Não gostam mais? – afundei as mãos na grama para sentir seu frescor.

A ausência de uma resposta foi esmagadora. Imaginei que estivesse me dando o troco por tê-la ignorado o dia inteiro.

— Eles foram tentar a vida na Espanha quando eu e Victor ainda éramos bebês. Não temos muito contato, sabe? – os ombros de Amanda encolheram-se. – Por isso moramos com nossa tia. 

Eu me senti um tremendo idiota. Mas quando é que não me sentia assim, não é?

— Sinto muito. – inflei as bochechas.

— Acabamos nos acostumando com isso. Quando eles voltam, raramente, nas festas de fim de ano, parece que eles são nossos tios. – desenhou alguma coisa na terra. 

A tensão alfinetou minha nuca. Imaginei o que aconteceria se eu dissesse a ela que talvez entendesse metade de seu sentimento, já que não fui criado por meu pai, todavia, optei por ficar quieto.

— É melhor eu mudar de assunto. – Amanda pigarreou. – Posso te perguntar uma coisa?

Achei que fosse o mínimo que eu podia fazer por ela. Confirmei e sua voz demorou para ser ouvida novamente, por mais que seu dedo continuasse trabalhando no desenho no chão. 

— Você gosta de alguém? 

Pousei uma mão na nuca e fitei meus joelhos. O jeito como foi direta me surpreendeu e todos os momentos do dia voltaram em um estalo dolorido. Entreabri os lábios secos, suspirei brevemente e respondi em um sussurro:

— Não.

Mas eu pensei em alguém.


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Notas finais do capítulo

Em quem o Norte pensou? Será que a União Rebelde ainda tem chance de vencer a caça à bandeira? Como esses dois vão voltar para a área do acampamento?

Veremos no próximo capítulo: "Um novo ponto de partida".
Até mais. Beijos.
—Creeper.



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