Where We Belong escrita por Mad


Capítulo 6
O que eu perdi?


Notas iniciais do capítulo

OLHA QUEM VOLTOOOOU
Sim! O autor mais enrolado do mundo -q tudo bem com vocês? Eu devo desculpas pra todo mundo :( não tem sido as melhores semanas pra mim e eu tirei 15 dias de "folga"... Mas aqui está o capítulo 6! Onde estávamos? Ah é, Aloy e Elisabet chegaram as Terras Sagradas! A Doutora Sobeck vai finalmente saber de tudo sobre o que houve com a Aloy, e a jovem por sua vez vai ter que enfrentar o desconforto interior e exterior. Por mais DIFÍCIL que tenha sido escrever esse capítulo, eu tô feliz por ter conseguido terminar, e espero que todos gostem! Até já já ❤️



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Aloy estava ansiosa.

 

Entre o desejo de não ter que voltar às Terras Sagradas e as tentativas de encontrar paz de espírito para com o seu povo, a jovem Nora era errática em seus pensamentos. 

 

O que a tribo representava, o que haviam feito, o que passaram a fazer. Do ponto de vista de uma exilada, imperdoável e irritante.

 

Ao mesmo tempo, poderia culpá-los? Sabendo o que sabia agora, provavelmente não. Era inevitável, porém.

 

"Elisabet."

 

"Sim?"

 

Era loucura. Aloy sabia tudo sobre a Alpha Prime do Zero Dawn. Suas conquistas, suas dificuldades, sua perseverança e sua importância. Porém todo esse conhecimento era apenas confirmação de que não sabia nada sobre Elisabet Sobeck, a mulher, a pessoa. 

 

Não estava em posição de pedir conselhos.

 

"Não é nada. O frio te acertou?"

 

Elisabet conseguia reconhecer uma esquiva da oralidade mesmo a quilômetros de distância. Havia visto a mesma prática com Charles Ronson, Alpha da Subfunção ARTEMIS, que se tornava estranhamente tímido em sua presença. Reconhecia também a necessidade de não ser invasiva.

 

"Seria pior sem o… Nossa, eu quase falo casaco."

 

A doutora não pôde evitar rir da própria confusão, ainda presa a memórias do mundo que conhecia. 

 

"Queria ter achado algo melhor."

 

Sem perceber, Elisabet segurava a cintura de Aloy com um pouco mais de força, obra de sua gratidão e vontade de transmiti-la.

 

"Eu acordei num mundo maluco… sem você eu estaria bem perdida. Tenho muito pra agradecer, Aloy."

 

Elisabet não era capaz de ver o tom avermelhado que gradualmente pintava as bochechas de Aloy após sua declaração. O firme abraço da Doutora, meramente funcional, era o único contato físico entre as duas. Eram praticamente desconhecidas, mas teoricamente a mesma pessoa. Era paradoxal.

 

Deveriam ser próximas? Amigas? Mesmo sem tempo para aparar suas arestas?

 

"Vamos tratar dos problemas do Zero Dawn…"

 

"Sim, claro. Conto com você."

 

Seco como o ar gelado que as encobriam.

 

O céu da noite, pintado pelo rastro de estrelas da via láctea, era palco da dança sutil dos flocos de neve, caindo lentamente e pincelando o ambiente em branco. O abraço funcional não era tão ruim assim. O conforto se encontrava mesmo para aquela que tentava ao máximo não procurá-lo.

 

A neve também demarcava a proximidade das Terras Sagradas, além claro da visão nostálgica dos muros de madeira do Enlace.

 

"Ok, os Nora são bem diferentes dos Carja e dos Oseram. Eles… Não são tão diretos."

 

"É eu acho que consigo ter uma ideia… Vou lidar bem, relaxa."

 

"Ah, antes que eu me esqueça. Coloque aquilo que eu te dei."

 

Elisabet puxou com certa urgência uma bandana rudimentar, de cor vermelha, antes amarrada nos adornos de sua túnica. Tomando cuidado para não cair, pôs sobre a boca, escondendo metade de seu rosto.

 

"Você ainda não me disse o porquê disso, mas tem cara de ser importante…"

 

"Evitar perguntas… As matriarcas meio que te conhecem."

 

Aloy sabia com quem estava prestes a lidar. A natureza ritualística e críptica dos Nora nunca havia penetrado de fato em sua personalidade, mesmo antes de descobrir a verdade sobre o mundo. Era como se nunca tivessem sido compatíveis para início de conversa, e a cada passo que o Galope dava em direção ao seu local de origem, o sentimento de aversão tomava mais conta de seu íntimo.

 

Ao lado do portão principal do Enlace, reconstruído após a invasão do Eclipse, a torre de vigia era iluminada por uma simples tocha, na mão de um despreocupado sentinela. A despreocupação do rapaz não tirava sua habilidade de visão, entretanto, vendo com nitidez de quem se tratava.

 

"É a Ungida! A Ungida se aproxima!"

 

"Ninguém merece…" Aloy reclamou baixo.

 

Elisabet ria ao pensar em voz alta:

 

"Por acaso todo mundo te adora?"

 

"Eu queria muito que fosse o caso… Você só deu sorte de conhecer quem não quer me matar."

 

Uma piada de mal gosto? Um comentário irônico? O espanto de Elisabet foi o suficiente para fazê-la gaguejar de leve ao dizer:

 

"Estamos viajando a alguns dias… Você deve ter despistado esse pessoal."

 

"Não, só estão quase todos mortos. Quem você vai conhecer agora são só… Emocionados."

 

Mais lenha para a fogueira na mente de Elisabet, fazendo sua curiosidade sobre a garota entrar em combustão. O descontentamento na voz de Aloy era muito claro, enquanto ela falava entre suspiros e revirava os olhos frente a atenção indesejada do Sentinela, este que ainda anunciava e conversava alto sobre sua chegada. A abertura do portão se sucedeu a alguns momentos de silêncio, e assim ambas adentraram o Enlace. 

 

O sentinela, ainda empolgado, chamava a atenção de outros presentes perto do portão. Aloy tentava ignorá-los, continuando em direção a Vigília da Mãe, onde sabia que encontraria os únicos membros da tribo com os quais compartilhava sentimentos bons. 

 

"Não esperávamos você a essa hora, Ungida. Devemos cuidar daquela que a acompanha?"

 

O jovem olhava para Aloy de baixo para cima ao gaguejar, não apenas pela posição elevada dela na montaria, mas também pela mera hierarquia pela qual a garota não havia pedido.

 

"Não se preocupe. Só estou de passagem."

 

Disse Aloy, não querendo se aproveitar de nenhum tipo de privilégio, mas ao mesmo tempo não desejando chamar a atenção. O sentinela por sua vez concordou apenas assentindo com a cabeça, prontamente voltando para a torre de vigia.

 

O caminho até a vila se encontrava vazio, para o alívio daquela no comando do Galope.

 

Calou seu alívio em seguida, lembrando do exato motivo para a falta de pessoas no Enlace.

 

"O que houve aqui?"

 

A pergunta de Elisabet imediatamente invocara memórias não tão distantes para Aloy.

 

"O Eclipse, aqueles que eu disse que estavam sendo usados pelo HADES, invadiu. E bem… Os Nora não estavam esperando."

 

"Eu sinto muito…"

 

Elisabet, em seu luto, agora acumulava dentro de si algo além da tristeza. Algo bem mais destrutivo a longo prazo. O peso de sua ausência caía sobre seus ombros a cada tragédia revelada. 

 

Para Aloy restava a incerteza. Uma pequena fração de seu íntimo adoraria sentir a mais seca indiferença para com aqueles que nunca haviam a aceitado, mas todo o resto de sua personalidade apontava dolorosamente na direção contrária.

 

Nesses momentos, Aloy se sentia uma máquina. Programada.

 

Chegando a Vigília da Mãe, ambas encontraram sinais claros de renovação. Os casarões de madeira e as barracas, antes destruídos pela cruel invasão, agora estavam de pé, com placas novas de origem tanto natural quanto metálica servindo como remendos, curativos. Ao redor de fogueiras alguns poucos grupos e famílias sobreviventes se reuniam, em refúgio ao frio. Alguns deles, notando a chegada daquela responsável pela não-extinção dos Nora.

 

"É ela! A Ungida!"

 

"Ela voltou!"

 

"Voltou para nós!"

 

"Veio nos abençoar!"

 

Aos poucos, uma leve comoção tomava conta da tribo. Aqueles que a chamavam e comemoravam sua presença ficaram de pé, acenando em sua direção com grandes sorrisos em seus rostos. Sorrisos estes que só não incomodavam tanto Aloy quanto os chamados. O mesmo incômodo de momentos antes retornava com maior intensidade, e a jovem travava uma severa luta interna contra uma fúria antiga, a mesma que havia dado combustível para o início de seu treinamento. 

 

Ela se lembrava de cada insulto.

 

Ambas agora se aproximavam da grande montanha, e podiam notar seus detalhes.

 

A visão acima de suas cabeças trazia sentimentos diferentes, principalmente para a Doutora Sobeck.

 

Com a névoa mais amena e estando mais próximas da montanha da Mãe-de-Todos, o horror de um inimigo antigo assombrava mais uma vez a visão de Elisabet. Conseguia ver os apêndices congelados do Titã Horus abraçando e perfurando a montanha. Por alguns momentos, não quantificáveis, viu com uma vivacidade difícil de explicar o Titã se movendo, junto com sua legião de máquinas mortíferas, devorando tudo em seu caminho. 

 

Esse inimigo não distingue raça, gênero, adulto ou criança.

 

"Elisabet…?"

 

Durante esses poucos segundos, Aloy percebeu com clareza o estado da mais velha. Não podia ver metade de sua expressão facial, mas conseguia notar os olhos aterrorizados e vidrados de Elisabet, olhando para o que restava do Titã.  Decidiu então chamá-la mais uma vez, mais alto.

 

"Elisabet!"

 

Foi como pausar uma gravação, retornando para a realidade.

 

Seus olhos voltaram a ver apenas a montanha envolta em apêndices congelados, com a neve suave caindo. Ouviu cada timbre da voz de Aloy ao ser chamada, e então voltou seu olhar para a garota.

 

"Desculpa…" Ela passava as mãos no rosto, tentando se colocar de volta no lugar usual. "Eu tô bem. Vamos indo."

 

"Parece que foi a sua vez de ficar longe."

 

Aloy a ajudou a descer da máquina, tendo certeza de que a visão do Diabo Metálico na montanha havia afetado Elisabet de alguma forma.

 

"Eu só me distraí… Tá tudo bem, sério."

 

"Certo. Vamos entrar."

 

Antes de conseguirem dar um passo adiante, notaram duas figuras saindo da montanha, provavelmente curiosas sobre a comoção. Com a aproximação, Aloy finalmente pôde identificar Teersa e Sona, Matriarca e Chefe de Guerra respectivamente. 

 

"Aloy! A Mãe nos agracia." A mais velha, vestida no traje usual de Matriarca, endereçava Aloy com carinho nas palavras, sem evitar de tomar as mãos da jovem junto às suas ao chegar mais perto. Mesmo com o desconforto que sentia, a garota retribuiu o gesto com um sorriso sincero. Dos Nora, Teersa com certeza era a mais digna de respeito.

 

Por motivos diferentes, o mesmo podia ser dito daquela que acompanhava a Matriarca.

 

"Bom lhe ver, Ungida."

 

Sona disse em sua voz pesada, impondo respeito até mesmo em circunstâncias comuns. A chefe de guerra não carregava o mesmo sorriso de Teersa mas sim sinceridade em sua voz. 

 

Antes que pudesse agradecer as boas vindas e tratar do assunto que devia, Sona disse, olhando para Elisabet com certa desconfiança:

 

"E esta que lhe acompanha? Forasteira?"

 

"Ela é o porquê de eu estar aqui na verdade. Essa é a… Liz. Eu estou em viagem, não pretendo ficar muito tempo."

 

Por um segundo sentiu medo de seu improviso ter sido óbvio demais, medo este levado embora pela aproximação de mais duas pessoas.

 

Da vila abaixo, vinham dois rapazes com os quais Aloy também aprendera a compartilhar um sentimento de respeito.

 

A sua esquerda, Teb sorria em admiração, com as típicas marcas azuis em seu rosto. A direita, Varl se posicionou logo ao lado de sua mãe, não antes de dizer:

 

"Veio comemorar a vitória conosco?"

 

Mesmo percebendo que a jovem buscava completar seu raciocínio, Teb instintivamente disse, no tom animado mas desajeitado de um artesão introvertido:

 

"Eu ouvi os cantos. Todos ficaram felizes em te ver Aloy."

 

Era inevitável, a esse ponto.

 

"Me escutem, ok?"

 

Aloy encheu seus pulmões para falar em alto e bom tom, resultado tardio da mera vontade de não estar ali. O peixe fora d'água tem suas queixas.

 

Todos os presentes sentiram a tensão no ar. Elisabet se assustou, olhando para a garota e para os outros em sequência. Teersa apresentava um olhar sério e conformado. Sona mantinha o mesmo olhar, mas agora cruzava os braços. Teb e Varl se olhavam buscando uma saída para o clima denso.

 

Apenas Aloy, a responsável, estava inalterada. 

 

"Eu vim de longe. Tenho algo a fazer no Corte, algo importante!" Ela alcançou um pequeno saco marrom, com seu chacoalhar acusando o conteúdo. "Eu trouxe cacos o suficiente, só preciso de suprimentos e nem vão notar que estive aqui."

 

As palavras francas foram capazes de sugar todas as outras palavras nas bocas de todos os outros. Com o silêncio pairando no ambiente mais uma vez, Teersa assumiu para si o papel de acalmar os ânimos.

 

"Não vamos lhe negar ajuda, Aloy. A questão é que…"

 

Sona deu um passo à frente. 

 

"A questão é que os Nora não funcionam assim, e você sabe."

 

Uma declaração que foi capaz de nivelar a situação. Aloy, ou pelo parte de si, não dava a mínima, e por alguns segundos essa faceta ansiava por um embate frio com a chefe de guerra. Não o fez, entretanto. Obrigou a si mesma a escutar o que Sona tinha a dizer.

 

"Proponho o seguinte." Ela apontou para as casas em reconstrução. "Amanhã você e Teb trabalham nos reparos. Eu e a forasteira coletamos os recursos que precisam, assim a situação se torna frutífera."

 

Aguardando a opinião de todos, Sona viu Teersa sorrir e segurar as mãos de Aloy de forma acolhedora. 

 

"Passamos pelo inferno Aloy, precisamos de comunhão. E isso inclui você e sua companheira de viagem. Sei que a mãe irá abençoar sua viagem."

 

Dentro de Aloy, a vontade de assumir a postura firme de antes perdia terreno frente a vontade de evitar problemas. Ponderou mais uma vez: os riscos de ficar sem suprimentos no meio do caminho, o fato das Terras serem relativamente seguras para a caça e coleta. A lógica, com certa dificuldade, tomou conta de sua tomada de decisão finalmente. 

 

"Certo. Tudo bem." A jovem disse enquanto se virava, andando de volta para a entrada do assentamento. "Amanhã bem cedo, Teb."

 

O tímido rapaz gaguejou uma afirmação surpresa, também voltando para onde estava. Elisabet olhou para as duas que restavam no encontro, buscando o que dizer em sua mente.

 

"Agradeço pela recepção."

 

"Não é comum aceitarmos forasteiros, mas consigo ver que não representa ameaça, além de ter a aprovação de uma Emissária."

 

Sona conseguiu por mais uma dúvida em Elisabet, dúvidas silenciadas quando a mulher concluiu: 

 

"Me encontre do lado de fora, quando o sol brilhar na face da montanha."

 

"Tudo bem, estarei lá."

 

"Fique à vontade forasteira, posso lhe oferecer abrigo na Mãe-de-Todos."

 

Ao ouvir as palavras de Teersa, a chefe de guerra ao seu lado fez o máximo para esconder seu protesto, apenas olhando para a Matriarca. Elisabet por sua vez se sentiu acolhida, mesmo sem conhecer a senhora com quem falava. Não só suas palavras, sua postura e olhar transmitiam tal sensação com sucesso.

 

"Não quero abusar da hospitalidade, obrigada. Tenho assuntos a tratar com Aloy."

 

"Como quiser, que a mãe lhe abençoe."

 

Ao se despedir, Elisabet apertou o passo para se juntar a Aloy, que caminhava com passadas longas para o lado de fora dos muros. A garota por sua vez não deu atenção, continuando seu caminho.

 

Em silêncio, ambas caminharam até uma clareira ao lado do assentamento, onde uma fogueira apagada e semi-chamuscada repousava no centro de três toras de madeira cortadas, servindo como assentos. Com presteza, Aloy acendeu as chamas e se sentou, apenas observando o fogo, perdida nos próprios pensamentos. Elisabet fez o mesmo, quebrando o gelo ao dizer:

 

"Pensei que eles eram os emocionados…"

 

De novo, foi como pôr lenha na fogueira, essa por sua vez dentro do coração de Aloy, com as chamas milagrosamente não queimando aquela ao seu lado. O fogo era vivo, Elisabet podia ver nos olhos focados da mais nova, e se esforçava para não se tornar uma onde de choque.

 

"Amanhã o dia vai ser cheio… Melhor descansar."

 

A doutora conseguia entender quando ia longe demais. Adoraria entender a irritação de Aloy entretanto, e tentou fazê-lo silenciosamente. Calada, virada para o outro lado e tentando achar algum tipo de conforto usando sua bolsa, começou a vasculhar os arquivos e transcrições no banco de dados do Foco. 

 

Com o tempo, as chamas já queimavam com menos força, e Aloy já deitava adormecida. Após ler mais arquivos do que gostaria, Elisabet já entendia o conceito de Emissária, descrito por um pesquisador Carja: Valentes da tribo que, ao contrário das circunstâncias normais, tem a permissão de sair das Terras Sagradas a serviço dos Nora. Mas logo depois, aprendeu sobre os párias da tribo, os Exilados. 

 

Seria possível?

 

O sono posterior era cercado de perguntas.

 

Na manhã seguinte, o sol ainda não brilhava sobre seu rosto, apenas na face da montanha atrás de si. A claridade era o suficiente para que a doutora acordasse, porém, abrindo seus olhos devagar. Para sua surpresa, não viu Aloy no local onde anteriormente repousava, apenas o fino rastro de fumaça onde as chamas antes queimavam. 

 

"Bom dia pra você também…"

 

Resmungar era tudo que lhe restava antes de focar na tarefa que devia, que sem cerimônias bateu na sua porta quando viu Sona se aproximando, saindo do vilarejo. Elisabet discretamente ajustou a bandana, se certificando de mantê-la firmemente amarrada atrás de seus cabelos desarrumados. Antes mesmo de cumprimentar a mulher, notou que ela segurava algo familiar em uma das mãos.

 

"Isso é…"

 

Sona respondeu, sorrindo sarcasticamente:

 

"Bom dia para você também, forasteira. E sim, Aloy pediu para lhe entregar."

 

"Belos modos Elisabet…" ela pensou consigo mesma, envergonhada da própria postura. Ao mesmo tempo, demorou alguns segundos para pegar em mãos a lança de Aloy que lhe era oferecida. Era a primeira que via o objeto de perto, verificando os detalhes. Era rudimentar, com certeza, principalmente ao notar a junta entra a lâmina brilhante e o cabo de madeira retorcido. Logo atrás da lâmina, o controle principal do Zero Dawn. Apenas um amontoado de códigos e protocolos capazes de moldar basicamente o mundo inteiro. O peso da lança não era físico, e por um momento, Elisabet pensou nos braços que o carregavam.

 

"Está tudo bem?"

 

Mais uma vez, alguém lhe tirava de um transe involuntário.

 

"...sim! Sim, estou pronta. Mas por que ela pediu para me entregar?"

 

"Ela me disse que precisavam de uma nova montaria, então vou te levar até os Galopes."

 

E mais uma vez teria que assumir uma das responsabilidades da viagem. Entre a fuga no canyon e o conserto do Galope, converter uma máquina com certeza estava fora de suas habilidades. 

 

E dentre os desafios do novo mundo, seria inevitável.

 

"Ok, me leve até lá."

 

Tentou não gaguejar, sem sucesso. Alguns atos de bravura não são puros.

 

"Você é do Corte?"

 

Sona perguntou enquanto liderava a caminhada para longe do vilarejo. Ambas já conseguiram ver alguns poucos Galopes pastavam pacificamente. 

 

"Não, mas alguém que eu conheço é…"

 

"Então está atrás de alguém importante?"

 

"Mais do que você imagina" A doutora novamente pensou consigo mesma, momentaneamente imaginando a magnitude da situação adiante. Assim como seus passos na grama, entretanto, tratou de seus pensamentos um de cada vez. 

 

"Pode se dizer que sim."

 

Agora estavam finalmente no limite da percepção das máquinas, e Sona disse em definitivo:

 

"Trate isso como um rito de passagem. Só precisa domar um deles. Vou pegar seus suprimentos e volto em instantes. Acha que dá conta?"

 

"A Aloy faz parecer fácil, isso até que me tranquiliza."

 

Vendo a Chefe de Guerra tomar distância, Elisabet enfim se abaixou, escondida na grama alta. 

 

Com a lança em mãos, reclamou as lembranças do dia anterior, com atenção. O momento em que Aloy havia virado a lança para o lado oposto a lâmina, com o dispositivo de conversão proveniente do Corruptor, e sua ação para acoplar a peça à máquina alvo. 

 

Como uma boa aluna, Elisabet se movia devagar através da mata, atenta a um certo Galope logo a sua frente, convenientemente virado para o lado contrário e totalmente alheio a sua presença. A pegada na lança era firme, posicionada do jeito que visualizava em suas lembranças. A doutora, agora caçadora, vivia ao mesmo tempo no passado e no presente, cada passo uma cópia meticulosa dos movimentos de Aloy. 

 

Alguns curtos metros separavam-na de seu alvo agora, metros esses que se mostrariam os mais cruciais. Diminuiu drasticamente o ritmo de seus movimentos, incluindo sua respiração. Com todo o cuidado possível, aproximou a lança e, antes mesmo de estar preparada, notou o brilho azul do dispositivo. Quase tropeçando no próprio nervosismo, Elisabet manteve sua posição.

 

"Até agora tudo bem…"

 

A tensão na sua pele e seus músculos não permitiam nenhum movimento, apenas aguardava pacientemente o fim do processo de conversão. 

 

A luz se apagou, e por um breve momento todos os medos de Elisabet passaram na frente de seus olhos, que se esforçavam para ficarem abertos agora. Atenta ao resultado, imaginava o pior: ter que correr por sua vida e ser salva por Aloy mais uma vez. Medos esses que se comprovaram fúteis quando a máquina se virou para sua nova mestra, com a luz azul amigável brilhando em seus olhos.

 

"...estamos de boa?"

 

O Galope relinchou mecanicamente, como se de fato respondesse as dúvidas daquela a sua frente.

 

"Se você e seus amigos não fossem todos iguais eu te chamaria de Lewis…"

 

O sorriso de conquista tomou conta do rosto de Elisabet, mesmo obstruído pela bandana rubra. 

 

A influência, sendo ela genética ou não, era uma via de ida e volta.

 

Contemplando seu sucesso por alguns minutos, ainda curiosa com a estrutura interna da máquina, Elisabet mal percebeu a aproximação de Sona, que segurava sem esforço uma cesta rudimentar. 

 

"Belo trabalho, vejo que conseguiu."

 

"É, valeu a pena observar tão de perto."

 

"Com o que tem aqui, vocês podem ir até o Corte e voltar, com tanto que racionem direito. Trate de amarrar bem."

 

E Elisabet o fez, tomando em mãos a cesta e a prendendo firmemente a parte posterior do Galope, também seguindo o exemplo de Aloy dias antes.

 

"Olha, eu agradeço muito pela ajuda. Aloy sente o mesmo, tenho certeza. Ela é uma pessoa, talvez só esteja estressada…"

 

"Eu não a culpo, Forasteira. Na verdade é até justificável, por um ponto de vista."

 

"Como é…?"

 

Justificável? 

 

As suspeitas de Elisabet voltavam a borbulhar em seus pensamentos.

 

"Ser exilada tão jovem, e ainda fazer tudo o que fez. Não seria prudente esperar que ela gostasse de nós."

 

A sua maldita intuição havia se tornado a pior inimiga nos últimos dias. As antecipações tornavam as angústias longas e dolorosas. Nesse momento, sentia finalmente o peso de sua ausência no mundo, peso que Aloy provavelmente havia carregado desde o início da vida.

 

"Como vocês…?!" A posição de autoridade da moça a sua frente parou de fazer sentido em sua cabeça, quando Elisabet subiu o tom de voz e moveu os braços em protesto, pronta para uma palestra calorosa sobre todo o sofrimento pelo qual uma exilada havia passado. 

 

E então, passou como uma brisa.

 

Assim como as más notícias do dia anterior, a fúria foi rapidamente sobrepujada pela tristeza, e só. Os braços se abaixaram, vencidos pela gravidade, e enfim voltou-se para o Galope mais uma vez, escondendo sua expressão de Sona. A chefe de guerra por sua vez se encontrava confusa e, de certa forma, preocupada. 

 

"Está tudo bem?"

 

"Sim, não é nada. Desculpe."

 

E então, finalmente podia ver o quebra-cabeça em sua mente a partir de um panorama.

 

Terminando de amarrar a cesta e subindo sem esforço no Galope recém convertido, havia apenas uma coisa a fazer.

 

"Sona, preciso de um último favor."

 

Na vila dos Nora, o silêncio era periodicamente cortado pelo bater do martelo na madeira. Teb, distraído com a própria vontade de falar, pregava as tábuas da casa danificada despreocupadamente, olhando para a sua ajudante inusitada entre cada batida. Ao mesmo tempo, as marteladas se repetiam dentro da cabeça de Aloy, movendo as engrenagens de suas angústias enquanto puxava as cordas de uma grande tenda para erguê-la.

 

"Olha, desculpe por ontem. Não queria ter gritado daquele jeito."

 

Era bom não ser responsável por começar o assunto, mas ao mesmo tempo Teb não estava preparado. 

 

"Bem… Você com certeza passou por muita coisa, então não me ofendi. Fiquei feliz por ter voltado."

 

Pegando mais fologo para continuar o serviço, Aloy confortou Teb dizendo:

 

"Eu sei que tivemos pouca oportunidade para conversar… Desculpe não poder ficar muito. Acho que nunca tive muito a ver com os Nora, Teb."

 

O rapaz secava o suor da porção careca de sua cabeça quando voltou a olhar para Aloy, com entusiasmo frente às palavras da jovem.

 

"As coisas estão mudando bastante por aqui! As Matriarcas tem aceitado mercantes Carja, trabalhadores Oseram… Acho que boa parte é por sua causa."

 

"...Você acha?"

 

Aloy nunca havia parado para contemplar sua influência sobre os Nora, que suas conquistas como Emissária talvez tenham sido mais importantes do que imaginava, mesmo sem querer.

 

"Bem… Eu diria que sim. Saímos das terras sagradas, lutamos em uma grande batalha. As coisas não poderiam ficar como antes para sempre."

 

A tenda estava levantada quando ambos ouviram um Galope se aproximar, e segurando suas rédeas estava Elisabet Sobeck, com um certo objeto inesperado preso em suas costas, enquanto o emprestado repousava em suas mãos.

 

"Desculpa a demora, temos o que precisamos."

 

"Essa lança…?"

 

"Eu pedi emprestado, por precaução. Pode pegar a sua de volta."

 

Aloy não podia ver, mas Elisabet sorria em sua direção, deixando transbordar sua determinação nascida da culpa, além de ser representada pela lança que havia pedido para Sona.

 

"Por sorte eu terminei por aqui também… Estamos prontas."

 

"E nossas conversas continuam curtas." Teb disse, já acostumado com o tempo escasso que tinha com aquela que tanto lhe inspirava.

 

"Você já está acima de muita gente."

 

Ambos riram de forma sincera, e enfim trocaram os últimos olhares.

 

"Se cuida Teb, e obrigada pelo o que você disse, significa muito."

 

"Se cuide também, não que você precise mas… Você entendeu.

 

Sona por sua vez sorria em direção a Aloy, em aprovação a atitude de Elisabet. Disse então:

 

"Não vai nem se despedir das Matriarcas?"

 

A doutora em cima da Montaria estendeu sua mão, já sabendo da resposta.

 

"Diga adeus por mim, temos que continuar. Muito obrigada pela ajuda, Chefe Sona."

 

"Digo o mesmo. Tenha uma boa jornada, Aloy." 

 

E enfim, a visita conturbada ao lar dos Nora havia acabado.

 

Elisabet conseguiu ouvir o suspiro de alívio daquela que abraçava gentilmente sua cintura. A neve ainda caía, mas o sol acalentava ambos os corações.

 

"Ei, Elisabet."

 

"Hm?"

 

"Bom dia."


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Notas finais do capítulo

Mais uma sementinha pra esse relacionamento! Uma sabe bastante sobre a outra agora, e isso não vai simplesmente se diluir nos pensamentos da Elisabet! O que vai culminar no próximo capítulo, onde essa primeira parte da história chega ao fim! Tô muuuuuuito ansioso. Mais uma vez desculpem pelo tempo que fiquei fora, pretendo continuar com as postagens como sempre! Mas é a minha última semana de férias então... Talvez mais hiatus ocorram! Nada que me faça abandonar a história ❤️ e como sempre, sem a minha irmã Anny isso NUNCA seria possível, ela me ajudou nesse tempo todo que tive dificuldades, e eu não tenho como agradecer o suficiente. O mesmo eu posso dizer pra outra Ana! (Essa com um N só xP) Aninha você é demais e me ajudou MUITO também, apesar de ter tido que ler a minha BÍBLIA explicando o jogo inteiro -qq obrigado de verdade ❤️ peço de novo com muito carinho pra checarem as fics da Anny! Que atende por Vanilla Sky aqui no Nyah. Ela tem postado capítulos de várias fics recentemente! Ou seja, muito conteúdo pra vocês fãs do MCU e mais especificamente da Wanda e do Visão, QUE NAS MÃOS DA ANNY SÃO MAIS FOFOS AINDA. Digam que vieram através do irmão enrolado dela -q enfim! Vejo vocês no capítulo 7, até lá! Se cuidem ❤️



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