Quatro Estações escrita por Lilac


Capítulo 5
Capítulo 5 - Frio e Neve




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Após aquele primeiro encontro, que tinha sido ótimo na opinião dela, foi inevitável fugir das amigas, que pareciam curiosas até os últimos fios de cabelo a fim de saberem como havia sido. E, naturalmente, as próximas saídas não demoraram a acontecer. Todos os encontros entre os dois, durante duas semanas após o primeiro, tinham sido o suficiente para que toda a atração inicial que haviam sentido um pelo outro evoluísse para algo a mais, para que se apaixonassem de verdade. E, de forma a ser honesta, ela reconhecia os sinais. A forma como tudo parecia muito certo quando estavam juntos e, mesmo sendo um casal, as coisas não se alteraram tanto assim na faculdade. Eles sempre pareceram estar cercados de murmúrios e serem vistos de mãos dadas resultou em corações partidos e felicitações. Era vinte de novembro, no outono gelado e prelúdio do inverno, em uma noite que fazia zero grau celsius quando Jong Suk conheceu os pais de Chaeyoung e, antes de sair da casa deles, decidiu que a pediria em namoro naquele dia. Sem mais esperar. O fato de que ambos eram calmos e muito semelhantes em diversos aspectos fazia com que o relacionamento fluísse de forma natural, exceto pelos batimentos descompassados e nervosismo que compartilhavam quando estavam perto um do outro, o tipo de emoção típica de quem estava apaixonado. Mas a maturidade de ambos era o suficiente para que não acabassem se deixando levar pelos próprios sentimentos.

E as coisas fluíram bem pelo primeiro mês.

O companheirismo e parceria eram mais altos até do que o sentimento de paixão que nutriam e, sabendo diferenciar bem os aspectos dos ambientes onde eram colegas e onde eram namorados, eles tornaram-se mesmo sem querer um tipo de referência. Um casal que parecia perfeito em todas as medidas. 

Chaeyoung e Jong Suk iam em encontros de casais com certa frequência, dentro do que era possível para dois estudantes, e poderia-se dizer que eles já haviam conhecido quase tudo que tinham de conhecer um do outro. Rosé admirava a paciência do mais velho, a forma como ele lidava com as coisas e como parecia sempre muito doce. Completamente diferente da imagem que haviam pintado dele no primeiro dia, mas ela sempre parecia ter sido capaz de enxergar nele muito mais do que os outros, principalmente pelo fato de que Jong Suk havia se interessado nela desde o esbarrão. Mas, por mais que pensasse que sim, seria impossível realmente conhecer cada mínimo aspecto um do outro dado ao pouco tempo que haviam iniciado o relacionamento e, racionalmente, ela reconhecia isso. 

Roseanne tentou por vezes descobrir qual a razão para que Jong Suk não a levava até a casa de seus pais. Algo que não foi respondido até quatro dias depois do Solstício de Inverno. Era natal e ela usava roupas casuais e quentes ao adentrar a residência dos Lee. Pelo que tinha conhecimento até então, na Coréia o natal era um feriado quase sempre voltado a casais, mas não achava ruim que a família dele pudesse ter uma visão diferente da data. Sentindo-se grata simplesmente por poder compartilhar um momento íntimo com o namorado e sua família, algo que julgava importante.

Estava tudo bem enquanto os grupos ainda eram pequenos e ela permaneceu ao lado de Jong Suk o tempo todo, o que impedia que as pessoas falassem coisas que a magoariam e que ela detestaria ouvir, parte de sua insegurança voltando para visitá-la. Mesmo que o namorado segurasse sua mão com cuidado e seus olhos sempre buscassem pousar nela, como se confirmasse que Rosé estava realmente bem. Um cuidado e afeto que haviam minado parte das preocupações dela.

Ao sentarem-se para comer, no entanto, o pai do homem à sua esquerda começou um breve interrogatório. ― De onde você veio mesmo?

― Eu nasci na Nova Zelândia, senhor Lee. Mas estava morando na Austrália antes de me mudar para cá. Na verdade, foi onde morei a maior parte do tempo. 

― Então você não é coreana? ― ela deu um sorrisinho sem jeito e assentiu, sentindo-se desconfortável com tantos olhos voltados para ela. ― E quantos anos mesmo você tem? Faz faculdade? Quando se forma? 

― Pai, o senhor precisa mesmo? ― Jong Suk tentou interromper o diálogo que estava tomando o rumo de um interrogatório. 

― É claro. Ela obviamente não vem de uma família tradicional como a nossa. Que garantias eu tenho de que ela não está com você por interesse? Você sempre foi um frouxo mesmo. ― o homem apontou a faca na direção de Chaeyoung, que estava tão chocada que ela sequer poderia respondê-lo, parecia que toda a situação tinha se desenvolvido rápido demais para que pudesse acompanhar. ― Você não é formada. Minha filha sabe que você é uma das estudantes do laboratório dele. Obviamente você pretende dar o golpe da barriga ou alguma coisa do tipo, não é? Ter uma criança e depois se separar ou esperar ser colocada no testamento.

― Pai. ― Jong Suk falou um tanto mais duro que da primeira vez, como se estivesse ficando irritado. 

― Desculpe, senhor Lee. Está me ofendendo. ― ela murmurou com a voz falha, como se estivesse prestes a chorar, sentia-se realmente ofendida, nunca havia se aproximado de Jong Suk com qualquer tipo de intenção ruim. As pessoas ao redor da mesa sequer abriam suas bocas, compelidas a apenas olhar, assistindo à cena como se fosse um filme muito interessante. 

― E você deveria se ofender mesmo. É claro que deve ser uma daquelas estrangeiras sem vergonha. Ela ao menos é boa de cama? Você sabe que deveria estar procurando uma esposa? Alguém que já esteja na idade de engravidar para ter herdeiros ao invés de ficar com essas garotinhas? Ela é nova demais! E aposto que é promíscua também! É por isso que gosta dela? Porque você não precisava ter vindo com o rabo de saia com quem tem trepado! ― o homem bateu na mesa, se exaltando. Ninguém ali pareceu achar aquilo anormal. 

Roseanne engoliu o choro e se colocou de pé, pedindo licença. Sua cabeça rodava e seu apetite estava completamente enterrado em algum canto obscuro de sua mente. Pretendia sair daquele lugar, sentindo-se completamente humilhada, mas parou no meio do caminho e apontou o dedo para o homem, compelida por uma dose de coragem e frustração de ter sido tratada daquela forma. ― Você acha que por ser velho pode falar comigo da maneira que quiser? Eu não estou com seu filho pelo dinheiro. Se nós dermos certo e nos casarmos, me deixe de fora dessa porra de testamento. E quer saber mais? Se eu quiser ter filhos não tem nada que me impeça. Eu não transei com seu filho ainda como você insinuou tão fervorosamente. ― ela se aproximou do homem que agora estava de pé com uma expressão embasbacada, como se estivesse confuso por ela ter reagido aos insultos, mas sua expressão ainda mostrava o quanto ele a detestava. 

― Você vai ter que me engolir. Porque eu vou ficar com seu filho até ele me dizer que não quer mais. Então, seu xenofóbico de merda, eu não sou tão coreana quanto você gostaria. Mas você vai ter que me engolir! ― e saiu de dentro da casa, toda a educação que havia recebido dos seus pais havia a impedido de bater a porta com força e sabia que estava sendo seguida por Jong Suk. Que a abraçou com força no momento em que a alcançou, no hall de entrada da casa luxuosa, o vento frio caindo ao redor deles. 

― Você foi muito corajosa. ― ele murmurou, acariciando a cabeça da Park enquanto a sentia estremecer. ― Podemos ir embora e você nunca mais terá de vê-lo. Mesmo em um casamento hipotético. ― a sugestão a fez sorrir minimamente. Havia nevado naquele dia e o frio era intenso. Mas a raiva que ainda queimava parecia aquecer tanto quanto uma boa lareira. 

― Eu nunca fui tão maltratada ou humilhada na minha vida... toda sua família vai dizer essas coisas pelas minhas costas? ― a pergunta talvez o tivesse pegado de surpresa, porque ele não respondeu de imediato, a olhando sem falar nada. ― Jong Suk? 

― Eu... é provável que sim. ― ele admitiu, parecendo subitamente cansado, como se lidar com a própria família fosse uma tarefa árdua e ela sabia que era. ― Mas nós podemos dar um jeito nisso! Podemos sim, você não tem de se preocupar com isso de verdade, Rosé. Vamos dar um jeito nisso. 

Os dois desceram pelas escadas da entrada da casa, alcançando onde o carro estava estacionado. Rosé encostou o corpo no veículo, incapaz de ver que algumas pessoas os olhavam pela janela. A mente dela ainda estava digerindo tudo o que havia ouvido, incapaz de fingir que nada havia ocorrido. ― Não é questão disso! Eu não vejo como eu posso ficar com alguém cuja família toda me odeia. E se dermos certo? Casarmo-nos? Ter filhos? Como eles tratariam nossos filhos?! ― A respiração dela ficou pesada enquanto se debruçava sobre o veículo com o rosto escondido em meio aos próprios braços. Todas aquelas possibilidades doíam. Ela não tinha feito nada de errado. Genuinamente gostava dele e aquele tempo que haviam passado se conhecendo e, posteriormente, namorando só mostrava o potencial para que o relacionamento se tornasse sério. No entanto, com a família de Jong Suk sendo tão fervorosamente contra ela e a julgando como indigna e interesseira, certamente tentariam de tudo para tornar sua vida um inferno.

― Eu vou dar um jeito nisso. Você só precisa me dar um tempinho, por favor! ― ela o olhou com o rosto ainda úmido e fungou um pouco ao limpar o nariz e as bochechas, ignorando o frio que fazia. 

― Vamos fazer assim. Me leve para casa agora. Eu não quero mais ficar aqui. ― Jong Suk atendeu ao pedido dela e a colocou dentro do carro. Certificou-se de que ela estava segura e com o cinto de segurança antes que saíssem em direção a casa dela. Desde o momento em que haviam entrado no carro um silêncio atormentador se fez presente e nenhum dos dois se atreviam a dizer nada, cada um preso em seus próprios pensamentos e dilemas sobre tudo o que haviam vivido naquele jantar que, teoricamente, deveria ter sido ótimo. Durante todo o trajeto permaneceram daquela forma, com Rosé olhando em direção ao vidro do banco de passageiros, sentindo-se terrivelmente abalada.

Não demorou até que ele estivesse estacionando o carro em frente ao local onde ela estava morando com os pais e a observou de forma atenta. ― Você quer que eu suba com você? ― ela negou com a cabeça, ainda olhando a rua em sua frente como se fosse de fato algo muito interessante e digno de atenção. ― Eu não concordo com nada do que ele disse. Sequer considerei que você pudesse estar comigo por interesse. Eu só pensei que... nós poderíamos conhecer meus pais porque eles ficaram animados quando eu disse que estava namorando... se eu soubesse, nunca teria te levado para ser tratada daquele modo e-

― Jong Suk... eu acho melhor nós terminarmos. Ao menos por um tempo. Por favor. Eu preciso de um mês. Ou mais para refazer minha dignidade. ― ele abriu a boca para tentar argumentar ou convencê-la, mas ao ver o quanto ela parecia ter sido machucada, apenas esticou a mão e tocou seu rosto de forma sutil, quase como se tentasse memorizar a textura de sua pele uma última vez. 

Roseanne fechou os olhos e se permitiu chorar silenciosamente, retirando o cinto para se sentar no colo do mais velho. Ele apenas a abraçou e acariciou sua cabeça com cuidado, como se temesse machucá-la mais. ― Eu vou resolver isso enquanto você se cura... Roseanne? Eu gosto de você, não é... uma mentira. Eu realmente estou apaixonado. Então, se puder me dar mais uma chance depois de se curar. Eu vou te esperar. ― o olhar dela se tornou esperançoso. 

― Eu também gosto de você. Também estou sendo verdadeira. Mas precisamos de um tempo. Você para conversar com sua família e eu para... digerir tudo que me foi dito. Acho que eu preciso definir os meus objetivos e prioridades. – um sussurro passou pelos lábios de Chaeyoung enquanto ela voltava para o banco do passageiro e abria a porta. ― Até mais, Jung Suk oppa. Espero que um dia... as coisas se ajeitem. De um modo ou de outro. 

E com aquilo, Roseanne desceu do carro. Inspirou o ar gelado da noite e entrou em seu prédio. Caminhou em passos lentos, sem olhar para trás por medo de fraquejar. Rezando para que ele não entendesse como um sinal de desistência. Tudo que ela queria, na verdade, era pensar em um modo de passarem por aquilo.


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