Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 80
O Esperança do Amanhã


Notas iniciais do capítulo

Uma tempestade em alto-mar muda os rumos da missão do Esperança do Amanhã, quando surge do outro lado do furacão, uma misteriosa e antiga embarcação.



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"Diário de bordo, décimo segundo dia de viagem. Deixamos as costas do continente Antártico para rumarmos para o Mar do Japão, em busca da terceira Relíquia do Mar. No entanto, nos encontramos em uma situação complicada, mas nem um pouco inesperada. Antes de chegarmos aos mares japoneses, pouco antes da troca de turno do dia, o marujo do cesto da gávea soou o alarme acordando a todos para a iminência de uma tempestade em alto-mar. Sem tempo para esperá-la passar ou desviar, Seiya sugeriu voarmos, mas Geist corretamente se opôs à ideia devido às muitas variáveis para controlar no ar. Decidi por romper a tempestade com a maior velocidade de proa que conseguirmos acumular para vararmos a tempestade com toda a força. Resta-nos torcer para que dê certo. Talvez Poseidon finalmente tenha percebido o que estamos tentando fazer."

O Galeão de Atena chacoalhava com violência dentro da tempestade de relâmpagos e ventos terríveis; as ondas quebravam-se dentro do barco, molhando a todos. Não havia ninguém no cesto da gávea e as velas estavam todas cuidadosamente manuseadas por Meko Kaire, que estava na proa controlando com sua enorme força a vela do traquete, para impedi-la de se desalinhar e tirar o barco de seu curso para fora daquela tempestade.

— Mantenha o curso! — gritou ele com a maior força que tinha.

Geist estava no leme mantendo o barco no curso de seu Capitão, também com enorme força; Seiya e Lunara estavam no convés com lunetas procurando espaços claros para que pudessem guiar o Capitão ou alertar de ondas que poderiam chacoalhar demais o barco. Era uma dança oceânica em que cada um desempenhava seu papel para que pudessem atravessar aquela terrível tempestade.

Seiya não viu clareira alguma do seu lado, mas o que viu o deixou apavorado; levou os olhos à luneta por três vezes para ter certeza, quando finalmente soou seu sino com força, gritando a plenos pulmões.

— Redemoinho! — e então repetiu: — Redemoinho em alto-mar!

Lunara correu do seu lado para confirmar o que Seiya via e seus olhos jovens viram claramente a crista de um gigantesco redemoinho que começava a se formar nas ondas que o barco navegava; o centro escuro começava a girar mais e mais rapidamente, enquanto ele se afundava para um abismo.

— Um maelstrom. — comentou ela, lembrando-se dos estudos marítimos que Meko obrigou a todos a lerem naquela semana de preparação. — Um maelstrom!

O Capitão subiu no castelo de proa e, apoiado na bujarrona, vislumbrou com horror que, de fato, estavam diante de um enorme redemoinho que os engoliria para sempre nos mares do Pacífico do Norte. Ele sabia que precisaria soltar as velas para que os ventos fortes jogassem o barco com tamanha violência que eles poderiam se desvencilhar da força centrífuga poderosa daquele redemoinho.

O Capitão dava ordens a plenos pulmões, correndo pelo convés ajustando as velas e pedindo para Geist que jogasse tudo a barlavento até o momento de sua ordem, para que ela virasse tudo à sotavento e, com sorte, dobrar o barco de tal maneira à favor do vento que os jogaria longe daquele abismo que se abria no oceano.

Geist esperava pela ordem de seu Capitão quando seus olhos viram no horizonte algo inacreditável: outro barco lutando para se desvencilhar daquele redemoinho que decerto os engoliria aos dois. 

Kaire finalmente deu a ordem e ela jogou o leme inteiro para o lado a favor do vento, de forma que o barco fez uma curva violenta para o lado, jogando os marujos desavisados contra a murada do convés, mas finalmente livrando-se das enormes ondas destinadas a engolirem todos eles dentro do redemoinho. Reboaram trovões, até que os ventos finalmente jogaram o Galeão de Atena para uma impossível calmaria.

Geist olhou para suas costas e viu como a tempestade ainda rugia poderosa, mas imóvel, enquanto eles estavam fora dela e longe daquele redemoinho terrível. Seu Capitão levantou-se no convés e cumprimentou-a pelo excelente trabalho. Ela novamente olhou para todos os lados em busca do barco que havia visto brevemente tentando se salvar do mesmo redemoinho, na esperança de que tivesse se salvado também. Ela travou o leme e desceu ao convés.

— Imediata? — perguntou o Capitão. — Babel, tome o leme!

— Uma embarcação, Capitão. — falou ela, estranhando o nome do timoneiro.

— O que está dizendo?

— Eu vi uma embarcação no redemoinho um pouco antes de nos salvarmos.

O Capitão juntou-se à sua imediata para procurar no mar, quando ouviram uma voz familiar lhes gritar da proa.

— Barco à vista! Barco à vista!

Os dois correram na direção do marujo e o Capitão Meko Kaire cumprimentou-o largamente.

— Excelente, Astério. — disse, tomando a luneta de seu navegador.

E quando Meko Kaire colocou os olhos em seu binóculo, vislumbrou algo inacreditável: o barco à deriva que aparecia à esquerda da tempestade não era outro senão o próprio Galeão de Atena. Sua face derreteu-se em confusão, enquanto Geist também tinha dentro de si uma enorme estranheza ao ver Astério ao seu lado.

 

—/-

 

Na cabine do Capitão, seus principais oficiais estavam ao redor da mesa central discutindo o que diabos poderia ser aquela embarcação que parecia ser fantasma.

— Existe algum registro de outro Galeão de Atena, imediata? — perguntou Meko Kaire de pé.

Mas Geist não respondeu, pois seus olhos estavam um pouco perdidos.

— Geist!? — tentou ele.

— Perdoe, Capitão. Não. Não existem nos registros do Santuário qualquer indicação de que outro Galeão exatamente igual a esse tenha sido feito.

— E, no entanto, temos um Galeão de Atena exatamente igual ao nosso à algumas léguas no oceano.

— Eu tenho certeza de que eles estão se fazendo a mesma pergunta. — sugeriu Geist.

A porta finalmente se abriu e Misty entrou na cabine do Capitão.

— Relatório, Misty.

— Os marujos ficarão bem. Nada que já não tenham passado antes.

— Excelente. Babel, qual a situação do Galeão?

— Todos os sistemas essenciais estão operando normalmente, poderemos zarpar dentro da hora.

— E quanto ao misterioso navio, o que dizem seus sensores?

O alto homem operava uma grande máquina na cabine do capitão quando olhou para a mesa para dar seu veredicto.

— É mesmo um galeão com a mesma estrutura que a nossa, está claramente à deriva e muito avariado em alguns pontos do casco, mas tem algo muito estranho. Não há sinal de qualquer motor de empuxo, Capitão.

— O que está dizendo?

— Aquele Galeão navega com suas velas. — disse ele.

— Mas o que diabos está acontecendo aqui? — perguntou-se ele olhando pela janela para o barco à deriva; atrás de si, Misty deixou escapar um sorriso debochado.
— Me parece ser um fantasma do passado.

Meko olhava pela janela da cabine quando seus olhos notaram um sutil esfumaçar escuro do barco. Fogo. Havia fogo no navio e ele bem sabia que não poderia existir nada pior para um barco em alto-mar.

— Diga-me, Astério. — perguntou Meko para o rapaz ao seu lado. — Consegue sentir alguém a bordo?

Astério queimou seu Cosmo, fechou os olhos e pareceu respirar o ar salgado do mar de forma mais equilibrada. Até que finalmente abriu os olhos e disse com assombro.

— Três tripulantes a bordo e ainda vivos. Estão muito feridos e em intensa agonia.

— Prepare o barco auxiliar. — ordenou Meko para Geist.

— Pode ser uma armadilha de Hades. — falou Misty.

— Não é. — falou Astério para ele e virou-se para o Capitão. — Seus pensamentos são confusos, pois devem estar muito feridos, mas está claro que Hades é também inimigo deles. Estavam lutando contra Espectros.

O Capitão Kaire olhou fundo nos olhos de Astério e finalmente decidiu o que seria feito: ele, Misty e Babel iriam no barco auxiliar de modo que pudessem resgatar aqueles irmãos de Ordem e também apartar o fogo da melhor maneira que podiam, e não havia ninguém melhor do que Babel para aquilo.

O barco auxiliar partiu veloz nas águas calmas daquele lado do Pacífico, embora a tempestade que quase os engoliu ainda estivesse poderosa e impassível ao lado direito deles. Chegaram muito rápido até a embarcação e Meko Kaire viu, mais próximo, como aquele Galeão de Atena parecia ter passado por batalhas incríveis, com falhas em seu casco, amuradas derrubadas, velas tortas, o castelo de proa varado e à vista.

— Babel, quero que apague o fogo o quanto antes e procure o que pode ser feito para reparar o barco.

— Sim, Capitão.

— Misty e eu iremos cuidar dos tripulantes feridos. Vamos.

Os três, exímios Cavaleiros, saltaram do barco auxiliar direto para o convés principal arrasado. Imediatamente à frente, Misty notou um corpo estendido no chão debaixo de um dos mastros que havia cedido; o Capitão Kaire pareceu descobrir outro corpo perto do leme. Quando Misty levantou o mastro que havia caído sobre o corpo no meio do navio, percebeu que aquele homem trajava uma maravilhosa Armadura de Ouro toda rachada, mas ainda assim brilhante feito o sol. 

Sua afeição por tudo que era belo o fez hesitar por um instante, pois poucas coisas são tão lindas quanto o brilho da Armadura de Ouro. Misty retirou uma garrafa de água para hidratar o paciente, e buscou os instrumentos necessários para suturar e estancar o sangramento que tinha em um dos braços. Seus olhos lentamente se abriram para ver a figura maravilhosa de Misty sobre si, seus cabelos longos e o rosto muito bonito, embora também castigado de tantos meses em alto-mar.

— Quem é você? — balbuciou o Cavaleiro de Ouro.

— Sou Misty. Misty de Lagarto. Um Cavaleiro de Atena. — falou Misty para o homem de rosto duro e olhos profundos. — Quem é você?

O homem tomou um gole de água que Misty havia levado consigo e fechou os olhos, buscando respirar com mais tranquilidade.

— Sou Sísifo. — disse ele, abrindo os olhos. — Sísifo de Sagitário.

 

—/-

 

"Diário de bordo, suplemento. Chegamos ao Galeão de Atena à deriva e encontramos a embarcação extremamente avariada, o engenheiro-chefe Babel de Fornalha ficou à bordo para consertar o que pudesse, mas sua conclusão é óbvia: o navio esteve em intensa batalha pelos mares. Mas o verdadeiro mistério está na tripulação que resgatamos do navio; apenas três deles estavam na embarcação e não havia mais ninguém. O assombroso é que os três são Cavaleiros de Atena e entre eles havia um Cavaleiro de Ouro. Sísifo de Sagitário. Um nome desconhecido para todos nós. Os outros dois estão ainda inconscientes, mas suas Armaduras são de Bronze."

Dentro da enfermaria daquele Galeão de Atena, Sísifo tinha os ferimentos sendo cuidados por Misty, pois dos três que haviam sido resgatados, era ele quem necessitava de maiores atenções, embora fosse também o único a recobrar alguma consciência, enquanto os Cavaleiros de Bronze pareciam perdidos em um torpor profundo.

Meko Kaire e sua imediata apareceram na enfermaria enquanto os demais marujos cuidavam daquele ou do outro navio. 

— Diga-me, Misty, como eles estão?

Geist notou imediatamente a Armadura no corpo de um dos garotos.

— Ficarão bem. — disse Misty, com sua voz calma. — Estão apenas em estado de choque. Mas são Cavaleiros como nós e naturalmente têm uma resistência maior. Estão muito feridos, mas ficarão bem.

— Obrigado, Misty. — Meko Kaire notou como as asas de Sagitário estavam retraídas, enquanto uma de suas ombreiras estava completamente destruída, bem como havia rachaduras por toda aquela proteção.

— Há muitos anos que não se vê um Cavaleiro de Ouro. — comentou Misty ao notar a atenção que Meko dava àquele homem.

— Como é possível que esteja à deriva? Já ouviram falar de algum Sísifo?

— Apenas o da Mitologia, Capitão. — respondeu Geist.

— E os Cavaleiros de Bronze?

— Eles estão menos feridos que o Cavaleiro de Ouro, mas parecem estar perdidos em um estado de torpor. Simplesmente desacordados. Não posso imaginar que tipo de força foi capaz de causar esses ferimentos ao Cavaleiro de Ouro, bem como jogar esses Cavaleiros de Bronze nesse coma.

Meko Kaire aproximou-se das duas figuras jovens e notou que eram muito novos ainda; suas Armaduras lhe eram desconhecidas, mas estava claro que se tratavam de Cavaleiros de Bronze.

— Pégaso. — balbuciou Geist atrás dos dois, fazendo-os notarem por ela que segurava a mão de um dos garotos resgatados do outro navio. — Este é Pégaso.

— Pégaso? — perguntou Meko.

— Sim, eu tenho certeza.

Pois era, de fato, o Cavaleiro de Pégaso: sua armadura de bronze muito rachada, mas inconfundível para ela, que olhou para seu Capitão de maneira misteriosa.

— Capitão, precisamos conversar. — pediu ela, olhando para o corpo ao lado de Pégaso. — De alguma forma… isso está errado. Não é assim que deveria ser. 

Tanto Kaire como Misty receberam aquilo com enorme estranheza, mas ela manteve-se séria como sempre. O Capitão pediu que Misty o encontrasse dentro de uma hora com atualizações sobre os pacientes e subiu, acompanhado de Geist, para sua cabine privada. 

Pela janela ainda podiam ver o Galeão no horizonte, onde Babel trabalhava para dar alguma chance àquela embarcação de navegar novamente, enquanto a tempestade continuava no mesmo ponto à direita do cenário.

— Eu nunca vi uma tempestade fixa como essa.

— Posso sentir também uma emanação estranha desse maelstrom. — comentou Geist atrás dele.

— Geist, disse-me que precisava dizer algo e posso ver a preocupação em seu rosto. — começou o Capitão Kaire. — Eu nunca consigo ver qualquer preocupação em seu rosto.

— Capitão, as coisas estão mudadas. — disse ela.

— Mudadas de que forma? — perguntou ele.

— Eu olho para as pessoas, para as coisas, e elas não parecem certas.

— Que coisas, que pessoas?

— Você, por exemplo. Este Galeão.

— Qual o problema com nossa embarcação?

— Não está certo.

— É o mesmo navio de sempre. Nada mudou aqui. 

— Eu sei disso. — concordou ela. — Mas também sei que está errado.

O Capitão Kaire respirou fundo, tentando levar em consideração o que Geist dizia, afinal de contas ela era sua primeira-oficial, sua imediata e principal confidente. Sua opinião era sempre a mais confiável e infalível para ele durante aqueles meses e meses de alto-mar.

— E o que mais?

— Jovens. — falou ela. — Haviam dois jovens no Galeão. Como aqueles garotos na enfermaria.

— Jovens? Como eles? Geist, estamos em guerra!

— Não, não estamos. — negou ela. — Pelo menos não deveríamos estar. Este não é um barco de guerra.

O Capitão pela primeira vez deixou de olhá-la nos olhos para ver as cartas náuticas em sua própria mesa, onde haviam tantos pequenos navios de frotas inimigas que eles precisavam monitorar e, não raro, escaramuçar nas águas oceânicas. Ele apoiou-se na mesa.

— O que está sugerindo? — perguntou ele, finalmente.

— Esse outro Galeão de Atena não deveria estar aqui. — disse ela. — Ele tem de voltar.

— Voltar?

— Ao maesltrom.

Kaire levantou-se olhando para aquela estranha tempestade no horizonte que ainda rugia, profunda.

 

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Na enfermaria de Misty, entre toques sonoros e aparelhagem moderna, embora fustigada pelo uso constante, Sísifo finalmente abriu os olhos para encontrar-se em um lugar iluminado por uma estrela brilhante que lhe cegava a vista ardida. Mas logo viu que aquela estrela foi apagada ou movida de seus olhos e diante dele surgiu o rosto de um jovem rapaz de feições delicadas.

Misty tirou o foco de luz sobre Sísifo e o deixou acordar ao seu tempo; trouxe um cantil de água doce e deu para que ele bebesse. O rapaz tomou a água e então percebeu que a proteção dourada de seus braços havia sido retirada e então tentou se levantar com um certo desespero.

— Calma, está tudo bem, a Armadura de Ouro está aqui. — Misty tentou acalmar o homem.

E ele viu as duas proteções do braço de sua Armadura cuidadosamente colocadas em cima de uma mesa, bem como os corpos de Pégaso e do outro Cavaleiro de Bronze em outras duas macas.

— Como eles estão? — foi sua primeira pergunta.

— Vão ficar bem. Não estão feridos, apenas desacordados. — assegurou Misty.

E só então ele voltou a deitar, pois ainda estava muito zonzo e confuso.

— Quem são vocês? — perguntou Sísifo para Misty.

— Somos Cavaleiros de Atena, como você. — e então Misty olhou para um marujo que o ajudava na enfermaria, ordenando qualquer coisa com as mãos. — Sou Misty de Lagarto, um Cavaleiro de Prata.

— Misty? — perguntou Sísifo, sem compreender. — Onde estou?

— Essa é uma embarcação de Atena. — falou Misty para um olhar confuso do paciente.

— Não lembro de termos visto qualquer outra embarcação durante a batalha.

— Você é o Capitão do outro navio?

— Não. — respondeu ele com dificuldades, pois começou a sentir dores de uma contração violenta no ombro.

Misty levantou-se e, com seu cosmo prateado aceso, massageou o ombro de Sísifo para apaziguar os espasmos dolorosos que sentia. Inicialmente, Misty havia tirado sua proteção dos braços, pois percebeu que suas mãos estavam terrivelmente queimadas, em bolhas e muito vermelhas. Ele preparou um unguento cremoso para tratar aquelas feridas.

— Isso vai arder um pouco. — alertou ele, mas Sísifo não respondeu.

Delicadamente Misty passou a solução nas duas mãos de Sísifo e as enfaixou da melhor maneira que podia. E enquanto o fazia, conversaram brevemente.

— Disse que é Misty, não é? Cavaleiro de Lagarto?

— Cavaleiro de Prata de Lagarto. — apontou ele, mas Sísifo tinha clareza disso ao sentir seu cosmo poderoso.

— Não conheço você.

— Podemos dizer o mesmo. — falou Misty. — Há muitos anos que não se vê um Cavaleiro de Ouro.

Sísifo olhou para Misty e encontrou seus olhos sérios e muito bonitos.

— Não sabia que Lagarto podia ser uma constelação curandeira.

Misty deixou escapar um sorriso incrédulo, mas breve.

— Definitivamente não é. — falou Misty. — Mas é o que nos faz a guerra. Precisamos ser aquilo que odiamos.

— Sei como é. — concordou Sísifo, amargamente.

Meko Kaire finalmente surgiu na enfermaria como quem houvesse vindo correndo; Geist estava em seu encalço e ele sentou-se ao lado da maca em que Sísifo era cuidado por Misty.

— Sou o Capitão Meko Kaire, Cavaleiro de Cetus. — começou ele. — E esta é Geist de Argo, minha imediata.

O paciente olhou bem para Meko, seu corpo cheio de cicatrizes, o olho de vidro e o porte avantajado, mas não encontrou qualquer familiaridade.

— Você não é Astro. — Meko e Misty entreolharam-se.

— Astro?

— O Cavaleiro de Cetus era de meu exército e eu o conhecia bem. E você não é ele. O que está acontecendo aqui? Quem são vocês, afinal de contas?

— Acalme-se. — pediu Misty, pois Sísifo novamente queria levantar-se, mas ele ainda não havia terminado de enfaixá-lo. — Somos Cavaleiros de Atena. Resgatamos você e os Cavaleiros de Bronze e estamos cuidando de seus ferimentos. É isso o que somos. Estamos do seu lado.

Kaire agradeceu à Misty, pois aquilo pareceu dar-lhe algum tipo de conforto para que pudesse novamente ouvir o Capitão e suas perguntas.

— Diga-me, qual a última coisa de que se lembra? — perguntou Kaire.

Sísifo olhava para o teto daquela enfermaria e respirou fundo antes de responder.

— Estávamos em batalha. — começou ele. — O Navio da Esperança estava no ar e lutávamos contra o Juiz do Inferno e seus Espectros.

— Um Juiz do Inferno? — perguntou-se Kaire. — Não há registros de nenhum Juiz do Inferno fora do território do Santuário. Você tem certeza disso?

— Absoluta. Eles não conseguiram invadir o Santuário graças ao sacrifício de amigos queridos.

— O que está dizendo? — perguntou Kaire. — O Exército de Hades vive no Santuário há mais de 200 anos.

Kaire buscou os olhos de Misty, mas encontrou-os tão confusos quanto os seus; ao seu lado, no entanto, Geist segurou seu braço, como se para preveni-lo de falar mais do que deveria. Em sua mente, a Cavaleira de Argo parecia colocar juntas as peças de um quebra-cabeça misterioso.

— Esse lugar. — balbuciou Sísifo, enquanto seus olhos mediam toda aquela aparelhagem moderna. — Eu nunca vi nada parecido.

— Escute. — começou Geist para o homem. — Você está no Galeão de Atena, o Navio da Esperança, como você conhece. Mas talvez esteja fora de seu tempo.

— Fora de meu tempo?

Ela apenas assentiu com a cabeça.

— O que aconteceu em sua batalha? — perguntou Geist, e ele olhou para ela.

— Estávamos lutando contra Éaco de Garuda, um dos Juízes do Inferno. O combate nos céus levou as duas embarcações para o mar e, quando ele nos atacou com suas terríveis chamas, eu usei meu cosmo para criar um vórtice no Oceano de forma que o fogo se apagasse. E então conseguimos navegar para fora da tempestade criada, sendo resgatados por vocês.

Meko e Geist entreolharam-se.

— Consegue se levantar? — perguntou Kaire.

— Sim. — Kaire então olhou para Misty e ele concordou. — Misty, leve nosso convidado à cabine assim que tiver terminado. Precisamos conversar.

 

—/-

 

De volta à cabine com Geist, Kaire caminhava de um lado ao outro, sem conseguir conceber que, além do Exército de Hades, agora precisavam lidar com aquela estranha aventura.

— Do passado? — perguntou Kaire, como se tentasse encontrar qualquer outra solução que não aquela.

— Sim, Capitão. — falou Geist. — É possível que esse embate poderoso de Cosmos possa ter criado uma fenda temporal.

— Nunca ouvi falar de nada parecido, e Cosmos poderosos têm se enfrentado desde que o Mundo é Mundo. — retrucou Kaire.

— Não sabemos as condições dessa batalha, mas é a única explicação que parece fazer sentido. 

— A famosa Vitória de Éaco. — repetiu Meko para si.

— É uma das histórias mais famosas dos Sete Mares. — concordou Geist. — Conta-se que foi graças à ela que Hades finalmente pôde invadir o Santuário e vencer a Guerra.

Kaire chacoalhava a cabeça.

— Isso faz 200 anos.

— Tanto quanto Hades governa nesta Terra. — falou Geist.

Kaire olhava para a tempestade que rugia no horizonte, poderosa, imaginando se aquilo seria mesmo um maelstrom ao passado. Tantos problemas e agora aquilo.

— Nós encontramos este nosso barco encalhado e abandonado. Se aquele barco à deriva é o mesmo galeão de 200 anos atrás, como isso seria possível? — perguntou ele e Geist juntou-se a ele na janela.

— Talvez não seja a mesma embarcação. — Kaire a olhou, confuso. — Jamais saberemos, Capitão. A verdade é que somente Hades ou seus Juízes saberão de toda a verdade.

— Pois foram eles que venceram a guerra. — balbuciou Kaire.

— Eu acho que não. — falou Geist, atraindo a atenção de seu Capitão. — Como eu disse, as coisas estão erradas. Talvez eles tenham conseguido vencer Éaco.

— Mudando a história. — adivinhou Kaire.

— Não. A história mudou quando eles vieram parar aqui. Pois aqui não poderão vencer Éaco.

Kaire olhou para sua imediata tentando compreender o que poderia fazer, quando a porta da cabine abriu-se trazendo Misty e seu paciente Sísifo ao lado. Era um homem absolutamente maravilhoso, alto, trazia uma faixa na testa e tinha os cabelos curtos.

— Um navio e tanto que tem aqui, Capitão. — falou ele, e Kaire percebeu que seu convidado já começava a estranhar certas modernidades.

— Sente-se, Capitão. — pediu Kaire.

— Sísifo. — falou ele, sentando-se. — Não sou nenhum Capitão.

— Sísifo. Você é um Cavaleiro de Ouro que…

— Diga logo, Capitão.

— Acreditamos que seu navio saiu daquela tempestade 200 anos à frente de seu tempo.

Sísifo olhava profundamente nos olhos de Kaire e então procurou seu próprio barco pela janela da cabine; o fogo já não soprava a fumaça preta de antes e ele podia reconhecer algumas velas sendo levantadas novamente. Ao seu lado, a tempestade intermitente em alto-mar.

— Então a guerra terminou. — falou ele.

— Há 200 anos. — completou Geist, e ele olhou para ela e então para seu Capitão.

— Éaco venceu aquela batalha e o exército de Hades invadiu o Santuário conquistando tudo que queriam. E desde então os Cavaleiros de Atena são meros ajudantes dos Espectros de Hades, mantendo a paz nesse mundo, mas a um custo altíssimo. Uma Noite Eterna distante do sol. Nós somos uma das poucas células rebeldes que procura alguma chance de recuperar o Santuário de Atena. Na esperança de um dia ver a luz do sol novamente.

Sísifo sentiu uma imensa dor ao ouvir o relato, como se aquilo fosse culpa sua de alguma forma. Kaire continuou sua história.

— Poseidon nos protege no mar o quanto pode e nos deixa navegar livremente contra seu irmão. Mas é o máximo que pode nos fazer.

— Poseidon? — perguntou Sísifo. — Poseidon era também nosso inimigo.

— Muitas coisas mudaram, Sagitário. — falou Kaire.

— Misty me falou. — comentou Sísifo, olhando para ele no batente.

— Volte à enfermaria. — pediu Kaire. — Misty irá lhe contar tudo o que precisar. Eu lamento ter de lhe dar as boas-vindas ao futuro quando estamos no meio de uma guerra.

— Eu saí de um passado no meio de uma guerra. Sei bem como é.

Os dois assentiram um ao outro e, com a ajuda de Misty, Sísifo retirou-se da cabine para continuar recuperando-se ao lado de seus jovens Cavaleiros de Bronze. Dentro da cabine, Kaire se manteve pensativo e de olhos fechados, quando Geist lhe sugeriu algo absurdo.

— A tempestade continua inamovível, Capitão.

— Nos distanciaremos dela o mais breve possível. — falou ele.

— Eu continuo a sentir uma estranha emanação dela. — observou Geist. — Talvez…

E então parou sua fala no meio, como se pesasse as palavras que viriam.

— Talvez seja possível voltarem ao passado por ela, Capitão.

— O que está dizendo?

— Sísifo e os Cavaleiros de Bronze surgiram dessa tempestade. Talvez possam retornar ao passado se entrarem nela novamente.

— Está sugerindo que eles voltem àquela tempestade que quase nos matou?

— Sim. — falou ela, simplesmente.

— Está louca. Seria uma sentença de morte, se não morrerem no redemoinho, morrerão nas mãos de Éaco.

— Ou salvarão o Mundo evitando a invasão de Hades há 200 anos. Corrigindo a história.

— Você está fixada nessa ideia. Essa é a nossa história. Essa é a nossa guerra.

— Não é verdade.

— Essa é a nossa vida! — vociferou Kaire para ela.

Geist continuava olhando-o fixamente.

— Eu sinto muito, mas o que eu sei é o que eu sei.

Kaire virou-se impaciente para a janela.

— Eu preciso mais do que isso.

— Não há mais. Eu gostaria de ter. Mas não há. Eu queria provar, mas não posso. 

— Então eu não posso pedir que eles voltem. Vão se juntar à nós nessa rebelião e, com um Cavaleiro de Ouro ao nosso lado, poderemos ter alguma esperança.

Geist olhou para seu Capitão como nunca.

— Você precisa pedir, Capitão.

Ele esmurrou a mesa.

— Geist, eu não posso mandá-los para a morte! Como é que eu posso pedir que eles se sacrifiquem com base apenas na sua intuição?

— Eu não sei. Mas eu sei que isso tudo é um erro. Todas as fibras do meu ser e do meu Cosmo dizem que isso é um erro. Eu não posso explicar a mim mesma e por isso não posso explicar a você. Eu apenas sei que estou certa.

Ele caminhou e falou com a voz ainda mais forte.

— Quem é que pode dizer que essa história é menos apropriada que qualquer outra?

— Eu posso.

— Não é o bastante, droga, não é o bastante! — vociferou ele. — Não vou pedir que eles morram!

— E quantas pessoas e Cavaleiros já morreram nessa guerra? Uma guerra que não deveria estar acontecendo! Mande esses Cavaleiros de volta para corrigir isso!

— E qual é a garantia de que, se eles voltarem, poderão vencer Éaco?

Geist respirou fundo e encarou seu Capitão sem poder responder.

— Tudo dentro de mim diz que isso é errado, que isso é perigoso e que é inútil.

— Nós nos conhecemos há muito tempo, Meko. — falou Geist finalmente. — Você nunca me viu tentar impor absolutamente nada a ninguém. Ou tomar uma posição baseada em percepções triviais e levianas. Não podemos deixar que essa linha temporal continue. Agora, eu já lhe disse o que deve fazer. Você é o Capitão deste Galeão. O Navio da Esperança.

Kaire tinha ira e dúvida nos olhos, mas Geist retirou-se da cabine, pois sabia que precisava deixar seu Capitão pensar sozinho a respeito daquela loucura.

 

—/-

 

Misty escoltava e ajudava Sísifo a caminhar pelo Galeão até a enfermaria, enquanto ele observava com muita curiosidade como aquela tripulação trabalhava de maneira eficiente e aplicada. Muitos feridos, com bandagens, cicatrizes, mas o espírito ainda confiante.

— Há quanto tempo está a bordo? — perguntou Sísifo para Misty.

— Recuperamos o navio há alguns anos. Quatro, talvez. — comentou Misty. — Seguimos Meko em seus sonhos e seus sonhos viraram realidade. Tivemos sorte, é um grande navio.

— Eu também. — concordou Sísifo. — Digo, sorte de ter encontrado o Navio da Esperança.

— Logo ele estará pronto para navegar. Babel é um grande engenheiro.

— Babel?

— O Cavaleiro de Fornalha. Está nesse instante em seu navio reparando as velas e buracos.

Desceram finalmente para a galeria inferior e chegaram à enfermaria onde Sísifo parou-se um instante ao lado dos Cavaleiros de Bronze. Como se lamentasse seus destinos.

— Quem são eles? — perguntou Misty.

— Este é Tenma de Pégaso. E esse Yato de Unicórnio. Valorosos Cavaleiros de Bronze.

Sísifo pegou na mão de Tenma e a sentiu quente, embora ele estivesse desacordado.

— Por que não acordam? — perguntou ele.

— Sabe tanto quanto eu. — respondeu Misty. — Talvez seus cosmos não foram capazes de mantê-los conscientes nessa viagem. Como lhe disse antes, eu não sou médico. Apenas tento manter esses tripulantes com o mínimo de ferimentos possível. Mantê-los em pé.

— Tem feito isso muito bem. — observou ele.

— Uma enorme ironia. — falou Misty. — Um homem que recusava-se a se machucar encontrou seu destino cuidando dos machucados dos outros.

Sísifo olhou para Misty e viu como ele era, com efeito, um homem muito bonito; ainda que estivesse sujo, suado, com o sobretudo rasgado, suas feições ainda guardavam um certo brilho de outrora.

— Eu gostaria de ser a pessoa a contar a eles sobre o futuro. — pediu Sísifo.

— Claro. Eles estão bem, não necessitam de nenhum cuidado. Estão aqui apenas para terem algum conforto.

Sísifo deixou escapar um breve sorriso.

— Conforto. — repetiu ele. — Não faz ideia do que é a vida há 200 anos atrás.

Misty realmente não fazia.

Deixaram a enfermaria para o convés, sempre conversando; Misty contou-lhe sobre como a Guerra contra Hades nos mares era, por vezes, mais esperançosa do que na terra, pois tinham certa proteção de Poseidon e geralmente eram atacados por civis manipulados por Hades. De modo que podiam ter vitórias que recuperavam a moral da tripulação, bem como manter a tecnologia sempre adaptada e os mantimentos atualizados.

— Parece que tomou gosto pelo mar.

— Infelizmente, me parece que tomei pela guerra. — falou Misty.

Geist surgiu caminhando até eles lentamente, como se os observasse à distância, até que estivesse perto demais, de modo que Misty encontrou seus olhos e assustou-se levemente.

— O que foi, imediata? — perguntou ele.

— Nada. — falou Geist, muito constrangida, ainda olhando para Misty. — Venho para trazer notícias de Babel. Seu Navio está novamente pronto para velejar. Ele apartou o fogo, bem como consertou as velas e o casco. O coração de oricalco estava intacto.

— Ótimo. — falou Sísifo. — Misty me contou que tem enfrentado problemas em alto-mar. Eu não sei quais guerras são travadas hoje em dia, mas quero ser de ajuda.

Geist assentiu e então novamente demorou-se nos olhos de Misty.

— O que foi, Geist? 

— Nada, me desculpe. — disse ela, se retirando apressadamente.

Misty então olhou para Sísifo, um pouco confuso.

— Tem sempre uma primeira vez pra tudo.

— Primeira vez?

— Eu nunca vi a imediata incomodada assim.

— Talvez ela não goste muito do passado.

— Não acho que seja isso. — falou Misty, escorando-se na amurada do barco e sendo surpreendido por um marujo que lhe entregou duas latinhas de ração.

— Eu adoraria lhe dar algo melhor, mas você precisa comer. — falou Misty para Sísifo, que comeu dos feijões terríveis em alto-mar.

Os dois ficaram à beira do navio olhando para o Galeão de Atena reparado no horizonte e o rugido da tempestade à direita, que dava para ouvir ainda daquela distância.

— Misty. — chamou Astério às suas costas. — O Capitão deseja nos ver, o Cavaleiro de Ouro também.

 

—/-

 

A reunião na cabine do Capitão foi obscura e tensa, pois o Capitão Kaire falava as palavras com um certo misto de dor, mas a verdade era que Geist havia movido dúvidas imensas em sua mente. De modo que ele dividiu com todos, inclusive Sísifo, a sugestão de Geist de que talvez houvesse uma chance de encerrar toda aquela guerra se o Galeão do passado retornasse pela tempestade e vencesse Éaco nos céus.

— Meko, está sugerindo que os deixemos retornar para tentar completar sua missão? 

— Estou, Misty. — falou o Capitão.

— Baseado apenas na intuição de Geist? — perguntou Misty novamente.

— A dor e a agonia que sentiam no momento que encontramos me dá a exata noção do terror que enfrentaram, Capitão. Não há como isso dar certo. — se opôs também Astério.

— Não vai resultar em nada, Capitão. Não há como vencer Éaco. — adicionou Misty.

— A não ser que estejam armados com… — tentou Babel, mas foi interrompido por Kaire.

— Não podemos fazer isso. Se o Navio voltar com alguma tecnologia, estaríamos mudando o passado.

— Mas é disso que está falando, não é mesmo? Mudar o passado! — tentou Astério.

— Estamos falando de restaurar o passado. — corrigiu o Capitão.

— Me perdoe, Geist. — começou Misty, olhando para ela. — Mas como pode saber que a história foi alterada, se você foi alterada junto de nós?

Todos os olhos focaram nela naquele instante e o Capitão Kaire sabia que ela não sabia explicar, mas ele também sabia que a confiança que ele depositava nela talvez não fosse a mesma que os demais tinham por ela. Ela chacoalhava a cabeça levemente, como se tentasse de alguma forma explicar o que sentia.

— Eu posso alterar sutilmente aquilo que as pessoas podem ver, conjurar ilusões e enganar os sentidos dos homens. — tentou ela. — Tudo que eu sinto desde que saímos daquela tempestade é que a realidade está errada. Como se eu estivesse dentro de uma das minhas próprias ilusões.

O que ela falava não parecia fazer sentido para os Cavaleiros de Prata e eles olharam para o Capitão, como quem está diante de uma loucura, mas a voz de Sísifo apaziguou suas dúvidas.

— É o seu Cosmo. — falou ele, levantando-se da mesa.

Sísifo olhou então para Geist e para cada um deles.

— Eu conheci alguém como você. E ele me dizia que para manipular ilusões e dimensões, o seu Cosmo precisava estar profundamente enraizado na realidade. Somente assim ele poderia dobrá-la como quisesse. É da natureza do seu Cosmo.

Geist olhava para Sísifo como se houvesse acabado de descobrir algo incrível sobre si mesma.

— Por isso que pode sentir mais do que todos nós o fato de estar fora de sua realidade.

— É possível que Geist esteja correta. — continuou Kaire. — O Navio da Esperança viajou através do tempo. Como podemos saber os efeitos que estes eventos terão no presente? De fato, nunca saberemos com certeza se Geist está correta, mas eu decidi que as consequências dessa possibilidade são graves demais para ignorar.

O Capitão Kaire então olhou para Sísifo, mas suas palavras não chegaram a sair de sua boca, pois o Cavaleiro de Ouro respondeu deixando seu maravilhoso Cosmo de Ouro se manifestar dentro daquela cabine.

— Nós voltaremos através da tempestade. E venceremos Éaco. — anunciou Sísifo.

Sua feição e palavras eram duras e ali naquela cabine não havia ninguém capaz de duvidar de sua fibra ou de seu Cosmo. Eles nunca haviam estado na presença de um Cavaleiro de Ouro e Sísifo os fez experimentar o que significava o Sétimo Sentido, a presença solar de um guerreiro da esperança.

— Eu levarei Pégaso e Unicórnio de volta e venceremos Éaco nos céus como iríamos fazer, caso não tivéssemos nos perdido no tempo.

Kaire sentiu que não estava à altura daquele homem, mas assentiu como pôde.

Estava decidido.

Dentro da hora seguinte, Geist e os Cavaleiros de Prata levaram os corpos desacordados de Pégaso e Unicórnio de volta ao Navio da Esperança. Babel ocupou-se de certificar-se de que o coração de oricalco estava funcionando, de que as velas estariam postas para que ele navegasse na direção certa quando a âncora fosse levantada. Astério e Misty cuidaram para deixar os Cavaleiros de Bronze desacordados seguros nas galerias inferiores, enquanto Geist e Sísifo checavam o leme.

— É preciso enorme coragem para bater de frente com seu Capitão baseada em coisas tão pessoais. — falou Sísifo para ela.

— Eu torço para que eu esteja certa. E para que vocês vençam Éaco.

— Iremos vencer. — prometeu Sísifo.

Ela agradeceu e se retirou, passando por Misty, que veio despedir-se de Sísifo.

— Foi meu melhor paciente em meses.

— Não fale assim de seus marujos. — comentou Sísifo. — São corajosos.

— Mas não têm os seus olhos.

Sísifo deixou escapar um sorriso, pois não esperava tamanha falta de decoro entre Cavaleiros da mesma ordem. Misty não deixou de sorrir também e se cumprimentaram educadamente.

— Força, Sísifo. Por Atena.

— Por Atena. — repetiu ele.

Os Cavaleiros de Prata foram todos se despedir de Sísifo enquanto Misty encontrou-se com Geist na amurada do navio, prestes a embarcar no barco auxiliar para retornar ao Galeão. Antes que pudesse subir no barco, no entanto, Geist foi segurada pelo braço por Misty.

— Misty?

— Geist, tem algo que eu preciso saber. — começou ele, com preocupação no rosto, enquanto Geist não conseguia conter o constrangimento de estar diante dele, como se desviasse os olhos a todo momento. — Se Sísifo tiver sucesso e essa realidade que você teima em chamar de errada desaparecer... quem sou eu na outra realidade?

Geist sentiu um enorme gelo no peito.

— Eu não sei. — mentiu ela.

— Tem alguma coisa quando olha para mim. — falou Misty. — Posso ver em seus olhos e, por Atena, não conseguimos nunca ver nada em seus olhos.

Misty então colocou-se diante de Geist, para que não pudesse fugir de seus olhos.

— Diga-me, Geist.

— Mortos. — falou alguém ao seu lado.

— Astério? — perguntou Misty.

— Estamos mortos, Misty. — falou ele.

— Você sabia? — perguntou Geist.

— Não pode esconder seus pensamentos de mim. — falou ele e ela bem sabia disso.

Misty deu alguns passos para trás, sem poder acreditar.

— Como? — perguntou ele, sem entender.

E isso deu a Geist ainda mais dor no peito, mas então julgou que eles mereciam alguma coragem sua de dizer a verdade, ao invés de Astério adivinhar por seus pensamentos.

— Morreram lutando contra Atena. Houve uma grande mentira no Santuário e vocês morreram lutando contra aqueles que juraram salvar Atena.

— Contra Atena? — chocou-se Misty.

E mesmo Astério ou Babel ao seu lado estavam em choque, pois tudo que tinham feito até então foi entregar suas vidas para dar alguma chance ao Santuário de ser outra vez governado por Atena. Sacrificaram tanto, navegaram os Sete Mares em batalhas terríveis. Tudo em nome de Atena. E tudo seria apagado para uma história em que seriam traidores.

— Eu sinto muito. — disse ela apenas.

Mas nenhum deles comentou absolutamente nada; eles apenas ficaram ali, entreolhando-se, com uma extrema dor no peito. Até que seus olhos encontraram força e fibra um ao lado do outro, feito irmãos de prata que eram.

 

—/-

 

A cabine do Capitão soava um alarme ao qual Kaire imediatamente atendeu na estação de Babel, que na verdade era um radar moderno que mostrava duas embarcações se aproximando. Geist finalmente irrompeu pela porta.

— Dois navios da Fundação Graad. Precisamos ficar a postos e colocar a tripulação em alerta de guerra. Não podemos deixar nada interferir na viagem do Navio da Esperança. Onde está Babel?

Geist estava parada diante de Kaire.

— Onde está Babel!? — tornou ele.

Geist abriu a mão direita e mostrou três pingentes de Prata que Kaire, à princípio, não soube compreender.

— O que significa isso?

— Eles não voltarão. Eles vão para o passado junto de Sísifo.

— O que está falando, Geist? Mas que diabos aconteceu naquele navio?

— Eles não existem na nossa realidade. — confidenciou Geist. — Morreram de forma desonrosa e agora querem uma chance de morrer lutando por Atena. Como sempre fizeram.

— Isso é um absurdo! — vociferou Kaire. — Como pôde deixar que fizessem isso?

— Foi uma decisão deles.

— E se não der certo? Teremos três Cavaleiros de Prata a menos para lutar essa guerra!

— Vai dar certo. Confie em Sísifo.

— Eles não podem voltar ao passado! — falou Kaire. — Você sabe melhor do que ninguém, eles podem alterar o passado para algo ainda mais terrível.

— Eles sabem disso. — falou Geist. — E é por isso que abandonaram suas Armaduras. Serão homens comuns que jamais tocarão na história. Temos de confiar também neles, Capitão. Foi o que escolheram.

Kaire estava irascível, mas tentou controlar-se em sua mesa. Seus irmãos de guerra distantes, mas como sempre lutando por Atena. Ele tentou juntar suas emoções e conter-se como podia, pois precisava capitanear aquele Galeão em mais uma batalha. E agora precisava garantir que o Navio da Esperança tivesse passagem tranquila para a tempestade terrível que o aguardava.

— Você está no leme. Eu cuidarei das estações de batalha. Falamos disso depois.

E saiu pisando duro da cabine. Geist pegou os três pingentes e pendurou em uma estante próxima. E também saiu para a guerra.

 

—/-

 

O Navio da Esperança, agora navegado por Babel, que também era um exímio timoneiro, já rumava em direção à tempestade, mas no castelo de proa do Galeão de Atena Kaire viu que uma das embarcações da Fundação Graad, um braço civil das forças de Hades, já quebrava a formação para interceptar o antigo navio. Kaire fez com que o Galeão urrasse seu motor tanto quanto podia e deu três saraivadas de tiro ao longe para alertar Graad de que estavam ali e protegeriam o barco.

A embarcação inimiga teve de fazer uma curva forte à esquerda para não ser derrubada pelos canhões violentos de Kaire, enquanto Geist colocava o Galeão para ser uma espécie de escudo para o Navio de Sísifo.

— Entremos na tempestade se for preciso! — ordenou Kaire para Geist.

E assim se deu, o Galeão de Atena lutava e recebia também saraivadas terríveis que explodiam o convés, levantando madeira do casco e das amuradas reforçadas. Um dos mastros cedeu, vitimando alguns marujos, mas Kaire corria com coragem entre sua tripulação inspirando confiança para que outra saraivada de tiros fosse disparada contra os navios da Fundação Graad.

Faltava pouco e, do alto do cesto da gávea, um sentinela soou o sino fortemente gritando lá de cima:

— Tempestade! Tempestade!

Não estava à vista, pois ela estava sempre à vista; era apenas um aviso para que o Capitão Kaire soubesse que o Galeão de Atena estava novamente dentro dos domínios de trovões e ventanias daquela estranha tempestade. Geist segurava o leme para manter-se na crista do redemoinho; com a inclinação do barco, podiam ver do lado oposto como o Navio da Esperança pouco a pouco era engolido pelo abismo.

Até que finalmente desapareceu na escuridão e ela forçou tudo que podia a favor do vento, inflando as velas, fazendo o navio ganhar imensa velocidade, até que ela virou absolutamente tudo contra o vento, fazendo-o quebrar a enorme onda do redemoinho e finalmente sair da tempestade outra vez do outro lado do oceano. Mais e mais os relâmpagos na distância escura do maelstrom.

Geist olhou para suas costas e viu como a tempestade ainda rugia poderosa, mas lentamente arrefecendo. Seu Capitão levantou-se no convés e cumprimentou-a pelo excelente trabalho. Ela novamente olhou para todos os lados em busca do barco que havia visto brevemente tentando se salvar do mesmo redemoinho, na esperança de que tivesse se salvado também. Ela travou o leme e desceu ao convés.

— Imediata? — perguntou o Capitão. — Seiya, tome o leme!

— Uma embarcação, Capitão. — falou ela.

— O que está dizendo?

— Eu vi uma embarcação no redemoinho um pouco antes de nos salvarmos.

O Capitão juntou-se à sua imediata para procurar no mar, mas nada encontraram.

— Essa história o Seiya vai contar pra sempre. — animou-se Kaire. — Mandou bem, Seiya! Lunara!

Kaire estava animadíssimo gritando ao longe para os dois, mas Geist sentia-se um pouco estranha. O Capitão os convocou a todos à uma reunião na cabine para se certificar de que tudo estava nos conformes depois de atravessarem aquela tempestade, quando Geist percebeu em uma estante três pingentes que a fizeram sentir um calafrio. Ela levantou-se e puxou os pingentes para ler os nomes inscritos no metal. 

Não reconheceu nenhum deles, mas sua mente então a fez se lembrar do que parecia ser um sonho impossível.

 


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Adaptação de um dos melhores capítulos de Star Trek que combinou perfeitamente com o que eu queria: brincar com esses mistérios em alto-mar, trazendo para dentro da história dessa fanfic exatamente o que inspirou todo esse arco, que foi a luta entre o Sísifo e o Éaco em Lost Canvas no Barco da Esperança. Foi uma forma de prestar homenagem ao que me inspirou a fazer esse arco inteiro usando o barco pelos Sete Mares. A decisão de fazer Misty e os outros voltarem para morrerem como Cavaleiros de Atena e não como traidores apareceu enquanto eu estava escrevendo e fez todo o sentido do mundo para dar um fechamento bacana para eles. É um dos capítulos que eu mais gostei de escrever.

PRÓXIMO CAPÍTULO: A RELÍQUIA ENTRE OS HOMENS

A tripulação de Meko Kaire encontra um estranho burocrata no Japão enquanto encontros acontecem no Santuário.



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