Olhos Opacos escrita por Ártemis


Capítulo 2
Capitulo 2




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POV -- Daniel

                             -Quem são vocês?- perguntou.

                -Tudo bem! – disse Julia alarmada – esses são meu irmão e meu primo, Daniel e Pedro.

                As garotas baixaram as armas, nós também, mas a outra não afastou a mão da bainha. Ela olhou para Julia e as crianças e depois para eu e Pedro, perguntou:

                             -O que fazem aqui? Vocês não são parentes dos donos do sitio.

                -Não somos, encontramos esse lugar ontem anoite, não sabíamos que havia alguém morando aqui. – falei.

                -Ninguém mora aqui, pelo menos os donos não voltaram desde que tudo começou – falou a garota mais alta.

                -Nós só pegamos frutas aqui– completou a mais baixa. – aliás, sou a Débora. – ela olhou para as amigas – e essas duas sem educação aqui são Ana Laura – apontou para a mais alta que sorriu – e Rafaela - apontou para a garota da arma, que ainda nos olhava desconfiada - não liguem, acho que essa coisa toda de zumbis as deixaram meio selvagens.

                             -De onde vocês vieram?- perguntou a mais alta, Ana Laura, ignorando a amiga.

                -De uma cidade a leste, fugimos a uma semana – falou Julia – estamos andando a fio desde então, esse é o primeiro lugar que encontramos para poder dormir.

                             - A quanto tempo vocês não comem? – perguntou Ana Laura novamente – Sem ofensa, mas vocês parecem famintos.

                -Pode crer, comida não é coisa mais fácil de encontrar – falou Pedro – Tá mais fácil agente virar comida, ontem mesmo se não tivéssemos achado essa casa a tempo a horda que nos perseguia teria nos alcançado.

                             -Horda? – perguntou a garota da arma, Rafaela – Quantos? Muito perto daqui?

                - Não, os deixamos para trás da cerca a um quilômetro a leste. Eram uns 5, 6 talvez. – falei. Rafaela olhou para as outras garotas.

                             -Temos que avisar meu pai, estão chegando perto de mais. – falou ela

                -É, mais ele vai demorar pra voltar, e viemos pegar algumas frutas, não vamos voltar de mãos vazias. – argumentou Ana Laura

                -Vocês estão aqui perto, em algum lugar fixo? – perguntou Julia, Rafaela pareceu considerar a pergunta.

                - Talvez. Vocês vão ficar muito tempo? Tem algum destino em mente? – perguntou a garota.

                -Estamos indo para a capital, para os centros de refugiados, não temos outro lugar para ir. – falei.

                -Eu não recomendaria isso – falou Rafaela olhando para mim, tinha grandes olhos escuros, um pouco inquietos. – Aquilo virou uma bagunça, não conseguiram manter os zumbis fora, a dois dias tivemos noticias que bombardearam o lugar, foram todos dizimados, civis e militares.

                -Bombardearam? Mataram todas aquelas pessoas? Mas como? Eles não podiam, não.... – disse Julia chocada. Eu não estava diferente

                -Bom, medidas desesperadas para concertarem a merda que fizeram, de juntar tantas pessoas no mesmo lugar em época de epidemia. Nós saímos da cidade bem antes. – falou Rafaela.

                Ficamos um tempo em silencio assimilando a noticia. O lugar para qual viajávamos a dias, na esperança de ficarmos seguros, não existia mais. Provavelmente milhares foram mortos, e nós poderíamos estar nesse meio se não tivéssemos atrasado.

                -Dan, não vamos mais? Pro lugar sem monstros? – perguntou Clara, minha irmãzinha tinha 3 anos, e era esperta o bastante para entender o que estava acontecendo – Mas papai disse que lá era seguro, pra onde vamos?

                -Vamos dar um jeito,  não se preocupe. – peguei-a nos braços e tentei acalma-la, mais nem eu mesmo tinha certeza.

                -Tô com fome Pedro! – Falou Henrique indo até seu irmão, Henrique tinha 7 anos, o coitado do garoto não desgrudava do irmão, eles só tinham um ao outro agora, como eu e minhas irmãs.

                - Eu sei moleque, venha aqui, essas jabuticabas estão ótimas. – Pedro deu as frutas pra o irmão, que abocanhou-as com prazer.

                -Então - comecei olhando para Rafaela, que claramente era quem liderava – tudo bem para vocês se ficarmos aqui até decidimos o que fazer? Não posso fazer as crianças dormirem sem um teto novamente, estamos famintos e não podemos ir a lugar algum por enquanto. – terminei mudando o peso do corpo de lado, e me arrependendo logo em seguida, o corte latejou, e eu voltei para a posição anterior.

                 As garotas se olharam por alguns instantes e varias expressões passaram pelos seus rostos, pareciam estar tendo um discussão silenciosa.

                - Aqui não é seguro, você sabe, a cerca tem varias aberturas, e já encontramos mordedores aqui antes. – falou Ana para as amigas, Rafaela parecia impassível. De uma coisa eu sabia, o que fosse que decidirem, elas não iria nos expulsar...

                -É, eles são só crianças  Rafa... eu te conheço, você pensou nisso antes da gente, não é? – falou Débora, eu já não entendia nada da conversa.

                - Tudo Bem, tudo bem... - Rafaela olhou pra mim – Vocês não deveriam ficar aqui, não é seguro. Estamos aqui perto, vocês podem ficar lá enquanto decidem o que fazer.

                             -Podemos ir para o seu acampamento? – perguntou Julia surpresa – Isso seria ótimo, nós não estamos em condições de seguir sozinhos por enquanto – completou olhando pra mim.

                   - Sim, lá vocês podem comer de verdade e tomar um banho – falou Ana Laura sorrindo, ela era sinceramente boa, notei.

                Revi nossas opções antes de decidir, os olhos pidões dos outros não ajudaram muito. As garotas pareciam bem, o acampamento delas deveriam ter comida e água o bastante, e se elas tinham armas, com certeza era mais seguro que ficar aqui no meio do nada. Mas eu não tinha certeza se confiava nelas ainda, principalmente em Rafaela, a garota ainda não havia afastado a mão da arma. Não que ela estivesse errada, eu provavelmente faria mesmo com estranhos que cruzassem nosso caminho.

                             -Tudo bem, até decidirmos o que fazer, apenas essa noite, obrigado. – agradeci as garotas.

                -Ótimo – falou Debora, passando por Pedro e eu em direção ao pomar - agora podemos colher as frutas e voltar, vocês podem nos ajudar garotos. – Pedro a seguiu imediatamente com um sorriso que eu conhecia bem. Me virei para segui-los, mas a dor no tornozelo me fez mancar.

                -Ei espera – falou Rafaela, olhando para meu tornozelo – como você se machucou? – ela perguntou, mas logo vi que o que ela queria perguntar é “você foi mordido?”. Todos pararam para escutar

                             -Eu não fui mordido se é isso o que quer saber. – falei.

                             -Como aconteceu? – insistiu ela.

                -Na cerca, quando pulamos ontem, na correria para fugirmos dos zumbis. Ok?- respondi, ela chegou mais perto e olhou para meu rosto.

                -Você está pálido, e suando frio. Provavelmente já está infeccionando. Temos que cuidar do corte. Vamos pegar essa benditas frutas de uma vez. – ela passou por mim com o nariz empinado.

                -Ela é sempre tão mandona assim? – perguntei a Ana Laura quando passou por mim.

                             -Geralmente, hoje particularmente está mais chata. – respondeu Ana rindo.

             Depois de três sacolas cheias de frutas, as garotas decidiram que era o suficiente, Pedro e eu pegamos as duas mochilas que tinham nossos pertences e começamos o caminho por uma estradinha que subia para o lado contrario do qual viemos. Ao nosso redor um pasto verde se estendia.

                             -Então, são só vocês? – Começo Ana Laura – e seus pais?

                - Somos só nós – respondeu Julia – Eles não conseguiram. - Ana acenou com a cabeça entendendo.

                - Há quanto tempo vocês estão por aqui? – perguntou Pedro, olhando para Debora.

                - Faz duas semana hoje – ela respondeu – Saímos da cidade assim que a coisa ficou brava.

                Eles continuaram conversando, mas eu me distrai. Carla pediu colo depois de poucos minutos, mas eu estava levando uma sacola pesada de frutas e uma das mochilas.

                - Me dê a sacola, pra você poder pega-la – falou Rafaela, que até então estava calado alguns passos atrás, devia estar nos vigiando. – Vamos, consigo levar.

                Passei a sacola pra ela com um “obrigado”. Ela acenou, mas continuou um pouco atrás.

                - Não vamos roubar vocês se é isso que pensa. – falei

                - Não pode me culpar por desconfiar. – ela disse, mas sorriu fraco – Quantos anos ela tem? – perguntou olhando para Carla.

                - Tenho 3. – foi Carla que respondeu, apoiando o rostinho no meu ombro e olhando pra garota que sorriu. – Quem te deu isso? – perguntou Carla inocente, apontando para a arma.

                - Isso? Meu pai – respondeu Rafaela – Para me proteger.

                - Seu pai é militar? – dessa vez foi eu que perguntei. – Essa pistola é usada no exercito.

                - Não, quer dizer, meu pai serviu quando era mais novo, mas não foi convocado dessa vez. Nós conseguimos recuperas algumas armas de uns soldados mortos.

                - E você sabe usa-la?- pressionei, afinal aquela garota devia ter o que? 16, 17 anos?

                - Sei apontar e puxar o gatilho se é o que quer saber – respondeu fechando a cara. Passou por mim e pelos outros chegando primeiro em uma porteira. Deixando os pastos abertos para trás, atravessamos uma estrada de terra.

                Outra porteira nos esperava, mas essa era reforçada com placa de ferro e madeira, arvores altas se erguiam em volta. Rafaela assoviou brevemente e ela se abriu pra passarmos por ela.

                - Ah! Que maravilha, vocês vão buscar comida e trazem mais bocas para alimentar! – disse o homem que abriu a porteira rindo. Ele segurava um pé de cabra.

                - Esse é o Davi. – Apresentou Ana Laura – O cara mais engraçadinho daqui.

                             - A seu dispor – brincou ele.

                Subimos mais uns 100 metros ate uma porteira, essa estava aberta. O caminho até a casa era gramado, de um lado havia um espaço com alguns carros estacionados e do outro um pequeno campo de futebol onde varias crianças brincavam e outras ouviam atentamente o que um senhor falava.

                - Tentamos manter as crianças entretidas – falou Ana ao notar para onde olhávamos. Confesso que me sentir melhor de ver crianças por ali.

                A casa era grande, e varias pessoas andavam por ali, em seus afazeres. Assim que nos viam paravam, num instante estávamos cercados por varias fazendo perguntas. Uma mulher morena com um pano de prato na mão veio até nós.

                - Rafa? Vocês demoraram! Quem são esses? – ela beijou Rafaela no rosto, e nos olhou. Supus que devesse ser mãe da garota, notando que eram até bem parecidas exceto pela cor da pele.

                - Nos encontramos quando fomos pegar as frutas. Esses são Pedro e seu irmão Henrrique, Julia, Carla e Daniel. – Apresentou ela e olhou seriamente para sua mãe – Eles estão na estada ha muito tempo.

                - Devem estrar famintos! – disse a mulher sorrindo – Vamos entrar, o almoço está quase pronto. – convidou ela, e as outras pessoas se disperçaram. – Alias, sou Eliane.

                - Mãe, meu pai não chegou? – perguntou Rafaela. Eliane negou.

                - Deve estar quase chegando, não se preocupe. – Disse ela, mas a garota se limitou a suspirar.

                Por dentro a casa era tão grande quanto, havia colchões levantados aqui e ali. Passamos pela sala, e nos sentamos em uma grande mesa na cozinha. Se o almoço estava sendo feito, não era ali.

                             - Talvez vocês queiram tomar banho antes do almoço? Vai demorar um pouquinho ainda – ela perguntou nos olhando, e devo admitir que realmente precisávamos de uma banho.

                - Seria ótimo, Obrigada! Por tudo – disse Julia, ela exalava alivio.

                - Não há de quer, nem imagino o que vocês tem passado. Vou arrumar algumas roupas para vocês, as garotas mostrarão os banheiros, graças a Deus temos banheiros o bastante – dito isso ela saiu pelo corredor.

                Debora levou Julia e Carla para um banheiro no segundo andar. Ana nos mostrou outros dois banheiros no mesmo andar que estávamos. Eliane me entregou uma muda de roupas limpas, e eu fiquei impressionado em ver que tinha água quente. Me permitir demorar no chuveiro, era a melhor sensação que eu tinha a tempos.

                As roupas couberam bem, um jeans e camiseta preta, de quem quer que sejam tinha meu tamanho.

                - Ficaram boas, são do meu tio eu acho. – era Rafaela, ela me esperava na varanda, tinha uma caixa branca ao seu lado.

                - É, ficaram ótimas. – respondi.

                - Sente-se aqui - indicou ela uma cadeira. – vou dar uma olhada no seu machucado.

                - Ok. – respondi me sentando. Ela se sentou há minha frente num banquinho. Puxou minha calça para cima como Julia havia feito mais cedo, e colocou meu pé em seu colo sob uma toalha.

                Ela parecia concentrada enquanto examinava o corte que se estendia pelo meu tornozelo direito. Não disse nada enquanto tirava o relógio de pulseira grossa e abria a caixa de primeiros socorros. Notei uma pequena tatuagem de ancora no pulso onde havia estado o relógio.

                - É um corte bem feio – falou ela me olhando de baixo – Vou ter que suturar. Você aguenta sem anestesia?

                - Sim, mas você sabe fazer isso? Já costurou antes?

                - Não, mas já vi fazendo. Meu primo cortou o braço uns dias atrás e o sr Emanuel fez os primeiros socorros, eu o ajudei e ele me ensinou. Ele esta ocupado agora, mas se você quiser esperar ele eu...

                ­- Não, tudo bem pode fazer. – disse torcendo par não perder a perna. Ela limpou o local habilmente e me estendeu uma toalhinha enrolada.

                - Pra você morder – explicou ela, peguei a toalha e tratei de colocar entre os dentes assim que ela passou a agulha. Uma pontada aguda subiu pela minha perna e tive que me segurar para não puxa-la. Rafaela riu enquanto dava o primeiro nó, me irritando.

                - Não é engraçado – reclamei.

                - Ok! Vai precisar de sete pontos. – Ela disse, dando mais um – Aguenta firme.

                - Tatuagem interessante. – disse para me distrair entre as pontadas de dor. – Seus pais deixaram? – ela riu.

                - Sim eles deixaram, foi minha primeira.

                - Vocês tem mais de uma? Não é muito nova? – insisti.

                - Tenho 18 anos, e tenho apenas duas. Mas e você vovô? Seus pais não se importaram com esse dragão nas suas costas? – pergunta me surpreendeu

                             -Como você sabe que eu...

                - Vi uma ponta saindo pela gola da camisa. – me interrompeu ela. Deu o quarto ponto.

                - Bom, não é um dragão, é uma fênix e é só no ombro, em uma das omoplatas. Mas é, eles não gostaram muito. – ela sorriu. Deu o quinto ponto.

                - Você fez escondido? Isso nunca dá certo.

                - Não mesmo, meu pai quase me esfolou – ri me lembrando da cena. – Mas já faz tempo.

                ­- Quanto? – insistiu ela.

                - Dois anos, fiz com 18. Mas e a sua?

                ­- Essa do pulso fiz com 15. A minha outra fiz ano passado com 16. A primeira foi mais difícil de convencer meus pais, mas eles entenderam.

                - E o porque uma ancora? – perguntei. Já estava me acostumando com a dor. Ela suspirou antes de responder

                - Ana e Débora também fizeram uma ancora. Foi uma homenagem a uma amiga nossa que faleceu alguns anos atrás, ela sempre quis fazer uma ancora, foi uma forma de lembrar. – ela terminou respirando fundo. Cortou a linha  e olhou pra mm – Pronto, o pior passou. – ela limpo e fez um curativo.

                - Obrigado – agradeci me levantando, apesar da dor, já me sentia melhor por não ter um corte aperto.

                - Tudo bem, você foi uma boa cobaia. – ela riu. – agora posso dizer que já sei suturar. Mas acho que você deveria tomar um antibiótico. – A garota entrou  para a cozinha e voltou com dois comprimidos – Toma um agora e outro daqui a seis horas. Deve bastar para conter a infecção.

                - Tudo bem. Mas já me sinto melhor. – respondi tomando o primeiro comprimido. Elas estava seria novamente. Acho que era o jeito dela.

                - Vem comigo, o almoço já esta saindo. – chamou ela. Nós passamos pela cozinha e pela sala novamente, saindo por onde entramos. Descemos para um cômodo de tijolinhos anexo. Descobri que era uma grande cozinha com dois fogões de lenha, e ao contrario da outra, essa estava sendo usada.

                Sentados na enorme mesa retangular já estavam Julia, Pedro e as crianças. Limpos e com o ânimo renovado. As meninas e alguns outros acompanhavam.

                - Chegou bem na hora do rango Dan! – falou Pedro. – Comida de verdade!!

                - Nem me fale. – respondi.

                - Porque demorou tanto? – Perguntou Julia. Enquanto me sentava ao seu lado.

                - Rafaela estava costurando o corte. – respondi. Ela levantou as sobrancelhas, surpresa.

                - Você costurou o machucado dele? – questionou Eliane que estava comandando um dos fogões. Rafaela deu de ombros do outro lado da mesa.

                - Uma hora eu precisaria botar em pratica o que o sr.Emanuel ensinou. – falou ela. – Não foi tão difícil.

                - Você é doido. – gargalhou Débora – Eu que não deixo ela me costurar!

             - Claro que deixa! – contestou Rafaela. – Quer ajuda pra servir? – perguntou a garota para sua mãe

                - Uhum. – outras das mulheres que ajudavam se juntaram, pratos foram distribuídos. Cheios de um caldo quente de verduras e carne. Nunca comi algo tão gostoso, senti as forças voltando pra mim enquanto o caldo escorregava e enchia meu estomago.

                -Nossa, isso esta incrível!! – falou Julia, Pedro e as crianças concordaram.

                - Qualquer coisa fica boa quando se está com fome. – falou Eliane, ainda ocupada com a distribuição da comida.

                Percebi que era como um ciclo, as pessoas entravam na cozinha, pegavam os pratos, uma das mulheres os enchia, e depois saiam para achar algum lugar para comer, nem todos cabiam na cozinha. Era algo que funcionava. E todos pareciam satisfeitos, conversavam e brincavam com os outros, como uma família. Algo que não achei que fosse ver novamente.

                - Todos se conheciam antes de vir pra ca? – perguntem para as garotas que comiam a minha frente.

                - A maioria – respondeu Ana Laura. – Quase todos são da mesma família, Débora, eu e somos amigas da Rafaela ha muito tempo, ela nos trouxe e nossos pais quando veio pra cá. Esse sitio é do avo dela na verdade.

                - Falando nisso, cadê meu avõ mãe? – perguntou Rafaela que escutava a conversa.

                - Nas cercas, Raquel também. Devem esta chegando ai se sentiram o cheiro da comida.- respondeu ela. E foi dito e feito, no mesmo minuto um senhor, e uma garota que parecia muito com Rafaela mais nova entraram. – Falei – riu Eliane.

                Apresentações foram feitas, e o almoço continuou nada silencioso. Minhas irmãs e meus primos estavam relaxados como a muito tempo não os via, e fiquei feliz por eles. Nos foi permitido repetir a refeição, por que éramos novatos de acordo com uma das mulheres que servia.

                No meio da conversa descobri, que o pai da Rafaela, que aparentemente era algum tipo de líder, e outros homens estavam em uma cidadezinha próxima buscando alimentos. Tinham saído cedo e já deviam estar voltando. As garotas disseram que haviam chegado há duas semana mas a escassez de comida já preocupava e essa era a primeira vez que saiam para ver o que tinha na cidade.

                Nos faziam muitas perguntas também. De onde éramos? Como estavam as cidades pelas quais passamos? E nossos pais? Como chegamos tão longe sozinhos? Idade? Topamos com muitos mordedores?. A maioria eu não queria responder, mas não quis ser mal educado. Em um ponto Eliane falou para pararem com as perguntas, que eu conversaria com Alex – supus ser seu marido e pai da Rafaela – depois. Agradeci silenciosamente ela nos livrar das perguntas, mas fiquei preocupado com o que seria essa conversa. Se ele faia um interrogatório ou algo do tipo.

                Não precisei pensar muito nisso, ouvimos barulho de carros subindo a estradinha e logo as crianças saíram correndo para encontrar os recém chegados, seguidas pelas garotas e os adultos. Nos levantamos e seguimos eles também.

                Duas motos, um carro e uma caminhão estacionavam quando nos unimos as pessoas que esperavam. Quando os motoristas saíram, foram abraçados pelos familiares. Notei as armas que carregavam, m’s 4 e pistolas como a da Rafaela, além de facões e barras de ferro. Os homens estavam meio respingados de sangue, o que indicava que tiveram luta.

                Rafaela e sua irmã abraçaram um dos homens, que depois foi beijado por Eliane. Com certeza era o líder, Alex. Eles vieram caminhando e conversando, quando  notaram nossa presença. Alguém nos apesentou.

                - Nos encontramos no sitio de baixo pai. Eles estavam sozinhos. – disse Rafaela, seu pai a olhou seriamente, e eu percebi que levantavam as sobrancelhas da mesma forma. Ele nos olhou e disse.

                - Eu gostaria de saber mais de vocês. Mas agora estou faminto. Mais tarde vemos isso. – eu assenti, me sentindo um pouco nervoso. Ele sorriu e continuou andando para a cozinha, nos os acompanhamos. – Todos já comeram?

                - Claro - respondeu Eliane. – Vocês demoraram! Mas o que eu quero saber é como foi na cidade.

                E a parti dai todos começaram a falar ao mesmo tempo, contando como havia sido a missão. Os que estavam na mesa antes deram lugar aos homens, mas todos continuaram na cozinha para ouvir a historia. Resumidamente, eles haviam ido a uma vila próxima, não na cidade, a vila estava deserta exceto pelos zumbis ocasionais, eles verificaram quase todas as casa e o único armazém, saindo de lá com algumas sacas de grãos e cereais, alguns queijos perto de estragar, um saco de café não moído, vários colchões e cobertores, utensílios domésticos e ferramentas em geral.

                -Enfim, foi produtivo. – Alex terminou o assunto. – Conseguimos mais arame farpado e coisas para cerca também pai. – disse se dirigindo ao senhor de idade. Olhando agora, dava para perceber a semelhança entre o senhor e os quatro irmãos, incluindo o pai de Rafaela.

                - Ótimo, estava faltando material para cerca. – respondeu o senhor, ele brincava gentilmente com um de seus netos. As pessoas já se dispersavam para seus afazeres, parecia haver trabalho para todos ali.

                -Eu disse que seria bom ir na vila. – começou Rafaela, que estivera calada até então. – Agora que vocês já viram com seus próprios olhos, eu posso ir na próxima!

                - Não sei Rafaela, encontramos criaturas mesmo por lá – argumentou seu pai.

                - Eu sei, vamos encontrar zumbis a todo lugar que formos pai. E eu não vou ficar pra trás o resto da vida, esperando você voltar vivo. – Disse ela, seus pais se entreolharam em uma conversa silenciosa.

                -Veremos Ok? Mas me fala, ao que parece não faltou emoção por aqui. – dessa vez disse isso olhando para nós, até então eu e minha família havíamos sido esquecidos. Novamente contamos como fomos parar naquele sitio e como encontramos as garotas. –             -Então, vocês devem estar exaustos, se quiserem descansar ou conhecer o lugar, garotas vocês podem mostrar a eles?

                - Claro .- responderam o trio. Elas se levantaram e começamos segui-las.

                - Ham. Daniel? Posso falar com você? – interrompeu Alex, eu acenei e deixei os outros irem. O homem levantou e saiu da cozinha, fui em seu encalço. – Você é o mais velho não é? Por isso quero conversar com vocês, parece que é o responsável pelos outros.

                - Sou. – respondi, ele se dirigia para onde os carros estacionados. O caminhão já estava sendo descarregado.

                - Bom Daniel, você deve ter percebido que somos uma grande família aqui, mesmo os que não são de sangue – ele esperou eu assentir para continuar.- Então deve entender nossa relutância em aceitar pessoas novas. Não só pela segurança, mas também pela alimentação de todos, no entanto vocês causaram boa impressão e eu seria irresponsável em não deixar vocês ficarem, principalmente por estarem viajando com crianças pequenas. É claro, vou respeitar o que você decidir fazer, se vão ficar até decidirem para onde ir, ajudaremos, ou se quiserem se estabelecer por aqui aceitaremos, contanto que contribuam como todos.

                ­- Eu entendo, e agradeço. Nossos planos eram de chegar a capital, nos centros de apoio, não sabíamos que haviam sido bombardeados. Estamos meio sem chão agora. Eu agradeceria se pudermos passar a noite, não posso fazer eles viajarem sem recuperarem as forças, essa noite seria tempo suficiente para decidir para onde ir. Não queremos incomodar.

                - Vocês não incomodam Daniel, já temos tantas pessoas aqui que incomodo é uma ideia falida. Eu só quero que você entenda que vocês tem a opção de ficarem, minha mulher e minha filha me matariam seu eu não deixasse isso bem claro. – estávamos agora no caminho gramado e frente ao campo. -  As crianças teriam outras para brincarem,  estudos, ficariam entretida quase que o dia inteiro. E trabalho para os mais velhos é o que não falta. Comida pode ser arranjado. Apenas quero que você pense bem antes de tomar uma decisão.

                - Pensarei. Como disse, é provável que fiquemos uma noite, tenho que conversar com minha irmã e meu primo. – falei olhando as crianças no campinho.

                - Tudo bem então. Estamos entendidos. – terminou ele.

                Mais tarde encontrei com Pedro e Julia na varanda onde Rafaela havia cuidado do meu corte. Agora, sem a dor alucinante eu pude reparar no lugar. Espaço agradável, com cara de casa de fazenda, tinha uma mesa de pebolim num canto, e varias cadeiras espalhadas. Mas o que não passa despercebido era a vista incrível: da altura que ficava o sitio podíamos ver montanhas inacabáveis no horizonte e um vale se estendia bem abaixo, serpenteado por um rio.

                - Bonito neh? É uma vista entanto daqui. – falou Julia. Me sentei perto deles. Estranhei não ver as crianças agarradas em suas pernas, a tempos não as perdia de vista. Precisei me lembrar que elas estavam apenas brincando no campinho com as outras crianças.

                -Sim. Você está tendo um descanso das crianças não é?- falei. Julia riu.

                -Nem acredito! Me sinto estanha e não tê-los por perto. – respondeu ela.

                - Tá bom! Chega de lenga-lenga. O que você precisava falar com a gente?- esse foi Pedro, cheio de tato como só ele é.

                ­- Precisamos decidir o que faremos depois daqui – respondi. Eles se entreolharam.

                ­-O que quer dizer? – Julia perguntou – Eles não nos deixarão ficar?

                -Bom, não é isso, pelo que Alex tentou deixar claro, nós decidimos. Eu disse que precisaríamos de uma noite para decidir.

                -Mais cara, por que não ficaríamos? – perguntou Pedro. – Não sei se você não escutou, mas não há centro de refugiados, não há mais nada pra gente na capital.

                -Pedro eu sei. Mas eles são estranhos, nós os conhecemos hoje! No melhor dos casos eles são uma família sobrevivendo juntos e nós somos os intrusos. Não há mais centro de refugiados, mas podemos encontrar um lugar para sobrevivermos também.

                Pedro e Julia suspiraram, era compreensível sua decepção.

                - Você sabe cara, que  o que você decidir eu tô com você. Só pensa bem tá? – falou Pedro, se levantou e então saiu.

                ­- Tudo bem Dan, ele só esta cansado. Você pode estar certo, mas tem que entender que é a primeira vez que vimos algo bom acontecendo depois de tudo. E aqui tem garotas, era tudo que Pedro queria, mais especificamente uma engraçadinha que nem ele. – ela riu. Julia tinha sempre uma forma de amenizar as coisas. – Estaremos prontos para quando você quiser ir. – ela disse, e também saiu. E eu fiquei só novamente, com uma escolha que pesava mais que um mundo em minhas costas.


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Notas finais do capítulo

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