O Senhor das Florestas escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 30
Almas Quebradas


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, eu planejava postar esse capítulo junto do próximo porque queria que os dois "passassem rápido". Mas eu me distraí... Então postei logo, enquanto vou terminando o próximo, deve sair ainda esse fim de semana. Hoje é sexta ou sábado?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800121/chapter/30

Ascian não se permitiu pensar no que Meldrie tinha dito. Seguiu o primeiro caminho apontado por ela, o caminho para Eiren. O irmão que procurava. O outro caminho não levaria a nada. Doía afastar Hernan de seus pensamentos com tanta frieza, mas não ouviria Meldrie e suas orientações vazias. Se pensar no irmão mais velho que perdera tão violentamente nublava sua razão, então era melhor não pensar. Um dos caminhos o levaria até Eiren. O outro não levaria a nada.

Estava tão focado em chegar até Eiren, que mesmo com a escuridão e a chuva, o caminho parecia fácil. Apesar da lama, o chão não era escorregadio, e desviou dos poucos obstáculos em seu caminho com uma facilidade instintiva. E quanto mais corria, mais queria correr, porque algo o impulsionava, julgava ser a ânsia de reencontrar o irmão em segurança. Mas o caminho estava fácil demais, e em algum momento toda aquela sorte passou a fazer sentido. A familiaridade, a força que o puxava. Ele já tinha feito aquele caminho antes. Em qualquer outro lugar isso seria irrelevante, mas, na Floresta, não se trilhava o mesmo caminho duas vezes.

Tão logo percebeu isso, Ascian se forçou a parar, contrariando aquele ritmo que agora não parecia ser só dele, como se tudo ao seu redor se movesse também, facilitando para que chegasse ao caminho errado. Sempre foi assim, ele percebeu. A Floresta sempre respirou e se moveu em volta deles enquanto vagavam por ela, mas, por algum motivo, só agora conseguiu enxergar o movimento sutil e ritmado, que parou, deixando para trás apenas as batidas de seu próprio coração, e também outro, mais distante e baixo, que logo se calou para seus ouvidos. A parada brusca exigiu seu preço, e ele rolou pelo chão enlameado até finalmente parar, mas se houve algum ferimento, não se importou.

— Não… Não! – Levantou-se rápido, já virando as costas para fazer o caminho de volta. Tinha sido enganado. Meldrie mentira sobre os caminhos. A chuva não foi responsável pelo frio paralisante que o acometeu da ponta dos dedos até o coração. “Não vai ter tempo de voltar”, ela havia dito. Mas se tinha mentido sobre as direções, poderia ter mentido sobre isso também, e Ascian tentaria qualquer coisa...

Algo se moveu no canto de sua visão, sem fazer ruído algum.

Não olhe, não olhe, não olhe”, pensava desde o momento em que percebera aonde tinha sido levado, como se mesmo antes de perceber o vulto, já soubesse o que o aguardava ali. Deixara aquele lugar jurando que não olharia para trás. O que Meldrie dissera, naquele primeiro encontro, tanto tempo atrás? Alguma coisa sobre a vida, alguma coisa sobre as pessoas. Amaldiçoou-se por continuar buscando orientações dela quando a deusa já tinha se mostrado tudo menos confiável.

Deu um passo para o caminho de volta, mas um aperto no peito o forçou a parar. Não conseguiu forças para manter sua vontade. Manteve o olhar baixo quando o direcionou para a clareira, demorando-se um pouco no aspecto maltratado da grama pela chuva, adiando olhar para o que realmente exigia sua atenção. A água parecia capaz de arrastar tudo para lavar a terra, mas, um pouco mais distante de Ascian, a grama tomava uma tonalidade vermelha que manchava a água ao seu redor, sem se deixar lavar.

Não deveria ter olhado. Em parte, ele estava certo: nada o aguardava no fim daquele caminho. Nada além do pesadelo que a Floresta, que sempre mudava seus caminhos, decidiu manter no mesmo lugar como uma âncora.

E, ainda mais distante, estava a prova de que talvez não devesse duvidar tão rapidamente das palavras de uma deusa. Ascian recuou um passo, não com medo ou assustado, mas uma profunda tristeza a qual erroneamente pensou que já tinha se acostumado. Sentado na frente da árvore que protegera Ascian e Eiren dos animais, estava Hernan, ferido além do possível para uma pessoa que aparentava tamanha calma. Certamente os ferimentos não causavam mais preocupação, mas também não era calma que Ascian via em seu rosto. Não era nada. O olhar vazio caía sobre a grama tingida de vermelho, resignado em assistir ao Tempo apagar os vestígios de sua existência.

O povo de Ascian jamais gostou de floresta alguma, mesmo daquelas completamente mundanas. Velhas viúvas diziam que fantasmas eram atraídos pelas matas, porque as almas quebradas procuravam na natureza a vida que tinham perdido. Ascian nunca acreditou em fantasmas.

— Não é verdade... – murmurou. – Hernan?

Hernan franziu as sobrancelhas, sem levantar o olhar para ele. Não sabia se ele podia tê-lo ouvido mesmo com o barulho da chuva, e também não soube se Hernan o estava respondendo ou a si mesmo quando finalmente falou.

— Por que não fomos para casa...? – Algo em seu tom indicava que não era uma pergunta, parecia estar tentando se lembrar de um sonho. – Eles vão para casa... Eu não vou com eles...

Uma voz em sua cabeça gritava que aquilo era impossível. O eco retornava:

Morto. Morto. Morto.

Do fundo da sua mente, outra sussurrava, tímida e escondida pela primeira:

Eiren... Eiren. Eiren!

Sendo real ou não, Hernan falava deles, e a urgência ressurgiu empurrando o choque e a dor do coração dilacerado para a obscuridade. Ascian não pensou, apenas correu. Precisava encontrar o caminho certo. Precisava encontrar o irmão que procurava, e deixar o que perdera para trás. Mas se ainda pudesse ver e sentir a Floresta como um momento antes, perceberia ela se contorcendo ao seu redor, porque se afastar era duas vezes mais difícil do que tinha sido da primeira vez. Ele forçou seu caminho, por elevações que não existiam antes e mares de arbustos densos que se agarravam em suas pernas. Cada obstáculo o fazia lembrar do aviso de Meldrie, sobre não ter tempo de seguir pelo caminho certo, e a chuva, que havia parado em algum momento de sua corrida desesperada, não era mais uma desculpa para sua visão turva de lágrimas.

Caiu e levantou muitas vezes, sem se importar com os arranhões que conseguia. Mas o esforço parecia inútil, estava acuado. O labirinto sem paredes havia se fechado em volta dele. Quando novamente a lama escorregadia o derrubou, seu corpo não conseguiu se levantar. Estava no limite.

Em sua cabeça, as duas vozes ainda competiam.

Morto.

Eiren.

Morto.

Eiren!

Deveria voltar. Deveria continuar.

Hernan estava ali, ele tinha visto. Mas a dor era tangível o bastante para saber que havia perdido alguém. Hernan estava vivo. Estava vivo, ele o vira. Mas não via Eiren… Onde estava Eiren? Era dele quem deveria cuidar.

O irmão morto estava na sua frente, o irmão vivo não estava em lugar algum, e Ascian não tinha mais certeza das coisas que tinha visto acontecer.

Talvez fosse Eiren quem estivesse morto todo o tempo…?

Que loucuras estava pensando?! Ascian afundou os dedos nos cabelos, curvando-se até quase tocar a terra, a visão embaçada e um grito preso na garganta. Afundou as mãos na terra, apertando pedras que cortaram suas palmas e o incentivo externo o fez gritar. Mais do que o necessário pelos pequenos cortes que ele sinceramente mal sentiu. Gritou uma vez e outra e outra, e enxergava cada vez menos com as lagrimas e a terra. Não se importava que alguma das criaturas o ouvisse e o encontrasse. Os soluços diminuíram por instantes, apenas o bastante para que uma pergunta escapasse de seus lábios:

— Por que faz isso comigo?!

O vento agitou a grama úmida e Ascian viu isso como um escárnio. Ele sabia a resposta.

Comigo…”

Ah, garoto egoísta.

Ascian era o único deles que estava bem. Um de seus irmãos tinha morrido; ele não sabia mais qual. Um de seus irmãos estava perdido, ele não sabia onde. Mas ambos estavam ali por causa dele.

Essa era sua família.

Morto. Perdido.

Culpado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu acho que o Ascian é o protagonista mais coitado que eu já escrevi. Às vezes eu tenho pena do que tá acontecendo, mas preciso dele desequilibrado, fazer o quê...
Anyway. Eu estou tãaaaao feliz de postar esse capítulo, porque esse finalzinho foi a primeira coisa que eu escrevi da história, quando em vez de Ascian, Hernan e Eiren, os nomes dos personagens ainda eram X, Y e Z kkkkkkk 3 das 4 cenas escritas em adiantamento, weeeeee!!! (A 4a cena escrita em adiantamento é literalmente o último capítulo. Eu fico olhando para o caderno e pensando "calma, meu bem, uma hora chega a sua vez" kkkkk)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Senhor das Florestas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.