— Mas como vou descer? – perguntou Eiren, enquanto Ascian o vendava com o cachecol. De jeito algum permitiria que ele visse Hernan quando descessem.

— Você se agarra nas minhas costas.

Eiren não esboçou reação. Em outro momento, teria recebido um olhar de descrença, pois Ascian nunca conseguia brincar com ele nos ombros como Hernan fazia. Mas nenhum dos dois pensava nisso agora. A razão da venda era que ocupava seus pensamentos, o que ela significava. Ascian ouvira o bastante para saber que a imagem no chão não seria fácil, e até Eiren sabia que nada que vivenciara em sua ainda curta vida chegaria perto do horror acometido sobre o irmão mais velho.

A descida foi difícil com o peso de Eiren em suas costas enquanto Ascian tentava firmar os pés e as mãos até finalmente alcançarem o chão. Então Ascian congelou. Sabia que não deveria ter olhado, mas foi mais forte do que ele. Era Hernan. Era seu irmão. Que frieza deveria ter para simplesmente virar as costas? Seu irmão, que sempre o defendia em casa. Seu irmão que brincava com Eiren nos ombros. Seu irmão, voltando com lenha cortada no meio da neve e do inverno, trazendo para casa novamente o calor do fogo e de sua companhia.

— Cian? – Eiren chamou, segurando sua mão. Ascian não foi capaz de desviar o olhar. Era atraído para aquele quadro horrendo, injusto e cruel. Perdido para sempre. Mesmo que tentasse, seu olhar voltava para Hernan.

— O quê… – perguntou em um sussurro sem voz nem vontade quando Eiren puxou sua mão de novo. Viu que Eiren estava falando, mas não entendeu palavra alguma. Morto. Morto. Morto, o eco era só o que ouvia. – O quê?

Novamente, não entendeu o que ele disse. Outras palavras invadiam e nublavam sua mente, por cima da voz de Eiren.

Sangue. Frio. Inerte. Imóvel. Para sempre. Nunca mais.

— Cian! – Eiren chamou, preocupado. Vendo-o levar a mão até a venda foi que Ascian recobrou parte do foco. Segurou a mão de Eiren, interrompendo o gesto. Aquela visão era apenas para seus olhos, não os dele.

— Desculpe, Ren… Vamos…

Pegou Eiren pela mão como Hernan costumava fazer e se afastou. O quadro cruel em suas costas ainda clamava por atenção. Como Ascian podia dar as costas e continuar? Como podia deixá-lo ali? Por isso mesmo se proibiu de olhar para trás uma última vez. Não conseguiria deixar Hernan se o visse de novo. Seria sua perdição. Ascian não se permitiu olhar outra vez. Eram as paredes do labirinto. A arma da Floresta era que ela sempre os fazia olhar para trás. Ascian não olharia de novo, nunca mais.

Nunca mais.

Nunca mais.

Nunca mais.