A matter of time escrita por Alice


Capítulo 4
Three




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Henry caminhava em direção à casa de Charlotte com a cabeça baixa e as mãos escondidas nos bolsos frontais da calça, estava um pouco encolhido contra seu próprio corpo, o casaco grosso vermelho o protegia do vento frio que prometia a todos uma noite congelante. O inverno naquele ano se mostrava ainda mais castigante do que no ano anterior. Em Swellview não nevava, porém nas montanhas próximas a neve branca se fazia quase sempre presente. Estremeceu por pena daqueles que moravam isolados em lugares como aquele, com toda a certeza mesmo debaixo de inúmeros cobertores e com um aquecimento no máximo, ainda deveriam sentir um frio assustador.

Piscou meio atordoado quando percebeu que estava parado em frente à porta da casa, havia percorrido um considerável caminho sem nem notar. Tocou a campainha e esperou um tanto nervoso enquanto escutava os passos apressados de Nora Page, a mulher abriu a porta rapidamente e um singelo sorriso enfeitou seu rosto cansado quando o viu.

— Achei que não viria mais me visitar.

O tom maternal o fez puxá-la para um abraço, sabia que deveria visitá-la mais, porém as lembranças que aquela casa traziam eram meio sufocantes, nem imaginava como Nora conseguia andar por aqueles cômodos todos os dias sentindo a presença constante de Charlotte em cada espaço.

— Desculpe não ter vindo antes. - pediu, separando-se dela e adentrando à casa quando ela fez sinal para que ele se movesse. - Eu não sei bem como começar essa conversa com você.

— Tem a ver com Charlotte?

O brilho de esperança em seus olhos o fez soltar o ar ruidosamente pela boca, seu nervosismo era perceptível e Nora indicou o sofá para que sentassem. Henry se acomodou entre as inúmeras almofadas, tanto Charlotte quanto sua mãe amavam estar cercadas por elas, apoiou os cotovelos nos joelhos e cruzou as mãos enquanto buscava a melhor forma de iniciar aquela conversa.

— Henry, você pode me contar no seu tempo. - Nora o encarou de maneira tão carinhosa que ele sentiu vontade de chorar.

Quando informou aos seus amigos que deveriam contar a verdade sobre a vida antiga de Charlotte, eles o aconselharam de que talvez Nora não fosse aceitar tão bem quanto os seus próprios pais. Porém, Henry conhecia aquela mulher há anos, cresceu vendo o quanto ela tentava se manter presente na vida da filha mesmo tendo que passar por vezes semanas longe e em alguns momentos até meses. Nora Page trabalhava para os médicos sem fronteiras, ela viajou o mundo antes de decidir voltar para casa e montar seu próprio consultório, que oferecia consultas e remédios para quem não podia pagar.

Charlotte tentava disfarçar o quanto a falta da mãe a machucava, mas para poucas pessoas ela era transparente de mais. A ausência de Nora permitiu o trabalho perigoso de Charlotte, porém, quando ela sumiu, Henry se viu na obrigação de contar à senhora Page a parte escondida do passado de sua filha. Demorou para que ela assimilasse tudo e quando afirmou que nada daquilo era culpa de Henry, ele não conseguiu conter as lágrimas. Como ela mesma havia dito, "Charlotte nunca conseguiria não fazer algo para ajudar quem precisava. "

Inspirou fundo, estalando os dedos em nervosismo quando iniciou sua pequena história que levava a hipótese de Piper, deixando de lado vários detalhes desconfortáveis para se contar para a mãe de Charlotte, obviamente. Nora absorveu tudo o que ele dizia com uma expressão calma no rosto, mas em seus olhos era possível ver a nítida emoção e as lágrimas que tentava não derramar. Ao fim, fez as perguntas que tanto queria, se ela tinha percebido algo estranho ou se Charlotte teria comentado algo superficialmente com ela.

— Minha filha sempre soube ser discreta quando queria, péssima mentirosa, mas surpreendentemente discreta. - afirmou, enxugando rapidamente uma lágrima teimosa. - Se ela escondeu mesmo uma gravidez talvez fosse porque estava muito recente ou não sabia o que fazer.

— Penso o mesmo. No dia em que ela sumiu, ela deveria estar na cafeteria onde sempre estudava aos sábados, mas ela não aparece em nenhuma câmera em um raio de cinco quilômetros de lá.

Nora assentiu, entendendo onde ele queria chegar.

— Uma vez descobri que ela estava fazendo aula de karatê escondida, ela não quis me contar porque estava matando a aula de italiano que o pai dela havia insistido para ela fazer. - contou, sorrindo amavelmente enquanto se perdia na memória. - Só soube que ela estava fazendo isso porque tive que resolver um problema do outro lado da cidade, a espertinha foi para o bairro mais longe possível da nossa casa só para não ser descoberta. Pegava três ônibus e um trem todas as quartas a tarde, dizia que demorava porque parava para estudar com uma amiga em uma sorveteria. - balançou a cabeça rindo junto com ele. - O que estou tentando dizer, Henry, é que se a Charlotte quis esconder uma gravidez, com toda a certeza marcou seus compromissos para uma região em que nunca pensariam que ela iria botar os pés.

— O único lugar que acredito que ela nunca iria era na zona leste. - comentou, até porque sua amiga o chamava de zona dos liars (mentirosos), um lugar cheio de pessoas esnobes e oportunistas.

— Um lugar onde as pessoas sabem o valor da privacidade.

Franziu o cenho pensativo, se Nora estava certa então aquela talvez fosse a primeira pista concreta que teriam. Schwoz poderia hackear as câmeras de segurança da cidade novamente e procurar por Charlotte entre as ruas. Se aquilo não desse certo eles iriam esquadrinhar cada região escondida de Swellview, não deixaria passar um bairro ou beco escuro, mesmo que tivesse que ir pessoalmente em cada local.

Nos últimos cinco meses eles se lançaram em buscar infrutíferas, interrogaram inúmeros vilões e ex-vilões, espalharam fotos de Charlotte por todos os cantos e conversaram com inúmeras pessoas. Nunca pensaram em olhar para outra direção porque havia inúmeras para serem observadas, mas sentia que daquela vez fossem realmente encontrar algo e com a energia renovada se despediu de Nora para ir ao encontro de Schwoz.

 

■ ■ ■ ■ ■


— Vista isso, vamos dar uma volta.

Olhou confusa e receosa para o casaco grosso que foi jogado sobre suas pernas, levantou o olhar para encontrá-lo a encarando com um sorriso contente que fez sua desconfiança aumentar. Resolveu não discordar, até porque não estava com forças para tal e se eles iriam sair iria aproveitar todos os minutos possíveis do lado de fora. Levantou-se da cadeira que arrastou para dentro do quarto, se afastando da janela com vidros embaçados e arranhados.

Vestiu o casaco grosso notando o quão grande ficava sobre ela, mesmo com a enorme barriga, que foi prontamente coberta, o casaco parava abaixo de seus joelhos, o bom era que o tecido a aquecia de maneira considerável. Caminhou devagar para fora do quarto, ele já a esperava parado à porta aberta, em poucos segundos se encontravam do lado de fora. Apertou o casaco ao redor de seu corpo, piscando rapidamente para se acostumar à claridade do mundo branco ao seu redor.

Ele a segurou pelo braço, tentou acompanhar seus passos, porém era difícil em meio à neve e a visível animação por parte dele. Seus pés afundavam na neve até a canela deixando o tecido de sua calça úmido, era menor que ele então precisava de ajuda para conseguir caminhar sem ficar presa. Sentia as pontas afiadas em seu ombro, estremecendo tanto de frio quanto de medo. Ele a envolvia com um braço sobre seus ombros e uma mão a segurando pelo cotovelo, era um gesto que a prendia à ele sem deixar escapatória.

Enquanto caminhavam para longe da cabana por um trecho menos cheio de neve, que parecia ter sido limpo pouco tempo atrás, Charlotte aproveitou para olhar ao redor. A floresta vazia ao seu entorno fazia um sentimento de desalento a dominar, assim como a paisagem extremamente branca e o silêncio opressor que só era cortado por suaves sons de animais ao longe, até eles pareciam saber que o melhor era manter distância daquele local.

Franziu o nariz pensativa, algumas árvores estavam marcadas com uma cruz vermelha meio escondida pelas folhagens que se tornaram brancas, percebeu um padrão enquanto caminhavam e soube que deveriam significar onde ficavam as armadilhas ou onde era mais seguro. Decidiu que na volta iria prestar mais atenção, no momento tentaria se manter calada para conservar energia, estava tão cansada e a pequena caminhada até a parte de trás da cabana a estava deixando exausta.

— Chegamos.

A voz áspera a avisou, levantou o olhar do chão e observou sua cidade ao longe. Swellview brilhava intocada abaixo deles, em uma calma que a fez querer chorar, em algum lugar, espalhados pela cidade, se encontrava sua família. Prensou os lábios para que ele não os visse tremer, escondeu as mãos nos bolsos do casaco e ergueu o queixo minimamente, não iria falar nada.

— Você não precisa mesmo abrir a boca. - a fala sarcástica a fez morder o interior da bochecha. - Só te trouxe aqui para se despedir.

Seus lábios se entreabriram, olhou assustada para ele que se deliciou com sua reação. Começou a negar com a cabeça, sua voz parecia ter sumido e não conseguia pensar em nada para dizer.

— Você achou mesmo que ficaríamos aqui depois do bebê nascer? Não pensei que fosse tão ingênua, Charlotte.

— Mas... - engoliu em seco, sentindo sua garganta ressecada e dolorida.

— Vou confessar algo, meu plano era deixar você sozinha após o nascimento, mas descobri que quando você não tenta me matar, até que é útil. - a puxou para mais perto fazendo o estômago da jovem embrulhar. - Essa criança vai precisar de uma mãe e tem certas coisas em que você vai ser perfeita, acredito que vamos formar uma família... maravilhosa.

Quis se soltar daquelas garras, empurrá-lo para longe dela e do seu filho, quis chorar, gritar, bater, resistir, mas se viu sem reação. Ele iria deixá-la para morrer sozinha naquela cabana escura e fria enquanto levava seu bebê para longe. Se abrisse a boca, se expressasse todo o ódio que sentia, sabia que ele voltaria atrás e não a levaria mais, era arriscado ele tirar aquela criança com as próprias mãos e ser capaz de matá-la antes que pudesse ter a chance de segurar seu próprio filho nos braços.

— Quem cala consente, não é mesmo?

Finas lágrimas começaram a descer por seu rosto, sentiu suas pernas fraquejarem, mas ele a segurou pelos braços para continuar em pé. Longe deles, alheios ao que ela passava, Swellview continuava seus dias em uma rotina própria. O coração de Charlotte apertou, a sensação de que talvez nunca fosse escapar dele se espalhando por cada célula de seu corpo. Queria acreditar que chegariam à ela antes que fossem embora, torcia para que sim, se não chegassem a tempo era provável que nunca mais fosse encontrá-los de novo, que nunca mais fosse ver Henry.


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