As risadas pareceram congelar o grupo responsável por levantar a barreira de proteção assim que o espírito se apresentasse. Energia obscura preencheu todo o espaço, aqueles que possuíam baixo cultivo começaram a se sentir afetados. Azizi e Hirun reagiram imediatamente diante da forte onda de energia obscura e levantaram a barreira enquanto Violeta e Ravi correram para auxiliar os mais afetados. 

Permanecendo firme em sua posição, o líder do grupo da inquirição proferiu: “Hong Gao hoje não é dia para jogos, se mostre!”

  “Você quer que este ancestral se mostre?”

A pouca luz que provinha das lamparinas tremeluziram e apagaram, deixando o brilho pálido da lua como a única fonte de luminosidade. No centro do arranjo de atração o espírito de Hong Gao pareceu se materializar levando surpresa aos corações dos cultivadores.

O rosto de Hong Gao estava distorcido com hematomas e ferimentos, havia sangue seco escorrido da boca e dos ferimentos, outras partes do corpo não estavam em melhor estado, até a ponta dos dedos pareciam estar repletas de sangue seco. Aquela visão era a projeção do seu último estado antes da morte. Hong Gao havia sido torturado.

Um grito agudo soou ao longe tirando Azizi de seu estupor, parecia vir da ala onde haviam deixado o casal e os quatro cultivadores juniores. Com o coração acelerado ele correu pelo corredor até chegar no salão interno, onde dois haviam ficado de guarda ao pé da escada.

No escuro Azizi distinguiu uma forma humana ao chão, o cheiro pungente de sangue não podia ser ignorado. Suas mãos alcançaram uma pérola noturna em sua bolsa de armazenamento, o brilho da pérola complementou a luz da lua e revelou uma bagunça sangrenta, havia respingos e traços de luta por todo lado além da poça de sangue onde um dos discípulos jazia.

Controlando a respiração Azizi subiu as escadas silenciosamente enquanto um choro e palavras ininteligíveis chegavam a ele. No corredor superior a cena não destoava da do andar inferior, porém havia dois corpos: um com um profundo sulco na garganta a beira da escada tornando-a escorregadia conforme o sangue fluía do corpo para os degraus, e em frente a porta do quarto do casal estava segundo corpo com uma espada cravada no peito e olhos aterrorizados.

O coração de Azizi batia tão forte que ele podia ouvir o som de seu sangue sendo bombeado. Com passos leves ele se aproximou da porta e viu que os talismãs e todas as proteções haviam sido retirados por mãos humanas.

É possível que houvesse um traidor entre os juniores? Porém, dentre eles nenhum tinha um cultivo e talentos notáveis capaz de passar despercebido enquanto tramava. Azizi começou a questionar os acontecimentos havia vivenciado até ali e o pressentimento de desastre voltou a dominá-lo como quando chegaram a entrada da vila.

Do outro lado da porta uma voz feminina abafada soou entre risadas: “Você, você não vai se livrar de mim e obter descanso nem tão cedo. Seria fácil demais. Você derramou sangue por toda terra Gao por dinheiro, você conseguiu tudo o que cobiçou e mesmo assim você matou Hong Gao e foi capaz de... Velha Lian, você acha mesmo que pode escapar de mim?”

O que se seguiu foi o barulho de algo caindo, um grito lamentável e risadas enquanto um choro abafado persistia ao fundo. Azizi segurou guardou rapidamente a pérola, segurou sua espada e entrou no quarto sem aviso.

A partição externa do quarto estava um caos, a mesa de chá estava caída junto com toda a porcelana espatifada ao chão. Tia Lian estava caída de bruços enquanto uma espada perfurava o seu ombro. Era uma discípula júnior da seita Sol Nascente que estava empunhando a espada enquanto um dos pés pressionava o corpo da senhora ao chão, o da discípula estava distorcido pelo ódio.

Possessão. O pensamento atravessou Azizi naquele breve segundo.

Desviando os olhos rapidamente para a partição externa o senhor Lian estava ao chão com o tronco apoiado na parede ao lado da cama enquanto cuspia sangue, ele não estava em boas condições, parecia ter sido torturado e as pernas estavam esmagadas.

“Garotinho, você tem muita vontade de morrer” Com a voz arrastada e um sorriso zombeteiro ela encarou Azizi enquanto a tia Lian tremia e arfava de dor de baixo dos seus pés.

“Esse corpo. Deixe-o.” Azizi encarou o rosto de sua irmã marcial júnior, os olhos dela estavam frios com um toque de crueldade.

“O que fazer...” Ela pareceu hesitar enquanto pensava, mas tal expressão não durou nem um minuto “Eu gosto dele, você está no meu caminho. Terei que matá-lo”

Ela puxou a espada do ombro da tia Lian, que deu um guincho de dor. Em um piscar a espada estava a centímetros de Azizi que começou a bloquear os golpes ativamente. A mente dele trabalhava incansavelmente, sua consciência dividida entre monitorar os dois feridos, lutar sem ferir fatalmente o corpo da júnior e se resguardar contra algum ataque furtivo.

O cultivo de sua irmã marcial júnior era extremamente inferior ao dele que já possuía o núcleo formado, porém a energia maligna era extremamente densa e gerava aumento do poder de luta e resistência. Como seus irmãos não estavam presentes Azizi decidiu parar de suprimir o seu cultivo e terminar com aquilo rapidamente.

No mesmo segundo em que Azizi a desarmou e pressionou levemente a espada na garganta dela ele captou com o traço de sua consciência que havia alguém se aproximando. Aproveitando o segundo de distração onde Azizi se concentrou em suprimir o cultivo ela chutou-o e se lançou em ataque.

Azizi se viu obrigado a deixar de utilizar a espada para não ferir o corpo dela, enquanto estavam trocado golpes Ravi adentrou o cômodo e Azizi gritou: “Contenção!”

Diante daquela cena e juntando o que foi dito Ravi entendeu o que estava se passando. Sem perder tempo ele mordeu o dedo e desenhou com o seu sangue um talismã, ativou-o com sua energia espiritual e lançou nas costas da discípula.

O corpo da discípula pareceu congelar em resposta e o espírito que estava possuindo deixou o corpo. Antes que ele pudesse escapar Ravi retirou uma bolsa de contenção e ativou. Sem que pudesse reagir o espírito foi contido.

Após o espírito sair, o corpo da discípula caiu mole nos braços de Azizi. Como se estivesse segurando a respiração por um longo tempo ele expirou pesadamente e deitou suavemente o corpo dela para checar os seus sinais vitais. Olhando para o rosto pálido e delicado dela ele lembrou de seu nome: Luci.

Luci era mais velha que ele por meses, mas permanecia como júnior na ordem de título e antiguidade. Antes naquele rosto sempre havia um sorriso sincero, na estrada até ali, mesmo ferida ela sempre tentava animar os outros de forma otimista.

Sinto muito, eu deveria ter percebido. Azizi pensou enquanto transferia um pouco de sua energia para limpar os meridianos dela.

Quando Azizi levantou a cabeça Ravi já havia checado rapidamente as vítimas e já estava do lado dele. Azizi retirou os dois dedos do pulso de Luci, já sabendo a extensão dos danos.

“Estão mortos” Ravi declarou e Azizi abaixou levemente o olhar, ele já sabia pois deixou de detectar sinais de vida durante a luta. “Como ela está?”

“Não sei se vai sobreviver, o corpo dela foi corrompido pela intensa energia negativa” Azizi respondeu com pesar implícito na voz.

Carregando-a Azizi desceu as escadas e seguiu em direção onde a invocação tinha sido realizada. Ravi seguiu-o silenciosamente, eles haviam sofrido pesadas baixas.

No salão externo havia alguns discípulos feridos ao chão, outros estavam em condições melhores. Hirun e Violeta haviam assumido uma posição ativa e estava claro que houve uma luta no local.

“Vocês acham mesmo que se me eliminarem o tormento dos Lian vai acabar? Eles nunca terão paz!” Hong Gao riu de forma ensandecida.

Quanto Azizi adentrou o cômodo a risada parou de forma abrupta. Estranhamente calmo Hong Gao proferiu lentamente: “Você de sangue mestiço, você não vai sair daqui vivo”

O sangue de Azizi gelou. Hirun apertou os lábios visivelmente irritado e disse entre os dentes: “Estou cansado de você”  

Violeta e Hirun trabalharam em conjunto e destruíram o espírito de Hong Gao. Após o espírito de Hong Gao se dissipar Azizi deixou Luci aos cuidados de uma discipula e se reuniu com seus irmãos.

“Um dos discípulos sabotou a proteção, alguns foram possuídos depois. Hong Gao nos enganou e então tentou nos matar” Ravi explicou de forma rápida os acontecimentos.

“Não sei se Luci vá sobreviver, os outros estão mortos. O espírito que enfrentei carregava muita energia negativa. Muito ódio e ressentimento. Vocês obterem alguma resposta de Hong Gao?”

“Sim, depois de subjugá-lo conseguimos respostas. A família Lian tinha uma disputa com a família Gao. Hong Gao não cresceu aqui, foi mandado pela sua família para longe e perdeu o contato. Ele a segunda filha Lian se encontraram em outro condado, se apaixonaram e tiveram uma filha. Os Lian descobriram que ele era uma criança perdida dos Gao, não toleraram e mataram os três.”

“Estão o espírito que enfrentei deve ser da segunda filha Lian” Azizi relatou o que escutou antes de adentrar o quarto.

“Mesmo assim, ainda tem algo fora do lugar” Violeta disse enquanto franzia o cenho.

“Sim. Por que os juniores nos traíram? Porque Hong Gao disse que os Lian nunca teriam paz?”  Ravi questionou.

Após pensar um pouco Hirun respondeu: “Sugestão”

“Sugestão? Se eles estavam sob o efeito de uma sugestão então quando isso ocorreu? Antes de chegarmos ou quando chegamos?”

“Acho que simplesmente caminhamos de bom grado para uma armadilha” Azizi disse abaixando dois tons.

“Você acha que ainda estamos na matriz?” Violeta acompanhou abaixando a sua voz.

“Sim, e tem alguém brincando com a gente.” Azizi respondeu enquanto Hirun lançava uma barreira sonora.

Ravi olhou para Hirun visivelmente confuso e perguntou: “O que Hong Gao quis dizer com aquele negócio de sangue mestiço?”

“Eu não sei”

“Você acha que ele estava brincando com a nossa cabeça?”

“Sobre o efeito da inquisição ele não poderia mentir sem ativar o efeito rebote e se ferir. Eu e sua irmã teríamos notado se ele mentisse, então seja o que for tem algum fundo de verdade.”

Com o coração inquieto Azizi se desligou da conversa enquanto analisava todos os acontecimentos e descobertas. Sua voz começou a soar enquanto interpretava os eventos: “Os Lian nunca terão paz ... talvez esse lugar esteja em um eterno loop. Se for isso então é extremamente complicado, uma matriz de repetição dentro de uma outra matriz. E se a vila está dentro de uma grande matriz, então os que vivem aqui podem nem ter ideia do que está acontecendo enquanto os Lian estão presos na própria tragédia”

“Como peças de xadrez, ignorantes ao fato de que estão sendo manipulados” Hirun completou sombriamente.

Ravi: “Mas qual é o objetivo disso? Qual a vantagem em colocar uma vila tão pequena em uma matriz?”

Violeta: “Talvez a resposta esteja na energia negativa. O posicionamento da vila gera estagnação de energias, é um bom local para se acumular energias negativas.”

Azizi fitou Violeta e considerou cuidadosamente a possibilidade: “Se o objetivo é gerar e acumular energia negativas então o loop dos Lian é uma das fontes, a cada ciclo mais ressentimento é gerado. O centro da matriz deve estar em algum lugar da vila”

“Uma pessoa tem que ser muito ruim para usar seres humano assim, não acha?” Ravi resmungou.

Violeta olhou para o seu irmãozinho desamparada, as vezes ela sentia que seus irmãos estavam em sentidos diferentes. “Quem sabe... não é como se nesse continente só existisse pessoas boas”

“As seitas demoníacas não costumam agir descaradamente. O que lhes deu coragem para agir assim? Não é como se a nossa seita fosse um caqui macio” Ravi continuou.

Hesitando um pouco Hirun decidiu continuar a participar da conversa: “Pode não ser eles. Não é como se imortais tivessem deixado Iwin”

“Hm. Tem razão. Além do mais, qual é o sentido de atrair o lobo para a toca? A nossa presença não estragaria o plano de gerar e acumular energias negativas?”

“Tudo isso... é muito estranho” Violeta disse coçando a bochecha. Os quatro caíram em silêncio, depois de um tempo ela olhou para seus irmãos sentindo que eles eram realmente azarados.

“Tivemos seis baixas, talvez Luci não sobreviva. O restante está ferido e ou se recuperando dos efeitos da energia negativa. Precisamos nos organizar, repor nossas energias e sair desse lugar.” Violeta disse ajustando a sua mente.

Azizi: “Deve levar um tempo para a matriz reiniciar. Vou tentar localizar o centro. Quando chegamos não fui capaz de percebê-la, temo que o nível da pessoa que está fazendo isso seja realmente tão alto quanto estimamos anteriormente”

“Eu posso ajudar” Ravi se ofereceu prontamente.

“Não. Eu vou junto, você fica e ajuda a sua irmã” Hirun rejeitou a ideia.

“Os corpos dos discípulos juniores... o que faremos com eles?”

Violeta suspirou e envolveu Ravi com o braço direito, não sabendo se estava reconfortando a si mesma ou a ele. Depois de pensar sobre o assunto ela decidiu: “Apenas enterrar no pátio, no momento não temos como levá-los de volta. Quando tudo isso acabar vamos queimar esse lugar, para que desapareça com o vento e nenhuma pessoa tenha que pisar nesse lugar esquecido pelos deuses”