O Canto da Fênix escrita por AnnaBrito190


Capítulo 11
Vale Das Sombras IV




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Vila das Colinas parecia apática e fria, o calor produzido pelo sol não chegava nos olhos das pessoas. As ruas acidentadas e casas decrépitas indicavam o declínio do local, tal visão era constante e contrastava com a paisagem suave e delicada das colinas que cercavam a vila.  

Ao longe uma criança brincava com miniaturas de animais esculpidos na madeira, ouvindo os ruídos produzidos pelo aumento de pessoas na rua ele levantou a cabeça para ver o motivo da mudança. As faces abatidas e vestimentas surradas entraram na visão do garotinho que logo voltou a ignorar tudo a sua volta.

Os passos pareceram se aproximar e um par de sapatos e a barra de uma saia entraram no campo de visão do menino que brincava silenciosamente, com uma reação lenta o garotinho parou e olhou para cima. A sua frente estava uma irmã mais velha com olhos brilhantes e um sorriso quente, mas aos olhos do garoto tal cena era como o ar, não chegava aos seus olhos.

Violeta se agachou e olhou com interesse para os brinquedos, depois de analisá-los os olhos dela voltaram-se para o rosto da criança e a voz dela soou levemente com uma clara entonação de ternura.

“Oh, os brinquedos do irmãozinho são tão adoráveis! Seus pais que entalharam?” Os olhos de Violeta expressavam claramente a expectativa de uma abertura, mas a criança continuou tratando-a como ar. “Então o irmãozinho não gosta de falar, hum, está certo... o irmãozinho continua sendo uma criancinha fofa” Violeta sorriu e bagunçou o cabelo dele enquanto seus olhos se curvavam feito lua. A criança olhou desconfiado para Violeta fazendo-a sorrir ainda mais.

A uma certa distância Azizi observava com um sentimento estranho, os movimentos do garotinho não pareciam certos, havia uma rigidez mecânica. Um arrepio percorreu a espinha de Azizi e a temperatura pareceu cair, olhando a sua volta parecia que ninguém mais havia sentido algo parecido.

“Esse irmãozinho sabe me dizer onde fica os Lian?”

Ao escutar a pergunta de Violeta os olhos da criança se desviaram levemente para o que estava atras dela, Azizi percebeu a leve mudança e logo seus olhos se encontraram por questões de segundos antes da cabeça do garoto se virar para trás, levando junto e torcendo seu pequenino corpo, com o queixo ele apontou para uma direção atrás dele.

Violeta olhou para a direção e suspirou enquanto o garoto voltou a brincar silenciosamente como se o que estava a sua volta não importasse. Violeta bagunçou o cabelo da criança mais uma vez e antes de levantar-se retirou de sua bolsa alguns doces de coco caramelizados e deu para a criança.

Depois do tempo de um incenso o grupo adentrou a única estalagem aberta do território de Vila das Colinas. As condições do local não eram boas, provavelmente os negócios já não iam bem a muito tempo, do mesmo jeito que o restante da vila. Avaliando o cenário os olhos afiados de Hirun brilharam com uma leve desconfiança, porém seu rosto permaneceu impassível.

Uma mulher de meia idade abriu uma divisória, ao identificar que o grupo era de cultivadores ela pareceu paralisar por alguns segundos em choque, então sorriu para eles por de trás de um balcão. “Oh, os céus nos ouviram! Entrem, fiquem à vontade.”

“Obrigado, senhora...”

“Pode me chamar de tia Lian, meu marido que mandou a carta”

Hirun se curvou respeitosamente e sua voz límpida e pode ser ouvida. “Peço perdão pela demora em nome da Seita Sol Nascente”

“Não há necessidade. Vocês foram os únicos que se dispuseram a vir”

“Tia Lian, gostaríamos de obter mais detalhes da situação se possível”

“O meu marido deve chegar em breve. Por que não se acomodam primeiro?”

“Obrigado”

Lian providenciou as acomodações para o grupo, que parecia mais como uma caravana do que um simples destacamento para auxiliar uma pequena vila. O grupo ocupou praticante todos os quartos da estalagem.

Todos os quartos eram iguais, não havia muita decoração, o mobiliário se resumia à cama, mesinha e um móvel de guarda.

Ravi e Azizi adentraram o quarto que iriam dividir e silenciosamente procuram sinais de alguma anormalidade. Azizi estabeleceu uma barreira de proteção e Ravi abriu a porta e sinalizou para Violeta e Hirun que esperavam no corredor.

O quarteto se sentou em volta da mesinha e um silêncio mortal dominou o cômodo. Era como se o mínimo barulho fosse quebrar a frágil película que segurava a esperança de terem abandonado os estranhos eventos.

“Algum deles percebeu?”  A voz modulada de Hirun ressoou pelo cômodo, quebrando o silêncio.

Ravi olhou para baixo e assentiu, suas mãos estavam inquietas assim como o seu coração. “Sim. Se não tivéssemos chegado logo eu não seria capaz de desviar a atenção”

Os olhos de Hirun pareciam dois poços de onde nada poderia escapar, seu rosto não revelava nada, mas ele tentava analisar meticulosamente a situação. Segurando brevemente a respiração ele se sentiu derrotado, o seu conhecimento sobre matrizes não era o suficiente, mesmo que ele fosse o próximo mestre da seita os seus conhecimentos e habilidades eram limitados. Se sentindo amargo decidiu seguir com o mais seguro, que era confiar no mais novo enquanto estava de olhos vendados.

“Azizi, notou algo?”

“Não, por enquanto não pude identificar nenhuma flutuação anormal aqui” Azizi fez uma pausa ao lembrar da sensação esquisita que sentiu ao observar a criança que encontraram mais cedo, com a mente inquieta ele completou de forma cuidadosa “mas as coisas não devem ser tão simples quanto parecem.”

Ravi olhou pela janela, seus olhos pareciam se perder paisagem à fora. Os lábios dele se moveram de forma leve, e a voz saiu como um sussurro. “Vocês repararam no posicionamento da vila?”

Olhando rudemente para o posicionamento da vila podia-se notar que havia tendência de acúmulo de energias, estagnação. Não era um bom lugar para se estabelecer, atraia facilmente energia negativa e uma vez que se acumulasse seria uma dor de cabeça para dispersar.

“Sim, não é bom” Violeta respondeu enquanto seus olhos acompanharam o de Ravi e a atmosfera sufocante da antecipação do perigo escondido dominava o cômodo.

O sol se pôs timidamente, logo o quarteto foi convidado pelo senhor Lian ao salão interno de sua família. O rosto do senhor Lian estava marcado pela passagem do tempo, seu personagem parecia reto, mas ao mesmo tempo sua aura não era hostil. De forma direta o senhor Lian explicou ansiosamente o problema enfrentado, com sua esposa ao lado adicionando pequenos detalhes, os quais ele parecia esquecer.  

Acontece que o cenário relatado pelo casal não diferia muito do que foi relatado em carta, quando ao motivo de seitas que ficavam mais próximas não terem sido alcançadas o casal explicou que elas decidiram simplesmente fechar os olhos, afinal, a disposição da vila em si já atraia problemas, aos olhos deles seria como abanar o vento incansavelmente e não atingir a montanha.

O casal vivia ali desde que se entendiam por gente, tendo seus ancestrais se estabelecido ali a tanto tempo que não se podia lembrar. Porém até mesmo uma vila pequena as coisas podem não ser harmoniosas, os Lian provavelmente tinham água lamacenta ensopando o tapete do seu salão ancestral.  Ravi olhou de lado para o seu irmão mais velho Hirun e não pode deixar de zombar do casal em seu coração, afinal, até ele o menos experiente entre os quatro percebeu que havia algo de errado com a explicação, como esse par ousa tentar vender uma simples rocha como diamante para o seu irmão mais velho?

Ciente do raciocínio afiado dos seus irmãos Azizi adivinhou que eles também viram por trás da venda e só pode suspirar, afinal, o que quer que seja que os Lian varreram para de baixo do tapete não poderia ser escondido para sempre, eventualmente as coisas sempre surgem. Todos os quatro tiverem o entendimento tácito de não expor o casal, o trabalho deles ali não era ensinar as cinco virtudes.

Após mais algumas palavras com o casal Hirun pediu que eles permanecessem a noite no quarto que seria preparado e não saíssem mesmo que escutassem algo.  Ravi e Azizi escolheram um quarto de acordo com o melhor posicionamento no layout da propriedade, teceram uma barreira protetora e colocaram talismãs nas janelas e porta.

Depois que o casal se recolheu Hirun convocou todos os juniores para uma reunião. Quando todos estavam silenciosamente aguardando por instruções Hirun lançou uma barreira de som no salão antes de começar.

“Antes de sairmos da seita todos foram instruídos com as informações básicas da situação relatada. Alguém consegue me dizer como prosseguir de acordo com as informações fornecidas?”

O salão da ala externa (onde funcionava o comércio dos Lian) permaneceu em silêncio enquanto Hirun olhava para cada júnior presente. Uma garota se destacou do grupo dando alguns passos para frente, seu rosto estava levemente corado e seus olhos evitavam os de Hirun. Reunindo coragem ela levantou o olhar e respondeu enquanto suas mãos agarravam firmemente seu robe externo.

“De acordo com a informação relatada o quadro é de uma maldição. Devemos encontrar o alvo real da maldição, convocar o espírito que guarda o rancor e cortar a ligação.”

“E quando o espírito já renunciou ao rancor e seguiu na roda da reencarnação? O que mantém a maldição?”

“No caso o que mantém a maldição é o sentimento da pessoa. A culpa que carregam alimentam as energias viciosas”

“E o que podemos fazer?”

“Não muito, podemos neutralizar as energias negativas a sua volta, mas tudo depende de a pessoa seguir em frente”

“Quais são os passos básicos ao se lidar com um espírito?”

“Primeiro devemos tentar realizar o seu último desejo, se não for possível prosseguimos com captura e selamento onde as energias negativas possam se dissipar, a última alternativa é eliminar”

“Bom. Você é de qual grupo?”

“Fui designada ao grupo do Terceiro Jovem Mestre”

Hirun acenou com a cabeça em reconhecimento e a garota recuou se misturando novamente com os outros juniores.

“Alguém tem algo a acrescentar?” Hirun aguardou pacientemente pela resposta, porém os juniores pareciam ratinhos assustados. “Não? Devo lembrar que todos estão aqui não só para aprender, estão sendo avaliados a cada segundo que passa”

Um garoto do grupo de Hirun encolheu os ombros com o lembrete então sua voz suave soou pelo cômodo: “No caso de maldições que envolvem todo um clã são geradas de um profundo rancor e a alma nunca descansa até o objeto de seu rancor ser totalmente eliminado”

“Certo. Alguém consegue ver algum padrão ou erro aqui?”

O silêncio se fez presente novamente, o garoto que respondeu anteriormente sentiu uma enorme pressão, seus colegas lançavam olhares furtivos para ele. Com vontade de poder esganar cada um deles ele continuou a responder. “Podemos não estar lidando com uma maldição e sim com um espírito vingativo”

“Qual é a diferença entre maldição e um espírito vingativo?”

“Maldições são lançadas por pessoas ainda em vida, em muitos casos a pessoa que lançou pode ainda estar viva. Elas atraem energias viciosas, espíritos perturbados e desastre para o alvo até que se conclua o desejo lançado. Um espírito vingativo surge quando uma pessoa não consegue deixar o seu rancor ou queixa e não seguiu para a roda da reencarnação, o espírito vingativo vai atrás das suas vítimas, caso consiga sua vingança não necessariamente vai seguir em frente deixando esse plano, é mais provável que vá atras de mais vítimas que se encaixam nos critérios da sua vingança original.”

“Então estamos lidando com uma maldição ou um espírito vingativo?”

Os olhos de Hirun varreu o cômodo e todos os juniores não ousavam olhar para frente e muito menos fazer qualquer barulho.

“O motivo para não saberem a resposta é a falta de informação e pouca experiência. A resposta certa para a minha primeira pergunta é: não devemos confiar cem porcento nas informações primarias passadas e coletar mais informações, pois as pessoas costumam esconder algumas coisas.”

Violeta que estava observando calmamente as coisas se desenvolverem suspirou e disse em um tom de desaprovação: “Está tudo bem vocês cometerem erros enquanto estamos por perto para apoiar e distinguir o preto do branco, mas vocês devem ser mais diligentes com seus estudos.”

 “Hoje temos um caso em mãos que não é tão simples como parece, de acordo com a entrevista com os Lian estamos lidando com uma maldição lançada contra o clã pelo último descendente de um clã rival. Encontramos pontos de divergência no relato e estamos em uma área propicia a energias negativas, o que é uma dor de cabeça sem fim, vocês devem trabalhar em duas frentes considerando que pode haver mais de uma situação. Os que não se recuperaram completamente devem ficar de fora da força principal, nós quatro vamos supervisionar”

“Sim sênior.” Os juniores responderam prontamente em coro e começaram a trabalhar criando um plano de ação e se dividindo de acordo. Os quatro juniores que foram os mais feridos na batalha foram divididos em pares, dois de guarda em frente ao quarto em que o casal estava e dois ao pé da escada que levava ao segundo andar da ala interna.

Já passava da meia noite quando foi realizado um ritual de invocação na sala externa da ala interna, o método usado deveria subjugar o espírito para obterem respostas. Após alguns minutos de profundo silêncio e sem verem algum resultado os presentes na sala começaram a achar que o espírito de Hong Gao já havia seguido para o caminho da roda da reencarnação.

De uma certa distância Azizi e Violeta observavam o desempenho dos juniores enquanto no lado oposto Hirun e Ravi faziam o mesmo. Ambos os lados eram como se fossem fantasmas a espreita, sem emitir um único barulho.

As chamas das lamparinas tremeluziram e diminuíram, a luz da lua adicionou um brilho pálido e anormal nas faces dos presentes, a cada respiração a temperatura diminuía até chegar ao ponto onde podia-se ver o vapor das respirações.

“Então os Lian realmente não desistem. Eu não posso viver, não posso morrer em paz...” Uma voz rouca ressoou por todo espaço fazendo cócegas aos ouvidos, cada palavra carregava um toque de melancolia e raiva. “... e muito menos posso me vingar” As palavras deram espaço a uma risada contida que aos poucos se transformou em uma explosão ensandecida de gelar corações.


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