— Olha, isso de ter poderes não é nem um pouco fácil. Eu não aguento a pressão, a responsabilidade de ter a vida das pessoas nas minhas mãos todos os dias. Eu não escolhi essa vida, eu não escolhi proteger pessoas como meu ganha-pão. É alguma espécie de carma por ser a gêmea sobrevivente? Por querer me juntar aos Vingadores quando meu irmão claramente não queria? Oh, deuses, por que é tão difícil ter que proteger a vida de pessoas como escolha de vida, e ainda mais difícil quando se está em frente a um volante?

— Wanda...

— O que é, Visão? Não vê que eu estou muito ocupada lamentando por não saber o mínimo de direção básica?

— Esse é o problema... – O sintozóide tinha o olhar parado, fixo nas mãos de Wanda ao redor do volante, uma certa decepção aparente nos olhos semiabertos. – Você nem ao menos ligou o carro.

— Oh.

Wanda exclamou em surpresa, movendo as mãos cobertas por anéis e braceletes em direção à ignição e dando a partida. Visão recostou no banco do passageiro, apoiando o queixo sobre os dedos cruzados e encarando o caminho vazio em sua frente, uma grande área verde e aberta nos arredores da Base dos Vingadores.

— Certo. Agora você pisa devagar no acelerador e segue em frente...

A moça apertava tão forte o volante que suas mãos estavam vermelhas, e Visão se perguntava se aquela força desmedida não estava sendo incômoda; ao se concentrar, era possível até mesmo ouvir o coração de Wanda batendo fortemente contra o peito, e ele não pode evitar de sentir pena ao vê-la tão nervosa com as práticas de direção.

— Wanda. – Ele novamente a chamou, fazendo-a virar a cabeça em sua direção e sussurrar algo ininteligível em resposta. – Você pode ficar tranquila, pois nada de mal vai acontecer quando começar a movimentar o veículo. Eu estou aqui com você.

Ela assentiu, balançando a cabeça algumas vezes. Já havia quase um ano que ela e Visão haviam se mudado para a Base e, além de conversas e noites em claro dividindo um mesmo espaço, não possuíam muito contato em missões e coisas do gênero, já que ele, via de regra, permanecia em uma parte operacional enquanto ela iria diretamente para as linhas de frente junto de seus colegas.

Estava cada vez mais difícil negar, contudo, que Wanda estava se apaixonando por Visão, e não era uma paixonite qualquer. Parecia ser o tipo de paixonite que a fazia corar a cada interação, e sonhar acordada com a próxima vez em que se veriam. E Visão, ainda aprendendo sobre sentimentos humanos, apesar de ter vontade de saber mais sobre Wanda, não havia percebido a paixão nos olhos e no sorriso da moça durante as conversas mais recentes.

Natasha, todavia, percebera; e organizou uma aula de direção – já que Wanda, nas palavras dela, “não sabia dirigir muito bem e precisava de um professor que tivesse paciência” –, pedindo, portanto, a Visão que ensinasse. O sintozóide prontamente aceitou, com o intuito de ajudar a colega e tão querida amiga com a direção, sem imaginar, contudo, que ela ficaria ainda mais nervosa que o normal durante o treinamento.

O carro andou devagar, girando as rodas sobre a relva, e Wanda parece respirar aliviada, levando a mão ao freio e sutilmente a movendo para trocar a marcha. “Ela está indo bem”, pensou Visão com um sorriso orgulhoso escondido.

— Mantenha o pé levemente pressionando o acelerador e conduza o carro devagar, certo?

Os lábios de Wanda desabrocharam em um sorriso fadado a viver pouco, quando ela percebeu que estava apenas indo em frente e não conseguia fazer a curva. Visão tinha os olhos levemente arregalados quando pediu:

— Wanda, é melhor você parar–

E o veículo deu um solavanco forte que projetou o corpo dos dois para frente, que logo em seguida retornaram à posição inicial, com as costas novamente apoiadas nos respectivos bancos.

Seria uma longa tarde. E Wanda demorou mais um tempo para entender como não deixar o carro morrer, a compreender o que significavam as luzes no painel do veículo, e até a sintonizar uma rádio ideal. Enquanto isso, seu tutor revisava:

— E quando aparecer algo na sua frente...

— ... Eu uso meus poderes para levar o objeto ao outro lado da pista e livrar meu caminho.

— Não. – Visão calmamente corrigiu. – Você para, se for uma pessoa, ou desvia, se for um objeto. Como aquela pedra.

Visão apontou para uma pedra gigante que estava a apenas alguns metros de distância, a qual Wanda provavelmente não havia prestado atenção até aquele momento; e notá-la só fez com que ela apertasse os dentes fortemente uns contra os outros, forçando a mandíbula e causando uma reação automática de usar seus poderes, sendo imediatamente parada pela voz metálica do sintozóide, dizendo:

— Wanda, lembre-se de desviar!

Ela pisou fortemente no freio e girou o volante com a maior eficiência possível, fechando os olhos para não ver o desastre. Após alguns segundos em completo silêncio, ela abriu primeiro o olho direito, depois o esquerdo, percebendo que Visão ainda estava ali.

— Estamos vivos? – Ela arriscou perguntar.

Visão concordou, e Wanda abriu a porta ao seu lado para perceber uma distância entre a roda do carro e a pedra, provocando um sorriso animado em seu rosto.

— Vizh, olha, eu consegui! Eu consegui!

Visão pensou em dizer algo como “bom trabalho, mas ainda há muito a aprender” ou até mencionar como não deveria deixar a ansiedade atrapalhá-la no trânsito, contudo, a alegria de Wanda era tão contagiante que ele era incapaz de fazer algo que não fosse sorrir na direção dela, evoluindo para uma risada quando ela bateu palmas e cantou em comemoração pela pequena vitória, tão diferente do clima tenso em que o treinamento havia iniciado. Se possuísse um coração, não saberia dizer se ele palpitaria fortemente de alívio pelo carro não ter encontrado a pedra, ou de alegria pela presença de Wanda. Talvez ambos.

Ele se virou para cumprimentá-la, recebendo os braços da moça ao redor de seu pescoço em um abraço apertado. Por alguns instantes, ele permaneceu parado, com ambos os braços abertos no ar sem saber como reagir, até conseguir finalmente perceber que deveria abraçá-la também. Nossa, como não havia pensado naquilo antes? E ele sentiu o pulso de Wanda sobre seu peito, tão forte que ele inicialmente pensou ser euforia, porém, pouco a pouco sentiu que era algo a mais.

Wanda tirou o rosto do vão entre seu ombro e seu pescoço, encarando Visão de frente, o sorriso esmaecendo pouco a pouco ao que ela esticou o queixo para beijá-lo. A temperatura no automóvel pareceu subir quando Visão apertou o abraço, trazendo-a mais para perto, e estando a um triz de trazê-la para seu colo, contudo, se afastou ao temer estar indo rápido demais.

A moça, por sua vez, sorria animadamente na direção dele, com a música baixa tocando no rádio em tom extremamente baixo. Wanda enrolou uma mecha de cabelo entre os dedos, e Visão, apesar de querer tomá-la nos braços de novo, notou a presença de outra pessoa nas proximidades: Natasha, que viera buscar a amiga para fazerem o jantar.

— Obrigada pela aula. – Disse Wanda ao descer do carro.

Visão meneou com a cabeça, torcendo que fosse a primeira de muitas.