Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes
A jovem vampira e seu mordomo checavam os danos da carruagem, curiosos. Os corpos de lobos espalhados sobre o local traziam consigo dúvidas e perguntas na mente da jovem donzela. Enquanto seu mordomo checava o estado dos cavalos, a menina permanecia com a mão sobre o queixo, pensativa.
— Eu não entendo...
— Senhora, veja isso.
A menina se aproximou do mordomo, que analisava as feridas nos cavalos.
— São garras?
— Sim, e não são de lobo. Alguém realmente tentou nos assassinar aqui.
— Seja quem for, não fez um bom trabalho. Eles realmente achavam que poderiam me matar com isso?
— Talvez eles achem que a senhora não esteja em condições de se defender.
— Sim..., mas agora estamos sem condução para nos levar ao castelo.
— Senhora, se algo acontecer e nós nos atrasarmos...
— Eu sei! — Gritou a menina, mordendo seu polegar.
O mordomo se levanta, encarando a floresta com bastante receio.
— Não foram humanos que nós vimos mais cedo, não é?
— Era o que eu estava pensando...
— Nesse caso, a senhora acha que... poderia ser...
A menina não responde, dando a entender que concordava com o pensamento de seu servo. Ela sabia que ainda não havia acabado. Aquilo poderia apenas ter sido um aviso. Em meio a este pensamento, o seu servo a toca no ombro, chamando sua atenção para a floresta.
— O que planeja fazer, senhora?
Ela levanta a cabeça em direção às arvores e começa a andar.
— Vamos investigar.
— Tem certeza disso? Se demorarmos muito, pode ser que acabemos nos atrasando para o jantar.
— Não me importo. Se nossas suspeitas estiverem corretas, isso não vai importar.
O homem assente. Os dois começam a andar em direção a vegetação. Enquanto caminhava, a jovem permanecia atenta aos seus arredores, tentando identificar quaisquer sinais de atividade suspeita. Ela podia perceber poucos resquícios de vida sobre o ambiente. À medida que ela andava, no entanto, ela sentia algo em seu peito que a fazia hesitar. Ela conhecia bem aquela sensação.
— Marcos... o frio...
— Sim.
— Como eu pensei...
Enquanto andava, Karen Solas via sinais de batalha pelas árvores. Pequenos riscos, galhos quebrados, e até que enfim encontrou algo mais significativo; sangue. Ela se abaixa e analisa a mancha vermelha sobre a raiz da árvore, passando o indicador sobre e aproximando de seu nariz.
— É sangue humano.
— Veja, M’lady.
Ao atentar-se para onde seu mordomo apontava, ela vê os possíveis donos daquele sangue. Três corpos humanos, das quais um deles ela reconheceu imediatamente.
— Este homem... entendo.
— Foram realmente tolos.
— Não abaixe a guarda, Marcos.
Ao checarem os corpos, algo chamou a atenção de Karen; seus ferimentos não pareciam terem sido causados por armas. Eram similares aos ferimentos causados nos cavalos.
Mais uma vez, a garota sente o calafrio percorrer o seu peito. Ela, hesitante, segura a frente de seu vestido, na região do peito, apertando o tecido e tremendo.
— M’lady? Está tudo bem?
— Marcos... — sua voz parecia trêmula.
— Senhora... talvez... talvez fosse melhor apenas esquecermos isso. Por favor, vamos fugir... vamos fugir para bem longe. Nós temos vivido bem da forma que vivemos até agora! Nós poderíamos...
— Marcos! — Gritou a garota, com bastante emoção na voz.
— Senhora...
— Sabe por que assassinaram minha família? Estavam atrás de mim. Você sabe disso, não sabe? Mesmo que fugíssemos... mesmo que deixássemos este lugar, e mesmo que fizéssemos parecer que morremos, eles ainda não parariam de nos procurar. E sabes o porquê disso, certo?
O mordomo permanece em silêncio.
A menina se levanta, meio fraca. De seus lábios, o sangue começava a escorrer levemente.
— Senhora...
— Eu não vou fugir.
— Mas a senhora já usou magia lá atrás, para lidar com os lobos. Se a senhora continuar a usar sua magia assim...
— Marcos!
O mordomo se cala com o grito dela. Ele abaixa a cabeça e faz um rosto triste e nervoso.
Sem dizer mais nada, a menina começa a andar. Sem outras opções, o rapaz a segue.
Em poucos minutos de caminhada, os dois encontram mais rastros, mas dessa vez eles eram bem diferentes. As árvores do lugar pareciam terem sido destruídas por algo grande. À medida que andavam, o rastro de destruição apenas aumentava. Enquanto percorriam aquela floresta, os dois percebiam que a fila de corpos de animais crescia sem precedentes.
— Eles estão aqui.
Marcos parecia hesitante quanto a coragem de sua mestra.
Enquanto continuavam, a sensação no peito da garota apenas aumentava. Ela tremia e tossia enquanto avançava, mas nada neste mundo a faria parar agora. Eles já estavam quase lá, naquela grande clareira não natural. As árvores daquele lugar haviam sido destruídas por algo poderoso; mesmo a grama do lugar já não existia mais. Em seu centro, eles veem cinco corpos. Cinco vampiros. Assim que os vê, Marcos corre até eles, checando o estado deles, apenas para confirmar o óbvio.
— Estão todos mortos, M’Lady. Foram eles que ordenaram o ataque?
— Sim, pelo que parece.
— Não consigo encontrar nada que os identifique...
A menina encara os céus com os olhos cerrados. Ela parecia inquieta, mas a sensação de seu peito por algum motivo diminuíra.
— Ele já foi embora. Ele já conseguiu o que queria aqui.
O sentimento de Marcos se intensificara com as palavras de sua mestra. Ele ainda estava abaixado sobre os corpos dos vampiros, de joelhos, quando sua mente o deixou por breves segundos. Ele tinha aquele rosto impotente e irritado; foi quando ele se levantou e gritou.
— Já não é o bastante?! Já chega disso! Por que continuam a nos afortunar?!
— Marcos!
— Já chega! Por que não acaba com isso de uma vez por todas?! Por que não nos mata de uma vez!
— Já chega disso, Marcos! Se você o irritar-
— Vai para o inferno! Seu monstro!
A fala do mordomo fora interrompida por uma enorme coluna de luz que caiu como um raio na frente deles, causando um grande estrondo e fazendo fortes ventos os jogarem para trás. O mordomo rolou sobre o chão e parou próximo aos pés da menina, que tentava proteger o rosto da ventania causada pela explosão mágica. A coluna luminosa possuía raios em seu entorno, enquanto o local onde ela caia parecia se derreter. Em poucos segundos a luz cessa, fazendo a menina encarar o ser que aparecera com um rosto temeroso.
— É assim que tratam seu salvador?
A voz distorcida do ser etéreo trazia consigo um frio intenso no peito da menina; ela tentava manter sua sanidade ao mesmo que evitava transparecer o medo em sua voz. Ela faz um rosto sério e encara o ser com bastante propriedade. Em sua expressão, no entanto, havia uma leve sensação de alívio.
— Eu já disse que não preciso de sua ajuda! Eu podia lidar com isso sozinha!
— Eu sei que poderia. Mas poderia lidar com “ele” sozinha?
A menina hesita, dando um passo para trás.
— Ele... ele estava aqui?
— Sim. Acha mesmo que eu teria vindo apenas por causa de um bando de vampiros? Não. Não faz meu tipo.
O mordomo se levantava com certa dificuldade, ele então se põe na frente da garota com um rosto irritado e possesso.
— Já chega disso! Vocês dois são monstros sem o menor senso de sanidade ou lógica! Por que continuam a nos importunar?! Lady Karen é só uma criança!
A criatura solta o que parece ser uma risada.
— O conceito de “criança” de vocês é tão interessante. Para alguns, uma criança é aquela que possui menos de dez anos, mas para os vampiros, mesmo ela pode ser considerada uma criança. Além do mais, ela já não é só uma “criança”. Ela agora é uma “Lady”.
— Por favor... chega disso!
A criatura faz um silêncio mortal, encarando o mordomo.
— Fique fora deste assunto, humano. O meu alvo não é você.
— Marcos, tudo bem. — Diz a menina, se colocando na frente do homem. — Digas, o que buscas aqui?
— Não se esqueça do acordo que fez comigo, Karen Solas. Eu a protegeria dele, em troca...
— Não precisa me lembrar. Eu sei o meu papel.
— Se simplesmente me aceitasse de uma vez, nada disso seria necessário. Eu simplesmente me tornaria parte de você, e nunca mais precisaria se preocupar com aquele lá.
— Seria, de fato, muito conveniente para você isso, não é?
— Para nós dois, Karen Solas.
A menina solta um riso.
— Como confiar em alguém que nem mesmo tem um nome?
— Nomes são identificadores desnecessários de onde venho. Mas lhe disse, podes me chamar do que achar mais adequado.
— Então já me decidi. Vou chamar-lhe de demônio.
A criatura ri.
— Eu não diria que isso é o mais apropriado, afinal... acho que existe outro ser que merece este título, não concorda?
A menina olha novamente para os céus, tremendo.
— Ele está voltando...
— Ah, isso é um problema. Vão, fujam. Eu seguro ele.
A menina dá um passo para trás, hesitante, enquanto o mordomo segura o braço dela e começa a puxá-la para dentro da floresta. Os dois correm, ouvindo sons de explosões e efeitos sonoros que nunca ouviram antes na vida. Enquanto corriam, eles evitavam olhar para trás. Em meio a sua fuga, eles começam a escutar os sons desaparecendo para longe.
Após bons minutos de corrida, a menina cai no chão, sendo acudida pelo mordomo imediatamente.
— Senhora!
— Eu... estou bem...
A boca da menina sangrava enquanto ela tentava segurar sua tosse. Marcos levanta a menina no colo e começa a correr, enquanto ele sentia a consciência da menina sumindo vagarosamente. Eles continuam sua fuga, quando ouvem algo atormentador.
— K... A... R... E... N... S... O... L... A... S...
A voz disforme vindo em sua direção tinha um aspecto horrendo e ameaçador. À medida que corriam, eles sentiam a presença se aproximando cada vez mais.
— Não gosto da forma que continua me ignorando, sabia? O jeito que você não pronuncia qualquer palavra de forma correta, deveria ao menos me dar alguma atenção, só digo isso.
— V...O...C...Ê...
— Escuta aqui, eu cheguei primeiro, por que não desiste logo e aceita? Hein?!
— M...A...T...A...R...
— O que? Não, ainda não entendeu? Nós somos imortais. I...M...O...R...T...A...I...S..., entendeu? Você não pode me matar.
Os dois continuavam sua discussão, enquanto Marcos se apressava para chegar até a carruagem. Assim que ele vê os sinais da estrada, ele rapidamente aperta o passo, saltando para fora da floresta. Imediatamente, ele corre para perto do local, colocando Karen delicadamente sobre o chão e vasculhando o local em busca de um objeto específico.
— Mar...
— Não fale, senhora. A senhora perdeu muito sangue.
Ele pega uma caixa de madeira e a abre desesperadamente, revelando várias injeções. Ele rapidamente estende seu pulso na frente da boca da menina, enquanto injetava com a outra mão o conteúdo do invólucro no braço dela.
— Aqui, morda.
A menina, de forma frágil, crava seus dentes no pulso do mordomo, sugando delicadamente o sangue dele.
“Por favor...” clamava o rapaz em sua mente “segure-o apenas mais um pouco...”.
— Vai ficar... tudo bem, Marcos... — Dizia a menina com um sorriso, enquanto suava e fatigava.
— Senhora, apenas beba meu sangue. Não fale.
— Não... nós temos... que o enfrentar...
Os dois começam a ouvir os barulhos novamente, se aproximando cada vez mais. Os sons pareciam pesados e disformes, pareciam serem passos. Os olhos vermelhos vindos de dentro da floresta finalmente eram visíveis agora.
— Não... ele falhou...
— K... A... R... E... N... S... O... L... A... S... K... A... R... E... N... S... O... L... A... S... — A criatura repetia isso como um mantra.
O monstro se aproximava com sua aura mortífera, enquanto o mordomo tremia, assustado. Ele finalmente derruba as últimas árvores no caminho, ficando bem visível para os dois. A criatura abre o que parece ser uma boca e um brilho vermelho começa a se formar. Em um súbito momento, o ser solta uma rajada de energia na direção dos dois, que não tinham a menor condição de se esquivar. O mordomo apenas fechou os olhos e esperou o golpe atingi-lo. Porém, o alto barulho a frente dele o fez abrir os olhos novamente; ele ainda conseguia ouvir a rajada de energia, o que significava que ela não o atingira. Sim, era sua mestra, parada em pé na frente dele, defendendo o ataque com suas mãos nuas.
— Lady Karen!
A menina tinha um rosto determinado, e a frente de suas mãos, um escudo que parecia ser de vidro se formava. O raio de energia da criatura colidia contra o escudo, mas não parecia pressioná-lo. Karen, no entanto, permanecia com seu rosto cansado, e o suor percorria toda sua pele, enquanto suas roupas, já em farrapos, denunciavam o estado e real condição de seu corpo.
Ela não aguentaria muito.
— Marcos... fuja...
— Mas...
— Apenas vá...
— Eu não posso fazer isso, senhora! Sou seu servo! Eu não vou deixá-la!
A menina sorri, complacente.
— Quando eu... te mordi agora a pouco... eu retirei...
— O que?!
— Eu retirei meu mana de você... apenas fuja...
— Senhorita Karen!
— Vá agora! Essa é minha última ordem para você!
O rapaz chorava, enquanto se levantava cambaleante.
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