Amor e Ódio escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 1
A carta




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Inverness, Escócia, 2010.

 

“Querido William,

 

Espero que quando ler essa mensagem você esteja bem. Eu me enganei, achei que o que sentia por você fosse amor verdadeiro, mas, não passava de uma atração física que com a distância fez o trabalho de apagar... Não quero que você se iluda alimentando sentimentos por mim que jamais serão correspondidos. Foi bom enquanto durou, nos divertimos, mas, acabou. A criança que eu esperava não existe mais, e eu não me arrependo, não estava preparada para ser mãe. Portanto, se tiver um pouco de dignidade não me procure mais. Me esqueça por que eu já o fiz”.

 

Fique bem,

M.”

As lágrimas de John pingavam sobre o pedaço de papel. Conseguia imaginar a dor do irmão ao ler aquelas cruéis palavras.

John Roxton e William Montgomery eram meio irmãos pela parte da mãe. Quando John tinha três anos, sua mãe ficou viúva, vindo a se casar novamente com Robert Montgomery, um boticário de Avebury. Robert criou John como seu filho dando a ele o mesmo carinho e atenção que dedicou ao filho legítimo, William, que nasceu dois anos depois do enlace matrimonial. Quando John tinha dez anos, o pai sofreu um acidente de automóvel vindo a falecer. Depois de três anos a mãe, Elizabeth, perdeu a batalha  contra uma doença fatal. Desde cedo os meninos aprenderam a contar um com o outro e também com George, um amigo da família que recebeu a tutela dos garotos até a maior idade. Quando completou 18 anos, o irmão mais velho decidiu deixar a Inglaterra para estudar Arquitetura em Milão, após a faculdade, se estabeleceu no país morando lá a mais de 15 anos e tendo um promissor escritório com sua sócia e ex-namorada Danielle. William por sua vez, seguiu a profissão do pai, cursou Bioquímica em Londres. Após a formação, conseguiu uma posição na famosa indústria farmacêutica Summerlee Science Research Incorporation.  Seu perfil aplicado e gentil fez com que ele ascendesse com facilidade na empresa, ganhando a confiança dos membros executivos. Por algum motivo, ele decidiu abandonar o emprego e se mudar para Escócia, entrando de cabeça no ramo da produção de uísque.

John sabia que a real motivação de William ao adquirir uma destilaria falida no norte do país era fazer fortuna de forma rápida para conquistar a confiança da família da moça pela qual estava apaixonado. Seu irmão havia investido até a última cédula de euro e gota de suor para que sua empreitada desse certo. Roxton o observava a distância, por vezes tentou abrir os olhos de William, mas ele estava cego de amor, largou seu promissor emprego para se isolar naquele lugar frio e úmido, e tudo isso para ser traído e abandonado. O golpe havia sido duro demais e ele sucumbiu ao desespero, tirando sua própria vida com um tiro de revólver na cabeça. Agora John estava ali, diante do que havia restado dele, uma folha de papel e um medalhão de ouro cravado com a letra M.

 

— George, diga-me, quem é ela? – Ele segurou o amigo pelos ombros implorando alguma informação sobre a mulher que havia traído o irmão daquela forma indigna.

 

George Challenger havia sido uma espécie de pai para os dois irmãos desde ficaram órfãos, ainda garotos. Amigo inseparável e sócio do pai de William, o velho químico de cabelos ruivos, agora um pouco grisalhos, não poupou esforços para cumprir a promessa que fez a Elizabeth, em seu leito de morte. Ele administraria os recursos da herança que lhes cabiam, de modo que ambos pudessem cursar a faculdade que bem entendessem. Entretanto, Challenger fez mais que isso, foi fundamental na educação dos garotos tornando-os homens de bem, honestos e justos. O luto pela morte do jovem era como da perda de um filho, mas, ele tinha consciência que teria que ser forte para oferecer o apoio necessário a John, que estava dilacerado pela perda do irmão.

 

— Eu não sei... por mais que eu perguntasse a William sobre a jovem por quem ele estava apaixonado, ele sempre se esquivava do assunto... me dizia que no momento certo ela seria apresentada devidamente. – O homem se levantou e caminhou até a grande porta-janela da sala que tinha vista para o rio Ness, era um dia nublado e úmido, comum nesta época do ano naquela região. A temperatura e as condições climáticas deixavam toda situação ainda mais melancólica e triste.

 

— Eu... sinto muito, John. – Disse o homem tentando abafar sua emoção. — Eu... eu... deveria ser mais cuidadoso. William sempre foi um garoto sensível. Se eu estivesse mais atento aos sinais que ele estava demonstrando, talvez eu pudesse ter evitado...

 

— A culpa não é sua. Ela foi a culpada... e eu a encontrarei, a farei pagar por todo mal que o fez. – Disse amassando o bilhete com raiva na palma de sua mão.

 

— Eu preciso de mais alguma pista, algo por onde eu possa começar a procurá-la.

 

— Bem, eu não sei o seu nome, mas suponho que seja alguém da elite, por isso William insistia em preservar sua identidade. A única coisa que eu sei é que ele a conheceu enquanto trabalhava nas indústrias Summerlee.

 

O nome Summerlee lhe era comum não só pelo emprego do irmão, mas, na Itália ele conheceu Benjamin Summerlee, filho de Arthur e herdeiro de seu patrimônio. O fato de serem ingleses morando em Milão os aproximou. Não chegavam a ser amigos, mas tinham algum tratamento entre eles. John imediatamente pensou em reatar este convívio, se aproximaria de Benjamin e por sorte descobriria algo sobre a mulher misteriosa que desgraçou a vida de seu Will.

 

— Amanhã parto para Londres, procurarei Benjamin Summerlee e começarei minhas buscas... Não descansarei enquanto não vingar a morte de William. – Seus olhos repletos de ódio e mágoa, uma parte dele morrera com o irmão e agora só havia espaço em seu coração para tristeza e vingança.

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Belgravia é um dos bairros mais tradicionais de Londres. No centro da capital inglesa, a localidade, está repleta de construções charmosas e antigas, e também é sede das principais embaixadas. O local com pouca vida comercial e de grandes áreas verdes, que se estendem desde o Hyde Park até os jardins do Palácio de Buckingham, foi escolhido por Sir Arthur Summerlee, para abrigar a confortável residência de sua família. O velho homem teve origens humildes, mas com esforço, dedicação e competência conseguiu erguer um império no ramo farmacêutico. Aproveitando-se a emergência econômica pós segunda guerra, Arthur fundou uma pequena empresa de pesquisa, que logo ganhou espaço e incentivo governamental, e hoje era uma das principais indústrias de medicamentos de toda a Europa, sendo seu sócio-fundador condecorado pela rainha com o título de Sir. Entretanto, isso pouco o impressionava. O dinheiro e a fama eram coisas importantes, ele não era hipócrita a ponto de negar, mas, o que mais o enchia de orgulho era a família que ele constituiu com Lady Anna Summerlee.

O casal havia sido abençoado com apenas um filho biológico, Benjamin, mas, como o empresário costumava dizer, o destino foi generoso e o agraciou com duas filhas do coração. As gêmeas, Marguerite e Maylene chegaram a família Summerlee ainda pequenas, com apenas três anos, órfãs, as meninas eram filhas do melhor amigo de Arthur que não resistiu em adota-las quando viu seus lindos olhinhos assustados. Nunca se arrependeu disso, elas eram seu tesouro mais preciso. Maylene sempre foi mais contida, observadora e de certo modo fria. Summerlee chegava a acreditar que todas suas palavras e atitudes eram sempre calculadas e precisas, não se deixava levar pelas emoções e gostava dos luxos e comodidades. A jovem era muito mais apegada a Anna, que se empenhou em transformá-la em uma dama da sociedade, capaz de transitar por todos os círculos sociais sem nenhum problema. Marguerite, por sua vez,  embora o homem se recusasse a admitir, era a sua filha favorita. Ela sempre foi livre e espontânea, cheia de luz própria, capaz de encher todos os espaços com seu carisma e irreverência. Não havia um lugar onde sua beleza não chamasse a atenção, era muito carinhosa e atenciosa com o tio/pai e seguiu seus passos, tornando-se fundamental na empresa da família. Além disso, compartilhava com ele os mesmos gostos pelas coisas simples da vida, por vezes o acompanhava em lazeres cotidianos como assistir os jogos do Chelsea, clube do coração de ambos, na arquibancada do  Stamford Bridge. Recentemente haviam comemorado lá a conquista do título de campeão do campeonato inglês, recusavam-se a assistir às partidas no camarote porque o que interessava era sentir a emoção dos torcedores, o gritos e os abraços no momento em que a bola cruzava a trave, balançando a rede. Se Marguerite fosse sua filha biológica provavelmente não teriam tanto em comum, em seu íntimo, ele adoraria que ela é Benjamin se apaixonassem e se casassem, sabia que ninguém além dela faria seu filho feliz. Meio caminho já havia sido percorrido, porque desde que voltou da Itália, onde estudou história da arte, o historiador só fazia cercar Marguerite na tentativa de fazê-la sua namorada. Mesmo sabendo da preferência da mãe por Maylene, Benjamin estava completamente encantado pelo espírito livre de Marguerite, para desespero de Anna.

Lady Summerlee sempre foi uma crítica ferrenha do  comportamento despreocupado da filha adotiva. Marguerite era obstinada e teimosa, as vezes parecia querer enfrentar a tia de propósito, escolhendo roupas e acessórios que a mulher mais velha não aprovava. Sempre adulada pelo tio, com o tempo, as duas se distanciaram, mesmo convivendo na mesma casa. Em parte, houve contribuição de Maylene para que isso acontecesse. Ela sempre fez questão de  envenenar a tia contra a irmã, assim conseguindo para si todos os mimos e atenção. Quando as meninas entraram na adolescência e Anna percebeu o interesse de Benjamin na gêmea insubordinada, fez questão de enviá-las a um internato na Suíça. Arthur não aprovou a ideia de início, mas, era incapaz de contrariar um pedido da esposa. Em seguida, quando Benjamin chegou a idade de ir para a faculdade, a mulher apoiou que o filho fosse pra longe, esperando assim que a distância o fizesse esquecer Marguerite. Pouco adiantou. O que era apenas um flerte juvenil se tornou uma obsessão com o distanciamento forçado. Pelo menos da parte de Benjamin, que pensava em Marguerite a maior parte do tempo e acabou abandonando a carreira de curador no Bagatti Valsecchi, importante museu de Milão, para voltar a Londres na esperança de conquista-la.

Maylene ao saber do retorno do primo/irmão rapidamente tratou de desfazer o romance que mantinha com um funcionário da confiança de Arthur: William Montgomery. Ela é o rapaz mantinha um caso tórrido de paixão em segredo. Ela não podia negar que William a fazia vibrar como nenhum outro homem a havia feito. Entretanto, mais excitante que uma boa transa era o dinheiro e os títulos, e isso ela conseguiria quando se casasse com Benjamin.Almejava ser a próxima Lady Summerlee, embora nunca tenha demonstrado, ela sempre odiou viver sobre a caridade de Arthur e Anna, achava a tia chata e apenas a aturava visando ganhar sua confiança e apoio. Ao mesmo tempo desprezava o modo como todas as pessoas se encantavam por Marguerite. A irmã era sempre o centro das atenções e ela não permitiria que ela a passasse pra trás novamente, nem que para isso precisasse se livrar dela.

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— Veja papai... Acha que Marguerite irá gostar? — Benjamin mostrava o anel cravejado de diamantes que havia comprado como presente de aniversário a morena.

 

— Bem... é uma bela joia, mas, você não acha que está se precipitando?— Arthur sabia que Marguerite não tinha segurança sobre seus sentimentos por Benjamin e havia sido bem clara quando pediu ao historiador tempo e espaço para que as coisas fluíssem naturalmente entre os dois.

— Ora, papai... é apenas um presente de aniversário, eu não estou lhe propondo casamento... embora fosse isso que eu desejasse!— Ele riu para o pai.

 

— Neste caso, imagino que você tenha comprado o mesmo para Maylene, afinal, ambas estão de aniversário...

 

— Na verdade... para Maylene eu comprei um lindo par de castiçais do século XVII. Tenho certeza que ela irá adorar... ela e mamãe sempre foram loucas por decoração. – Elepouco se importava se a garota iria gostar ou não do presente, só lhe interessava impressionar Marguerite.

 

— Eu tenho certeza que sim, filho. — Arthur sabia que Maylene odiaria o presente de Benjamin, mas, também sabia que isso pouco lhe importava.

 

Vozes femininas interromperam a conversa dos homens, era Marguerite e Maylene discutindo sobre o relicário que ambas possuíam com a letra M em ouro.

 

— Marguerite, como você é egoísta... Seu vestido nem combina com aquela joia... porquenão me empresta?

 

— Porque você é sempre desatenta, Maylene, deveria ter ido ao banco buscar a joia no cofre se queria usá-la hoje. Você sabe o quanto eu amo o meu relicário, não me agrada me separar dele.

 

— Poxa irmãzinha, faça isso por mim... prometo que o entrego sã e salvo no final da noite. — Implorou Maylene. Marguerite a mediu por um instante e se convenceu que não havia nada de mais em emprestar a corrente para a irmã.

 

— Tudo bem, tudo bem... mas, só hoje. E cuide bem dele.

 

Maylene a abraçou em agradecimento.Neste momento Arthur e Benjamin que ouviam a conversa do escritório apareceram. O homem mais velho não perdeu tempo em abraçar a filha favorita beijando-lhe a testa.

 

— Você tem um coração de ouro, minha querida.— A garota sorriu e retribuiu o abraço.Ninguém percebeu quando Maylene revirava os olhos em tédio pela cena.

 

As horas passaram depressa e logo chegou a noite. Pela primeira vez em muito tempo, Marguerite conseguiu realizar uma celebração de aniversário da maneira que gostaria: Íntima e minimalista. Argumentou com a irmã e com a tia que durante muitos anos fizeram festas exuberantes e que em pelo menos um de seus aniversários ela gostaria de escolher como comemorar. As gêmeas estavam comemorando seu vigésimo quinto aniversário, desta vez, Marguerite organizou a casa distribuindo flores silvestres nos vasos de plantas e convidando apenas os amigos mais íntimos. A irmã de Anna, Jessie, a qual nutria um carinho muito especial pela jovem, muito mais maternal do que a própria mãe adotiva e sua amiga inseparável Adrienne. Maylene por sua vez não quis convidar ninguém, talvez porque não houvesse ninguém que considerasse realmente seu amigo, todas suas relações era por conveniência e aparência. Estavam todos reunidos ao redor da grande mesa cor marfim da luxuosa sala de jantar dos Summerlees. Marguerite trajava um elegante vestido vermelho sem muitos detalhes, o que causou desgosto na tia que achava a cor impropria, a peça vestuário era bem colado ao corpo evidenciando suas curvas perfeitas, era sem manga e com o decote quadrado. A jovem aproveitou para deixar suas longas madeixas encaracoladas caírem livremente sobre seus ombros. Ela adorava a naturalidade de seus fios, diferentemente da irmã que insistia em alisá-los e tingi-los. Maylene ao contrário, vestia um romântico vestido de renda evasê cor de rosa. Os cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo e em seu pescoço adornava o medalhão que Marguerite a tinha emprestado.

A aniversariante escolheu cardápio italiano,em homenagem ao retorno de Benjamin e também porque adorava a culinária do encantador país. O jantar já estava quase sendo servido quando a campainha soou. A empregada que trazia os pratos fez menção de atender ao chamado, mas Marguerite foi mais rápida.

 

— Não se preocupe, Mary. Eu mesma atendo.

 

Anna suspirou em desaprovação, por mais que tentasse colocar modos nos comportamentos da jovem ela sempre fracassava. Arthur apertou a mão da esposa na tentativa de fazê-la esquecer o pequeno deslize.

Marguerite andou em passos rápidos até a porta principal. Estranhamente seu coração estava acelerado como se algo de importante em sua vida estivesse prestes a acontecer. Antes de girar a maçaneta ela respirou fundo tentando se reestabelecer. Abriu a porta e quem encontrou do outro lado a deixou sem ação. Ele era o homem mais atraente que ela já havia conhecido. Do alto dos seus 1,90 ele trajava um terno escuro de alta alfaiataria, tinha os cabelos cortados e bem penteados, uma fina barba que parecia ter sido esquecida de ser aparada e em seus olhos ela pode ver algum sinal de tristeza que ela  imediatamente quis saber o porquê.

John também não ficou indiferente aquela mulher. Ela era a combinação perfeita de tudo que ele achava lindo. Seus olhos pareciam o lago cristalino que ele e o irmão nadavam quando crianças, ele quis mergulhar neles. Sua boca rosada era um convite a beijá-la, se interessou em saber que sabor tinham aqueles lindos lábios possuíam. Seu cabelo era luxuriante, selvagem e sexy, ele pensou em entrelaçar suas mãos entre aqueles fios, sentir sua textura e perfume. Seu corpo era uma obra de arte, iguais as que ele admirava com frequência na Itália, digna de Da Vinci ou Michelangelo, ele tinha certeza que aquelas curvas se encaixariam perfeitamente em seus braços, o que o fez refletir que talvez ele a quisesse possuir ali mesmo, sem nem ao menos saber quem ela era ou qual seu nome. Sua voz saiu rouca e ele só conseguiu pronunciar:

 

— Você é linda.

 

 


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