Samael e Lianne escrita por Otakórnio


Capítulo 16
Capítulo 16




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            Eu estava mais leve. Passei a noite lendo o livro Viagem Solitária – finalmente estava conseguindo me concentrar. Tive uma boa noite de sono e acordei de bom humor. Preparei um café da manhã reforçado e assisti as notíciais do dia.

            Bati na porta de Lianne com esperança que nós fôssemos juntas para a Lojinha, mas ela não me atendeu. “Que preguiçosa!”, pensei já que ela havia me dito que precisa de vários despertadores para acordar. Fui na frente me perguntando se conseguiria dar uma bronca nela.

            Senti uma leve (enorme) preocupação quando chegou o horário do almoço e ela não atendeu minhas ligações. Fechei a loja mais cedo e quando cheguei no condomínio percebi que as cortinas e a porta dela ainda estavam fechadas. Liguei novamente e não fui atendida, então fiz o que qualquer pessoa normal faria: sentei no chão entre nossas casas e a esperei. Liguei tantas vezes que não pude contar e quando os vizinhos foram dormir ouvi um som de vibração na casa dela; apenas levantei quando Samael chegou do trabalho.

            – Samael, você falou com Lianne hoje? Não a vejo desde ontem e ela não me atende...

            – Estou na mesma situação. Também não vi Don desde ontem.

            – E se tiver acontecido algo?

            – Eu... Vamos arrombar a porta.

            Ele chutou a porta várias vezes, o que fez muitos vizinhos acordarem para reclamar. Eu estava tensa e Samael parecia irritado. Quando a porta caiu eu tive medo de tocar no interruptor.

            “Ta tudo bem”, quis manter pensamentos positivos.

            Dei três passos trêmulos e a luz acendeu. A visão que eu tive naquele dia é inesquecível. Foi rápido, apenas alguns segundos, quando vi Lianne deitada no sofá com os olhos abertos e um sorriso leve. Não havia sangue nem sinais de violência, mas ela estava claramente morta. Quando virei meu rosto notei a chave e o celular em cima da mesa.

            Ouvi vizinhas gritando e percebi alguns ligando para a polícia.

            – Vamos sair daqui, Samael, a polícia vai chegar e não é confortável o-olhar... – eu chorei e nós saímos.

            Foi uma longa noite. Samael chorou como uma criança – os policiais nem conseguiram falar com ele. Quando o instituto de necrópsias a levou eu sabia que não ia conseguir dormir aquela noite. Com medo de ficar sozinha com meus pensamentos, entrei na casa de Samael e nos sentamos lado a lado no sofá.

            – Cíntia... Você quer ouvir uma história? – ele estava abalado, com o olhar perdido e parecia ouvir ninguém.

            – Que história? – eu não queria pensar também.

            Foi então que Samael me narrou um conto:

            O mundo é controlado por diversos Deuses. Eles mantém o equilíbrio na Terra porque são artistas, mas também têm vida pessoal. Há dois tipos de Deuses: os luminosos e os obscuros, e essa diferença é apenas física. Cada Deus emana uma aura padrão: amarelo limão ou azul marinho, porém um dEles tem uma aura roxa – e ele é um dos Deuses da Morte.

            Esse Deus da Morte é tratado com cautela porque essa aura roxa não é comum, mesmo que as auras não tenham tanta importância – é apenas um brilho.

            Um dia esse Deus da Morte conheceu a Deusa da Natureza. Ela era curiosa e não entendia o porquê da Morte, então passou a observar o trabalho dEle de perto, enquanto ele admirava as expressões artísticas dEla: as flores, as árvores, as frutas. Outro dia eles se prenderam num laço vermelho que estava preso a uma árvore e não conseguiram se soltar.

            Os outros Deuses estranhavam essa proximidade. A aura dEle era diferente demais. A Deusa da Fertilidade foi a primeira a protestar a proximidade dEles, seguida pelo Deus da Hamornia, mas Eles não conseguiam ficar distantes por causa do laço.

            A Natureza continuava pintando novas espécies de flores e a Morte continuava a fazer vidas descansarem. O laço que os prendia era tão fino que não tocava em ninguém, porém ainda assim incomodava os outros. E o incômodo foi tanto que usaram medidas drásticas para cortar o laço: juntos, Os Deuses usaram um poder para reprimir os Poderes da Morte – o transformaram em um humano – e o outro Deus da Morte, o Suicídio, assombrou a Natureza até o laço partido sufocá-la.

            Os Deuses não sabiam o que podia acontecer quando um Deus morresse, mas nenhum se importou. Por precaução pediram para o Suicídio vigiar seu parente o tempo inteiro. Não achavam que a Repressão era o suficiente; e se acontecesse de novo?

            – Que história triste, Samael.

            – É a minha história. – ele olhou nos meus olhos – Eu estive aprendendo a viver e quase esqueci dEla, mas quando vi Lianne naquele sofá eu soube que sempre foi Ela. Sem saber, eu amei a Natureza de novo.

            – Como assim? Você quer dizer que essa história é real?

            – Com certeza aquilo foi obra de Don. É impossível um humano fazer um crime de quarto fechado! Eu pensei que nossa discussão havia feito ele perceber o quão irracional estava sendo. – lágrimas deslizaram suavemente pelo seu rosto – Você estava certa: é mais fácil receber apoio de um estranho. Os outros Deuses observam os humanos demais, aprenderam tanto com vocês. Eu não escolhi a cor da minha aura, ninguém escolhe isso! E por que isso seria um problema? – ele segurou a própria blusa – Por que tanto incômodo por eu ser... eu?

            – Você está falando sério ou isso é o choque por ver Lianne... – não consegui dizer a palavra.

            – Até como humano ainda tenho “aura roxa”. Faz parte de mim e não consigo mudar... Essa magia da Repressão só fez eu me sentir pior. Para onde eu olhasse Don estava por perto para me proibir de fazer tudo. Como Deus eu não podia me aproximar de ninguém e na Repressão eu não posso me aproximar de humanos. Isso não tem lógica!

            – Qual o problema de você amar um humano? Você não é humano agora?

            – Mais ou menos. Eu estou numa prisão de carne. – ele olhou para as mãos – Eu nunca nasci como humano e meus dons só foram reprimidos. Só o que pode me diferenciar de um humano é a minha energia relacionada a morte. É por isso que algumas pessoas mantém distância de mim, enquanto outras ficam atraídas. É por isso que... eu sentia que Lianne rejeitava minha energia, mas... por que ela queria se aproximar?

            – Acho que ela estava curiosa... Ou talvez vocês sejam almas gêmeas, se a sua história for real.

            – O que é isso?

            – Eu já ouvi uma história que as almas das pessoas são divididas em dois corpos diferentes e quando esses corpos se encontram as almas se tornam uma só.

            – Esse é um conceito interessante. Almas gêmeas. Não importa em que circunstância nos encontrássemos teríamos a necessidade de ficar juntos. Almas perdidas que precisavam se encontrar. – engoliu um soluço.

            – Você realmente está falando sério?

            – Eu cheguei ao meu limite. Você é humana, mas não age como uma. Não posso contar isso para ninguém, porém você é... especial. O que você é?

            Eu nunca me achei tão especial assim, mas aquele não era o momento certo para discutir isso.

            – Até onde eu saiba sou humana.

            Ele não disse mais nada, apenas chorou em silêncio. Fiz carinho em suas costas e ficamos assim até ele dormir. Aquela história era surreal, mas eu quis acreditar nela. Eu não consegui relaxar, mas quando o sol tentava entrar pela fresta da porta uma esperança dominou meu coração. Se Lianne foi levada por um Deus, então Eles podiam trazê-la de volta.

            – Deuses não têm forma física para humanos e podem estar em todos os lugares. – Samael relevou quando acordou.

            – Você não pode me dar uma dica?

            – Eles não apareceriam em um lugar com várias pessoas.

            Com fome e cansada, eu fui até a floresta próxima ao condomínio.

            “Vou ser corajosa por você... amiga”, disse para mim mesma. E eu iria transformar toda minha covardia em coragem se fosse preciso!


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Notas finais do capítulo

Aposto q ninguém esperava por essa



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