Meios-Termos escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 2
Dois




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Caitlin digitou rapidamente algo no teclado interativo na tela da bancada à frente, completamente concentrada nos cálculos sobre os poderes de Jean Harkness. A garota gerava um efeito em cascata por onde passava, assim, era compreensível que saísse apenas à noite.

Sabiam, no entanto, que isso não seria para sempre, pois a garota precisava viver e pelas condições do bairro onde morava e o lugar onde trabalhava, não poderia continuar se escondendo para sempre. Passara os últimos dias pesquisando sobre como a matéria escura funcionava no corpo dela, assim como uma forma segura de abordá-la, mas ainda não chegara a nenhum lugar concreto.

Antes que pudesse iniciar a leitura de mais uma pesquisa, contudo, a chegada de Nora lhe chamou a atenção. Levantou os olhos, notando a típica calça verde desbotada, o uniforme da escola, um mix de colares e o tênis, que deveria ser branco, mas se encontrava completamente encardido pelo tempo de uso.

Levantou as sobrancelhas, sem esforço percebendo as feições emburradas e a forma como se aproximou com os lábios crispados em um bico no típico desgosto de Iris e os ombros baixos.

— Ei, querida!

— Oi, tia Cait.

Quase a contragosto, ela se abaixou para cumprimentá-la com um beijo na bochecha e praticamente se jogou de maneira displicente na cadeira ao seu lado na bancada, descartando no chão a mochila da escola, repleta de bottons decorativos de diversas bandas.

— Aconteceu alguma coisa?

— Pergunte ao meu pai.

Correu os olhos para Barry, o qual discutia um assunto qualquer com Chester na estação mais distante do córtex, mas parecia atento à conversa delas. Ele somente lhe lançou um olhar exasperado, decidindo ignorar o assunto no momento, e Caitlin voltou a encarar a menina emburrada.

Nora estava prestes a completar 15 anos e, por mais que tentasse encontrar pontos parecidos com a velocista cheia de impulsividade que os visitara anos atrás, essa era uma versão de Nora mais fechada e menos suscetível à novas amizades justamente porque vivia uma realidade em que precisava ter cuidado redobrado por ser filha do Flash.

Ainda assim, ela era uma criança e, como tal, só queria passar pelas experiências daqueles da sua idade com alguma normalidade, em detrimento dos poderes começando a se manifestar junto às mudanças da puberdade. Além de tudo, Nora detinha em si a determinação de Iris e a emoção conflituosa de Barry, por isso, sabia que quando eles entravam em algum embate familiar tinham o potencial de se magoar muito facilmente.   

— Ele não quer me deixar ir ao acampamento de férias na semana da despedida do tio Cisco. – Caitlin apenas meneou a cabeça, ouvindo quando Nora decidiu começar a falar. Como de costume, ela nunca aguentava por muito tempo em silêncio. – Nós já conversamos, ele não vai ficar magoado nem nada, porque nos entendemos...

— Você sabe muito bem que esse não é o único motivo. – Barry se manifestou, deixando Chester em sua estação e se aproximando. – Seus poderes estão se manifestando agora e temos que evitar acidentes...

— Eu sei, pai. – Nora apoiou a cabeça contra a cadeira, revirando os olhos farta do discurso de seu pai. Caitlin sabia que ele podia ser extremamente protetor com sua única filha, mas o compreendia. Barry a perdera uma vez, além de conhecer muitas possibilidades de futuro em que não estava por perto para vê-la crescer, o que o assombrava. A Velocidade não vinha apenas como benesse, mas também como um fardo. – Mas eu tenho cuidado! Venho tendo cuidado desde que começamos a treinar, você está apenas sendo injusto e superprotetor!

Barry abriu a boca para retrucar, pois Nora era teimosa como ele e pareciam dois irmãos, mas Caitlin se levantou, interrompendo-o ao puxar a mais nova para se levantar.

— Então, o que acha que irmos fazer o seu check-up da semana?! – Nora a fitou de maneira contrariada, percebendo que estava apenas evitando que eles continuassem a discussão, possivelmente repetitiva, que não os levaria a lugar algum. Barry não mudaria de ideia e Iris encarava as decisões relativas aos poderes da filha com muita seriedade para bater de frente a respeito disso. – Porquê você não vai se trocar?

Bufando, Nora se abaixou sob o olhar irritado do pai e pegou a bolsa antes de passar por ele com o nariz empinado em direção ao laboratório da tia. Barry revirou os olhos pela atitude infantil e se sentou na cadeira antes ocupada pela filha, replicando a frustação da menina em todas as suas feições.

— Ela está apenas me testando. – Constatou o óbvio, no que ela riu brevemente pegando seu jaleco.

— Sim. – Se aproximou para abaixar o tom e não correr o risco de Nora ouvir. Não gostava de se intrometer em assuntos que diziam respeito apenas a Iris e Barry como pais. – Mas sabe que precisa deixá-la viver as próprias experiências. Se estiver sempre ao lado dela, a impedindo de cometer erros e cair, Nora vai se decepcionar muito com o mundo.

Ele não mudou a contrariedade em suas expressões e Caitlin se dirigiu ao laboratório, onde Nora já estava sentada na maca central usando o moletom do laboratório e suas típicas meias roxas. Buscou o iPad de sempre, sob o olhar da menina, que a encarava com cautela ao se aproximar para começar a examiná-la.

— O que disse a ele?

— Coisas de adultos.

Nora revirou os olhos enquanto se deitava sem questionar e Caitlin utilizava eletrodos específicos para medir sua frequência cardíaca, atividade cerebral, pressão cardíaca, oximetria, etc. Haviam decidido monitorá-la quando Nora começou a ter espasmos de velocidade e Caitlin os associou à puberdade. A menina era um misto de hormônios em ebulição e matéria escura herdada do pai, um caso raro de metahumana com poderes originais não gerados por fatores externos, como a própria doutora Snow.

— Há um garoto. Um garoto da escola de quem... Eu gosto. – Contou a outra, distraidamente tamborilando os dedos sobre o próprio estômago. – Por isso meu pai está tão irritadinho.

— Não sabia que Barry era ciumento assim.

Comentou com um riso baixo indicando que Nora se sentasse para auscultar seus pulmões. Pelo contrário, Barry era o pai mais legal e liberal que se poderia imaginar. No entanto, imaginou que as coisas mudariam mesmo quando se tornasse adolescente.

—  Ele não era, até contar sobre esse garoto e que nós temos ficado. – Ela levantou as mãos de maneira irritada.

— Com o tempo, seu pai vai se acostumar com qualquer garoto ou garota por quem esteja interessada. – Garantiu analisando as imagens limitadas que o cérebro acelerado de Nora projetava pelos eletrodos. Tanto quanto a garota passava por uma fase de mudanças, Barry também se acostumava à uma filha adolescente se moldando. – Anda se sentindo mais ansiosa ou nervosa que o normal?

—  Não. – Caitlin a encarou incisivamente e Nora suspirou. – Sim.

— Ouça, é normal que seu cérebro passe por mudanças durante a puberdade, mas, pelo que vejo aqui, sua atividade cerebral está apresentando uma mutação mais rápida que o esperado, mesmo considerando a matéria escura em seu gene. – Explicou pacientemente. – Iremos fazer um eletro, okay?

— Há algo errado comigo? – A viu instintivamente perder a pose mandona e adotar uma postura mais preocupada.

— Não. – Apertou os ombros dela para tranquilizá-la. – Sabe que é a primeira velocista que acompanho desde muito cedo, então é bom cobrirmos todas as bases para evitarmos surpresas. A Velocidade é ótima, mas também pode machucá-la.

— Vejo o que está fazendo, tia Cait. – A menina estreitou os olhos enquanto a acompanhava para sair do laboratório em direção a outro, tecnologicamente mais equipado para os exames que precisava no fim do corredor. – Está indiretamente dizendo que venho sendo imatura.

— Ou... Você já sabe que está sendo e não quer admitir. – Caitlin sorriu quando a viu abaixar a sobrancelha esperta ao encará-la e suspirar, pesadamente.

— Eu nunca me descontrolei, as chances de um incidente são mínimas. Meu pai está exagerando. – Se manteve em silêncio dessa vez, começando a ligar os controles do aparelho para a tomografia enquanto Nora seguiu a uma sala adjacente para trocar de roupa. – Você não pode falar com ele? Meu pai sempre ouve seus conselhos. 

Perguntou ao voltar num segundo já com uma camisola hospitalar, se deitando na maca fria e cruzando as pernas, completamente acostumada aos procedimentos médicos. Era como ter que fazer os típicos exames urinários de sua tia a cada quinze dias, de qualquer forma.

— Isso porquê sempre tenho ótimos conselhos. – A menina apenas lhe levantou uma sobrancelha escura e inquisitiva. – Não, não posso falar com ele. Nora, essa é uma decisão dos seus pais.

— Mas você é minha médica! – Caitlin riu com o tom teimoso.

— Vou para a outra sala para começar o exame. Não se mexa e não fale, a não ser que sinta algum incômodo, okay?

Nora concordou sem maiores problemas e Caitlin se encaminhou até a pequena sala escura, onde um conjunto de computadores com amplas telas se encontrava. Se sentou tranquilamente, procedendo a alguns comandos, capaz de ouvir até mesmo os suspiros frustrados da garota.

Por alguns minutos, apenas acompanhou a rotina das atividades cerebrais de Nora, literalmente estampadas à sua frente. Amava Medicina e fazia questão que, ao menos, essa área no Laboratório fosse apenas dela. Aquele era o seu lugar e de mais ninguém. Então, ouviu uma das portas laterais se abrir e fechar cautelosamente e Barry se acomodar silenciosamente na cadeira macia ao seu lado, observando pelo vidro a filha na sala à frente. 

— Aconteceu alguma coisa?

— Consegui identificar uma atividade neural incomum. – Deu de ombros. – Deve ser apenas puberdade, mas não quero deixar nada passar, assim como usar isso para o meu estudo sobre mudanças cerebrais na adolescência, como parâmetro de comparação.

— Você é brilhante. – Ele constatou sem qualquer surpresa, apoiando o rosto em uma das mãos de maneira aparentemente cansada. – Deixaria Nora fazer a viagem para o acampamento, não é?

— Definitivamente não irei tomar lados nessa discussão. – Disse em tom neutro.

— Vamos lá, estou pedindo sua opinião, Cait!

— Você deveria discutir isso com Iris. – O viu revirar os olhos, como que dispensando a sugestão.

— Iris quer que Nora esteja confortável para o casamento, ou seja, vai fazer qualquer coisa que ela queira e exatamente por isso colocou a decisão na minha conta.

— Pensei que Nora não tivesse questões quanto ao casamento da mãe dela.

Franziu o cenho brevemente, mais interessada no mapeamento cerebral da menina do que no leve drama familiar dos Allen. Já tivera muito disso quando Barry e Iris se separaram, anos atrás, e aprendera uma coisa: eles se amavam e sempre se revolviam no final. Já não eram mais um casal, mas sempre seriam uma família, independente de quantos obstáculos tivessem no caminho. Assim, geralmente evitava tomar lados quando os três pediam sua opinião sobre algo.

Um ano atrás, Caitlin fora a primeira a ficar sabendo sobre o noivado de Iris com Tony, um jornalista famoso que se tornara investidor do Citizen City, pois ela não sabia como ou quando seria o melhor momento para contar a Barry. Além disso, as próprias namoradas dele pareciam muito interessadas em se aproximar para decidirem se a considerariam uma aliada ou uma inimiga, visto sua proximidade com o Velocista. E Nora... Bem, a amava, a vira crescer, sempre estaria ali por ela, mas existia um limite imposto pelo ‘tia Cait’ e preferia que fosse assim.

— E não tem, mas ela não está fazendo questão de deixar isso claro.

— Você conhece sua filha. – Caitlin comentou com um riso baixo, ouvindo-o suspirar em total contrariedade pelo impasse.

— Enfim... Vai ao jantar de aniversário de Jenna na casa de Joe? – Murmurou em concordância com os olhos fixos na tela e Barry se levantou com um riso breve enquanto colocava um bombom quadrado à sua frente. – Okay, te vejo lá.

A doutora encarou de cima o doce de embalagem dourada, apenas ouvindo a porta ser suavemente fechada, se dando conta que Barry provavelmente achava que estava de TPM ou apenas queria agradá-la após a conversa que tiveram no outro dia durante o turno de vigilância. Sem conseguir evitar um pequeno sorriso repuxado no canto dos lábios pelo cuidado, guardou o bombom no bolso do jaleco e voltou sua atenção ao exame de Nora.


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