O Mal não deve entrar escrita por Caroline


Capítulo 1
1. Meu jipe. Eu quem roubei.


Notas iniciais do capítulo

Sim, a história começa no meio, assim como meu sonho. E assim como muitos dos meus filmes favoritos, você vai entendendo à medida que ela progride. Não desiste!



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  Estava no banco de trás, olhando para minha mãe e minha irmã sentadas no jipe. Mamãe dirigia o mais rápido que podia na estrada de terra sem ser percebida pelos militares. Florestas nos ladeavam, mas não precisaríamos entrar nela tão cedo. A estrada estava vazia.

 

  Tentei segurar meus cabelos em vão, já que o vento o deixava ainda mais desgrenhado e bagunçado. Eu só conseguia ver o negro dos meus fios batendo em meu rosto como pequenos chicotes. Era quase impossível abrir os olhos.

 

— Mãe, a senhora acha que vão deixar a gente entrar na cidade? - perguntei, me inclinando pra frente para ouví-la.

 

— Eu conheço o dono de lá. Por que você não está de cinto aí atrás?

 

Ignorei e olhei para minha irmã, que segurava um mapa nas mãos. Ela o observava atentamente, tentando nos guiar pelo caminho até a possível entrada da Cidade. Não era muito conhecida pelas pessoas, até mesmo para manter o Mal longe. Mas era o lugar mais seguro e mais próximo da gente.

 

Mexi nas minhas unhas, nervosa. Eu sentia que algo estava errado. Eu SABIA que algo estava errado.

 

— Ok - minha irmã apontou para um ponto no mapa - Pelo visto tem uma vilazinha minúscula à frente. Melhor diminuir a velocidade.

 

Minha mãe começou a reduzir a velocidade do jipe devagar. Ajeitou os cabelos pintados de castanho avermelhado. O cabelo da minha mãe um dia já fora como o meu, mas ela havia alisado e pintado. O meu continuava ondulado e bem escuro.

 

Como havíamos planejado, cobri nossas armas com uma manta velha e encarei um ponto distante no horizonte. Não possuíamos nenhuma arma de fogo já que éramos apenas cidadãs comuns, mas conseguimos reunir algumas facas, aerosóis e outros itens que pudéssemos usar para nos defender. Não iríamos precisar de nada daquilo na Cidade, mas o caminho até lá era desconhecido. Talvez precisássemos nos defender de algo, ou de alguém.

 

Consegui ver casinhas surgindo no horizonte. Eram poucas, bem pobres e na beira da estrada. Era evidente que o Mal já havia se alocado e abandonado aquele lugar, deixando nada além de pobreza e solidão. Os poucos moradores daquele lugar não deveriam passar de 10 ou 11, a maioria idosos ou crianças que foram abandonadas.

 

— Lembrem de não olhar para eles, meninas. - começou nossa mãe - Eles vão pedir ajuda, vão pedir comida, mas qualquer parada não planejada pode ser nosso fim. Caso alguém tente subir, usem os cabos de vassoura para espetá-los.

 

Cada uma de nós tinha um cabo de vassoura com um pequeno alfinete colado na ponta. Era nossa arma mais multifuncional. Com um pedaço de fita isolante, a gente conseguiria transformar aquilo em uma lança ou objeto de pesca.

 

Enquanto passávamos mais lentamente pela cidade, mas rápido o suficiente para não dar moral para ninguém, os cidadãos começavam seu gemido sofrido, implorando por carona, comida ou qualquer coisa que pudéssemos oferecer. Agarrei meu cabo com força e franzi o cenho, sempre de olho em algum engraçadinho que pudesse tentar algo.

 

Estava certa. Aquele pequeno vilarejo era extremamente pobre. As casas que não foram completamente destruídas estavam com pedaços remendados ou verdadeiros rombos nas paredes de argila seca e galhos.

 

Foi quando vislumbrei um vulto no canto direito. Virei-me lentamente para prestar atenção no que me chamara a atenção.

 

— Merda. - sussurrei, alto o suficiente para que apenas minha família ouvisse.

 

Era um militar. Com sua roupa verde, pose pomposa e arma à tiracolo, era impossível duvidar de que se tratava de um militar. Ele não tinha notado a gente: estava olhando para o outro lado, analisando alguma criatura jogada no chão. Mas era questão de tempo até que ele nos visse; o carro fazia um barulho que não era muito comum naquela região.

 

Ele iria nos atrasar, questionar e provavelmente apreender nosso carro. Seríamos obrigadas a voltar para nossa cidade, já a quilômetros de distância. Nunca chegaríamos lá à pé. Iríamos morrer nessa vila pobre e malacabada.

 

Um outro militar surgiu à uma pequena distância. Ergueu uma mão, sinalizando pra gente parar. Minha mãe suspirou e encostrou o jipe num canto à frente. O outro militar já havia nos notado e mantia os cidadãos da vila longe de nós.

 

Mamãe abriu um sorriso amigável. Ela era especialista em fazer amizades, não seria agora que ela iria falhar.

 

— Bom dia, capitão!

 

— Documentos, por favor. Das três. - exigiu o guarda sem esboçar sorriso algum.

 

Puxamos nossas identidades dos bolsos, onde estavam guardados para serem sacados sem dificuldade nenhuma. O guarda pegou, examinou e olhou para nós, erguendo uma sobrancelha por trás dos óculos escuros.

 

— Vocês têm os documentos do carro?

 

Engoli em seco silenciosamente. Esse carro não era nosso. Nem tínhamos condições de comprar um carro de viagem tão bem equipado. Não, eu havia roubado ele no dia da nossa fuga. Ainda não sabia como que tinha feito isso, mas foi demasiadamente fácil depois dos rumores de que o Mal estava em nossa cidade, em nosso bairro. Foi só ir até uma casa de gente rica, amedrontar eles um pouco e roubar o carro, saindo em alta velocidade. Mamão com açúcar.

 

— Ah claro, está aqui! Catherine, pega os documentos no porta-luvas, por favor? - pediu minha mãe, mentindo com maestria. Minha irmã, que já estava vermelha, apenas assentiu e abriu o porta-luvas.

 

— Não está aqui, mãe.

 

— Como assim? Eu mesma coloquei eles aí hoje de manhã! Olha direito, por favor. - minha mãe não demonstrava, mas eu sabia que ela estava nervosa. Os documentos não estavam lá.

 

— Não tão aqui, mãe.

 

O guarda parecia desconfiado.

— Para onde vocês estão indo?

 

— Estamos indo visitar minha irmã e os filhos. Eles moram só e pensamos em nos vermos para o aniversário do meu sobrinho mais novo.

 

— Vou ter que pedir para que vocês saiam do carro. - falou o militar de forma brusca.

 

Nós três gelamos. Minha irmã balançava uma perna, ansiosa. Apesar de mais velha que eu, Catherine não era boa em esconder sua ansiedade. Ela era muito mais racional que eu, sendo sempre meu porto seguro quando eu ficava triste ou me sentia desamparada. Dava os melhores conselhos. Mas eu era muito mais desapegada de sentimentos que ela.

 

— Não vai dar, seu guarda. - falei antes que alguém pudesse me impedir. Euzinha, a impulsiva bocuda. E com orgulho. - Mãe, pisa fundo. Agora!

 

Minha mãe geralmente odiava receber qualquer tipo de ordem das filhas, mas agradeci a todos os deuses que ela me ouviu. Olhei para trás e vi que os dois militares haviam sacado as armas.

 

Gritei:

— MÃE, NÃO FICA EM LINHA RETA! ELES VÃO ATIRAR!


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