Um Título Vazio escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 9
A reconciliação




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Não eram nem quatro horas da tarde, e, Lorde Roxton acabava de secar a segunda garrafa de whisky do dia. Ele amaldiçoou o que por muito tempo lhe era um privilégio, a sua alta resistência à embriaguez.  Estar bêbado agora seria uma forma de apagar da memória, mesmo momentaneamente, os acontecimentos do dia anterior. Se não bastasse o rompimento com Marguerite, ele ainda tinha que lidar com a decepção de saber que sua própria mãe tinha armado o plano maquiavélico para separá-los. Também o incomodava profundamente a discussão que teve com Lady Roxton. Ele estava arrependido das palavras que tinha usado com a mãe, por mais que ela tivesse cometido erros graves, ainda sim era sua mãe, e ele lhe devia respeito. Estava disposto a pedir desculpas, mas, não achava coragem para enfrentá–la, pelo menos não agora. Na verdade, não tinha vontade de falar com ninguém. O único pensamento que ocupava sua cabeça era encontrar uma forma de Marguerite compreender que tudo não passou de uma armação, e que ele e Christine nunca tiveram absolutamente nada. Mas, ainda que ela acreditasse nisso, será que mudaria a situação entre os dois? Ela tinha sido bem clara em dizer que estava farta de maus entendidos. “Inferno! Pela primeira vez eu não tenho culpa de nada!” pensou.

Alguém bateu a porta de seu quarto e mal humorado Roxton respondeu.

“Saia daqui, não quero falar com ninguém”.

A pessoa foi insistente e tentou novamente.

“Já falei que não quero ser incomodado! Deixe-me em paz!” atirou o copo de whisky contra a porta, estilhaçando o cristal em milhares de pedaços.

A porta se abriu com cuidado.

“Nem mesmo ser incomodado por mim?” Marguerite entrou calmamente no quarto desviando dos cacos de vidro espalhados no chão. Roxton se virou surpreso. De todas as pessoas do mundo, ela era única que ele desejaria receber, sempre, mas, como poderia adivinhar que depois de tudo que ela lhe disse ontem iria visitá–lo de tão boa vontade.

“Sua presença nunca me incomodaria” ele sorriu envergonhado de sua atitude mal educada.

“Não tenho tanta certeza disso. Se bem me lembro, em alguma ocasião, no platô, você chegou a sugerir que teria um pouco de paz se estivesse longe de mim” ela o provocou.

“Pois eu, provavelmente, nunca estive tão enganado quando proferi tão infames palavras. Pude comprovar que os dias longe de você foram os mais angustiantes de toda a minha vida”.

Ela sorriu e ele achou que essa poderia ser a oportunidade perfeita para lhe contar a verdade.

“Ouça, Marguerite, sobre Christine...”.

“Eu sei de tudo” ela o interrompeu depositando gentilmente a mão sobre seus lábios.

“O que você quer dizer?”

“Sua mãe me procurou e me apresentou todos os fatos. Não a culpe, John. Ela errou, mas, teve dignidade o suficiente para reparar seu erro”.

“Então, isso quer dizer que estou perdoado?” seus olhos transmitiam entusiasmo e esperança.

“Não há o que perdoar. Dessa vez, a culpa não foi sua” ela sorriu, mas enfatizou que apenas dessa vez ele não era o culpado.

O caçador não se conteve, ergueu a herdeira do chão e a girou no ar como costumava fazer quando dançavam a valsa dos sonhos no platô. Em seguida, cuidadosamente a desceu e olhou em seus olhos com ternura.

“Eu te amo Marguerite. Amo como nunca achei que fosse capaz de amar” ele se ajoelhou e contemplou o ventre aumentado de sua amada, antes de abraçá-lo. Ela sentiu sua pele úmida pelas lágrimas de Roxton que começavam a molhar o tecido azul turquesa de seu vestido.

“Meus filhos, eu sou o seu pai. Prometo protegê-los com minha própria vida se preciso for” as crianças se agitaram e o caçador pode sentir essa sensação maravilhosa “Eles gostaram de mim, você viu?” disse com um sorriso bobo e orgulhoso, característico de homens que experimentam a paternidade pela primeira vez. Marguerite concordou e sorriu também, sucumbindo às lágrimas de felicidade diante da declaração de amor de John pelos filhos.

Percebendo a emoção da amada, Roxton se levantou a abraçou com carinho e logo se afastou o suficiente para poder olhá-la nos olhos antes de silenciosamente beijar-lhe os lábios com profundo amor.

“Eu prometo que nada mais irá nos separar” ele jurou.

Marguerite tinha certeza que ele faria de tudo para cumprir essa promessa. O caçador tomou-lhe os lábios novamente, desta vez, com mais desejo. Desejo esse retido dentro si depois de tanto tempo longe de sua amada. A herdeira correspondia com igual entusiasmo. Ela começou a desfazer nó que prendia o cinto do robe escuro de John. As mãos dele percorriam freneticamente toda a extensão das costas de Marguerite enquanto procuravam o feixe secreto de sua roupa. “Maldição, quem inventou esses feixes certamente nunca precisou despir uma dama” ele pensou. Bruscamente ele parou o que estava fazendo e ela o olhou confusa sem saber o que havia acontecido para causar tal interrupção.

“Nós podemos fazer isso?” ele tinha um ar preocupado “Digo... Summerlee me disse que sua gravidez inspira cuidados e por mais que eu queira desesperadamente um momento a sós com você, não posso por em risco seu bem estar ou o dos bebês” disse com sinceridade.

Marguerite sorriu diante de sua adorávelinquietude de seu amado.

“Arthur fala muitas coisas, mas, a principal delas é que os bebês experimentam as emoções que a mãe sente e, posso lhe garantir que nada me faria mais feliz agora que fazer amor com você”.

Roxton sorriu satisfeito. A mulher a sua frente não costumava expor seus sentimentos, mas, ele sabia da intensidade do seu amor pela forma como ela se entregava a ele toda vez que se uniam em só ser.  Era mais do que apenas carnal, quase um ato espiritual. John sentia que suas almas eram predestinadas, que por várias encarnações se procuraram e agora finalmente haviam se encontrado.

Ele descobriu os ombros de Marguerite e beijou-lhes, sentiu seu suave perfume enquanto mordiscava seu delicado pescoço, isso a enlouquecia de desejo. Agora, o vestido turquesa era apenas um pedaço de tecido amontoado no chão do quarto. O caçador admirava as novas curvas de sua mulher e comtemplava cada novo detalhe. Ela estava linda e atraente, ele quase podia enxergar sua áurea resplandecente de um brilho hipnotizante. A herdeira traçava linha dos músculos expostos de Roxton com a ponta dos dedos, causando-lhe deliciosos arrepios. Finalmente entregaram-se a paixão reprimida atingindo juntos o ápice de seu prazer.

Enquanto descansavam nos braços um do outro, John que acariciava os negros cachos de cabelo de sua amada interrompeu o silêncio.

“Você não seria capaz de imaginar por quantas vezes eu sonhei em amá-la aqui, em meu quarto, exatamente como fizemos hoje”.

Ela gargalhou e se aninhou ainda mais em peitoantes de dizer.

“Eu acho que nunca fui tão feliz em toda a minha vida”.

Ele beijou o topo de sua cabeça. “Nem eu, meu amor, nem eu”.

Ambos passaram por um pequeno cochilo e a herdeira foi a primeira a se despertar. Surpreendeu-se ao olhar para o elegante relógio de parede e já passavam das oito da noite.

“John!” ela o chamou cutucando-o, com carinho.

”Hmm” Roxton gemeu se despertando.

“Já é tarde, eu preciso ir. Arthur e Benjamin devem estar preocupados”.

“Você deve estar brincado ao sugerir que vou deixá-la sair dos meus braços, ainda mais pra voltar pra casa daquele médico atrevido” ele falou ainda com os olhos fechados.

“John, por favor, eu devo uma satisfação a eles, sobretudo a Arthur. Ele me acolheu como a uma filha e cuidou de mim”.

“Você tem razão” o caçador finalmente abriu os olhos. “Escreva um bilhete para os Summerlees, eu me encarrego que ele seja entregue ainda hoje. Diga a eles que a partir de agora você mora indefinidamente na mansão Roxton e que Benjamin não se atreva a vir visitá-la”.  

“Roxton, eu não posso simplesmente fazer o que você está me pedindo. Aliás, não estou nem um pouco confortável com sua atitude em relação a Benjamin. Espero que você se retrate, ele é um bom amigo, arriscou sua vida para nos resgatar do platô, cuidou da minha gestação e, além disso, é neto de Arthur e você deve isso ao Summerlee”.

Roxton revirou os olhos a cada predicativo que Marguerite atribuía ao médico.

“Ora, Marguerite. Ele é um xavequeiro oportunista, eu deveria era ter nocauteado ele quando o vi com as mãos em sua barriga” o caçador estava visivelmente irritado.

“Lorde Roxton, isso não esta em negociação! Benjamin Summerlee é meu amigo e meu médico. Eu confio nele e espero sinceramente que vocês se acertem” ordenou imperativa.

“Tudo bem, Marguerite” suspirou derrotado “Já que você me pede com tanto jeito, como posso negar” ele não queria começar uma discussão por motivo tão vil. “Mais alguma exigência, milady?”

“Sim. Só mais uma” a herdeira se erguei e se apoiou sobre o peito nu de Roxton olhando diretamente para ele. “É sobre Christine Fraser”.

“O que tem ela? Ela já foi demitida, não faz mais parte de nossas vidas. Marguerite, não me diga que está...”.

“Cale-se John. Não coloque palavras na minha boca. Eu não estou com ciúmes, se é o que seu ego inflado sugere. Ao contrário, quero que você a readmita”.

“Eu não entendo, por que isso?”

“Bem, meu querido, você mesmo me falou, em mais de uma oportunidade o quanto a Srta. Fraser é eficiente e ‘digna de sua admiração’” disse estreitando os olhos, mas logo desfez a expressão para tratar do assunto com seriedade. “Em um mundo onde os homens ditam as regras e dão as cartas, a atitude dela, embora nem um pouco nobre, foi a única maneira que encontrou para obter ascensão em sua carreira. Não a julgo, não sei se em seu lugar eu não faria o mesmo. Ela é tão vitima como todos nós”.

“Minha Marguerite, você não se cansa de me surpreender?” disse com orgulho.

“Esse é um dos meus muitos talentos” sorriu de forma travessa “entretanto, só por precaução, mande-a trabalhar bem longe daqui, do outro lado do oceano de preferência. Não posso garantir que não vou arrancar os olhos dela se a ver flertando com você novamente”. Os dois gargalharam felizes enquanto se beijavam.

 

​Na casa dos Summerlees, Benjamin andava nervoso de um lado a outro da sala.

​“Vovô, o senhor não devia ter permitido que Marguerite saísse acompanhada daquela senhora. Pode ser perigoso”.

​“Acalme-se Benjamin. Lady Elizabeth não é uma sequestradora, e nem seria capaz de fazer algum mal aos netos. Além disso, Marguerite foi de boa vontade”.

“Ela pode não ser perigosa, mas o filho dela é. Marguerite não quer encontrar Roxton, isso pode ser uma armação dele para encontrá–la”.

“Benjamin, não seja ingênuo. Marguerite e John se amam desde o primeiro momento em que se enxergaram, eu estava lá e posso testemunhar isso. Ele a ama com loucura, seria incapaz de fazê-la algum mal”.

O soar da campainha impediu que o neto protestasse. Benjamin foi atender na esperança que fosse Marguerite. quando retornou exibia uma carranca mal humorada.

“Qual o problema?” perguntou o avô.

“Marguerite... passará à noite na mansão Roxton” disse com desdém.

O botânico sorriu vigorosamente.

“Bem, isso é sinal de que os planos de Lady Roxton deram certo” ele comemorou.

“Não sei por que o senhor fica tão feliz. Sabe que a relação com Roxton é tóxica a Marguerite”.

“Ouça, meu neto. John e Marguerite são almas gêmeas. Só encontraram a felicidade juntos. Eu já percebi que você nutre sentimentos profundos por ela. E nada me faria mais feliz do que se ela o correspondesse, mas esse não é o caso. O coração dela não pertence a você, e você precisa se conformar com isso. Benjamin, você é um excelente homem, do qual tenho muito orgulho. Tenho certeza que encontrará uma mulher que o ame da maneira que você merece, por completo”

“Isso quem decidirá sou eu” o jovem médico saiu para o quarto irritado, batendo a porta. “Eu não desistirei de Marguerite” disse a si mesmo.

A herdeira despertou naquela manhã ao som dos pássaros que gorgolejavam na foto d’água do jardim da mansão. Demorou alguns segundos para que a herdeira se recordasse de onde estava e de tudo que havia acontecido. Ao se dar conta da realidade ela suspirou sorrindo de satisfação. Ao lado da cama, sobre o criado mudo estava pousada uma rosa vermelha, sob ela um pequeno bilhete. “Lorde Roxton, você não perde o costume” ela pensou.

Sentou-se na cama e beijou a rosa colocando-a do seu lado, desdobrou o papel e se pôs a ler.

“Minha amada Marguerite, meu desejo era passar o resto de minha existência nesta cama, ao seu lado. Entretanto, milady deu-me tarefas expressas que devo cumprir imediatamente sob o risco de punições severas e eu não pretendo desapontá-la. Obriguei-me a fazer o sacrifício de deixá-la dormindo, espero que me perdoe por isso. Com todo o meu amor, John. P.S. minha mãe partiu logo cedo para Avebury, portanto, você é a única senhora da casa, é bom que se acostume a essa posição, pois, irá ocupá-la muito em breve”.

Ela sorriu com o bilhete amoroso. Não conseguia se lembrar de outra ocasião em que estivesse tão feliz e em paz. De repente um arrepio de medo percorreu toda a extensão de seu corpo e ela sentiu um mau pressagio. Por instinto abraçou seu ventre e tentou se acalmar. Essa angustia perdurou alguns minutos até que o movimento dos bebês a fez se distrair e relaxar.

 

Desde que havia se formado na turma de medicina de 1920 do Imperial College London, Benjamin Summerlee, o primeiro aluno da classe, exercia seu oficio de médico em um dos consultório do referenciado Sta. Mary’s Hospital. O fabuloso prédio localizado próximo à estação Paddington era um dos principais centros médicos de Londres e berço de pesquisas importantes para a história da humanidade. Em suas instalações, 1874, o químico Alder Wright sintetizou pela primeira vez uma molécula de heroína, potente analgésico que poderia ser utilizado em substituição da morfina com melhora no perfil de segurança. E anos mais tarde, em 1928, o bacteriologista Alexander Fleminng anunciaria o advento da penicilina, um antibiótico que revolucionaria a indústria farmacêutica, salvando milhares de vidas.

Lorde Roxton olhava o prédio inseguro se o que estava prestes a fazer seria totalmente correto. Apedido de Marguerite, ele tentaria acertar os ponteiros com Benjamin, mas, o caçador não tinha plena certeza da inocência do médico. Ele sabia que o homem a cobiçava com sentimentos mais profundos do que mera amizade e isso o irritava muito. Depois de alguns minutos de espera, a enfermeira sinalizou que Dr. Summerlee poderia lhe receber.

“Bom dia, Benjamin, como vai?”.

O médico sequer olhou para o nobre. Continuou o que estava fazendo, escrevendo em alguns portuários. Isso começou a fazer o sangue de Roxton borbulhar dentro de suas veias.

“Lorde Roxton, seja breve, estou trabalhando e acho que o que o traz aqui não é nenhuma situação clínica”.

“Você tem razão. Eu serei breve, prometo. Bem... como você deve saber, eu e Marguerite nos reconciliamos. E ela se sente preocupada em relação ao que aconteceu em sua casa há alguns dias. Acho que me exaltei mais do que devia, e estou aqui para oferecer uma desculpas. Espero que isso não interfira na nossa amizade”.

“Meu caro Lorde Roxton, você é honesto e leal. Isso são característica que eu valorizo em um ser humano. Em outra oportunidade sentiria-me honrado em ser seu amigo”.

“Não entendo por que não podemos ser amigos agora.”

“Por que eu não estaria sendo leal com você” o médico disse se levantando da cadeira e se aproximando do caçador “Pelos seus nobres valores e pela consideração que meu avô sente por você eu lhe serei honesto… não poderemos ser amigos porque estou apaixonado por Marguerite. ela o escolheu e isso é fato, mas eu estarei por perto, sempre. Quando você falhar novamente, porque tenho certeza que o fará. Eu estarei ali e não perderei a oportunidade de conquistá-la”.

Roxton não se conteve diante do que considerou uma falta de respeito, com um gancho de direita acerou o queixo do médico, que revidou derrubando o caçador no chão. Logo estavam trocando tapas, socos e pontapés em uma briga acirrada.


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