Um Título Vazio escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 10
O pedido




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O caçador voltou para casa ostentando um belo hematoma no olho direito e um pequeno corte no lábio superior. Nada comparado ao estrago que o nobre deixou em Benjamin. “Aquele atrevido teve o que mereceu” pensou irritado, mas, não satisfeito. Não era a sua índole ser um homem violento, ainda mais com o médico a quem chegou a considerar um amigo, entretanto, há limites para sua benevolência, e o assunto Marguerite nublava completamente sua racionalidade fazendo-o agir como selvagem.

Após o pequeno show que os cavalheiros proporcionaram com a briga, a Scotland Yard foi acionada no Sta Mary’s Hospital acalmando assim os ânimos de ambos. Nenhum dos dois quis registrar ocorrência e seus ferimentos foram cuidados pelas enfermeiras, em salas separadas, para evitar novos conflitos.

“Maldito Benjamin! Quem ele pensa que é para falar assim da minha mulher? Eu deveria ter lhe dado essa surra no dia em que o encontrei com as mãos sobre ela. Marguerite terá que encontrar outro médico para assisti-la, não o verá nunca mais” falava pra si mesmo enquanto dirigia para casa.

“John! O que aconteceu?!” Marguerite se assustou ao ver o caçador amarrotado e ferido.

A herdeira trajava um elegante vestido de seda rosa claro, as mangas embora, longas, deixavam seus ombros nus.  Nos punhos, o tecido era presocom babado grampeado e o abdômen bem marcado com um laço de cetim no mesmo tom, amarrado logo abaixo do busto, evidenciando a sua gestação já no final do segundo trimestre. A peça extremamente romântica foi cuidadosamente escolhida por Lorde Roxton, que teve a atenção de visitar a Harrods antes de procurar Benjamin. Era uma surpresa para a amada. Ele pediu que a encomenda fosse entregue imediatamente, para que quando a bela despertasse houvesse um detalhe a sua espera.

“Vejo que já conheço milimetricamente suas novas medidas, o vestido ficou perfeito. Você está linda” ele tentou persuadi-la a mudar de assunto.

“Obrigada. Mas, não tente desconversar. Diga-me o que ou quem lhe causou esse hematoma” Marguerite parecia aflita, mas, Roxton não estava suficientemente calmo para tratar aquele assunto com ela. Não naquele momento.

“Seu amiguinho médico, foi ele quem fez este hematoma. E eu também deixei algumas marcas nele. Satisfeita?” disse com sarcasmo, quase como a culpando pelo ocorrido. A herdeira percebeu a ironia em sua voz e isso a irritou.

“Mas por que vocês brigaram? Lembro-me de ter pedido que você tentasse se acertar com ele, em nome de Arthur, não que saíssem no soco”.

“Ora, Marguerite, que nobre da sua parte” ele aplaudiu com desdém “Pois saiba que Benjamin teve a audácia de falar na minha cara que está apaixonado e que não desistirá de você. Isso é mais do que eu estou disposto a suportar daquele atrevido”.

“John, isso não é motivo para você perder o controle”.

“Você acha que não é motivo?” o caçador começava a se enfurecer novamente e sabia que estava a ponto de magoá-la, mas não podia fazer nada para impedir isso “Marguerite, você pode ser tudo, menos ingênua. Não me diga que nunca notou que ele sentia por você algo mais profundo, que mera amizade?”.

A mulher estreitou os olhos com raiva.

“Em primeiro lugar, Benjamin é meu amigo e meu médico. Ele é um excelente profissional e nunca ultrapassou o limite ético desta relação. Em segundo lugar eu sou responsável pelos meus sentimentos, não pelos dele. Eu não lhe dei o direito, Lorde Roxton, de falar comigo neste tom. Se você está inseguro a culpa é sua e não minha. Se você realmente confiasse em mim e nos meus sentimentos apenas o iria ignorar, por que é com você que eu estou”.

“Você parece está adorando esta situação” ele falou sem pensar.

“O que você quer dizer com isso” Marguerite também estava começando a perder a calma.

“Estou dizendo que você está gostando de me ver com ciúmes. Que quer me castigar pelo o que aconteceu com Christine. Mas não irá funcionar. Não irá me manipular desta forma. Exijo que você se afaste de Benjamin” ordenou.

“Ora, Lorde Roxton, não seja ridículo. Eu não sou sua empregada, nem seu patrimônio para que você exija algo de mim. Além disso, você parece não me conhecer bem o suficiente para saber que não sou adepta a esses jogos de ciúmes. Não necessito disso e tampouco pretendo estar em uma relação em que eu precise lançar mão de manipulações para me sentir segura. Afinal, que espécie de mulher você julga que eu sou?” ela o encurralou “John, você conheceu minha versão mais transparente e vulnerável, confiei a você meus segredos, meus traumas, minhas angustias... me dei o luxo de planejar um futuro ao seu lado... se você não é capaz de notar isso... se não é capaz de reconhecera sinceridade dos meus sentimentos... talvez tudo isso esteja sendo um erro”.

“Marguerite, você não está sugerindo que nós...” o desespero começou a tomar conta do caçador. Ele não podia ter estragado tudo. Sua impulsividade sempre foi seu maior defeito.

“Eu estou sugerindo que uma relação não pode ser baseada apenas na paixão e no amor, é preciso que se tenha confiança e respeito. Eu não minto que senti ciúmes de você quando o vi com Christine, além disso, haviam outros agravantes que me deixaram insegura. Mas, quando descobri a verdade, eu pedi que você a readmitisse, porque confio em você e no seu amor” ela o olhou nos olhos e disse com sinceridade. “Benjamin e eu nunca tivemos nada além de uma bela amizade, eu não preciso lhe provar isso. Serei franca em dizer que ele sugeriu me apoiar quando nós rompemos, mas nunca passou de uma sugestão, a qual eu nunca aceitaria”.

“Marguerite, me desculpe” ele implorou ao se dar conta da besteira que quase acabara de fazer. Todos aqueles anos convivendo com aquela mulher não foram o suficiente para entender que não se pode impor nada a Marguerite Krux, sob o risco de vê-la escapar por entre seus dedos. Embora ele ainda estivesse com muita raiva do médico, tinha que concordar que a mulher tinha razão em seus argumentos. O caçador estava sendo egoísta ao pedir que ela se afastasse do amigo e irresponsável ao sugerir que ela interrompesse seu tratamento médico. John sabia o quanto Marguerite o amava e era hora de provar sua confiança nela e oferece-lhe o apoio a qual ela tanto necessitava. “Você tem razão. Estou cego pelo ciúme e não consegui me controlar” ele se aproximou e afagou sua bochecha agora rosada pela tensão do momento “Por um instante, meu pai parecia estar falando pela minha voz” ele lamentou envergonhado.

“Não diga isso” foi a vez dela afagar o rosto de Roxton “Você é gentil, leal e justo... caso contrário eu não estaria tão apaixonada por você”.

“Ah é? Você está mesmo muito apaixonada por mim?” perguntou com um sorriso malicioso e brincalhão. Ela apenas sorriu concordando. “Então talvez esse seja o momento oportuno para que você me responda uma pergunta”.

Marguerite o olhou confusa enquanto ele tirava do bolso uma caixinha aveludada. Ao abrir a herdeira viu o mais lindo anel de safira, todo cravejado de pequenos diamantes. “Era um anel digno de uma princesa” ela pensou.

“Marguerite Krux... você aceita ser a esposa deste humilde caçador, ciumento, impulsivo e turrão, mas, que a ama com toda a intensidade do seu ser?”

Ela tinha os olhos marejados de água . “Nada me deixaria mais realizada do que ser sua esposa, Lorde Roxton”.

O nobre ignorou a dor muscular causada pela briga e ergueu a noiva em seus braços enquanto a beijava. Delicadamente ele a conduziu até seus aposentos de onde eles não deveriam ter saído naquela manhã. Os amantes selaram sua reconciliação com um ato do mais puro e genuíno amor. Como sempre acontecia, ambos sentiram que não se tratava apenas de uma junção de corpos. Quando estavam juntos não havia mais nada entre o céu e a terra. Eram só eles e o amor que compartilhavam.

Enquanto a amava, John pensava que em breve ela se tornaria oficialmente sua esposa, e isso não passava de uma formalidade, pois desde sempre ela foi sua mulher e ele também era inteiramente dela. Finalmente o caçador teria a família que tanto sonhou e por isso, prometeu, a si mesmo, que jamais colocaria algum tipo de desconfiança entre eles e não desperdiçaria nenhuma chance de fazê-la sorrir.

Os dias que se seguiram foram de profunda e exclusiva dedicação entre o casal. Tentaram ao máximo recuperar o tempo perdido e nada parecia atrapalhar a felicidade dos dois. O Lorde levava a noiva a passeios e aos melhores restaurantes, mas ambos preferiam passar a maior parte do tempo no quarto entre beijos, carícias e juras de amor. Marguerite começou a fazer planos para cerimônia de casamento. Roxton fazia questão que esta acontecesse antes do nascimento dos filhos, não queria dar margem a nenhuma especulação ou fofoca da sociedade hipócrita em que viviam. A herdeira, por sua vez, foi irredutível quanto ao tamanho da celebração. John queria uma grande festa, que convidasse toda a sociedade para que todos soubessem o quão sortudo ele era por estar se casando com a mulher mais linda de Londres, mas, ela queria algo simples, apenas para os amigos mais próximos e alguns familiares dele. Na verdade ela se sentia cada dia mais indisposta, mas, acreditava que eram apenas incômodos da gravidez e não queria preocupar o noivo.

A pedido da futura nora, Lady Roxton a ajudava com os preparativos. Era impressionante como ambas tinham os mesmos gostos, a herdeira, assim como ela, era uma dama requintada e pela primeira vez em muitos anos, a mulher mais velha se via entusiasmada com algo. Pedir perdão ao filho foi libertador e ela agradeceria a Marguerite sempre por isso. Agora, Lady Elizabeth tinha recebido a oportunidade de reunir a família novamente. A expectativa pela chegada dos netos enchia seu coração de ternura e muitas vezes ela se pegava sorrindo sozinha. Não conseguia deixar de pensar que ao aceitar Marguerite como a companheira de seu filho, na verdade, estava aceitando a uma filha. A maneira como a herdeira a compreendeu sem restrições e a perdoou antes mesmo que ela lhe oferecesse uma desculpa a comoveuprofundamente. Concluiu que a chegada dessa mulher a sua vida e a de seu filho havia trazido cor a um luto que os afastava.  

Num belo dia de primavera, Marguerite e Lady Roxton tomavam chá no jardim, e, enquanto conversavam alegremente sobre a infância do caçador foram comtempladas com a visitar de Arthur Summerlee.  

“Arthur, que prazer revê-lo” cumprimentou a nobre.

“O prazer e todo meu, milady” o senhor respondeu com um aceno de cabeça. “Como vai, minha querida? Senti sua falta esses últimos dias” o botânico se dirigiu a Marguerite que se ergueu para beijar lhe a bochecha com carinho. Pegando-lhe o braço ela o conduziu o bondoso senhor até a mesa.

“Ora, Summerlee, não foram tantos dias assim...e... sim, também estava com saudades. Pretendia visitá–lo em breve, mas você sempre me surpreende” ela sorriu.

“Gostaria de conversar com você, querida”.

Percebendo que o assunto era sério, a matriarca se limitou a dizer.

“Se vocês me dão licença, eu tenho que examinar uns documentos no escritório. Sinta-se a vontade, professor”.

“Obrigada, senhora”.

Assim que a mulher saiu, Marguerite retomou o assunto.

“Arthur, eu acho que sei o que te traz aqui. A briga de John e Benjamin foi um ato de imaturidade desproporcional. Conversei com Roxton e eu espero que nada disso interfira na nossa relação com vocês. Você e Benjamin me apoiaram em um momento de vulnerabilidade e eu nunca saberei como recompensá-los... aliás, abusando de sua boa vontade eu tenho mais um pedido a lhe fazer...eu e John oficializaremos nossa união em breve, e eu gostaria muito que você me conduzisse ao altar na cerimônia. Você é a pessoa que mais generosa que eu conheço, e se pudesse escolher um pai ele seria exatamente como você.”

O senhor sentiu as lágrimas brotando em seus olhos diante de tão especial convite. Ele tirou o lenço do bolso enquanto afastava os óculos para secá-las.

“Minha criança, a honra será toda minha em acompanhá-la. Você me despertou sentimentos paternais desde que nos conhecemos, sua atenção e paciência comigo sempre me emocionou. Pois saiba que se eu tivesse uma filha também ficaria orgulhoso se ela fosse igual a você. Como eu seria capaz de declinar de tão formidável pedido?”.

Os dois sorriram emocionados.

“Mas, e então? Diga-me o motivo da sua visita, além de me ver, é claro” Marguerite também secava as lágrimas com o guardanapo e tentava recompor-se rapidamente .

O sorriso de Summerlee foi lentamente diminuindo ao se lembrar do assunto que o trouxera a mansão Roxton.

“Marguerite, minha cara, gostaria de falar sobre meu neto.”

“Eu pretendo procurá-lo, mas estou esperando os ânimos se acalmarem. Não pensei que estou sendo mal agradecida, só acho que mexer no assunto agora só causaria mais desentendimentos. As feridas ainda estão recentes...”

“Você precisa deixá–lo” o botânico a interrompeu. “Como médico e como amigo”.

“O que?”

“Benjamin está apaixonado por você... perdidamente. Isto o está afetando, ele tem se tornado uma pessoa amargurada e deprimida. Obcecado por tudo que a envolve” Arthur sabia que não era correto o que pedia a jovem e que não deveria estar e intrometendo neste assunto, na verdade lamentava ter que fazê-lo, mas, a felicidade do neto estava em jogo. O botânico se sentia culpado por tê-lo enviado ao platô. Se não houvesse feito tal pedido ao neto ele conheceria a herdeira em outras circunstâncias e talvez não se apaixonasse por ela.

“Mas...Summerlee, eu não sou a culpada por isso. Nunca alimentei as esperanças do seu neto” Marguerite estava visivelmente magoada com o homem que tanto admirava.

“Eu sei, minha querida. Não se sinta magoada, eu não estou a responsabilizando. Mas, sua presença inevitavelmente o enche de expectativas que nunca se tornaram realidade. Além disso, ele já ultrapassou o limite ético da relação médico-paciente, não seria mais capaz de assisti-la com imparcialidade. Ele precisa de tempo e espaço para compreender que seu amor jamais será dele”.

Marguerite entendia o que o professor queria dizer, mas, nem por isso deixava de se sentir triste com suas palavras. Ela jamais pensou ser responsável, mesmo que indiretamente, pela infelicidade do médico, o qual nutria um carinho fraternal.

“Eu entendo, professor” limitou-se a dizer com a voz embargada pela tristeza. “Eu não o procurarei mais”.

“Obrigada, Marguerite. Eu sei que ele se recapacitará em breve e se conformará em ter apenas a sua amizade”.

“Assim eu espero” ela sussurrou.

Mais algumas semanas se passaram e a data do casamento se aproximava. Marguerite se sentia cada dia mais cansada, porém, raramente reclamava ao noivo ou a sogra. Na manhã do grande dia a herdeira acordou com uma estranha sensação, uma ansiedade pouco comum e imaginou que seria entusiasmo pelo evento, por isso a ignorou e continuou seus procedimentos de beleza. Ela estava agora entrando na trigésima terceira semana de gestação, o peso e o volume do abdômen quase a impediam de enxergar os dedos dos pés, mas estranhamente ela nunca se achou tão extraordinária, detentora do poder da vida. A modista estava realizando os últimos ajustes no seu elegante vestido perolado bordado a mão com pequenos cristais que se assemelhavam a diamantes. Seu exuberante cabelo havia sido penteado para o lado esquerdo do rosto deixando parte do seu fino e delicado pescoço a mostra. Lady Elizabeth lhe deu as luxuosas joias tradicionais da família Roxton. Marguerite tentou recusar por achar que era um tesouro muito intimo, mas a mulher insistiu que se ela tivesse tido a oportunidade de gerar uma filha gostaria que ela as usasse no dia mais importante de sua vida. E era assim que ela passou a considerar a nora, como uma filha.

Parecia tudo perfeito, mas o coração de Marguerite ainda estava apertado, talvez pela ausência de pessoas que ela passou a julgar essenciais. Veronica e Malone eram uma saudade constante desde que ela retornou a Londres e agora também sentia falta da companhia de Benjamin a quem aprendeu a amar como um irmão.  Arthur havia lhe avisado que o médico estaria trabalhando no horário do casamento, mas ela sabia que essa era apenas uma desculpa, e que o amigo não se sentia confortável e nem compartilhava da felicidade do casal.  A herdeira lamentava isso, mas o entendia e não o julgava. A dor momentânea de uma espetada de alfinete em suas costas a fez se despertar de seus pensamentos.

“Ai, por favor, mais cuidado” Marguerite pediu com gentileza, mas sem se virar para olhar a moça.

“Desculpe, milady, eu sou nova neste ofício”.

Marguerite se surpreendeu imediatamente ao reconhecer a voz. Virou-se de uma só vez para reconhecer a moça loira vestido em um elegante vestido bordô que ria satisfeita da cara de espanto de Marguerite.  


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