Serpente escrita por MademoiselleChociay


Capítulo 1
Mancha de vinho no tapete


Notas iniciais do capítulo

Olá! Fico muito feliz que cê chegou nessa minha fanfic ♥

A Penha é uma personagem pela qual sou apaixonada, e nela sempre vi uma complexidade absurda. Pretendo trabalhar um tanto com essas nuances dela ?” o olhar do desprezo, a inteligência, a astúcia ?”, mas também apresentar uma Penha mais sensível, sentida, em um momento mais adulto e, portanto, um tanto diferente dos quadrinhos.

P.S. Usarei algumas expressões e frases em francês para compor as falas da Penha, mas não se preocupem! Todo fim de capítulo vai ter suas notinhas de rodapé com as traduções.

Très bien, vamos lá!



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Estava frio demais para um outono — talvez fosse minha culpa, esqueci de ligar o aquecedor da sala. Tampouco me importei em fechar as portas da varanda. Baforei uma pequena nuvem, que não soube distinguir se vapor de frio ou fumaça de cigarro.

    Os outonos costumam ser frios em Paris. Eu só não lembrava de ter vivido um tão intenso nos últimos anos — desde que viemos para cá foram três, quase quatro, eu contei. Só esqueci de contar as taças que esvaziei ao longo da noite. Uma garrafa mais. Escolhi tinto desta vez. Seco. Era um gosto em comum, compramos esse juntos para um dia especial que nunca chegou. 

    E não chegaria. Não depois de hoje. 

    — Alors, ceci n’a plus d’importance…¹

    Ainda não tinha sol quando peguei as chaves.  

Um último trago, apaguei o cigarro. Tomei o cuidado de esvaziar o cinzeiro e lavar, antes de voltar a usá-lo como decoração da mesa de centro. Ignorei a mancha no tapete, era só fingir que nunca esteve lá -- como todos os problemas deste relacionamento, ignorados por tanto tempo. Arrumei a boina, enrolei o cachecol, pendi o casaco na mão. A bagagem já esperava na porta e o táxi estava a caminho. 

    — Saindo tão cedo?

    Engoli em seco. Ele estava acordado. O rosto ainda amarrotado de travesseiro, os cabelos arrepiados e embolados entre si quase perdiam o formato característico.

    — Oui. Vou visitar Agnes. Sabe que faço isso todos os anos.

    Recostou na parede. A sobrancelha arqueada, suspeitava. Olhava minhas mãos, tensas, envolvendo as alças das bolsas. 

    — Nunca levou uma mala tão grande. 

    Suspirei. Merde. Mas o que eu esperava? Que eu pudesse apenas sumir da casa onde moramos por três, quase quatro anos, sem dar qualquer satisfação? Que eu pudesse fugir para o Brasil e tudo ficaria certo?

    -- Não se preocupa. Já entendi. -- Não havia raiva naquela fala, apenas… frustração. -- O apartamento estará vazio quando você voltar.

    -- Choux², eu non… -- comecei a dizer, mas a fala travava no meio. Esqueci as palavras, tanto as portuguesas quanto francesas. 

    -- Não quer me expulsar? Eu sei. Você tem muita classe para isso, Penha. Por isso tentou sair na surdina, sem se despedir. -- podia jurar, seus lábios esboçavam um sorriso. -- Seus planos são bons, mas sabe… nunca foram melhores que os meus. 

    Um riso meu também escapou com a brincadeira. Eu entendia perfeitamente o que ele dizia. Não se vangloriava de uma genialidade qualquer, muito pelo contrário: como ele, nada de meus planos foi de fato infalível. Nossos planos sempre portaram falhas grotescas, furos perceptíveis a metros e que deixamos passar como se nada fossem. 

    Aquelas malas, aquele táxi lá embaixo, eram meu atestado de fracasso. Pois o maior dos meus planos, o único que pensei ter funcionado, chegava à sua conclusão falha depois de três anos, quase quatro. E começou parecendo promissor, seguindo a métrica como uma poesia perfeita. Teria dado certo. 

    Apenas levei muito tempo para enxergar que todo bom plano envolvia uma boa mentira. E vivi essa boa mentira por três, quase quatro anos, enquanto caminhávamos pelas margens do Sena, escolhíamos livros novos na Shakespeare ou um bibelô na Champs-Élysées. Quando eu chegava e o cheiro do meu ratatouille favorito já dominava a casa. Quando eu te encontrava na cozinha e te beijava de surpresa, me orgulhando por te fazer trocar as letras outra vez. 

    Teria dado certo. E eu viveria a vida assim. Mas acordava de madrugada e o encontrava desperto, encarando o teto, o rosto imerso em pensamentos. Dizia que não era nada, que eu deveria voltar a dormir pois tinha aula na manhã seguinte. 

    Eu poderia dormir, se ignorasse que sabia o conteúdo dos pensamentos -- como ignorei aquela mancha de vinho no tapete. Não, ele não me amava, por mais que também quisesse acreditar nisso. Nunca me amou. Mas nós dois acreditamos que sim porque queríamos acreditar, e este tinha tudo para ser um plano infalível.     

    O nosso erro? É que nossos planos tinham furos, sim, mas o maior deles era comum a nós dois -- o conteúdo dos seus pensamentos, que não demorei para adivinhar e não pude ignorar. Um furo chamado Mônica. 


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Notas finais do capítulo

1 - Então, isso não importa mais...
2 - Apelido carinhoso, tipo um "mô"



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